domingo, 27 de fevereiro de 2011

Soneto da Musa Distante


Onde estavas, ó musa, na tarde
em que o meu coração sucumbiu
vendo a lua se pôr sem alarde
no horizonte esquecido de abril?

Porque estavas, ó musa, em silêncio
vendo as horas da noite passar
entre as brumas enquanto era intenso
o dilema que vinha do mar?

Onde estavas, ó musa, querida
nesse outono em que vai nossa vida
caminhando ao abraço do fim?

Porque estavas, ó musa, distante
quando mais precisei de um instante
entre os seios que anseio pra mim? 

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Antipoema x Paródia


Inúmeros escritores, por falta de conhecimento, confundem “antipoema” com “paródia”. O primeiro consiste em imitar, cômica ou satiricamente, uma obra séria. O segundo, em exprimir em versos uma idéia afirmando, com sentido inverso, o que está contido em outro poema.
Em uma das aulas que me deu, o mestre Ildásio Tavares propôs que fizesse um antipoema a um poema seu ainda inédito, um eneassílabo trímetro (verso de nove sílabas poéticas com cesuras na 3ª, 6ª e 9ª) intitulado Clara Sombra. Com o espírito de “um verso puxando outro” acabei superando o desafio compondo o meu Claro Entardecer. Espero que gostem.

CLARA SOMBRA
Ildásio Tavares

Passeavas azul em silêncio
sobre nuvens acima do mar:
tua sombra no mar ia clara,
sutilmente no seu navegar.

Nuvens turvas cobriram o céu,
passeavas no azul a brilhar:
tua sombra no mar ia clara
contra o escuro do céu e do mar.

Pouco importa se o vento do norte
de repente soprou a gelar.
Pouco importa se as trevas da morte
o horizonte vieram tragar.

Tua sombra no mar ia clara.
Minha vida só fez clarear.


CLARO ENTARDECER
Gustavo Felicíssimo

Passeavas, mas não em silêncio,
nesta rua, bem próxima ao mar:
tua sombra no muro escondida
escondia o teu caminhar.

Nenhum pássaro ia no céu,
nem as nuvens te viram passar:
tua sombra no muro escondida
escondeu-se também do luar.

Era triste, tão triste o crepúsculo,
sem o vento primevo a cantar.
Sem a lira dos teus vinte anos
já não fazes o céu desabar.

Tua sombra no muro escondida
escondeu-me do teu caminhar.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Solilóquio a Jim Morrison

Estava relendo esse poema que escrevi em meio ao caos, num momento de grande fúria, angústia e solidão. Ouvia Roadhouse Blues, canção da minha banda preferida, The Doors. O poema, em princípio, dialoga com o momento que estava passando, mas logo percebi que era o mesmo diálogo que Jim Morrison sempre manteve consigo mesmo. Por esse motivo o título do poema e o prenome do ídolo no primeiro verso.

  
Solilóquio a Jim Morrison

Entre um drink e outro, Jim,
revisito os meus demônios.

Verdadeiros e constantes,
me ampararam às portas do inferno.

Com eles me vi, muitas vezes,
marchando sob o sol do Saara.

Nenhum herói na linha de frente
ou escudos a me proteger.

Anjos decaídos apenas,
estendiam as mãos sobre o fim.

Eram quais os meus medos,
se não fossem os meus medos.

Eram quais os meus tormentos,
se não fossem os meus tormentos.

Estava acompanhado e só,
imerso em minha própria loucura.

Assista ao vídeo de Roadhouse Blues:

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A Melhor Definição de Poesia

Sempre que estou aqui em Salvador, na agradável companhia do meu amigo e poeta Bernardo Linhares, conversamos insistentemente, madrugada à dentro, sobre Vinícius de Morais. Ontem, falamos dos artigos do poetinha a respeito da poesia e, inevitavelmente, não pudemos deixar de fazer algumas leituras. Ao longo da minha vida ouvi e li muitas definições, ou tentativas, de se fixar o sentido do que é poesia. Algumas, apaixonadas, outras, ponderadas, embora quase todas não passem de arroubos infantis. De todas elas, a que mais me agrada e sensibiliza é o texto “Sobre Poesia”, belíssima e equilibrada tentativa de Vinícius de Morais de apreender e examinar a natureza do poema e a função do poeta no mundo. Texto esse que se pode acessar por aqui.

