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quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Ouvir em silêncio...

Há dias em que as nossas vivências nos fazem sentir muito pequeninos e vulneráveis.
Logo de manhã, ao ler as notícias, sou confrontado com um merecido elogio fúnebre de um sinistrado do trabalho que conheci muito bem e com o qual participei em várias reuniões, simpósios, cursos e outras actividades no âmbito da Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho. Uma pessoa humilde, mas dotada de uma força e forma de estar que faz inveja a qualquer um. Um verdadeiro activista naquilo que esta designação tem de mais nobre. Tinha morrido há pouco tempo de acidente e eu não soube. Fiquei muito triste.
Estava a preparar-me para sair de casa quando ouço os gritos de dor de um cão à minha porta. Apercebi-me que tinha acontecido algo à minha velha cadela. Foi atropelada no passeio por um carro que subia a rampa para a estrada. Corri esperando o pior e vejo o animal debaixo do pára choques do carro sem se poder mexer. Pedi ao senhor que recuasse e levei-a para casa para a examinar. Tremia e gemia com dores e não conseguia poisar a pata dianteira. Fiz algumas manobras e apercebi-me que talvez tudo não passasse de contusões mas acabei por a levar ao veterinário. Em princípio tudo vai correr bem. A Boneca, que já está muito velha - vai fazer 18 anos – sofre de cataratas e de surdez, não se desviou do veículo, mas é uma grande companheira e amiga. Preocupa-me o comportamento de alguns condutores daqueles prédios que habitualmente se lançam pela rampa sem os cuidados necessários. Senti uns frémitos muito difíceis de explicar ao ouvir aqueles gritos de sofrimento.
Mas o dia não ficou por aqui. De manhã, ainda observei alguns trabalhadores. Houve dois que me chamaram particularmente a atenção, um homem e uma mulher a entrarem na casa dos cinquentas. O primeiro apresentava um conjunto de alterações, as quais me levou a questioná-lo por que razão não as tratava devido aos riscos que comportavam. Respondeu-me que havia coisas piores. Recostei-me. Senti que o homem queria desabafar. Contou-me o falecimento por doença maligna da sua esposa há poucas semanas. Descreveu o caso de uma forma dolorosa e das dificuldades que ele e os filhos estavam a passar. Ouvi. Ouvi em silêncio. Eu sei que as pessoas nestas circunstâncias gostam que as ouçam. A seguir, entra uma senhora com um gorro antiquado e um ar meio confuso. Vinha fazer um exame de medicina do trabalho depois de ter estado de baixa durante mais de trinta dias, como manda a lei. Perguntei-lhe, naturalmente, o que é que lhe tinha acontecido. Respondeu-me: - Fui operada a um tumor do estômago e agora ando a fazer quimioterapia. Enquanto me relatava o acontecido entregou-me os relatórios e exames. Verifiquei que o último hemograma apresentava uma anemia muito grave. Explicou-me que já tinha levado uma transfusão para aguentar o próximo ciclo. - E quer ir trabalhar? - Quero, Senhor Doutor! Enquanto estou a trabalhar não penso na doença e sinto-me útil. Os meus colegas são excepcionais. – Muito bem! Dei um parecer adequado às circunstâncias. Mas vi, que a senhora queria falar. É fácil fazer falar uma doente nestas circunstâncias. E falou. Falou dos filhos, de si, da família, dos amigos, do futuro e da luta que tinha pela frente. Ouvi. Ouvi, usando um velho e cúmplice silêncio que os doentes gostam de sentir, talvez porque não se utiliza lugares comuns ou coisas banais. O silêncio e o olhar para as pessoas transmite respeito, compreensão, solidariedade e amor.
Depois do almoço, apareceu-me uma doente que tinha faltado na semana anterior. Senhora de alguma idade, simples, muito simples, entrou a pedir desculpa por não ter vindo. Disse-lhe que não tinha qualquer importância. Mas depressa explicou a razão. A filha de 46 anos que estava internada no IPO tinha falecido. Eu já sabia da história, não da morte, mas da doença. Falou com desenvoltura, explicando alguns pormenores sem querer demonstrar emoções. Pensei: - Daqui a pouco vais começar a chorar. É impossível manter a postura por mais tempo. E assim foi. Depois, permiti, muito naturalmente, dar-lhe todo o tempo do mundo para falar, para desabafar, para contar. Ouvi. Ouvi em silêncio, não deixando de a olhar. Ainda vi uma senhora de oitenta e muitos anos cujo marido faleceu há poucas semanas e que tinha a esperança de vir a comemorar os setenta anos de casados. Ouvi. Mais uma vez ouvi em silêncio e a senhora saiu muito agradecida e mais confortada.
Por que é que eu conto tudo isto? Porque também tenho necessidade que me ouçam, mesmo que seja em silêncio..
Obrigado.

Comprimidos Bravo de Esmolfe


Segundo um estudo científico hoje revelado e promovido pela Cooperativa Agrícola de Mangualde, as maçãs autóctones das Beiras, particularmente as de Bravo Esmolfe, são as mais indicadas para prevenir alguns cancros e doenças cardiovasculares.

Ciência é ciência e dela não se pode duvidar, que o estudo é científico!...
Tratando-se de ciência beirã e de maçã igualamente beirã, não vejo como é que o Professor Massano, um preclaríssimo beirão e nosso ilustre companheiro de blog, agora vai descalçar a bota e contestar a teoria, a exemplo do que tem vindo a fazer, e ainda ontem fez, a propósito de situações análogas, no seu post Nova religião.
O melhor será mesmo começar a receitar umas embalagenzinhas de Bravo de Esmolfe!...
E tendo umas macieiras da dita casta, até me ofereço como produtor prioritário. O produto de qualidade!...
Nota importante:
Os parabéns do 4R ao Professor Massano, por mais um netinho!...Nasceu poderoso e, ao que sei, a primeira coisa que pediu foi um bom sumo de bravo de esmolfe!...

Um tigre, dois tigres, três tigres...


Um tigre, dois tigres, três tigres…Não, parece que foram só dois, mas podiam ter sido seis! Dizem as notícias que uma camioneta do Circo Chen transportava os animais numa jaula, mas o motorista parou e afastou-se por uns minutos. Algum engraçadinho sem medo de uma boa dentada abriu as portas, prendeu-as e deve – calculo eu – ter ficado a ver o que acontecia em frente da televisão. Original, no mínimo.
Foram chamadas as forças de segurança, coitados dos GNR, não devem ter grande experiência de apanhar tigres, mas ao fim de umas horas lá conseguiram, parece que a fêmea foi mais teimosa, é a natureza a ditar as suas regras.
Depois da grande emoção da caça ao tigre, vem a notícia bombástica: a lei não obriga os transportadores de animais perigosos a darem um tranquilizante aos bichos, logo, não se pode esperar e muito menos exigir que o façam! “- Deveria ter (um tranquilizante) mas a lei não obriga, está a ser revista…”E pronto, um telejornal mais tarde e a notícia já é que há essa grave lacuna no nosso sistema, há que legislar depressa e em força, como é que podemos viver hoje, num país civilizado, sem nos lembrarmos de obrigar, preto no branco, os transportadores de tigres, leões, rinocerontes e cascavéis a tomar mais precauções do que se transportassem um rebanho de carneirinhos? É que, nada dizendo a lei, está visto que eles, os donos dos animais, não podem lembrar-se de tudo! Podem, porque a lei não diz o contrário, deixar o condutor levar a jaula por aí fora sozinho, parar e ir dar uma volta, deixando a carga parada num ermo e confiar que nada acontece. É claro que não passa pela cabeça de ninguém que um doido abra a jaula e solte os bichos, mas se calhar a lei também não proíbe ninguém de fazer isso, se não se lembrou dos animais, por maioria de razão também não ia pregar uma multa a quem se aproximasse deles sem pagar o bilhete para ver o circo…
Enfim, mais uma carrada de legislação para ser discutida no Parlamento, está visto que sem isso qualquer tigre fujão está mais que justificado…
Que mais nos havia de acontecer??

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Nova religião...

Começo a ficar preocupado com as atitudes e comportamentos dos nutricionistas. Não porque sejam dispensáveis, muito longe disso, mas pelo facto de transmitirem conceitos eivados de princípios e normas um pouco discutíveis. Ao dizerem que tal produto faz mal à saúde ou que outro é muito bom, levam as pessoas a desenvolver sentimentos de culpa porque não estão a portar-se bem, caso não sigam as normas. É raro o dia em que não aparece uma “sacerdotisa” a tentar missionar as pessoas explicando o que devem comer e evitar. Não é que estejam desprovido(a)s de bases científicas, mas essas mesmas bases têm que respeitar muitas outras regras de conduta social e serem “lidas” de uma forma holística.
Há dias ouvi uma especialista em nutrição a falar dos diferentes tipos de pão que andam por ai. Este é bom, porque tem muitas fibras, este é ainda melhor porque tem ainda parte dos grãos, aquele é perigoso porque é feito de farinha refinada e, como tal, faz mal à saúde. Os exemplos podiam ser multiplicados, usando o chocolate, os iogurtes, o leite, o queijo, a fruta, os vinhos, as águas, as gorduras polinsaturadas, o azeite e sei lá que mais. Para agravar a situação confrontamo-nos com a publicidade que, utilizando certos estudos, realçam as propriedades benéficas dos mesmos ou, então, surgem reportagens televisivas com objectivos idênticos, como aquela das vacas que andavam no pastoreio natural enriquecendo-se em gorduras ómega-3. O técnico falava da importância das vacas ficarem mais ricas em ómega-3 e, como tal, não havia melhor do que um bife das mesmas para proteger a saúde. E volta não volta lá falava dos ómega-3, como se o Zé dominasse as propriedades deste tipos de gorduras. Anunciou que em breve iria ser comercializado aquele tipo de carne. Já estou a ver a D. Elvira perguntar ao carniceiro se o bife da vazia é de uma vaca rica em ómega-3? E o Sr. Manuel a responder que não se preocupasse porque aquela é muito melhor porque é rica em ómega-6 isto enquanto não aparecer a vaca ómega-12, mais potente, mais saudável!
A par de uma mistificação crescente sobre o valor intrínseco de muitos produtos alimentares, assiste-se, não só a uma tentativa de “medicalização” dos mesmos, mas, também, ao nascimento de uma nova religião. Sacerdotes, ou melhor, sacerdotisas já temos. Quanto aos fiéis, pelo que me é dado a conhecer, não faltam por aí...

Crescimento em 2008: desafio à Zona Euro ou à gravidade?

