Estranho em uma terra estranha

Após passar alguns dias em Liliput e aprender o intrincado idioma local, Lemuel Gulliver conversa com Skyresh Bolgolam, o grande-almirante lilliputiano que lhe era tão amigável quanto um tubarão contrariado. O intrigado e paranóico lilliputiano lhe pergunta:

- Alguma novidade, Giganthomem?

- Nenhuma, homenúsculo.

- Mais respeito, viu? Você pode ser um gigante, mas ainda está sujeito às leis de meu país, sabia?

- Seu país, Almirante Skyresh? Foi você que o construiu?

- Não, infelizmente não tive esse prazer, o que prova que até mesmo militares lilliputianos possuem defeitos. Mas diga-me, Homem-Montanha, para quando está marcada sua tentativa de invasão ao nosso grande e próspero país, ahn?

- É um país grande de gente pequena, pelo que me parece. E eu não sou um Homem-Montanha, nem gigante, nem pastor de nuvens e nem lustrador de Sol, como alguns de vocês militares costumam se dirigir a mim quando acham que não estou ouvindo!

- NÃO É? Claro que é! Gigante E mentiroso! Aliás, péssimo mentiroso, pelo jeito! E ouvindo conversas alheias, ahn? Tsc, tsc.

- Vocês falam mal de mim pelas costas e eu que estou errado? É que, de onde eu venho, este é o tamanho normal das pessoas. Está certo que nem todas elas são normais, mas vocês entenderam.

- Entendemos, sim. Entendemos que a sua raça deve estar querendo nos escravizar com...

- Escravizar vocês? Para quê?

- EU NÃO SEI! Nunca encontrei outro gigante antes! Talvez vocês precisem de nós para amarrar seus sapatos, limpar seus cachimbos ou quem sabe promover espetáculos onde enfrentamos seus animais de estimação, como gigantesquilos ou colossalamandras.

- Mas do que é que... Olha, você está usando o M.E.D.O. (Manifestação Emocional Destrutivamente Orientada) para me julgar, o que é compreensível, porém condenável. Garanto-lhe que há muito mais de mim para vocês verem se...

- Concordo. Precisaríamos de alguns dias para poder perscrutar toda a sua gigantitude com clareza e precisão.

- Concordo em partes. E eu queria dizer enxergar, e não ver.

- E... Há diferença entre os dois?

- Sim. Enxergar quer dizer não se permitir ser enganado pelos olhos.

- Mas... Se eu não puder confiar em meus olhos, confiarei no quê?

- Em sua mente - se bem que, ás vezes, ela mente - e em seu coração. Eu notei que você lilliputianos escolhem seus ministros através de suas capacidades físicas e acrobáticas. Isto é bastante interessante, já que...

- Está abismado com nossa sabedoria e inventividade intrínsecas ao nosso...

- Nada disso, Almirante, estou impressionado com o fato de existirem políticos com alguma habilidade que não seja somente sobreviver à custa dos esforços alheios, tal qual uma craca obsessivo-compulsiva.

- Hmmm. Mas se estás tão embasbacado assim com nossa sociedade, será que considerarás a possibilidade de fazer de nossa gloriosa Lilliput sua moradia definitiva?

- Definitivamente... Não. Eu pertenço à minha pátria-mãe, a Inglaterra. Sua aprazível ilha não pode me acomodar satisfatoriamente. Seria como colocar uma semente para germinar em um lugar pequeno demais para ela; confortável no início, mas incômodo pelo restante do tempo.

- Entendo, Gigante. E poderia parar com os jogos de palavras, não?

- Sim, excelência. Acredito que eu deveria ser... Maior do que isso.

- Indubitavelmente.