Contudo, desconfiamos que o melhor mesmo de Vinícius esteve reservado às mulheres. Vejam só como o sacana, mesmo depois que virou estátua na praça que leva seu nome, em Salvador, continua um sedutor incorrigível.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Na Barraca do Velho Badaca


           um presente para o Conde Badaró

É dia útil, mas toda segunda-feira
é feito feriado
na barraca do velho Badaca.
Onde não existe hora para existir
o sol se dá de presente, junto à praia,
flamejante sobre as correntes
enquanto o mundo segue caduco
longe dos coqueirais 
e da barraca do velho Badaca.
No comércio, os pregões.
Sobre a ponte, automóveis enfurecidos.
O homem pobre, o tempo pobre.
Mando esse mundo, enfim, às favas,
e festejo o canto de cada pássaro.
Celebro o encanto das águas
onde encontro razões para continuar.

A barraca de praia do meu amigo Badaró, na Enseada do Pontal,
um espaço de retiro em pleno perímetro urbano de Ilhéus.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Crônica Aquática


Dizem os cientistas que é grande o percentual de água no organismo humano. Quando somos bebês, entre zero e dois anos de idade, a quantidade gira entre 75 e 80%, mas vai diminuindo com o passar do tempo. Na minha idade, quase um quarentão, o índice se estabiliza entre 58 e 60%, constatações que me levam a especular que talvez resida aí o motivo que nos faz sentir aquela gostosa sensação de bem estar quando envolvidos pela água. Nosso corpo se sente confortavelmente abraçado e ao mesmo tempo livre para locomoção.
Sinto que tenho ainda alguns ganhos adicionais quando vou à natação cumprir diariamente pelo menos uma hora de exercícios físicos. Entre uma braçada e outra minha mente está desprendida e longe do mundo prático. Naquele momento existo apenas para superar a mim mesmo. Nenhum pensamento me acomete, nenhum verso me assalta anunciando o poema que está por vir, nenhuma ideia para a crônica da semana.
O melhor de tudo isso é que também não existe o trânsito barulhento a me incomodar, tampouco as músicas que os idiotas colocam a todo volume para sabermos que ali vai um sujeito com a auto-estima baixa, que precisa do som poderoso do automóvel para conseguir alguma atenção para si.
Quando estou nadando, o celular está desligado, eu estou desligado, a internet desconectada, o mundo para mim está desconectado. Não existe a hipocrisia nas notícias dos jornais que me tiram do sério ou TVs ligadas anunciando a alienação geral. Os políticos estão fazendo política, quase sempre em causa própria, mas isso, naquele momento, também não me incomoda, como não me incomoda o preço do livro ou do feijão, tampouco se meu professor lê Nietzsche ou Paulo Freire de joelhos.
Quando estou naquele mundo, cercado de água por todos os lados, nada encontra lugar em mim: nenhum enigma, nenhum vazio, nenhum sofismo ou silogismo, o boboca do Duchamp ou análises filosóficas sofisticadas, exceto a respiração ofegante e uma vontade tremenda de não voltar, de continuar alheio a quase tudo que os homens criaram e eu não preciso para viver.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Por Uma Dedicatória de Gullar


