domingo, setembro 17, 2006

As aproximações a Agostinho da Silva (6)

A duas semanas da realização do Colóquio/Debate “Agostinho da Silva e o Espírito Universal” (30 de Setembro, Biblioteca Municipal de Sesimbra), as aproximações à obra do filósofo portuense passam a levar em conta as mesas temáticas em que a iniciativa se estrutura. A primeira dessas mesas, sobre “A Educação em Agostinho da Silva”, é moderada por João Aldeia, do blogue “Sesimbra”, no qual se pode, para já, ficar a conhecer a lista dos oradores que irão participar no evento. Sobre a Educação irão falar Luís Paixão (arquitecto e docente universitário), Joaquim Domingues (professor do ensino secundário, filósofo e ensaísta, que consagrou a sua dissertação de mestrado ao papel da filosofia portuguesa na educação nacional, de acordo com o pensamento de Álvaro Ribeiro) e Manuel Ferreira Patrício (professor e antigo reitor da Universidade de Évora, especialista em Filosofia da Educação, com obras dedicadas a Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes). O excerto de Agostinho que agora apresentamos é justamente da obra “Educação de Portugal”, datada de 1970, mas só editada em 1989.
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Educação de Portugal

Neste tempo em que estamos, outro nome para nós devem tomar a Beleza e o Amor que Deus é, e o nome que devemos fundir numa Trindade agora plenamente vista é o da Liberdade. Apesar do sistema económico que não deixa que os homens aproveitem pleno e rápido o que o génio lhes inventa, embora seja o génio em grande parte incitado a fazê-lo pelo próprio sistema económico, ou pela concorrência em que ele se baseia; apesar de vermos num mundo tão cioso do seu cristianismo que se continua a queimar comida para que os preços não desçam, e isto mesmo num Mercado Comum Europeu de que tantos tão facilmente se enamoram; apesar de homens serem conservados no desemprego, com a fome ou a humilhação do socorro estatal, apenas porque tal convém ao lucro; apesar de que noutra metade do mundo a saída do subdesenvolvimento se esteja processando em regimes que não põem nos meios que empregam a concordância com os fins, isto é, que são repressivos quando têm por ideal a total abolição de autocracias; apesar de se estar caminhando, mesmo nos países que mais livres pareciam, para formas de repressão em que o homem se esmaga; apesar do pouquíssimo respeito que se demonstra pelos direitos do indivíduo ou das nações; apesar de toda a noite que se afigura estar descendo sobre o mundo; a fé dos homens é ainda na liberdade, a pressão sobre a economia é ainda a da liberdade, a limitação aos governos, tão predispostos ao abuso, é ainda a da liberdade; e, na palavra ou no silêncio, mesmo nos mais embrutecidos por qualquer lado das guerras, mesmo nos mais afastados de um pensar coerente, a ideia dominante é a de que querem viver suas vidas próprias na liberdade e na paz.

Estão vivos 90% dos sábios com que contou a humanidade desde início da sua história, dispõem de meios que em outras épocas nem ousariam sonhar-se; as descobertas que se fazem, incluindo as que estão ligadas às viagens espaciais, contra as quais tanta gente está, exactamente como esteve contra as portuguesas o Velho dos Lusíadas, permitiriam já hoje um paraíso de abundância e segurança sobre o mundo, se fosse fácil porem os homens o seu temperamento de acordo com a sua inteligência como lhes é fácil fazer obedecer à sua inteligência as forças adormecidas do universo físico; adormecidas no adormecimento em que a Bela esperava seu Príncipe; e caminhando para a mesma íntima fusão. Todas as esperanças nos são abertas; os avanços tecnológicos estão ao nosso dispor e para o único fim em que serão úteis, para nos darem tempo livre; talvez, durante alguns séculos ainda, tempo livre para criarmos matemática ou poesia ou pintura; depois, tempo livre já mais certo, que é o de vermos a matemática ou a poesia e a pintura como existindo no mundo à volta com mais plenitude do que em nossas equações, versos e quadros, dispensando a existência dos artistas, que terão sido apenas meios de comunicação de beleza para quem ainda não podia ver directamente; e afinal, na idade melhor, sendo nós próprios matemática, poesia e pintura, vivendo arte e ciência, e, por viver, as criando; este é o tempo livre que Deus tem: vive, e o mundo é; vive o mundo, e Ele é; o qual Deus nos quer à sua imagem e semelhança, como nós o temos querido à nossa; quando as duas vontades se encontrarem, e só então, haverá Paraíso.

Portugal, o grande, o todo, o de amarelos, brancos, pretos e vermelhos, o de islamitas, cristãos, judeus, animistas, budistas, taoistas, o da América, Europa, Ásia, África, Oceânia, o dos municípios, tribos e aldeias, o de monarquias e repúblicas, o dos grandes espaços conhecidos e o dos espaços ignotos ainda, dentro e fora do homem, o Portugal núcleo de formação de uma União Internacional dos Povos para o desenvolvimento, a liberdade e a paz, Portugal, que tem actualmente a sorte de ter Universidades que nada valem, nada se perdendo, portanto, se se fecharem, deve, audaciosamente, preceder os outros povos, estabelecendo ensino ou aprendizagem superior que estejam já encaminhados a uma era em que o homem seja plenamente criador e deixe como traço da sua passagem na vida esse aproximar-se cada vez mais da essência da criação divina.

Agostinho da Silva

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