Achava que, depois de mais de um mês de dieta, já estava imune a vontades desesperadoras por comidas que os outros estavam comendo. Aparentemente, me enganei. Assim que sai de casa, pela manhã, e iniciei minha caminhada ao trabalho, dei de cara com uma mãe e uma filhinha, ambas munidas de picolés de chocolate. Tentei não pensar muito no assunto, mas aquela imagem ficou impressa em minha mente e sorvetes dos mais variados tipos, formatos e sabores começaram a me atormentar. Alguns passos depois, passei na frente de uma padaria e, de relance, pude ver um senhor lá dentro, sentado no balcão segurando um pão francês. Eu mereço um chute na canela pelo que fiz, mas fiz. Parei, mesmo que apenas por alguns instantes e o observei levar o pão à boca, dar uma bela dentada com vontade e afastar o pão da boca, deixando no ar um rastro de queijo derretido. Fugi antes que ele desse cabo do queijo.
Às vezes, minha burrice me espanta. Mesmo depois de perceber que o que tinha visto não me fez bem, não mudei meu caminho e passei, como sempre passo, em frente a uma confeitaria. Talvez, se pelo menos tivesse atravessado a rua, poderia ter evitado ver o terceiro tormento da manhã. Uma senhora gorda, bem gorda, com um casaco que chegava a lembrar onçinhas na estampa, se lambuzando com um creme brulee. Os passos seguintes foram os piores, porque estavam acompanhados de uma forte dor de estômago. O pobrezinho se contorcia de vontade e minha boca salivava como a de um cachorro que pede comida a seu dono. E, falando em cachorro, percebi que realmente estava com problemas quando, em frente a um muro, já bem perto do trabalho, me deparei com um desses animais simpáticos de rabo e quatro patas comendo alguma coisa numa quentinha abandonada no meio fio. Minha mente já estava tão atordoada que conseguia distinguir o mundo ao meu redor em apenas duas partes, as comestíveis e as não. Admito que senti vergonha. Admito que ainda estou com um pouco de vergonha, mas desejei, e não posso fazer nada quanto a isso. Sim, desejei que fosse aquele cachorro, pra poder comer o que quer que seja que ele estivesse comendo.
Cheguei ao escritório com uma raiva descomunal do mundo em geral e resolvi descontar. A pobre vítima, minha cenoura que trouxera de casa. Minhas dentadas foram tão violentas e velozes que acabei engolindo uns pedaços inteiros. Pra completar, mordi minha boca. Pelo menos não fiquei com vontade de comer minha própria língua. Já é um progresso, não?