Local estratégico por excelência e formidável posto de observação, centrado no núcleo histórico da Freguesia de Benfica, aglutinava a nossa ilimitada afeição! Enquanto se saboreava a “bica” ou a “imperial”, actualizava-se as últimas novidades, ou à pala de alguma laracha se desopilava o fígado, à frente do nariz e sob o nosso ângulo de visão que abrangia um raio de 180º, abarcava-se o incessante movimento da população na azáfama do dia-a-dia…Lá está o “Café Marijú”, o Café esquecido” e a sua estratégica esplanada na Estrada de Benfica, 662.
(Foto de Artur Inácio Bastos - 1961- Arquivo Municipal de Lisboa) Entre o “Marijú” com o nº 662 e “O Girassol de Benfica”, a paragem dos carros eléctricos (Carris) da Carreira nº1 vindos dos Restauradores e onde, ao longo do percurso de uma dezena de quilómetros, arrebanhava todos quantos de dirigiam a Benfica. Pacientes, mas de olho vivo, aguentávamos pelas namoradas e apreciávamos as moças que, por ali, circulavam lançando, sempre que a oportunidade se nos deparava, os piropos adequados a cada situação… De resto, bonitas ou menos belas, todas eram contempladas dentro do maior respeito e civismo… Afinal, éramos gente de bem!
Era como se estivéssemos sentados na plateia de uma qualquer sala de cinema assistindo, ao vivo, ao desenrolar de uma espantosa fita cinematográfica e onde os incontáveis actores iam desfilando constantemente…
Olhava-se e era um inolvidável espectáculo! Sentia-se o pulsar intenso da comunidade: o próspero e diversificado comércio local; o “
Campo Francisco Lázaro” e as grandes jogatanas das
magníficas equipas de Futebol e de Hóquei em Campo do clube da Freguesia de Benfica; à noite, o “Ringue Fernando Adrião” iluminava-se e os disputadíssimos jogos de Hóquei em Patins com as melhores equipas da modalidade empolgavam os espectadores e entusiastas da modalidade…
O antigo edifício do “Marijú, o Café esquecido” na Estrada de Benfica, 662. À esquerda do prédio, está localizado o adro nascente da Igreja de Nossa Senhora do Amparo de Benfica.
(Foto de Arnaldo Madureira - 1962 - Arquivo Municipal de Lisboa) À beirinha do Verão e logo que terminavam os Campeonatos Oficiais de Futebol e se entrava no “defeso”, os intermináveis e bem disputados torneios dos “
Clubes Populares de Futebol” onde pontificavam, entre outras, o Sport Lisboa e Águias (do Bairro da Boa Vista) e a sua entusiástica claque feminina, os Corvos (da Cruz da Pedra) e o Real Atlético de Benfica… Como atractivo suplementar de jovens e graúdos, a pista dos “carrinhos de choque” montada no interior e após a entrada nas instalações do Clube Futebol Benfica…
A
Igreja de Nossa Senhora do Amparo de Benfica e a enorme afluência de crentes ao Santo Ofício da Missa; as novenas, à tardinha, no “Mês de Maria” (Maio) e a espera pelas “conversadas” e, nas datas estabelecidas no calendário litúrgico, as procissões na rua e o aparato inerente ao evento: andores, as várias Irmandades e a inocente criançada enfarpelada de anjinhos; o pároco sob o pálio, os dedicados acólitos e… povo aos magotes! Imprescindível e sempre afinadinha, a banda de música contratada com a necessária antecedência…
“Campo Francisco Lázaro”. A cabeceira poente do campo de jogos de Futebol e Hóquei em Campo, após a entrada no complexo desportivo do Clube Futebol Benfica. À direita, o ringue de Hóquei em Patins “Fernando Adrião”. Ao fundo, as cabinas (Jogadores e Árbitos), roupeiros, posto médico de primeiros socorros. Nas traseiras das cabinas, corria o Rio (Ribeira de Alcântara). Na margem direita do Rio, as instalações da “Metalúrgica do Bemfica”.