Há tempos precisava ir a São Paulo, mas adiava e adiava a viagem pelos simples fatos de não gostar muito de grandes deslocamentos e por preferir a cadeira na varanda de casa e o sorriso de minha filha que poltrona de avião. Calmamente esperei algum tempo até surgir a ocasião em que pudesse transformar necessidade em oportunidade. Foi quando soube que Ferreira Gullar autografaria seu livro mais recente, Em Alguma Parte Alguma, em uma livraria da capital paulista.
Solitário, em noite chuvosa, comprei via internet a bendita passagem e me hospedei na casa de um primo que me auxiliou nos deslocamentos por aquela cidade em constante frenesi. Compromissos cumpridos em prazo recorde para na data anunciada poder estar lá, na fila, entre amigos e fãs do maior poeta brasileiro vivo, à espera de uma dedicatória na folha de rosto do novo compêndio de poemas, e outra, em um livro que trago comigo como se fosse troféu, uma das raridades da minha modesta biblioteca, um exemplar da primeira edição do hoje clássico Poema Sujo.
O evento, marcado para as 19 horas, foi bastante agradável. Logo na entrada da livraria que fica na sede da editora, um banner com a imagem do autor, a capa do livro, e muita gente. Por volta das 20 horas chega o poeta agora octogenário, magro e menor que imaginava. Cumprimentou algumas pessoas, trocou rápidas palavras com outras e logo tomou assento.
Embora o público fosse grande, a espera foi curta. Meu primo, que sequer possui o hábito de ler poesia, não entendia tanta ansiedade, nem poderia. Chegada minha vez, não disse palavra alguma. Entrego-lhe, Em Alguma Parte Alguma. Gullar pergunta meu nome e sapeca a dedicatória: “Para Gustavo, com carinho”. Imediatamente após, passo-lhe às mãos o meu exemplar de Poema Sujo. Dessa vez o poeta para e, surpreso, olha-me nos olhos. “Gustavo, não é?”, ele pergunta. Respondo-lhe sem pestanejar: “Gustavo Felicíssimo”. “É seu sobrenome mesmo, filho?”. “Sim, e também sou poeta!” Gullar pensou um instante e então, a dedicatória: “Para Gustavo Felicíssimo, que traz a marca suja da vida”.

Lembrete:
Sobre Poema Sujo Vinicius de Moraes disse que é "o mais importante poema escrito em qualquer língua nas últimas décadas".

Ouça:
Ferreira Gullar na FLIP falando sobre o Poema Sujo:

Haikais da Maré Grande


Uma vez por semana acompanho um grande amigo em aventuras de caiaque na Baía do Pontal, aqui no Principado de Ilhéus. Entretanto, sei lá porque cargas d'água, nunca havia feito um único e mísero haikai sobre o tema. Mas ontem foi diferente. Começamos a remada por volta das 17 horas e ficamos na água até o crepúsculo, quando a lua (quase cheia), se mostrou enorme, compondo um cenário de beleza indescritível. Quando botos acompanharam meu barco fui envolvido em um clima totalmente sinestésico.

Ao voltar à terra, uma gelada na barraca do Conde Badaró, ao som de The Doors, uma enxurrada de haikais me esperavam e me possuíram. Abaixo, três deles.

mar prateado –
do alto do outeiro
a lua espelhada

***

vento sudeste –
rente à proa do barco
um boto me escolta

***

maré grande –
as águas de março
em fevereiro

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Centenário de Elizabeth Bishop e algum comentário sobre sua poesia


Estava relendo Elizabeth Bishop, em tradução de Paulo Henriques Britto, edição bilíngue da Cia das Letras, quando me dei conta de que há poucos dias, se estivesse viva, uma das mais expressivas poetas modernas de língua inglesa estaria completando 100 anos. Recorri às páginas especializadas em literatura na internet e percebi uma tímida e quase inexistente repercussão do fato no Brasil, país em que viveu bastante tempo, inspirando-a fortemente.

Muitos poemas de Bishop agradam, mas dois deles me impressionam sobremaneira: O Iceber Imaginário, poema que de tão belo dá nome ao compêndio que tenho em minhas mãos, e, Uma Arte, poderosa constatação existencial e, de certo modo, angustiada, sobre repetidas perdas (bens, lembranças, amores) que a poeta colecionou em sua vida. Mas esses dois poemas não refletem o que há de mais recorrente na obra da poeta norte amaricana, que é a sua capacidade de descrever lugares e animais, como em O Peixe; Posto de Gasolina; Manuelzinho, todos eles, bastante prosaicos, refletindo uma atitude relaxada frente à poesia, mais sensorial que rigorosa.
Um dos seus últimos poemas, concluído em 1979, Cadela Rosada, é um achado ilustrativo e metafórico. Alude sobre um episódio famoso, de 1962, quando se denunciou que mendigos cariocas estariam sendo assassinados pelo Esquadrão da Morte, que jogava os cadáveres no Rio da Guarda. Bishop identifica a cadela rosada com um mendigo e pergunta:

se estão fazendo isso com gente, os estúpidos,
com pernetas ou bípedes, sem escrúpulos,
o que não fariam com um quadrúpede?