O FMI acaba de anunciar a revisão em baixa das suas previsões de crescimento económico para o corrente ano, reduzindo para 1,6%, dos anteriores 2,1% a previsão para a Zona Euro.
Em Portugal, o Governo, com o BdeP atrelado a uma distância de 0,2 pontos apenas, continua a sustentar que não existem razões fundamentais para rever a previsão de crescimento de 2,2%.
A ser assim, a economia portuguesa, depois de anos no penúltimo ou último lugar no “ranking” do crescimento europeu, salta de supetão para um dos lugares cimeiros.
Vamos ficar quase ao nível da Espanha, cuja taxa de crescimento foi já revista em baixa por duas vezes.
O Governo espanhol tinha assumido como cenário base, aquando da discussão do Orçamento para 2008, um crescimento de 3,7%.
Essa previsão havia sido já corrigida para 3,0% e, nos últimos dias, foi anunciada nova revisão em baixa, desta vez para 2,6%.
Em Portugal, mantém-se heroicamente a previsão adoptada aquando da apresentação da proposta de Orçamento para 2008, os 2,2% acima referidos, já lá vão mais de 3 meses.
Nada tenho contra essa postura heróica...acho até muito bem, muito louvável, nos tempos que correm, que se assumam atitudes de desafio, de coragem, de ruptura com os consensos nesta área como noutras...
A única questão que aqui suscito, na esteira da já discutida teoria do Oásis, é a de saber se este desafio que estamos a travar será com a Zona Euro ou com as leis da gravidade aplicadas à economia...
Porque se estivermos a desafiar as leis da gravidade, o risco de ficarmos “sem cara” daqui por algum (não muito) tempo não é nada desprezível...
Aceito – e já aqui deixei meu aplauso – a ideia de neutralizar os efeitos dos aumentos de preços no indicador da inflação, tornando esta insensível às variações dos preços...todos ficam a ganhar com isso, sobretudo os que quase não têm quase acesso a quaisquer bens...
Mas já me parece bastante mais difícil admitir que o crescimento económico possa constituir um mero exercício de fé...
A não ser que se parta do princípio de que as agências de comunicação, na altura própria, terão a receita milagrosa para justificar - quiçà transformar em sucesso - o insucesso.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Nausea

Ressuscitou a questão da violação dos direitos humanos dos detidos em Guantamano. De novo com foros de escândalo pela dimensão de uma alegada comparticipação portuguesa.
Ana Gomes diz-se esmagada pela dimensão das revelações de uma ONG constituida por advogados britânicos, de seu nome Reprieve.
Cheirando a escândalo, aí vão os media, todos, atrás. Não lhes interessa ler o relatório da ONG para verificar em que factos se baseia a acusação, que num ápice correu mundo, do envolvimento português nas práticas de tortura de prisioneiros levados para a base-prisão americana de Cuba.
Espalha-se aos quatro ventos a responsabilidade de Portugal.
Mas qual é a responsabilidade "apurada" pela Reprieve? Apurou mais do que já se sabia, isto é, que o espaço aéreo sob jurisdição portuguesa foi atravessado por aviões americanos com destino a Guantamano Bay transportando prisioneiros? Ou que foi utilizado o aeroporto de Santa Maria e a Base Aérea das Lajes nos Açores?
Façam os leitores deste blog o seu próprio juizo. Eu já fiz o meu, à margem do histerismo. O relatório pode ser lido na íntegra, aqui.

Gosto demasiado do meu País para, nestes momentos, não sentir asco perante o júbilo mal disfarçado daqueles que não perdem uma oportunidade de exibir como imagem de Portugal um coio de malfeitores.

Mova-os o que os mover, sede de protagonismo ou lá o que for, não têm o direito de expor Portugal e os portugueses, esses seguramente inocentes de qualquer violação de direitos humanos, ao risco do terrorismo internacional que esta repugnante propaganda agrava.

Uma nota final.

Neste blog já deixei claro, há muito, qual a minha posição sobre a questão da violação dos direitos humanos em Guantamano. E para que não restem dúvidas, defendo que a PGR deverá, até às últimas consequências, concluir o inquérito que julgo em curso para apurar a existência de culpas internas que até agora, apesar do propalado escândalo, nunca foram provadas.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O exemplo espanhol

O Governo espanhol decidiu devolver cinco mil milhões de euros aos contribuintes, “como forma de estimular a economia”.
Por cá, o Orçamento do Estado para 2008 vai levar-nos mais 2,3 mil milhões de euros a mais do que o OE de 2007, que nos levou mais 2,4 mil milhões do que o OE de 2006, que nos levou mais 2,7 mil milhões do que o OE de 2005. Naturalmente, como forma de estimular a despesa pública!...
Sapatero, embora socialista, há muito entendeu que a despesa pública, na actual situação das economias em que nos inserimos, não gera riqueza. Em Portugal, todos os bem pensantes ainda pensam que sim e apoiam a política fiscal do Governo. Com os resultados que estão à vista.
Há muito, no 4R, vimos advogando, contra ventos e marés, a baixa dos impostos.
Pois se o governo não liga aos sensatos conselhos do 4R, ao menos que siga o exemplo espanhol.
Nós não ficamos zangados!...

De acordo


O Estado celebrou com o Município de Lisboa um protocolo que estabelece as condições de transferência da gestão para a Câmara Municipal de Lisboa (a propriedade mantém-se pública) das áreas até agora dependentes da Administração do Porto de Lisboa.
O Primeiro-Ministro disse na ocasião que se repara um erro de décadas e que a Câmara fará mais e melhor por estes espaços, do que a administração portuária.
Aplaudo.
Trata-se de áreas que embora pertençam à Cidade, viveram sempre sob a tutela das entidades que geriam o domínio público marítimo afecto ao porto de Lisboa e que ignoravam olimpicamente aquele facto.
Fez-se de conta que tinham interesse portuário. Não tinham.
Justificou-se a sua permanência na esfera de gestão desses organismos com a necessidade de reservar espaços para eventuais futuras expansões do porto de Lisboa. Sabia-se do absurdo deste argumento já que esta «área de expansão» ia desde Cascais até Vila Franca de Xira!
O alegado interesse portuário destes espaços, fê-los resistentes a qualquer esforço de planeamento integrado. Na ausência de planos sectoriais com expressão territorial na área de "interesse portuário", deixou-se que os PDM não os estruturassem, não os ligassem à Cidade.
Justiça seja feita, de há uns anos para cá a APL lá foi compreendendo que a situação era absurda e insustentável. E alguma coisa de positivo se fez, em especial no capítulo da valorização das zonas ribeirinhas, dotando-as de alguns equipamentos que permitem hoje usufruir de espaços aprazíveis junto ao Tejo e junto à barra.
Faltava este passo, que só não me espanta que tenha custado tanto a dar porque fui testemunha privilegiada de quanto preconceito e tacanhez giravam à volta da questão das áreas de interesse portuário.
Andou por isso bem o Governo e andou bem a Câmara de Lisboa.
Oxalá continue esta última a andar bem nas intervenções que planeie e execute para estes espaços extremamente sensíveis.
E já agora, espera-se que o discurso do Governo não se extinga com o protocolo com Lisboa e, sendo consequente com ele, aplique a mesma receita às outras cidades portuárias.

domingo, 27 de janeiro de 2008

A inutilidade das Comissões de Inquérito

Discutem os Deputados se vão constituir uma Comissão de Inquérito ao tratamento do caso BCP pelo Banco de Portugal.
Os Inquéritos Parlamentares são talvez a figura mais desprestigiada e inútil do nosso Parlamento. Os Deputados promotores apenas visam atacar por todos os meios as entidades individuais ou colectivas objecto do inquérito, enquanto os opositores têm como exclusiva finalidade defendê-las. Porque os Deputados não procuram apurar a verdade, no fim, as conclusões retratam geralmente o voto da maioria da Comissão de Inquérito, que coincide com a do Parlamento. Sendo um julgamento político, a inocência ou condenação tem exclusivamente a ver com as forças partidárias em compita.
Enquanto Deputado, fiz parte de uma Comissão de Inquérito, referente a um célebre Despacho da Drª Manuela Ferreira Leite sobre dívidas fiscais do Benfica, no qual o Partido Socialista viu um escandaloso favorecimento da agremiação lisboeta. O Despacho, embora indo totalmente de encontro a uma pretensão da Direcção do Dr. Manuel Vilarinho, não poderia ser outro, face à lei vigente. Além disso, permitiu o recebimento integral dos montantes em dívida.
Foi a maior perda de tempo que tive em toda a minha vida. O Inquérito arrastou-se por meses, foram ouvidas dezenas de testemunhas, escreveram-se milhares de páginas, deputados houve que proferiram afirmações da mais profunda ignorância técnica.
Em alguns momentos, pareceu-me que os métodos de inquirição, àparte a tortura física, tinham sido transladados directamente da Inquisição.
Nessa Legislatura, bem fez o Presidente da Assembleia da República, Dr. Mota Amaral, em acabar com os Inquéritos, ordenando uma reflexão sobre os mesmos.
Sobre o inquérito agora em causa, todos os Deputados sabem já as conclusões: o PS defenderia o Banco e o Governador; o PSD e o CDS aproveitariam para pedir a cabeça do Dr. Vítor Constâncio. Nada mais de essencial se saberia para além do que hoje se conhece. As conclusões até poderia ser eu a redigi-las desde já. Seria mais uma inutilidade. Excepto para meia dúzia de Deputados, para quem o inquérito daria uma excelente autopromoção nas televisões.
Nota de interesses: Fui colaborador do BCP desde 1990 até Fevereiro de 2002.

Parabéns ao Sporting!...


Não foi o dia do Helton, que frangou como nunca se viu, nem o do Lucho, que não via a baliza, nem o do Farias, que só viu a trave, nem o de Jesualdo, pela equipa que escalou e pelo que depois remendou. Também não foi o dia do árbitro.

Mas foi o dia do Sporting, que lutou bravamente.

Parabéns ao Porto, que jogou e porfiou, e ao Sporting, que lutou e aproveitou.
Contra uns bons dragões, uns valentes leões, cheios de mérito na vitória!...
Pena foi o Campeonato ter ficado menos animado!...