(Foto de Artur Goulart - 1960 - Arquivo Municipal de Lisboa) A Escola Primária, o Infantário e, mais tarde, o Teleclube aglutinados no edifício do
Patronato Paroquial da Freguesia de Benfica (notável iniciativa do Padre Álvaro Proença e de alguns paroquianos amigos); os espaços de convívio nos cafés “
Paraíso de Benfica”, “
Adega dos Ossos” e nos “tascos” e “casas de pasto” das redondezas; o concorrido “
Mercado de levante” na Avenida Grão Vasco abastecido pelas saborosas frutas e os melhores produtos hortícolas das quintas e quintarolas da região não olvidando, está claro, o peixe fresquíssimo e a saltar do “nosso mar”…
O simpático e bem frequentado “Bar da Mata de Benfica” junto ao lago.
(Foto de Vasco Gouveia de Figueiredo - Arquivo Municipal de Lisboa) No pino do Estio, a “Piscina dos pobres” no Chafariz Grande das Águas Livres e a alegria desbragada da pequenada que atingia o ponto alto na apetecida banhoca, em cuecas ou em pelota; os operários da “
Metalúrgica de Bemfica”, na Estrada das Garridas, à beira do Rio, na margem direita; as centenas de empregados da “
Fábrica Simões", na Avenida Gomes Pereira e as senhoras e meninas dos “Laboratórios ATRAL”, um pouco lá mais acima na mesma avenida; o expedidor da Carris onde os carros eléctricos da Carreira nº1 retornavam pela Rua Emília das Neves e Avenida Grão Vasco, tomando o caminho da Baixa lisboeta…
A Paula Maria e a Maria Helena no agradável Parque Silva Porto.
(Foto de Fausto Castelhano - Setembro de 1969) O
cinema na sede do Sport Lisboa e Benfica: no salão ou no ringue de patinagem (apenas no Verão) e onde, nos dias de hoje, funciona a Junta de Freguesia de Benfica, isto é, na Avenida Gomes Pereira; o admirável “
Parque Silva Porto”
(5), a “
Mata de Benfica”, à época, um óptimo e seguro lugar de namoricos e de estudo e que, ao mesmo tempo que apreciávamos o chilreio da passarada, nos convidava a desfrutar da exuberante vegetação e do frondoso arvoredo; o Parque Infantil apetrechado de escorregas e baloiços; o Parque de Merendas onde muitos dos nossos conterrâneos, aproveitando folganças ou os merecidos fins-de-semana, munindo-se de fartos e apetitosos farnéis previamente confeccionados, almoçavam ao ar livre sob a copa das árvores…
O simpático e bem frequentado “Bar da Mata” junto ao lago e onde os peixes vermelhos vinham à tona d’água e abocavam as migalhas de pão que, os muitos visitantes do Parque Silva Porto, lhes atiravam porém, o que mais sobressaía no sedutor ambiente era, efectivamente, o garboso casal de cisnes que, vogando suavemente no espelho de água fazia as delícias de crianças e adultos…
Nos últimos anos da década de 50 do século XX, tem início o desmantelamento das “Quinta da Casquilha” e da “Quinta das Garridas”: arrancava a construção do Bairro de Santa Cruz
(6) e do novo complexo desportivo do
Clube Futebol Benfica… A Escola Primária junto ao “portão de cima da Mata”, não demorou muito e a inauguração teria lugar em 1962 com a presença do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa de então, França Borges e d’outras individualidades do Regime de então…
Inauguração da Escola do Bairro de Santa Cruz (“Escola da Mata”) pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, França Borges e outras individualidades do Regime de então.
(Foto de Armando Serôdio – 1962 - Arquivo Municipal de Lisboa) O Colégio “
Instituto Lusitano” estava em pleno funcionamento, seja na Avenida Grão Vasco, nº56 (masculino), junto ao portão de entrada do “Parque Silva Porto”, seja na Estrada de Benfica, nº765 (feminino)… Frequentado pelos meninos e meninas das famílias mais abastadas da freguesia evitavam, tanto quanto possível (isto era assim mesmo, nem vale a pena doirar a pílula), qualquer misturada com as crianças pobres da urbe:
“O maravilhoso Instituto Lusitano. Colégio para ambos os sexos, mas em sedes separadas. Uma bela descrição das instalações. Tudo no Palácio Feiteira e Palacete Peyssoneau. Frescas hortaliças e leite puro das vacas do estábulo”) - tal como era propagandeado no anúncio do Almanaque Alentejano!