Outra leitura desse poema é possível, pois em inglês, bitch (cadela) significa, também, prostituta, o que admite uma interpretação que vincula os acontecimentos da época à uma possível metaforização da condição feminina.

O Iceber Imaginário

O iceberg nos atrai mais que o navio,
mesmo acabando com a viagem.
Mesmo pairando imóvel, nuvem pétrea,
e o mar um mármore revolto.
O iceberg nos atrai mais que o navio:
Queremos esse chão vivo de neve,
mesmo com as velas do navio tombadas
qual neve indissoluta sobre a água.
Ó calmo campo flutuante,
sabes que um iceberg dorme em ti, e em breve
vai despertar e talvez pastar na tua neve?

Esta cena um marujo daria os olhos
pra ver. Esquece-se o navio. O iceberg
sobe e desce; seus píncaros de vidro
corrigem elípticas no céu.
Este cenário empresta a quem o pisa
uma retórica fácil. O pano leve
é levantado por cordas finíssimas
de aéreas espirais de neve.
Duelo de argúcia entre as alvas agulhas
e o sol.  O seu peso o iceberg enfrenta
no palco instável e incerto onde se assenta.

É por dentro que o iceberg se faceta.
Tal como jóias numa tumba
ele se salva para frente, e adorna
só a si, talvez também as neves
que nos assombram tanto sobre o mar.
Adeus, adeus, dizemos, e o navio
segue viagem, e as ondas se sucedem,
e as nuvens buscam um céu mais quente.
O iceberg seduz a alma
(pois os dois se inventam do quase invisível)
a vê-lo assim: concreto, ereto, indivisível.


Uma Arte

A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

— Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Elegia para Ildásio Tavares


Ildásio à minha direita e
Heitor Brasileiro Fº à esquerda
Comecei a escrever o poema logo que soube da morte do amigo e mestre Ildásio Tavares, em outubro de 2010, mas como não estava satisfeito com o resultado, resolvi engavetá-lo. De lá para cá, labutei nele algumas vezes, também sem alcançar um resultado satisfatório. Agora, quatro meses depois, me parece que está melhor e pode ser lido pelos amigos como uma homenagem póstuma que faço àquele que foi um dos mestres vivos que tive.

Longe, longe, vai o amigo.
Além da luz vai cintilando
no arco do tempo soberano.
Não vai triste ou sorridente,
vai apenas, feito as marés.
Vai mortalmente vivo,
com seus versos retumbando
entre os que passam e nunca passam;
cometas do nosso tempo,
turbulentas catedrais
brandindo as vísceras do indizível
porque a morte é grande,
enquanto a vida, estupenda.

Longe vai um Obá de Xangô,
entre o silêncio e a tempestade.
Lume singrando a escuridão,
deixa entre nós um bálsamo,
um perfume que nos conforta
mas não compensa a dor da partida
ou alivia o que não tem alívio.
Deitou frente à lei da existência,
agora não anda ou está parado,
não está dormindo ou acordado.
Está, apenas, e assim há de ficar
noites, dias, e estes, com os séculos,
feito um vate vivo, triunfante.

Ildásio Tavares foi um escritor com quem me relacionei quase cotidianamente por cerca de dez anos. Esse convívio me fez crescer muito, não apenas como poeta. Tive a honra de ler diversos poemas seus em primeira mão, incluindo aí o livro mais recente, Flores do Caos, uma obra composta por exuberantes sonetos, escolhidos a dedo por ele mesmo, e estava trabalhando na reunião de sua obra completa.
Ildásio também leu diversos poemas que escrevi, às vezes atuando como um mestre, apontando os pontos fortes, os fracos. Da mesma maneira ele fez com muitos poetas da minha geração aqui na Bahia, sendo, talvez, aquele que mais contribuiu para o despertar de uma forte consciência literária no nosso meio.
Por tudo isso foi que fiquei muito honrado por ter sido escolhido por ele para palestrar sobre sua obra nos Encontros Literários da Academia de Letras da Bahia e na comemoração dos seus 70 anos no atual Espaço Cultural da Barroquinha, também em Salvador. Também me sinto honrado por ter lhe proporcionado uma das últimas grandes alegrias, que foi sua estada aqui no Principado de Ilhéus, a capital da região onde nasceu (natural que é de Gongogi) e uma das cidades da sua predileção, por dois dias, para palestrar no Bahia de Todas as Letras sobre a obra de Sosígenes Costa, oportunidade em que o levei ao Bataclã e Vesúvio, locais onde ficou visivelmente emocionado.