Expiação (baseado no romance de Ian Mcewan)

Desculpem os que ainda não viram este filme, mas não resisto a escrever sobre ele.
É impossível não se ficar a pensar em “Expiação”. Não pela emoção da história, apesar de ser emocionante, mas porque nos fica aquela sensação esquisita de termos sido enganados pelo enredo, de nos sentirmos manipulados por uma série de insidiosos sinais que quase passam despercebidos, levando ao logro, ao embuste, tal como acontece tantas vezes na vida real.
Diz um comentário ao livro que é uma história sobre a culpa, o amor e o perdão. Discordo em absoluto. É uma história sobre a maldade fria, absoluta, perversa, sobre a ausência de arrependimento, porque este não existe nunca quando o que se quis foi realmente fazer mal. O arrependimento perante o que não tem emenda é uma mistificação da culpa, uma falsa pista para que se recupere a imagem limpa e inocente sem se prescindir do gesto que a manchou.
“Expiação” é a história contada por uma mulher que, ainda menina, se apaixonou por um rapaz a quem cobrou o pesado tributo do amor não retribuído e sempre inconformado.
Quando viu que era a irmã a paixão do seu amado, aproveitou um pretexto para os destruir friamente, convictamente, sem sombra da inocência que os seus 11 anos lhe creditavam. Contou com isso, com essa presunção de inocência, para mentir com segurança quando afirmou que o tinha visto na cena de violação, sendo que sabia que não era ele, tal como sabia que a prima não teria sido forçada. Calaram-se as duas, no pacto que tinham feito para o castigar por as ter desiludido.
O que é curioso é o modo como a história se entrelaça entre o que parece ser a realidade e o que a rapariga foi inventando ao sabor da sua vingança, à medida da sua crueldade. Vai-se desfiando como se ela vivesse mal com a culpa, procurasse a irmã, tivesse alguma vez pensado em resgatar a honra do rapaz.
No fim percebe-se como fomos enganados, tal como teriam sido os pais, o polícia, todos os que condenaram o inocente de quem ela se quis vingar.
O seu último romance, diz a agora escritora consagrada, esperou a vida inteira para contar aquela história. Conta-a agora porque sabe que vai morrer. Porquê? Porque não a contou logo, se queria redimir-se? A questão é que não queria. Ela manteve-os prisioneiros na sua mente, como se pudesse a todo o tempo determinar o seu destino. O mais certo é nunca mais os ter visto, foi banida da vida da irmã, meteu-se a guerra, nada leva a supor que voltaram a ver-se. Mas o que ela inventa é o que ela queria que tivesse acontecido. Teria ido ter com a irmã, com o pretexto do remorso, esperando que ela acreditasse nesse impulso e lhe admirasse o gesto de grande coragem. Diria a verdade, ilibaria o rapaz. Mas já sabia que o verdadeiro criminoso estava a salvo, tinha imunidade, seria assim um acto gratuito que não se destinava a reparar nada mas apenas a confirmar o castigo. Mas a irmã não lhe perdoaria, ah, mas não por ela, seria uma vez mais ele, sempre ele, a mostrar que estava ali, que a acusava, que lhe tinha percebido desde o início o acto infame e pretendido. Ele, que não lhe admitia a inocência, que não se deixaria enganar e que não lhe ficaria devedor pelo seu gesto de arrependimento. Nem assim ela recuperaria o seu amor, nem dando-lhe uma nova oportunidade. Por isso a sua imaginação doentia passa em revista o quarto da irmã, detém o olhar na cama desfeita, nos sinais dele a atraiçoá-la uma vez mais. Ainda não merecia que ela o reabilitasse, ainda ficaria condenado à vergonha do acto que ela lhe atribuíra.
Se eu quiser, quando eu quiser, diz ela o filme todo, di-lo sem o afirmar mas está sempre a dizê-lo, e o que se vê é que em momento nenhum ela quis desfazer o que tinha feito, em momento nenhum ela abrandou a garra da vingança na sua imaginação, porque a realidade lhe fugia.
Tratou até de pequenos detalhes. Imaginou que a irmã nunca tinha ido visitá-lo à prisão, não deixou que se encontrassem a sós antes de ele ir para a guerra, destruiu a casa à beira mar onde eles tinham sonhado encontrar-se. Ela destruiria metodicamente, persistentemente, todas as hipóteses de eles serem felizes, se o pudesse ter feito, tal como o fez na sua imaginação. Não desistiu dele, recriou-o sem o poder ter, puniu-o com todo o tipo de misérias e aflições, impôs-lhe um longa expiação por não ter querido amá-la.
Essa expiação, ela só a deu por finda quando soube que ela própria ia morrer.
Por isso guardou para o fim esse livro, porque a história só terminaria quando ela não pudesse escrevê-la mais. Até lá, adiaria a redenção, a expiação feita e refeita no seu texto interminável, de modo a que o amor que ele dedicou à irmã não encontrasse nunca a oportunidade de ser vivido livremente.
Não escreveu o livro por honestidade, como lhe perguntava o repórter, caindo também ele no logro do arrependimento. Não disse porque é que o fez, que quem o lesse perceberia. Mas não hesitou em deixar transparecer uma vez mais a sua loucura vingativa, a sua senha de marcar o seu domínio e acrescentou, com um olhar gélido e distante de quem observa os seus prisioneiros: - “Achei que era justo dar-lhes uma oportunidade de voltarem a amar-se uma vez, uma única vez, depois daquele dia na biblioteca. Eles mereciam.” Como se eles estivessem a ouvi-la e lhes provasse ainda uma vez que, como sempre, eles dependiam dela.
Um filme fantástico, brilhante, que conta a história da maldade escondida, da crueldade imaginada por um carrasco improvável que condenou o seu amor a uma longa e dura expiação. Tão longa como a vida e tão cruel como pode ser a realidade.

Irracionalidade

Benjamin Franklin Drawing
Electricity from the Sky
(Benjamin West, 1738 - 1820 c. 1816)

Há dias, no decurso de um telefonema que fiz a um colega e amigo psiquiatra, acabei por ser interpelado se havia, de facto, documentação científica sobre os efeitos nocivos para a saúde do fumo passivo ou se não estaríamos perante uma situação idêntica às “bombas do Iraque”! A princípio não atinei com a comparação, mas acabei por atingir o seu alcance. Havia e há! A tentativa de comparação entre as duas situações feita pelo meu colega, “comedor de cigarros”, despertou-me para a invasão iraquiana baseada num pressuposto inexistente em que a irracionalidade do público foi bem explorada pelos interessados.
Aquando do 11 de Setembro, 3% dos norte-americanos acreditavam que Saddam era o responsável. Dois anos depois, Março de 2003, um pouco antes da invasão, 52% já acreditavam na responsabilidade do ex-ditador. Em 2006, mais de 90% das tropas norte-americanas que foram para o Iraque pensavam que estavam a retaliar a acção de 11 de Setembro. Durante estes períodos houve uma nítida construção artificial de um problema, cujo “sucesso” resultou da exploração da irracionalidade pública. E funciona! Mas também funciona noutras áreas.
Estamos a assistir a um crescente movimento que tem como objectivo por em causa a ciência, utilizando técnicas de descrédito. A medicina científica luta contra a homeopatia e os vendedores de banha da cobra cujos adeptos aumentam de dia para dia. O racional é posto em causa e substituído pelos seguidores da New Age. Basta ver alguns programas televisivos de entretenimento em que são convidados indivíduos portadores de “novas” que de científico ou de racional nada têm, muito pelo contrário, mas que prendem e arrastam multidões ao venderem ideias, dogmas ou “princípios” mais do que duvidosos, susceptíveis de apagar a essência do Iluminismo que vê, muito provavelmente, os seus dias chegar ao fim, ao fim de dois séculos de existência. Astrólogos, negociantes de religiões, missionários da “alimentação”, técnicos “alternativos”, curandeiros e diversos fazedores de saúde, tipo pré-cozinhados, estão presentes, cada vez mais presentes, ocupando um espaço do qual a ciência se vê afastada, traduzindo um fenómeno em que a “fé” substitui a “razão”. Mas não é só a este nível que se verifica este fenómeno. Alguns empregadores de muitos cientistas honestos, por esse mundo fora, “obrigam-nos” a enveredar por determinadas áreas, já que os seus interesses económicos sobrepõem-se aos objectivos da ciência. Até os próprios estados têm responsabilidades nestas áreas ao promoverem e subsidiarem estudos que transformam certos estilos de vida ou fenómenos naturais em condições crónicas as quais passam a exigir tratamentos, factos muito bem aproveitados pelos novos curandeiros.
Criar novas necessidades nas populações é relativamente simples, até porque existe uma percentagem muito elevada que prefere a primazia da “fé à da razão”. Quando são confrontadas no mesmo plano, a última arrisca-se a perder, já que exige muito mais trabalho, sobretudo análise e compreensão científicas. A exploração crescente da irracionalidade é potenciada pelos meios de comunicação social, ao facultar alternativas que sob o ponto de vista científico é um retrocesso. Além do mais, não é admirar que possamos vir a assistir em breve, também, à intensificação da “guerra” entre a religião e a ciência, o que é lamentável, porque estando em planos diferentes não deveriam, nem mereciam, confrontarem-se. De qualquer modo, os monstrozinhos, que prometem minar a ciência, andam por aí. Será que não os vemos, ou fingimos não os ver?

Grande vitória de Obama, mas Bill Clinton ajudou...

Notável, pela expressão numérica – a sua votação (55%) superou largamente a soma das de Hillary Clinton e John Edwards (45%) – e pelo seu impacto na corrida à nomeação, a vitória de Barack Obama ontem na Carolina do Sul.
Com esta vitória, Obama relança poderosamente a sua candidatura, depois da vitória clara no Iowa e das derrotas no New Hampshire e no Nevada, em que Hillary o venceu embora por margens pouco folgadas.
Um factor que terá contribuído para esta importantíssima vitória de Obama, segundo alguns analistas em comentários divulgados dias antes da votação de ontem, foi a excessiva agressividade de Bill Clinton em relação a Obama, durante a curta campanha para esta votação.
Bill Clinton referiu-se ao concorrente de sua Mulher em termos sarcásticos e extremamente depreciativos, o que terá caído muito mal no eleitorado democrático que terá penalizado Hillary como reacção àquela agressividade.
Resta saber o que terá levado Bill Clinton a tal estratégia de insucesso, sendo ele um político tão sagaz e experiente…
Um articulista do F. Times, Edward Luce, comentava em artigo publicado no dia 24 do corrente, a obsessão que Bill Clinton evidencia em relação à vitória de Hillary…ele não tolera admitir, tampouco, que ela não ganhe e o favoritismo que as sondagens vinham dando a Obama para esta votação tê-lo-ia deixado de “cabeça perdida”.
Seja qual for a razão, pela minha parte só espero que Bill Clinton não desista desse registo agressivo, ou acentue mesmo a sua agressividade, abrindo caminho à vitória de Obama na grande votação da “super Tuesday” do próximo dia 5 de Fevereiro.
Mais uma vez também os meus mais sinceros parabéns a António Sampaio e Mello.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Mais Estado não, muito obrigada!