A Maria Helena e a Paula Maria junto à Escola Primária do Bairro de Santa Cruz (que frequentaram) encaixada entre o Parque Silva Porto (e junto ao portão de cima) e as moradias do Bairro de Santa Cruz.
(Foto de Fausto Castelhano - Fevereiro de 1973) A
Escola Primária “António Maria dos Santos”, paredes-meias com
o expedidor da Carris; a Escola Primária nº47 (já desaparecida), frequentada só por meninos e onde leccionavam quatro competentes professoras mas… bravíssimas: D. Tomásia, D. Isaura, D. Maria Mateus e D. Maria do Céu… A disciplina rígida era ponto assente e fazia mossa, à base de ponteiradas e reguadas de ferver… A escola estava situada na Estrada de Benfica, vizinha do “Quartel dos Bombeiros Sapadores de Lisboa” e nas traseiras da “Cozinha dos Pobres” (vulgarmente apodada de “Sopa do Barroso” ou “Sopa do Sidónio”) da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; a “
Escola do Magistério Primário”, onde se formavam os futuros professores do Ensino Primário e, na mesma área geográfica, as Escolas de Instrução Primária de meninos e meninas: a “Escola Normal” como era mais conhecida…
Melhor que a esplanada do “Marijú”, como se fora altaneira torre de vigia, só a esplanada do café “Girassol de Benfica” pela sua soberba localização… Raramente nos sentámos ali porém, o Sr. Gaspar, a quem alcunhámos de “O Seboso”(assim permaneceu até aos dias de hoje), armou-nos uma encrenca das antigas na última vez que assentámos as nádegas nas cadeiras da sua esplanada… Enfim, outros contos…
Tempos inolvidáveis d’um fascinante mundo já antigo, mas que nos deixaram imperecíveis saudades…
Enquanto durou a nossa permanência naquele local tão apetecido do “Marijú” foi, sem dúvida, bestial… O capital de mútua confiança e cordialidade que fomos angariando junto do Sr. Madureira e do pessoal de serviço ao balcão, às mesas no interior do Café ou da esplanada, desmoronou-se, num ápice, no dia fatídico em que subiu à cena a tragédia do “Calminhas e do Joaozinho”! Aí, deitámos tudo a perder!
Depois, embezerrámos face ao imprudente sarilho desencadeado na “salão dos bilhares” do “Café Marijú” e fomos farejando outros rumos… A década de 50 do Século XX encerrava-se… O “Marijú” não aguentou a pedalada devido à concorrência do “Café Nilo” (com bilhares na cave) e tantos outros que abriram aqui e ali… Pouco tempo depois, trancava as portas de modo definitivo… O prédio foi demolido e, exactamente na mesma superfície, ergueram mais um mamarracho de traça incaracterística… O “
Fica-Bem”, loja de roupas, está lá!
Por ora, ficaremos na esquina da Rua Cláudio Nunes a observar o movimento das pessoas que por aqui se vão movimentando, ora apressadas ou mais vagarosas contudo, absolutamente anónimas! Já não conheço ninguém!
(Continua…)NOTAS:
(3)Abel Pereira da Fonseca
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.A concretização de instituir uma linha quase directa entre a maior adega do país e a boca do bebedor, em Lisboa teve, como protagonista, um único intermediário: certo beirão da raia de Espanha que veio dos lados de Vilar Formoso para o Poço do Bispo e Bombarral, Abel Pereira da Fonseca, nome também legendário da vitivinicultura portuguesa de primeira metade deste século e que dispersou, por toda a capital, uma rede de 47 estabelecimentos de venda, por miúdo, de determinados géneros alimentícios entre os quais, e parece que em plano especial, vinho, inclusive a copo.
