Salvo honrosas exceções somos um povo bipolar. Intercalamos a um ritmo alucinado grandes admirações com profundos desprezos, grandes amores com vesgos ódios, grandes entusiasmos com as mais paralisantes melancolias e desânimos. Os treinadores de futebol são as vítimas mais visíveis desta arte portuguesa de, em poucos segundos, transformarmos o que era “bestial” em besta, mas por todo o lado, a toda a hora há sempre alguém a sofrer na pele as consequências desta doença.
A vida política – e as próximas eleições mais uma vez vão comprová-lo – não é exceção. As ideias e programas que hoje são capazes de provocar os mais inconvenientes entusiasmos e infundados triunfalismos, passado o dia das eleições, já são ideias que “não conseguem passar”, programas que têm que ser “profundamente repensados”, “nada vale a pena”, “não adianta insistir”... e por uns tempos, ou nos casos piores, para sempre, desiste-se.
E aqui chegamos a uma pequena “estória” que constituiu um aparte (são quase sempre a melhor parte) numa palestra do juiz Laborinho Lúcio, que aconteceu aqui em Montemor e que só surpreendeu quem nunca o tinha ouvido antes. Estava o orador numa fase em que na palestra, com o tema “Educação e Cidadania”, defendia perante uma plateia recheada de professores, que a educação e a cidadania estão intimamente ligadas e que fazem parte integrante de uma coisa maior que é a Liberdade, todas contribuindo para nos alimentar os passos rumo aos nossos sonhos, rumo à nossa Utopia. Dizia Laborinho Lúcio o quanto é triste ver um professor abandonar o sonho que o trouxe para o ensino, ver alguém, professor ou não, desistir da sua Utopia. Para melhor ilustrar a ideia, fez o tal “desvio” por esta estória, mais ou menos por estas palavras:
No princípio da década de cinquenta na povoação piscatória da Nazaré os estudos não iam além da velha quarta classe. Quando o muito jovem Laborinho Lúcio quis entrar para o ciclo preparatório teve que começar a viajar, diariamente, até Alcobaça. Apanhava a carreira dos “Claras” que ia para Torres Novas, saia em Alcobaça... e a camioneta lá seguia para o seu destino desconhecido e misterioso: Torres Novas!
Durante muito, muito tempo, Torres Novas foi a sua “utopia” de criança. Quando mais tarde conseguiu finalmente lá chegar, percebeu que o “problema” nunca residiu nem em Torres Novas, nem na sua “utopia”... mas simplesmente no facto de ele, todos os dias, durante meses e meses, se ter apeado cedo demais da carreira que o poderia levar até lá.
Exatamente como nós estamos, constantemente, a fazer. Façamos o possível por não sairmos da nossa carreira antes de chegarmos ao destino!