O governo aprovou recentemente a criação dos planos de poupança reforma (PPR) públicos. Aguarda-se a publicação da respectiva legislação. Estes PPR públicos, também designados de Certificados de Reforma, irão ser comercializados pelo Estado e vêm juntar-se aos conhecidos planos de poupança reforma (PPR) geridos pelo sistema financeiro.
Creio que ninguém terá dúvidas que será cada vez mais necessário consciencializar as pessoas que devem poupar para a reforma e criar incentivos ao aumento deste tipo de poupança, tendo em conta que o sistema público de segurança social totalmente assente no regime de repartição tem vindo a ser submetido a medidas que visam “injectar” sustentabilidade, seja por via de redução das pensões a pagar seja por via do aumento da idade da reforma. É uma inevitabilidade que, perante o envelhecimento da população, será cada vez mais difícil assegurar em cada momento que as contribuições dos activos são suficientes para pagar as pensões dos reformados. Esta realidade conduziu o governo a aprovar em 2006 um conjunto de medidas que determinaram novos cortes nas pensões, aumentos na idade da reforma e maior esforço contributivo. Ou seja, mudaram as regras mas o modelo de financiamento manteve-se inalterado. Para já, salvou-se o doente com mais um balão de oxigénio e depois logo se verá que outras doses serão necessárias tomar para aguentar o sistema…
Agora o governo decidiu criar PPR públicos e atribuir aos trabalhadores que decidam descontar adicionalmente - para além da taxa obrigatória de 11% para a seguirança social - entre 2% e 4% ou 6% para quem tiver mais de 50 anos um benefício fiscal que consiste na dedução no IRS de 350€.
As decisões políticas de incentivar a poupança para a reforma são necessárias e desejáveis. O que me levanta sérias dúvidas é saber qual é vantagem de introduzir no mercado PPR geridos pelo Estado, sabendo-se que os PPR estão num sector em que a concorrência é muito alargada e onde, portanto, não há falhas de mercado!?
Tentemos, pois, encontrar uma luz que nos ilumine sobre as motivações desta decisão.
Será que o Estado gere melhor que os privados? Será que por ser o Estado a gestão é mais segura ou mais prudente? A resposta é não. Sabemos que a gestão pública não está associada a um menor risco. A gestão dos PPR pelo sistema financeiro está sujeita a regulação muito apertada, além de que o perfil mais ou menos conservador depende da política de investimentos seguida (em mais ou menos obrigações, em mais ou menos acções) e não da natureza da entidade!
Interessante é também constatar que a criação dos PPR públicos não se coaduna com o facto de uma parte do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social ser gerida, por decisão do governo, por entidades privadas contratadas pelo Estado para o efeito. Ou seja, os PPR públicos seriam entregues à gestão privada. Sendo públicos não deixariam de ser geridos por privados, os mesmo que gerem os actuais PPR !
Por outro lado, sempre se perguntará como é que o Estado que estabelece a regulação dos PPR do sistema financeiro é o mesmo que quer gerir PPR sem se sujeitar à regulação que ele próprio impõe, e bem, ao mercado!
E ficam ainda outras dúvidas: porquê criar um benefício fiscal concedido apenas para os PPR públicos? Porquê impedir que os trabalhadores façam livremente as suas escolhas no mercado? Porquê penalizá-los, perdendo o acesso ao benefício fiscal dos PPR públicos, se a sua decisão fosse pela entrega da poupança para a reforma a uma entidade privada? Porque é que para terem acesso ao benefício fiscal têm que confiar no Estado?
E porque é que os PPR públicos se destinam apenas aos trabalhadores que fazem descontos para a segurança social? E os outros trabalhadores? Não estaremos perante um tratamento fiscal discriminatório?
Não estando em causa um serviço público essencial e existindo concorrência alargada no mercado de PPR não vejo razão para que os contribuintes tenham que passar a financiar com os seus impostos os benefícios fiscais de poupanças complementares de reforma geridas pelo Estado.
Mais Estado não, muito obrigada!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Filosofando!...

Premissa maior: Nos clubes mais modestos das divisões distritais, muitos jogadores acumulam com as funções de dirigentes.
Premissa menor: O jogador Rui Costa foi indigitado como futuro Director Desportivo do Benfica e já esteve presente em reuniões do departamento de Futebol
Conclusão: O Benfica é um clube modesto das divisões distritais.
Hum!...Esta lógica não me está a soar bem!... Vejamos de outra maneira:
Premissa maior: Nos clubes amadores, muitos jogadores acumulam com as funções de dirigentes.
Premissa menor: O jogador Rui Costa foi indigitado como futuro Director Desportivo do Benfica e já esteve presente em reuniões do departamento de Futebol
Conclusão: O Benfica é um clube amador
Continua a haver aqui um qualquer problema de lógica, que não estou a ver bem!...
Mas isso que importa, se os benfiquistas percebem?

Certificados de Aforro: alterações serão oportunas?

Foram ontem anunciadas alterações importantes no regime dos Certificados de Aforro (CA), um dos instrumentos de dívida pública mais antigos e populares para aplicação de pequenas e médias poupanças.
Essas alterações, a avaliar pela informação divulgada, parecem traduzir-se globalmente num menor incentivo à procura deste tipo de aplicação
Com efeito, relativamente às duas séries (A e B) existentes, as respectivas remunerações são reduzidas em 25% e em 16%, mesmo para os já titulares, alterando portanto as suas expectativas de remuneração, oferecidas pelo Estado, no momento da subscrição – alteração das regras a meio do jogo...
Mantêm-se, para essas séries, os prémios de permanência que consistem num acréscimo à remuneração de 0,25% por semestre, a partir do segundo inclusive, até atingir um máximo de 2% no 9º semestre.
É criada uma nova série (C), que se diferencia das anteriores por:
- Oferecer uma remuneração mais elevada que as outras séries nas condições actuais (mais 0,1% em relação à remuneração anterior das séries A e B), e essa remuneração ser indexada à Euribor (não a uma taxa fixada administrativamente como nas séries A e B);
- Oferecer prémios de permanência muito mais espaçados no tempo, ficando limitado a 1% até ao 16º semestre e só atingindo o prémio máximo (2%) no 10º e último ano.
- Reembolso automático no final do 10º ano.
Não me parece errada, bem pelo contrário, a ideia da criação de uma nova série, com condições diferentes, nomeadamente a indexação à Euribor, o que aproxima a remuneração das condições do mercado, deixando de depender de decisão administrativa.
Já a penalização na remuneração para os actuais detentores de certificados, afigura-se desencorajadora da poupança, apesar da manutenção dos incentivos à permanência.
A poupança em Portugal, sobretudo a pequena e média, tem sido bastante mal tratada entre nós, como se sabe: as remunerações líquidas oferecidas nas mais vulgares aplicações a prazo são por norma inferiores à inflação.
Parece-me que o Estado poderia ter mantido, pelo menos até determinado nível de aplicações nos CA e para os titulares anteriores – tipicamente para as pequenas/médias poupanças – as anteriores condições de remuneração.
O que nem seria de difícil controlo, parece, e caberia num padrão “ético/económico”...
Num contexto em que se recomendariam medidas significativas de estímulo à poupança dos residentes – basta atentar nos números mais recentes da balança de pagamentos (Novembro de 2007), que denotam uma significativa deterioração do 1º para o 2º semestre - e em que o mercado de capitais não é uma alternativa para as pequenas e médias poupanças, esta medida , globalmente considerada, afigura-se de duvidosa consistência e oportunidade.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Trocas e baldrocas!...

Depois de vários anos de larga discussão, a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou o essencial da urbanização dos terrenos do Sporting. Não se percebem as razões de tal demora. Se todos sabem que as Câmaras beneficiaram directamente os Clubes, para quê andar a enganar toda a gente e arranjar manigâncias, para fazer crer que não houve favorecimento? Para quê engenharias jurídicas e financeiras tão complexas para justificar uma coisa tão comezinha, como uma simples oferta?
Correndo o risco de estar errado, mas tanto quanto li, ainda agora, no âmbito do envelope global do Sporting, a Câmara cedeu ao clube o direito de construção de 29.000 metros quadrados no terminal do Campo Grande.
Para isso, como os terrenos não eram da Câmara:
1. A Câmara de Lisboa cedeu ao Metropolitano de Lisboa uma parcela de terreno no Cais do Sodré, para ligação entre os comboios e os barcos
2. O Metropolitano de Lisboa, em contrapartida, cedeu à Câmara o direito de construir no Terminal do Campo Grande 4 torres de escritórios.
3. A Câmara cedeu ao Sporting o direito de construção de 29.000 metros quadrados naquela zona, avaliados em 27,5 milhões de euros.
Por tudo aquilo que se passou em Lisboa com o Benfica e o Sporting (e porventura no Porto…), a moeda, como meio geral de troca, foi banida das relações das Câmaras com os clubes. E regressou-se à troca directa. Com efeito, pegar em 27,5 milhões e dá-los ao Sporting (ou ao Benfica, ou ao Porto…) era aborrecido; mas, por trocas e baldrocas, dar um terreno travestido de direito de superfície com capacidade construtiva, já passa e é aceitável.
E assim vamos vivendo. A bem da Nação!...

Contado, ninguém acredita


Muitos acharão que é uma manifestação de grande transparência e enorme coragem deste governo.
Ao invés eu penso que é da mais pura e refinada demagogia. Refiro-me à resolução que o Conselho de Ministros aprovou hoje, com a qual pretende reduzir em 15 a 25% os prazos de pagamento aos credores do Estado em 2008, achando o senhor Ministro das Finanças que não é razoável admitir que o Estado relapso e mau pagador se regenere tão cedo.
Estes prazos vão, em média, para lá dos 150 dias (5 meses!). Note-se, porém, que quando se diz que o Estado e demais entidades públicas pagam para lá dos 150 dias, quer-se dizer que pagam com um atraso de mais do que 150 dias, sem qualquer encargo adicional.
Isto é, o Estado, boa pessoa por definição e natureza, incumpre o dever contratual de pagar pontualmente e de compensar pela mora, pagando os juros legais ou contratuais. Que o mesmo é dizer, enriquece injustamente à custa de quem o serve ou de quem o fornece. E quando assim não acontece, porque o prestador avisado faz logo repercurtir no preço o sobrecusto da mora, lança sobre todos nós mais um imposto que corresponde à soma de todos estes adicionais de custo.

Esta atitude do governo, para além de mandar às malvas as directivas comunitárias, as tais incondicionais e imediatamente preceptivas que fixam prazos de pagamento muito inferiores, acaba por configurar uma legitimação política do incumprimento.

Mais. Ao que parece, a dita resolução prevê incentivos a outras entidades públicas fora do controlo do Executivo, para que reduzam as suas moras, não para acabar com elas!

Contado, dificilmente se acredita que se aprovam medidas não para acabar com os incumprimentos mas para ... se incumprir menos!

Por isso, esperemos pelo Diário da República para ver se o absurdo se confirma.

Não seria dificil acabar com o Estado-Caloteiro.
Bastariam duas medidas, honestas.
Primeira. Que o Estado aplicasse a si próprio as mesmas regras que aplica aos seus devedores, sobretudo aos contribuintes.
Segunda. Só fosse, por lei, permitido adquirir quando a entidade pública adquirente cativasse no momento da contratualização da prestação, as verbas necessárias ao pagamento.
E não me objectem que as regras de transferência duodecimal e a disciplina da contabilidade pública o não consentem porque, nem umas nem outras serão consideradas vacas sagradas, intocáveis, se se entender que a boa-fé pública deveria prevalecer acima de tudo.