Saiu o vencedor do Prêmio Benvirá


Diferentemente da Leya, que em 2010 não efetuou a premiação do seu concurso pelo fato da comissão editorial não ter percebido qualidades suficientes nos romances inscritos, a Benvirá anunciou o seu escolhido entre cerca de 1900 originais inscritos.  Trata-se do romance “Nihonjin”, de Oscar Fussato Nakasato, professor de literatura e linguagem para alunos do ensino médio e superior em Apucarana, no Paraná.
Hoje, seu nome ganha projeção nacional com o anúncio do resultado do 1º Prêmio Benvirá de Literatura. Por sua obra ganhou o grande prêmio da Editora Saraiva. Além de receber R$ 30 mil, terá o livro lançado já em abril pelo selo Benvirá.
A escolha foi unânime e a comissão julgadora formada por José Luiz Goldfarb, Nelson de Oliveira e Ana Maria Martins. “Esse romance é, antes de tudo, uma competente reconstrução histórica da imigração japonesa, tema pouco presente em nossa literatura. Sua força literária está não apenas na linguagem direta e sem firulas, nos personagens e nos conflitos marcantes, mas também no poder de comover o leitor”, informa a comissão.

Leia Mais no Publishnews:

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O lirismo nos haikais de Cloves Marques


São muitos os poetas nordestinos que contribuíram para a assimilação e popularização do haikai no Brasil, a partir do pioneirismo de Afrânio Peixoto, passando por Gil Nunesmaia, Oldegar Vieira e Abel Pereira, na Bahia; Eduardo Martins, na Paraíba; Pedro Xisto, em Pernambuco; Adriano Espínola, no Ceará, entre outros.
O nome mais recente dessa lista de notáveis é Cloves Marques, um alagoano de Delmiro Gouveia, embora radicado no Recife há mais de 40 anos. Trata-se de um poeta que possui uma obra haikaística vasta e que por diversos motivos agrada. O principal deles está no livro intitulado “365 haicais de sol e chuva” (edição do autor com o patrocínio da Chesf), um compêndio de muito boa qualidade, tanto estética quanto literária.


Seus haikais refletem uma realidade nordestina, sobretudo a sertaneja, onde as estações do ano se dividem entre a chuvosa e a seca, refletem também a natureza do local e suas peculiaridades, como por exemplo, as flores da macambira ou da sucupira, a sombra da ingazeira, o facheiro, o Capibaribe, tudo amalgamado à compreensão de que a tessitura de um bom haikai não passa, necessariamente, pelo intelecto, mas, sobretudo, pela vivência do autor em sintonia com a natureza.

Brotou uma folha.
Quando a chuva molha a terra,
não existe escolha.

            Por impensado que pareça, ao se empenhar na transmutação de elementos nordestinos para o haikai, Cloves Marques termina por aproximar a sua poesia à de João Cabral de Melo Neto, a partir da exposição de uma realidade concreta, desvelando a sua essência sem que para isso seja necessário abrir mão da efemeridade caracterizada pelo paradoxo, eliminando a linearidade do pensamento, quase sempre em estruturas bipartidas, embora dispostos em três versos, promovendo contrapontos entre o permanente e o transitório.

O beija-flor para
na flor lilás da sucupira.
Suga a poesia.

Tudo, como se vê, com um lirismo poucas vezes visto entre haikaístas brasileiros contemporâneos, cuja vocação lírica está esgotada ou anda sendo, por razões estéticas, evitada, uma vez que, seguindo a estética japonesa que a cada dia ganha novos adeptos, seus cultores irão se deparar com conceitos que recomendam, por exemplo, não deixar a arte aparecer na arte (karumi).  Cloves Marques procura um equilíbrio entre as tradições oriental e ocidental, descortinando a realidade com alguma parcimônia, não temendo essa confrontação estética, terminando por criar um haikai mais ao gosto do leitor não iniciado nas teorias do tradicional haikai japonês, como neste caso, onde a forma japonesa abriga uma alma nordestina:

A chuva é assim:
traz a vida, encharca a lida
é começo e fim.

