Repararam, certamente, que não há Olimpíada em que não venha à baila, ou em que não sejamos mesmo literalmente matraqueados com o feito do super-homem Jesse Owens nos Jogos de 1936, sobre como foi o homem mais rápido do seu tempo (mas tudo o que vá para além desse facto, será uma abusiva liberdade), e sobretudo autor da profunda ira provocada a Hitler obrigando-o a engolir o mito da superioridade do homem ariano que supostamente (haveria que demonstrá- -lo...) eram o fito daqueles Jogos...
Há histórias assim que se perpetuam e ficam,
in secula saeculorum, na memória dos crentes (pois que mais se trata de religião que de ciência). A mais elementar análise destruiria todos esses considerandos, excepto evidentemente o da irritação de Hitler que é “comprovada” por todos quantos se dedicam a uma história exclusivamente oral, tornada obrigatória e científica...
Jesse Owens venceu quatro medalhas de ouro nos Jogos de Berlim, é certo, três no mesmo âmbito: velocidade (100m, 200m e estafeta 4x100m) e uma no salto em comprimento. Tais marcas fazem dele, evidentemente, um atleta de eleição digno de figurar nos anais do desporto mundial, mas daí a super-homem irá uma considerável distância.
A haver prova rainha do atletismo, mais próxima do dito conceito de super-homem, ela seria a do decatlo, ganha também, curiosamente, por um americano, que porém conheceria maior fama como um dos Tarzan (
Tarzan’s revenge, 1938), Glenn Morris, branco, porém, logo inexpressivo para os efeitos propagandísticos (quem procurava, então, a propaganda?) desejados.
Mas quase que aposto que a grande maioria jamais ouviu falar de Konrad Frey, um “insignificante” atleta alemão que foi, nesses mesmos jogos, o atleta em termos absolutos com mais medalhas: “só” três de ouro, uma de prata e duas de bronze, seis no total, portanto. Evidentemente que este atleta do
Reich jamais poderia merecer a distinção de super-homem, apesar das vitórias mas sobretudo por ser alemão. Vencedor em barras paralelas, cavalo com arções e equipa; prata em barra fixa e bronze nos exercícios no solo e concurso geral, não possuia, evidentemente, qualquer craveira... Mas assim se faz a história...
Quanto às irritações de Hitler e histórias de super-homens, se se olhar para o quadro das medalhas ver-se-ia bem que o “episódio Owens” foi facilmente ultrapassável pelos “objectivos” alemães.