"Imitação da Vida", um belo filme


Ontem fui ver esse filme lindíssimo cujo título roubei para este post, está escondido no cinema Nimas, não devia ter 20 pessoas a assistir, mas é realmente uma bela história.
O filme, de Douglas Sirk, com Lana Turner e Juanita Moore nos principais papéis, leva-nos aos anos 50 e à América glamorosa de todas as oportunidades, onde “lutar pelo seu sonho” era o abracadabra para o êxito e a fortuna.
A questão é que a vida tem muitas facetas, não é possível agarrar uma e pensar que é por aí que se a sorve de um trago, e esse engano desenrola-se ali à nossa frente, através da vida de duas mulheres, cada uma com a sua filha, que fazem por sobreviver sozinhas em Nova York.
Uma, a elegante e platinada Lora, jovem viúva decidida a impor-se como actriz de teatro, surge como uma lutadora que, sem prescindir dos seus valores, vai atrás de cada oportunidade, acreditando que os que a amam lhe compreendem a ambição e lhe justificam o tempo e o trabalho que dedica à conquista da afirmação e do sucesso.
A outra, Annie, uma mulher negra que teve uma filha de um homem branco que a abandonou, é uma fervorosa da igreja metodista e tenta, pela bondade e despojamento de si própria, dar à filha todas as condições para ter uma vida melhor que a dela. Torna-se indispensável à loira actriz, cuida-lhe da casa, da filha, liberta-a de todas as preocupações para que se dedique à sua arte. Silenciosa, discreta, mas com uma incrível solidez moral, repara-se que a outra tudo aceita e espera dela sem que, por um momento, se inquiete com a sua felicidade ou solidão.
Há um diálogo lindíssimo, em que Annie conversa sobre o destino a dar aos seus parcos bens depois de morrer e refere “os amigos”. Lora admira-se, nunca lhe conheceu um amigo, e Annie diz que sim, que vai à igreja metodista e que aí tem centenas de amigos. Lora fica ciumenta e agastada, “nunca me disseste que ias à Igreja”, e a outra responde com simplicidade “Nunca perguntaste…”
Annie amargura-se ao ver a filha crescer em beleza mas também em revolta para com a sua condição de mestiça e ela, que sempre encontrava resposta na sua fé, não sabe como enfrentar o ódio da rapariga contra a marca do seu nascimento.
A vida das duas vai-se cumprindo, aparentemente de acordo com os respectivos sonhos e quase diríamos que está ali o conto de fadas americano, luta e serás feliz, terra de oportunidades, todos são iguais se vencida a barreira do fracasso e da desistência.
Mas eis que surge a questão da mentira e da verdade, da ilusão e da realidade. O que é que se possui, afinal? O que é que conta no fim da vida, o que se conquistou ou o que se deixou ficar para trás, na febre da conquista? Quantas vidas se vive dentro de uma só, por qual delas se mede o que se obteve ou o que se esbanjou?
O filme tem ainda o interesse acrescido de ser datado, finais dos anos 50, altura em que o politicamente correcto era bem diferente, é incrível como se foram ajustando os discursos – sobretudo estes – a propósito dos direitos da mulheres a uma carreira profissional, o balanço entre a família e a realização profissional, o racismo, o casamento, a solidariedade.
A ver, para quem gosta de uma boa emoção.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Mais uma impostura, em nome da democracia!...

O exercício dos direitos sem quaisquer obrigações continua a avançar com grande exuberância. Agora são os grupos de amigos que se arvoram em partidos políticos que, não se tendo apresentado a eleições, nem podendo comprovar o número de militantes, exigem o direito de continuar a ser partidos, sem cumprirem os requisitos mínimos legais.
Prevalecendo-se de terem filiados seus como deputados do PSD, por obra e para maior glória de Santana Lopes, alguns apresentaram mesmo um projecto de lei que elimina, pura e simplesmente, as obrigações de terem um número mínimo de sócios e de se candidatarem a um número mínimo de círculos eleitorais.
O maior absurdo é que o PS e o PSD, que sistematicamente vêm criticando a representatividade de Os Verdes na Assembleia da República, sempre que este partido é mais incisivo nas críticas, quando aqueles são Governo, mostram agora disponibilidade para ir de encontro às pretensões desses grupos.
Mais uma vez se prova que o incumprimento das leis compensa. E a classe política é a primeira a compensar-se do incumprimento, procedimento que aumenta o escândalo.
Para além do mau exemplo, aí virão mais uns tantos para aturar, falando em nome do povo, quando só a si próprios se representam.
Mais uma impostura, uma mentira e um logro.

Aeroporto em Alcochete: Uma Vitória de Portugal

E pronto: lá vai o Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) para o Campo de Tiro de Alcochete (que, ironicamente, fica localizado nos concelhos de… Montijo e Benavente).

Nove anos e cerca de 25 milhões de euros em estudos depois de a Ota ter sido considerada “irreversível”, é Portugal quem fica a ganhar.

De tudo o que já tinha lido, visto e ouvido, não tinha grandes dúvidas de que a opção Alcochete batia largamente a opção Ota. Não foi, por isso, para mim, surpreendente que o Relatório do LNEC tenha considerado Alcochete a melhor opção – se bem que não com um argumentário esmagador, abrindo a porta a uma saída política airosa para um Governo que, sabe-se lá por que razões, tinha optado pela Ota e, teimosamente, se recusava a estudar outras alternativas.

Foi, por isso, necessário “convencer” o Governo a ter bom senso. O que, em meu entender, não teria sido possível sem a intervenção de três intervenientes essenciais.

Desde logo, o Presidente da República. A “sugestão” de Cavaco Silva relativamente à realização de um debate aprofundado na Assembleia da República sobre a localização do NAL e o pedido de um consenso “técnico” e “político” sobre este tema foram fundamentais. Bem como a necessidade, tantas vezes repetida, de se pesar bem a relação custo-benefício de uma obra desta envergadura.

Em segundo lugar, a sociedade civil – de que destaco, naturalmente, o estudo patrocinado pela Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), que revelou que o Campo de Tiro de Alcochete era, indubitavelmente, melhor do que a Ota para receber o NAL. Um estudo que nasceu, entre outros, de contactos com a Presidência da República, e a que José Sócrates acabou por dar luz verde. E que levou a que o LNEC tivesse, definitivamente, que analisar comparativamente a Ota com Alcochete.

Finalmente, mas não menos importante (muito pelo contrário), a actuação da Oposição, sobretudo do PSD e, em particular, do ex-líder do meu Partido, Luís Marques Mendes – que vi com desagrado e injustiça, ser esquecido pela maioria dos analistas e críticos nos seus comentários à decisão do Governo sobre o NAL. Durante dois anos, e na maior parte das vezes em circunstâncias políticas adversas, Marques Mendes não abandonou por um só instante o tema da localização do NAL na Ota, tendo interpelado o Primeiro-Ministro em praticamente todos os debates mensais na Assembleia da República, e trazido o tema, persistentemente, para outros fora, quer políticos, quer da sociedade civil. Creio que se o PSD e o seu ex-líder tivessem deixado cair este tema, nunca se teria chegado à intervenção do Presidente da República e ao estudo da CIP que provocaram a reviravolta da situação. Por isso, mesmo não podendo capitalizar já, politicamente, esta vitória, não tenho dúvidas que Marques Mendes pensará a esta altura que “valeu a pena”. Porque, acima de tudo, trata-se de uma vitória de Portugal.


NOTA: Este texto constitui uma versão editada do artigo publicado no jornal “Público” em Janeiro 21, 2008.

O que será de nós sem as pequenas coisas...

Na segunda-feira de manhã lá fui, como é habitual, tomar um café na leitaria que fica a três quarteirões de distância da minha casa. É uma daquelas rotinas perfeitamente robotizadas que nos dão alento para começar bem o dia. Vamos lá saber porquê!
Vivo num bairro antigo de Lisboa, residencial, ainda preservado do urbanismo desenfreado que inundou a cidade, por vezes sossegado demais, não fossem uma escola primária e um infantário que dão um certo movimento ao nascer do dia.
O dia começou com três histórias, com diferentes protagonistas, mas todas com um denominador comum que é bem o espelho da desproporção e da ausência de bom senso com que as nossas autoridades públicas decidiram de há uns tempos para cá actuar.
Tudo aconteceu logo pela manhãzinha, de acordo com o ritual diário, quando estacionei o carro num espaço exíguo à porta da leitaria, para numa corrida ir beber o café. Um espaço que não permite o estacionamento perfeito, mas que ocupado não causa qualquer impedimento à boa circulação nem qualquer insegurança a peões e a condutores. Num ápice surgiram dois polícias de segurança pública que de imediato me advertiram que o carro não poderia ser estacionado naquele local e muito menos com os quatro piscas ligados, ainda que pelos cinco minutos que expliquei seria a minha demora para tomar o café. Depois de uma troca de palavras e da tentativa da minha parte em perceber porque estavam a perturbar as pequenas coisas que fazem parte da pacata vida dos habitantes do bairro, dei meia volta e tive a sorte de uns metros mais abaixo encontrar um buraco para parar o carro, pois não queria desistir do meu cafezinho matinal que me vitamina as primeiras horas do dia. Pronto, gosto de ir àquela leitaria. Não sei se o poderei continuar a fazer com a tranquilidade de antigamente, pois a polícia parece estar decidida em “expulsar” a pacata vivência do bairro! Não sei a troco de quê!?
Já a saborear o café que tanto me custou a conquistar, o Senhor Silva, proprietário da leitaria, que tinha entretanto assistido à cena e a outras do mesmo género que se têm passado à porta do seu estabelecimento, lamentou-se das dificuldades que a ASAE lhe tinha imposto, proibindo-o de trazer de casa o caldo verde, a carne assada e os pastelinhos de bacalhau que a sua mulher, a Dona Adília, confeccionava afincadamente todos os dias para sustento e ganha-pão da família Silva e para satisfação gastronómica dos clientes que diariamente ali fazem uma refeição simples, caseira, rápida e económica. O Senhor Silva está angustiado e desiludido e a viver um sentimento de injustiça porque uma ASAE lhe entrou pela porta dentro impondo e ameaçando sem conta nem medida!
Estava na leitaria uma senhora muito agitada a queixar-se da desgraça que na semana passada lhe tinha acontecido quando a meio da tarde se tinha dirigido ao seu carro, estacionado no parque situado nas traseiras da sua casa, para ir buscar a neta à escola. Contou ela que, já com a chave na ignição, o carro caiu. Sim caiu, isto é, faltavam as quatro rodas e no seu lugar estavam uns tacos de madeira que mantinham o carro como que suspenso. A perda de equilíbrio levou à aterragem do carro em cima do asfalto. Assustada e aflita, olhou e voltou a olhar, mas não encontrou nada nem ninguém que pudesse dar alguma pista do que se estava a passar. Contou a senhora que, veio depois a saber, no parque de estacionamento tinha estado um piquete de mecânicos devidamente equipados com fatos de macaco, transportados numa carrinha toda bonita e artilhada para acorrer a situações de dificuldade dos automobilistas. Feita a queixa na esquadra da PSP da zona a resposta que recebeu foi “minha senhora, eles andam por aí, mas não temos como os apanhar; a senhora ainda teve muita sorte pois poderia ter sido bem pior…”.
Fiquei, portanto, a saber, que os bandidos estão cada vez mais profissionalizados e pelos vistos com uma produtividade de fazer inveja e que nós, cidadãos trabalhadores e honestos, temos que dar espaço, em nome do progresso, às inovadoras actividades profissionais que se desenvolvem nas “barbas” das autoridades públicas!
Sinceramente que fico triste com tudo isto. Estas histórias não têm que acontecer. Progresso sim e segurança também. Mas não vejo razão para estarmos a forçar a construção de um ambiente que nos vai destruir naquilo que são os pequenos gostos e gestos e singelas tradições que nos fazem sentir bem, a que estamos habituados, sem prejudicar ninguém, antes pelo contrário motivo de bem-estar. Estamos com as grandes ASAE’s a dar cabo das pequenas coisas que o progresso deveria preservar!