Mais haikais de Cloves Marques:

Toques na vidraça.
A chuva tamborilou
como quem abraça.

***

Vento no braseiro.
O homem dorme com fome,
a chuva primeiro.

***

Às vistas do céu,
a flor do mandacaru.
Silente troféu.

Entrevista com o autor:

Biografia:
Cloves Marques é escritor, fotógrafo e engenheiro civil. Natural de Delmiro Gouveia/AL, nasceu em 10 de setembro de 1944. Reside, há mais de 40 anos, no Recife/PE. Publicou, entre outros, Pra não Morrer de Amor (poema), É Eterno, Mas é Preciso (poema), Crônicas do Encontro (crônicas), Umareru – Instantâneos de Natal (haicai), Haicai ao Recife (haicai), Máscara em Haicai (ensaio, haibum e haicai), 365 Haicais de Sol e Chuva (haicai – premiado, em 2005, com Menção Honrosa, pela Academia Pernambucana de Letras e Conselho Municipal de Cultura do Recife); Tankas de Amor Amado, 2008, (premiado com Menção Honrosa, em 2006, pelo Conselho Municipal de Cultura do Recife) e Noturno – Tankas da Madrugada, também de 2008 . Participou de diversas exposições fotográficas e de antologias. É sócio efetivo da Academia de Letras e Artes do Nordeste, da Academia Recifense de Letras e membro da UBE/PE.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O triunfo da música - Lançamento


A ascensão dos compositores, dos músicos e de sua arte

Com o advento da reprodução mecânica e, em seguida, eletrônica do som, a música conquistaria espaços jamais sonhados por compositores e instrumentistas uma vez que esses profissionais, apenas dois séculos antes de Richar Wagner, eram em geral tratados como serviçais subalternos, embora objetos da veneração e dos favores de reis, ditadores e magnatas.
Percorrendo os desenvolvimentos políticos e sociais da música ao longo da história, Tim Blanning explica em O triunfo da música (Companhia das Letras. R$ 56,00) como a submissão dos músicos à tirania de patrões, representantes do clero e da nobreza, deu lugar ao prestígio e à fortuna atualmente desfrutados pelas estrelas do pop, do rock, e também da música clássica, como alguns maestros, instrumentistas e cantores.
O que a obra não mostra é como a música tomou o espaço que antes era da literatura. Aliás, se não me engano, essa é uma pesquisa que ainda está por ser feita. 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Millôr Fernandes está internado no Rio


Será sempre chato dar esse tipo de notícia, principalmente quando ela diz respeito a um escritor do qual gosto imensamente. O fato é que um AVC foi o motivo da internação de Millôr Fernandes, aos 86 anos, na última terça-feira (01/02). Ele está internado no CTI do Hospital São Vicente, no Rio de Janeiro e respira por aparelhos. O escritor também teve complicações renais e está fazendo diálise.
A presença de Millôr Fernandes no meu imaginário está muito ligada às suas traduções que fez de Shakespeare e ao haikai. A ele se deve muito do desenvolvimento dessa forma poética no Brasil, sempre a partir das suas tiradas humorísticas nas revistas O Cruzeiro, primeiramente, e depois na Veja. Millôr deu um ar descontraído ao haikai, o aproximando do poema-piada, eliminando a métrica, título e referências às estações do ano, contribuindo para o aparecimento de jovens poetas. Esse formato é também conhecido por Senryu por tratar de questões unicamente humanas, em tom irônico ou satírico. 
Em seu livro Hai kais[1], em breve introdução à obra, Millôr afirma ver o haikai como uma forma fundamentalmente popular e, inúmeras vezes, humorística. E assim compôs e publicou os seus sempre acompanhados por ilustração que acentua o sentido cômico dos seus versos.
            Alguns haikais de Millôr Fernandes:

Viva o Brasil
Onde o ano inteiro
É primeiro de abril

***

O velho pinho
Não dá mais pinha;
Só passarinho

***

Velho de dar dó.
Se for espanado
Volta ao pó.

***

Escritores:
Pensador é o que cita
Pensadores!

***

Esquece os preitos.
No banheiro só existem
Teus defeitos


[1] Editora Senzala, 1968