“Da uva também se faz vinho”: Abel Pereira da Fonseca
(Foto Wikipédia) Estabelecimentos “Vale do Rio” - Praça Leandro da Silva, 1 a 7
com a Rua do Amorim 2 a 6 – Poço do Bispo – Freguesia de Marvila
(Foto Wikipédia) Símbolo da Sociedade Comercial Abel Pereira da Fonseca
(Foto Wikipédia) Abafado! Uma das especialidades da Sociedade Comercial Abel Pereira da Fonseca
(Foto Wikipédia) Os Vinhos de Missa! Consumo garantido em alta escala.
(Foto Wikipédia) Instalações da Sociedade Comercial Abel Pereira da Fonseca junto à doca do Poço do Bispo.
(Foto Wikipédia) Designados inicialmente pelo nome do fundador, depois adoptou a sigla Sociedade Comercial Abel Pereira da Fonseca e, finalmente, ficou registado pela denominação de "Vale do Rio".
Conquanto vendessem vinho a copo, estas lojas revestiam-se, no que concerne a arrumação da casa e todo o "cenário" interior, de ambiente inadequado a legítima taberna. Já que veio à baila o aspecto interno dos estabelecimentos, anote-se o facto da não alteração do respectivo símbolo ou marca iconográfica, aposta no exterior, ao longo das três sucessivas administrações: um barco à vela, uma alusão, segundo se consta, às fragatas ou bateiras transportadoras dos cascos de vinho provenientes de Rio Frio, através do rio das Enguias e estuário do Tejo.
Fernando Pessoa, freguês habitual dos estabelecimentos “Vale do Rio”.
(Foto Wikipédia) (4)
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.Uma homenagem ao grande atleta e maratonista Francisco Lázaro.
Francisco Lázaro nasceu em Benfica a 21 de Janeiro de 1891 e faleceu em Estocolmo, 15 de Julho de 1912. Foi um atleta que fez parte da primeira equipa olímpica portuguesa nos Jogos Olímpicos de 1912, em Estocolmo, Suécia, onde participou na prova da maratona. Lázaro desfaleceu durante a prova e veio a falecer poucas horas depois.
(5)
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.Em 1880, João Carlos Ulrich mandou plantar um pequeno bosque para envolver o Palácio da Feiteira. Alguns anos depois, vendeu a propriedade a César Augusto de Figueiredo que se tinha disposto, em 1911, para oferecer o parque ao Município de Lisboa para que este fosse acessível a todos os cidadãos.
Foi baptizado em homenagem ao explorador António Francisco Ferreira da Silva que, mais tarde, adoptou o nome da sua cidade natal, a cidade do Porto.
O Quiosque do Parque Silva Porto foi construído em 1916, segundo um projecto (de 1913) do Arquitecto José Alexandre Soares; os painéis de azulejos que o ornamentam são Arte Nova e foram realizados por José António Jorge Pinto, pintor e um dos principais criadores do estilo Arte Nova. Os temas representados pelos painéis são: «Mal me quer», «Bem me quer», «Muito», «Pouco», «Nada», «O Bosque» e «A Caça».
Há em Lisboa mais três quiosques iguais: o Quiosque Municipal do Cais do Sodré, o Quiosque do Poço do Bispo e o Quiosque do Jardim Constantino.
FloraO parque está coberto por 22 tipos diferentes de arbustos e árvores, proporcionando uma riqueza inesperada de espécies. As plantas predominantes são o cedro-do-buçaco, o eucalipto, o cipreste, o pinheiro-de-halepo, o pinheiro manso, o carvalho e o sobreiro.
FaunaA fauna do parque é dominada pelas aves, sobretudo chamarizes, pintassilgos, melros. De realçar a presença de rolas, pouco comuns em zonas urbanas e, também, de esquilos.
(6)Bairro de Santa Cruz
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.O bairro começou por ser um bairro social, nos finais dos anos 1950. É constituído por moradias geminadas e em banda, todas de primeiro andar e com quintal à frente e atrás.
É composto por duas partes distintas: a Oeste, o chamado "Bairro de Baixo" e a Leste, o "Bairro de Cima", separados pelo Parque Silva Porto.