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Interpretação, via negociação: um processo inovador

A Lei do Tabaco iniciou um inovador processo de interpretação legislativa. É a interpretação via negociação com os destinatários. A volatilidade da interpretação depende da relação de poder: mais favorável para quem pode mais e mais restritiva para quem pode menos. Com uma particularidade adicional: a interpretação autêntica é também feita por quem de direito, na televisão, em tempo real, consoante os argumentos utilizados pelos opinantes interessados. Também com grande volatilidade, que a resposta tem que ser pronta!...
Ah, e os Deputados que a fizeram não sabem o que fizeram e exigem esclarecimentos ao pobre do Director Geral que, além da interpretação negocial e da televisiva, também tem que fazer a parlamentar!...
De facto, para lamentar!...

O Regresso da Teoria do Oásis

Os nossos Governantes não param de nos surpreender!...

Ainda ontem, segunda-feira, dia 21 de Janeiro, quando a bolsa portuguesa registava uma queda de quase 6% (a maior desde 1998), acompanhando o descalabro das principais praças mundiais, o Primeiro-Ministro revelava estar muito confiante em relação a 2008. Para Sócrates este “vai ser o ano do crescimento económico e do regresso do investimento”.

“Pelo que vejo e sei, podemos olhar para 2008 com confiança e segurança”, disse José Sócrates durante uma mesa-redonda com vários empresários, inserida no encontro promovido pela revista “The Economist”, à mesma hora em que se confirmava o crash dos mercados accionistas a nível mundial, com as perdas deste início de ano a suplantarem já os ganhos de 2007. E reiterou a sua confiança num crescimento acima de 2% em 2008.

Afinando pelo mesmo diapasão (a escola do Governo é só uma…), o Ministro das Finanças rejeitou hoje a ideia que o “problema iniciado nos Estados Unidos signifique necessariamente uma redução do crescimento português” (!) e realçou que “a economia portuguesa tem condições para enfrentar com confiança os desenvolvimentos que possam ocorrer”, ao mesmo tempo que defendia que “não temos de estar permanentemente a rever previsões de crescimento”. Claro que não, por que se haveria de proceder desta forma pouco avisada?!... Tudo vai tão bem como há três ou mesmo há um mês atrás, não é verdade?!...

Ora o problema é que não é nada verdade.

Porque é hoje bastante mais provável que, graças sobretudo à crise do mercado de crédito, a economia americana entre em recessão. Foi por isso mesmo, aliás, que o Fed (banco central dos EUA) cortou hoje de surpresa os juros, de 4.25% para 3.5%, na passada terça-feira. E deve cortar novamente para 3% (ou talvez mesmo 2.75%) na próxima semana. Mas nem com este incentivo as bolsas dos EUA inverteram a tendência de queda… E se os EUA experimentarem uma recessão, nem a Europa, nem, claro, Portugal escaparão ilesos…

Também hoje, o Governador do Banco de Portugal, certamente com grande pesar político, admitia rever em baixa o crescimento português para 2008, em virtude da crise dos mercados financeiros e de crédito, e da desaceleração brusca que os indicadores económicos relativos a Novembro e Dezembro de 2007 sugerem para o nosso país…

Finalmente, e também hoje, terça-feira, o Presidente da República, revelando uma meridiana lucidez (sobretudo se comparada com a desfaçatez governamental…), admitia que a dimensão da crise bolsista “ultrapassa todas as análises que se faziam da crise do subprime nos Estados Unidos”. E concluía: “Portugal dificilmente escapará aos efeitos da crise dos mercados financeiros”.

Naturalmente… Nem poderia ser de outra forma, como pequena economia aberta que somos…

Fantástico é que, no mesmo dia, o Ministro das Finanças recusou a ideia de ter um “optimismo balofo ou gratuito”. O que, creio, o Primeiro-Ministro corroboraria sem pestanejar.

Porém, uma viagem pela Zona Euro mostra que o Governo Português é, de entre os Governos de 14 dos 15 Estados-membros, o único que prevê para este ano um crescimento do PIB maior do que o registado em 2007 (a Bélgica é o país dos 15 que ainda não disponibilizou este tipo de informação).

A teoria do Oásis está de regresso. Pelo menos para o Governo. Ou melhor: só para o Governo…

O Défice de 2007, a Economia, os Impostos e as Eleições

O resultado preliminar da Execução Orçamental de 2007, ontem divulgado pelo Governo, deixa claro o embuste que foi criado à volta das contas públicas de 2005, sendo agora também evidente que o retrato previsto pela “Comissão Constâncio” não correspondia à verdade. E aqui reside o pecado original: todos tomámos como real a situação orçamental de 2005, os famosos 6.83% de défice. Só que não o era. E, assim, contra o que inicialmente se tinha pensado, o défice de 4.6% do PIB previsto para 2006, afinal ficou em 3.9%. E o défice de 2007, inicialmente previsto em 3.7% do PIB, afinal, não ficará nem em 3.3% (objectivo revisto em Março de 2007); nem tão-pouco em 3% (valor inscrito no Orçamento para 2008), mas sim bem abaixo: ao que parece, em redor de 2.5%!...

É um bom resultado – mas atenção, os números ontem divulgados mostram que foi a receita (que ficou em mais de 1400 milhões de euros acima do orçamentado no Estado, e em quase 1000 milhões na Segurança Social), a grande responsável por este feito. Porque o problema de fundo da despesa pública portuguesa, que se situa na despesa pública corrente e, em particular, nas despesas com o pessoal (onde reside o famoso “monstro”, e que ficaram mais de 340 milhões de euros acima do orçamentado), não foi atacado – o que é a confissão de que o PRACE está, infelizmente, muito longe de atingir os objectivos inicialmente traçados.

Mas o resultado ontem adiantado prova também que existia, de facto, margem de manobra mais do que suficiente para que a proposta de baixa de impostos imediata (descer o IVA de 21% para 20% e o IRC de 25% para 22%), apresentada pelo PSD em Março de 2007, pudesse ter sido acolhida. Assumindo tudo o resto constante, esta proposta, com efeitos na segunda metade do ano passado, custaria cerca de 500 milhões de euros – ou cerca de 0.3% do PIB. Logo, mesmo considerando esta opção, o défice de 2007 poderia situar-se abaixo de 3%... não colocando em causa a consolidação das contas públicas (que deve ser feita, preferencialmente do lado da despesa), o objectivo do défice para 2008, e com efeitos positivos sobre a economia nacional – que bem precisada está, como sabemos (veja-se o crescimento económico em baixa e o desemprego em alta, por exemplo)…

Porém, como é evidente, se o Governo tivesse aceitado a proposta então apresentada, depois não teria margem para, lá mais para o fim de 2008, propor uma baixa de impostos que terá efeitos em 2009… ano de eleições!... Assim, por motivos eleitoralistas e uma obsessão sem limites pelo défice público (onde anda o PS do passado?!...), é a economia portuguesa que continua sufocada com impostos, a ver a vida económica das regiões fronteiriças (mais desfavorecidas) a passar-se para Espanha, a assistir à deslocalização de empresas para a Europa de Leste… É que tão ou mais importante que reduzir o défice público, é recuperar a economia. E na verdade, pelo caminho que levamos, corremos o risco de um belo dia acordarmos, termos o défice reduzido e… não termos economia. É pena que o Governo não tenha percebido isto. Ou melhor – que o tenha percebido, mas que não actue quando o devia ter feito, e apenas quando lhe interessa, em ano de eleições. O que só posso qualificar como lamentável.

A interpretação da lei e a lição de Cinderela...

Estive a ver os Prós e os Contras em que o tema era a nova legislação sobre o tabaco. Ficámos a saber que a letra da lei diz que pretende proteger os não fumadores mas que o “espírito da lei” é proibir o fumo. Ficámos a saber que há excepções, designadamente nos bares, restaurantes e discotecas que tenham um espaço próprio para fumadores, mas que os requisitos, depois de devidamente “interpretados” de acordo com o tal espírito, são simplesmente absurdos e praticamente impossíveis de cumprir. Depois de uma grande zaragata, ficámos a saber que os donos desses estabelecimentos se preparam para interpor acções, providências cautelares e o diabo a sete para impedir que a Direcção Geral de Saúde bloqueie administrativa e arbitrariamente, aquilo que a lei, numa leitura de boa fé, admite. Foi um espectáculo lamentável de leituras enviesadas, subtilezas, jogos de poder, os responsáveis mal informados ou mal intencionados a deixar ali a “sua” visão do tema, coincidisse ou não com o que se lê no texto.
Há um episódio muito emocionante na história da Cinderela. Como se lembram, ia haver o baile do príncipe, a família tinha sido convidada, mas a madrasta disse-lhe que ela não tinha um vestido adequado e que, sem isso, não poderia ir. Mas a menina descobriu o vestido na arca e foi, muito esperançosa, pedir para acompanhar as irmãs. Ora, a madrasta não tinha a menor intenção de a deixar ir mas disse que sim, desde que conseguisse lavar as janelas, limpar o chão, passar a ferro, coser a roupa, tudo a tempo e horas… E acabava, triunfante: - “SE terminares o trabalho, então sim, poderás ir ao baile!” e afastava-se com um riso mau, sabendo que as condições eram incumpríveis.
Esta parte da história mostrava às crianças o odioso da falsidade, da manha de quem não quer assumir a sua vontade e arranja mil e uma formas ínvias de fazer com que alguém não consiga obter o resultado que ela quer contrariar. Daqui resulta um sentimento de injustiça para os que tentam cumprir e uma situação de favor para os que conseguem a benevolência de quem dita as regras. Através desta história, as crianças aprendiam a rejeitar e a sentir desprezo por este tipo de atitudes…

domingo, 20 de janeiro de 2008

Maneira indigna de fazer política!...

Escreve Pedro Santana Lopes no post É demais, no seu blog, a propósito do caso do bebé de Anadia, que o ”Ministro da Saúde, quando confrontado com a perda da vida de uma criança, entendeu sorrir…”. E termina o post dizendo: ”…não estou a pedir, repito, para ser demitido. Estou a dizer que não podemos ter um Ministro da Saúde que, numa situação tão triste assim, tem uma tal risonha reacção”.
A política de saúde do Prof. Correia de Campos tem sido das políticas mais veementemente criticadas neste blog, apesar de ter nos seus autores alguns bons amigos, entre os quais eu me incluo. Criticamos a política, e eu por várias vezes a tenho criticado, não pondo nunca em causa as motivações e as intenções.
A argumentação política bate no fundo, quando se chega à ofensa pessoal, consubstanciada na acusação de o Ministro sorrir e ter uma reacção risonha perante tão trágico acontecimento. Como se o Ministro não tivesse sentimentos ou estes fossem exclusivo do Dr. Pedro Santana Lopes!...
Reprovo e não me conformo com esta maneira indigna de fazer política!...

O ambiente ao serviço de "nuestros hermanos"!...

Segundo um amigo meu, que creio bem informado, em frente a Castro Marim, em território espanhol, está a nascer uma grande urbanização de vários milhares de habitações. Vista privilegiada para o sapal de Castro Marim, diz a publicidade do empreendimento.
Ao mesmo tempo, do lado de cá, toda a autorização é dificultada, em nome da preservação do ambiente e da biodiversidade. Onde o homem, naturalmente, não cabe.
Também, muito naturalmente, “nuestros hermanos” agradecem o excelente ambiente assim colocado à sua disposição!...

sábado, 19 de janeiro de 2008

Neurologia do marketing


Agora já começo a compreender por que razão certos vinhos são tão caros. A razão de ser prende-se com a vontade dos responsáveis pela comercialização dos ditos em “dar” o máximo de prazer aos consumidores.
O Instituto de Tecnologia da Califórnia, usando a técnica de ressonância magnética, estudou os cérebros de vários indivíduos que tinham bebido duas doses do mesmo vinho, embora lhes tenham dito que tinham preços diferentes, 5 e 95 dólares.
A maioria considerou melhor as doses dos vinhos “mais caros”. As ressonância magnéticas comprovaram a estimulação do córtex fronto-orbital, área que desempenha um papel importante na sensação de prazer. A percepção era mesmo real!
Obviamente que este achado deverá ter os seus equivalentes noutras áreas do mercado, abrindo uma nova área de especialização, a neurologia do marketing, que explora o prazer do consumismo.
By the way, os especialistas em vinhos não se deixaram cair no jogo...

Os flagelantes



Os relatos e as imagens dos xiitas a flagelarem-se como prova da sua religiosidade e de expiação por não terem podido salvar o imã Hussein, morto e enterrado no ano de 680 em Kerbala, são preocupantes e difícil de compreender e aceitar.
No entanto, este fenómeno não é novo. Após o aparecimento da peste negra, em 1348, ocorreram movimentos sociais dramáticos, desde a perseguição dos judeus, com tortura, enforcamento e expulsão para o Leste europeu (a situação foi de tal forma grave, que obrigou o papa Clemente VI a editar Bulas, inocentando-os), ao aparecimento dos flagelantes. O movimento que já tinha ocorrido no século XIII, em consequência de ciclos graves de fome-doença, tinha como objectivo “exorcizar” o castigo divino (as pestes e a fome eram sinónimos de condenações superiores).
Os flagelantes eram verdadeiros “exércitos” organizados, com indumentária própria e comandados por um mestre que organizavam a flagelação pública e privada, segundo rituais próprios. Para evitar a punição divina, neste caso a peste, infligiam castigos nos seus próprios corpos.
De início, a própria Igreja aceitava estes sacrifícios “altruístas”! Até o papa Clemente ordenou uma flagelação pública em Avignon, a fim de evitar a propagação da terrível doença que dizimou grande parte da população da Europa. Mas, depressa se tornaram incontroláveis, revolucionários, perseguindo os ricos, os judeus, numa verdadeira manifestação de terror organizado, o que levou o papa a condená-los. E de que maneira! Sua Santidade não esteve pelos ajustes e muitos acabaram queimados, sem cabeça ou enforcados, além de outras medidas de carácter proibitivo.
Setecentos anos depois, o fenómeno continua a ocorrer, baseando-se nos mesmos princípios. Além da dificuldade em compreender ou pelo menos aceitar estes comportamentos, que também continuam a manifestar-se nalguns católicos (veja-se o caso das crucificações filipinas), temos de realçar a forma organizada dos flagelantes islâmicos, o que, sob o ponto de vista social, constitui uma forma perigosa de manifestação, de um poder, com consequências nada fáceis de prever. Não sendo de advogar as soluções radicais já enunciadas, por motivos óbvios, tem de haver medidas, susceptíveis de evitar as formas extremistas de pseudo-religiosidade, porque são a fonte mais perversa de tirania social.

Teoria do Oásis de volta?

Ficou conhecido por Teoria do Oásis o optimismo indestrutível do Ministro das Finanças, Braga de Macedo em 1992/3, perante a acumulação de sinais negativos do desempenho da economia portuguesa…que acabaria mesmo por cair numa fase de recessão em 1993 com uma quebra do PIB de cerca de 1,2% em relação ao ano anterior.
Neste início de 2008 estão a acumular-se sinais de abrandamento das economias europeias – com relevo para a economia espanhola, demasiadamente importante para nós – e mais ainda da economia americana.
O problema parece mais sério no caso dos USA, cujo Governo Federal anunciou ontem medidas fiscais de emergência com o objectivo de reanimar a actividade económica, traduzidas numa redução dos impostos sobre o rendimento e também em incentivos fiscais ao investimento das empresas.
Segundo a Administração americana, estas medidas deverão representar em 2008 um incentivo total de USD 140 mil milhões, podendo ter um impacto positivo de cerca de 1% sobre o PIB.
A este estímulo fiscal adiciona-se o estímulo monetário, admitindo-se como quase certo que o Banco de Reserva Federal reduza as suas taxas em 0,5 pp antes do final do corrente mês, com o que a descida de taxas (Fed Funds) nos últimos meses somará um total de 1,5 pp, de 5,25 para 3,75% - sendo provável que os juros voltem a baixar num prazo não muito longo.
Na Europa, os vários países têm vindo a anunciar correcções expressivas das previsões de crescimento para este ano – casos mais recentes da Itália, de 1,7 para 1% apenas e da Alemanha, de 2,4 para 2%.
O caso espanhol parece mais sério, dado o abrandamento muito forte que tem vindo a registar-se no sector da construção, com efeitos muito importantes sobre o emprego.
A Espanha atravessa uma fase de pessimismo quanto ao futuro da economia, que domina o debate pré-eleitoral e que pôs termo ao optimismo em que viveu bastantes anos.
A desaceleração económica pode vir a ser mesmo superior ao admitido na última previsão, que ainda apontava um crescimento de cerca de 3% no corrente ano.
Em Portugal, tudo parece ser diferente…apesar da divulgação ontem feita pelo BdeP que registou um significativo abrandamento da actividade no final de 2007, acentuando uma tendência que começou no início do segundo semestre.
A previsão de crescimento do PIB de 2,2% para 2008, afigurando-se neste momento uma miragem, mantém-se no entanto inamovível.
E a já famosa inflação, depois de ter conseguido desligar-se heroicamente da evolução dos preços, como aqui já salientei, não poderá ser mais do que 2,1% tal como oportunamente decretado…
Enfim, será que temos a Teoria do Oásis de volta e em versão bastante melhorada?
Como estaremos no final do ano? No oásis ou no deserto?

Sarkozy inovador...

Nicolas Sarkozy, o Presidente da França, com o seu estilo hiperactivo, decidido e ambicioso, não pára realmente de surpreender! Eis duas medidas “revolucionárias” que podem fazer “história” e que vale a pena acompanhar pois não interessam apenas aos franceses: a criação de um “PIB” que leve em conta a qualidade de vida e a aplicação de um sistema de avaliação por objectivos aos ministros do seu governo. Se vão realmente resultar em alguma coisa concreta é o que estaremos para ver. Ainda assim, não deixam de ter subjacentes preocupações muito válidas, que muitos outros países partilham:
▪ Criação de um PIB que leve em conta a qualidade de vida – Sarkozy encomendou aos prémios Nobel da Economia Joseph Stiglitz (2001) e Amartya Sem (1998) o cálculo de uma medida de crescimento económico que “leve em conta a qualidade e não apenas a quantidade”. O que se pretende é dispor de um indicador que permita aferir em que medida o progresso económico traduz melhores condições de vida.
Segundo Sarkozy com esta iniciativa pretende-se acabar de vez com “o diferencial cada vez maior entre as estatísticas que mostram um progresso contínuo e as crescentes dificuldades que as pessoas estão a sentir na sua vida diária”.
A preocupação em dispor de um indicador com estas preocupações não é nova. A ONU criou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que foca três dimensões fundamentais do desenvolvimento humano: viver uma vida longa e saudável, medida pela esperança de vida à nascença, ser instruído, medida pela taxa de alfabetização de adultos e pela taxa de escolarização combinada do ensino primário, secundário e superior, e ter um padrão de vida digno, medida pelo PIB per capita.
Segundo o Relatório da ONU publicado em 2007, o IDH de Portugal desceu entre 2000 e 2005, tendo sido o único país da EU e da Europa onde esta tendência se registou.
Nos dados relativos a 2005, Portugal situou-se em 29ª lugar no IDH num universo de 177 países , com a Islândia na liderança. Na EU Portugal ocupa a 17ª posição, atrás da Grécia, Eslovénia e Chipre.
▪ Aplicação de um sistema de avaliação por objectivos aos ministros do seu governo – Sarkozy decidiu que a cultura do desempenho também se aplica aos seus ministros, que a partir deste ano vão ser avaliados trimestralmente tendo em conta objectivos concretos estabelecidos para todos. E para credibilizar o processo e os resultados a supervisão das avaliações foi contratada a uma empresa privada. A ideia é imprimir maior responsabilidade à acção governativa, permitir maior escrutínio público e medir os progressos feitos nas diversas áreas da governação.
A oposição considera a medida “perigosa" e não poupou critícas a Sarkozy acusando-o de transformar o governo num conselho de administração.
Imaginemos por uns minutos o que seria a aplicação desta medida em Portugal (?) e o que seriam as rondas de “negociação”… Antes de ser medida estaríamos anos a legislar e a contra-legislar até chegarmos ao modelo (im) possível!
Vamos, então, aguardar pelos próximos episódios...

Xeque Mate à Pobreza...

Estive uns dias fora e regressada a Lisboa estive a colocar as minhas leituras em dia. Tudo mais ou menos na mesma. Nada de novo. Retive a atenção nos indicadores sobre o risco de pobreza e sobre a desigualdade na distribuição dos rendimentos monetários aferidos ao ano de 2006 publicados pelo Instituto Nacional de Estatística. Mas também aqui, infelizmente, nada de novo, quer em relação ao “pobre” retrato da pobreza, quer em relação à “miserável” ausência de opinião política sobre o assunto.
Os resultados confirmam a situação traçada pelo Eurostat em Agosto de 2007 relativamente à pobreza em Portugal.
O montante que define a taxa de risco de pobreza corresponde a 366 euros por mês, ou seja, 12 euros por dia. Se considerarmos que o salário mínimo nacional se situa em 426 euros, são apenas 60 euros que separam um pobre de quem não é. É fácil de perceber a facilidade com que esta diferença é percorrida e engrossada a taxa de risco de pobreza!
Com efeito, a pobreza continua a ser um flagelo que a estatística não deixa esconder. A evolução dos indicadores é preocupante na medida em que não há melhorias satisfatórias que indiquem que as políticas sociais levadas a cabo nos últimos dez anos tenham sido eficazes no combate à pobreza.
O fosso social continua a ser enorme, ainda que tenha havido uma redução dos portugueses classificados em situação de risco de pobreza, pois é bom de ver que não são mais 10, 20 ou 30 euros por mês que alteram as difíceis condições de vida. O retrato da pobreza não foi alterado e, portanto, não há razões para festejar!
Os números continuam a ser muito duros:
- A população residente em situação de risco de pobreza era de 18% em 2006 (em 2005, 19%);
- As maiores taxas de risco de pobreza foram registadas nas pessoas idosas com 26% e nas pessoas com menos de 18 anos com 21%;
- A distribuição dos rendimentos caracterizava-se por uma acentuada desigualdade: o rendimento dos 20% da população com maior rendimento era 6,8 vezes o rendimento dos 20% da população com menor rendimento (em 2005, 6,9%);
- Aos 20% da população com maiores rendimentos correspondia 45% do rendimento total das famílias, enquanto que aos 20% da população com menores rendimentos sobreviviam apenas com 7%;
- O risco de pobreza entre desempregados e trabalhadores por conta de outrem agravou-se (de 2005 para 2006) com subidas da taxa na população desempregada de 28% para 31% e da taxa na população de trabalhadores por conta de outrem de 28% para 29%;
Estes números representam a existência de 2 milhões de portugueses a viverem em condições “limite” e o enorme fosso social existente entre a população de maior rendimento e a população de menor rendimento, acima da média verificada na UE que regista uma diferença de 5 vezes.
Para além da crueza dos números e da preocupante constatação das dificuldades e desigualdades em que vivem muitos dos portugueses, a falência das políticas sociais dos últimos anos deveria ser objecto de uma profunda discussão. Não seria o momento de fazermos uma avaliação dos resultados do Rendimento Social de Inserção – RSI (antigo Rendimento Mínimo Garantido) enquanto instrumento de erradicação da pobreza? Alguém conhece os impactos? O RSI representará em 2008 uma despesa de 371 milhões de euros. No final do ano de 2007, 311.376 pessoas beneficiavam do RSI, contra os 264.287 registados em Dezembro de 2006.
Seria importante que o País percebesse onde é que estão os erros e que medidas correctivas poderiam ser introduzidas nos actuais programas sociais de modo a combater com maior eficácia a situação da pobreza em que vivem muitos portugueses. Com efeito, a despesa social tem vindo a registar aumentos significativos, com crescentes consignações dos impostos para as políticas de apoio social, designadamente, de combate à pobreza e exclusão social.
O retrato da pobreza é deprimente e deveria desgostar todos os cidadãos responsáveis. Infelizmente este tema só parece ter direito a algum “tempo de antena” quando a estatística é publicada. É pouco, mesmo muito pouco!
Certo é que enquanto a pobreza continuar a afectar uma parte tão significativa da população o país não pode evoluir!

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

O liofilizado fumo de casino

Em matéria de cigarro, e depois da excepção das discotecas, também agora os restaurantes dos Casinos são equiparados a Casinos!...
Uma verdadeira roleta, as interpretações do exótico Sr. Director-Geral e do seu nutrido Grupo Técnico, composto de largas dezenas de circunspectos sábios.
Com decisões claramente adequadas às circunstâncias. Não é da roleta que nascem os jackpots?

Faladoras e faladores...

Uma neuropsiquiatra, Louan Brizendine, escreveu um livro intitulado “The Female Brain” que em português recebeu o título “O que pensam as mulheres”. Neste livro são feitas considerações sobre a evolução do cérebro, como pensam as mulheres e como comunicam. Um dos aspectos mais interessantes tem a ver com o facto de uma mulher usar, em média, cerca de 20.000 palavras por dia, ao passo que os homens usam apenas 7.000. Claro que avança com as explicações. Mas não vale dizer que são elas que não os deixam falar! Não senhor.
A ideia de que as mulheres falam mais do que os homens está de tal modo generalizada que dificilmente alguém a põe em causa. No entanto, um estudo recente, embora realizado em universitários, permitiu concluir que as mulheres falam em média 16.215 palavras por dia e os homens 15.669. A diferença não é estatisticamente significativa. Sendo assim, não há razões para manter o mito.
Tive sempre suspeitas sobre esta opinião.
Muitas pessoas, que falam pelos cotovelos, exasperam-me quando enveredam pelo discurso directo, porque antevejo ter que despender, no mínimo, três vezes mais tempo para ouvir os seus problemas. Conheço alguns homens que além de serem palradores associam uma certa desinibição que chega a ser embaraçosa.
Recordo alguns.
O “Píncaro”, meio-louco, da minha idade – fazia questão de dizer alto e em bom som esta particularidade a quem quisesse ouvir, vezes sem conta –, filava-me de tal modo que muito dificilmente conseguia controlá-lo. Quando tentava quebrar ou desviar a conversa, que na maior parte das vezes oscilava para o disparate, era pior a emenda do que o soneto, pois aproveitava a deixa para continuar com o seu discurso. E não parava, por nada deste mundo. Quase sempre tinha que arranjar uma desculpa para me ausentar. E mesmo assim…
Já está deitado de costas.
Outro, o Toino, esquinado, até corre quando me vê. Apesar das suas limitações, mesmo andando sempre de bombordo, apanha-me com estranha facilidade. Fala, fala e fala! De um modo geral não é chato nem impertinente. A última vez que o vi, eram cerca das 11 da manhã de um Domingo, em plena via pública, junto a uma velha tasca muito frequentada, além dos que se encontravam na rua, começou a interpelar-me, até que chegou a um ponto em que afirmou: - Ó doutor tem que me arranjar um medicamento! - Um medicamento? Para quê? – O senhor sabe! –Eu?! – Sim, para aquilo! – Para aquilo?! E como o tempo já se ia esgotando, assim como a paciência, lá consegui descolar para ir à vida. Surpreso, o Toino gritou, de tal forma que todos ouviram, os que estavam na rua e na tasca ao ponto de estes virem cá para fora : - Um medicamento para a tesão!! - C´os diabos. E agora? Como vou sair desta? Dezenas de pares de olhos fixaram-se em mim. Voltei-me e disse-lhe: - Ó Toino, deixa-te dessas coisas. Se deixares de beber, pode ser que melhores! Irra, eu pensava que só o Píncaro era capaz de uma destas…
Também conheço algumas histórias de mulheres que falam e falam. Mas o melhor é parar por aqui.
Este texto contém 546 palavras correspondente à diferença entre os valores médios de palavras proferidas diariamente entre mulheres e homens. Contributo para a igualdade...

Fumar conforme a música!...

"O fumo vai ser permitido nas discotecas, sem imposição de quotas máximas de espaço para fumadores...", segundo a "interpretação" do Senhor Director-Geral da Saúde comunicada ao receber os representantes da Associação Nacional de Discotecas, que protestavam contra a Lei.
Tal "interpretação" levou magna surpresa à AND, cujo Vice-Presidente declarou: "ficámos muito satisfeitos e agradavelmente surpreendidos, porque o director-geral manifestou-nos uma interpretação da lei diferente daquela que tínhamos feito inicialmente..." .
Por mim, não vejo qual a surpresa, já que a lei dá para tudo. Até ao ponto de os próprios Deputados que a discutiram e votaram desconhecerem qual a sua extensão e compreensão e exigirem que ela seja devidamente interpretada.
Ora para a interpretação do sim ou do não, tudo serve. Para o sim das discotecas concorreu decisavamente o facto de "as discotecas não serem restaurantes, não lidarem com alimentos...". Ora , que eu saiba, os escritórios também não e aí é proibido. Aliás, para melhor justificação da coisa, o Director Geral até enfatizou a equiparação, para efeitos de fumo, das discotecas a órgãos de soberania...como decorre do artigo 5º da Lei!...
De facto, nesta nebulosa fumacenta, a soberania comporta-se ao nível da discoteca: dança conforme a música!...
E não se poderá exterminá-la? A lei, claro, não a música!...

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A liberdade do Papa

“O perigo do mundo ocidental, para falar apenas neste, é que hoje o homem, justamente em razão da grandeza do seu poder e do seu saber, capitule perante a questão da verdade” e que a razão “ceda à pressão dos interesses e à tentação da utilidade erigida como critério supremo”, alerta o Papa.

A Universidade La Sapienza, fundada em 1303 pelo Papa Bonifácio VIII e que é uma das maiores instituições universitárias da Europa não conseguiu impedir que o protesto organizado de 67 (!) professores e uns tantos estudantes levasse ao cancelamento da visita do Papa, por ocasião da abertura do ano lectivo.
Uma vergonha, acho eu. Nem tanto o protesto, porque cada um é livre de se manifestar como muito bem entender e os outros de lhe darem a importância que merece. Pelo que li, o que é incompreensível é como é que uma manifestação deste tipo pode dar origem ao cancelamento da visita, dando assim uma dimensão quase universal, pelas repercussões, a uma atitude que só deveria merecer desprezo e censura.
Não aceito que um qualquer grupo que grite umas frases chocantes ou desrespeitosas seja suficiente para mudar a agenda do papa. É isso que assusta, é esta insuportável fraqueza perante a arrogância de quem acha que deve dizer aos gritos a sua opinião, tão alto que não deixe ouvir a dos outros, nem que seja a do Papa.
Acho muito triste que, de todas as notícias que procurei, nem uma tenha adiantado uma forte razão para a desistência, o risco de vida, os motins, a insegurança, sei lá, qualquer circunstância imbatível que não nos deixasse a acreditar que é fácil limitar os movimentos do Papa.
Também acho patético que todos os altos responsáveis políticos italianos se tenham apressado a manifestar grande repúdio pelas manifestações, grande preocupação pelo acontecido, como se fossem impotentes para o evitar, ainda por cima afirmando “o direito de o papa falar”, afirmação que, só por si, dá bem a imagem da cobardia e da hipocrisia política. Como se fosse sequer de admitir a dúvida sobre esse direito! Como se fosse precisa essa solidariedade!
A Igreja católica italiana convocou uma manifestação de defesa do pontífice para domingo na praça de São Pedro na hora da oração do Ângelus, dizem as notícias, e eu fico perplexa. O Papa vítima impotente de uma manifestação numa universidade, tolhido no seu direito de expressão, como um qualquer perseguido pelas fúrias indomáveis da tirania...!
Não admira, assim que, segundo um jornal, a ministra italiana para os Assuntos da União Europeia tenha tido o topete e a desconsideração de esclarecer que "Ninguém deseja calar o papa ou tentar negar-lhe o direito de expressão. Acho preocupante o quadro com que nos deparamos hoje: o único que tem espaço para falar, a qualquer hora, é o papa."
Por mim, não tenho sequer o impulso de comentar a atitude e o teor do protesto, mal teria dado por ele se não o tivessem promovido à desmesurada categoria de “ameaça à liberdade de expressão do papa”.
No meio disto tudo, perde-se a mensagem, apesar da publicação do discurso logo no dia da visita cancelada. Qual é o sinal de força de um papa “amordaçado” por um punhado de manifestantes numa Universidade em Roma?