
«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
Mostrar mensagens com a etiqueta História de Portugal. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta História de Portugal. Mostrar todas as mensagens
21.12.11
18.12.11
VITORIOSOS OU MORTOS

Há precisamente 50 anos, o "pacifista" Nehru invadia Portugal através de Goa. Este post notável do Miguel Castelo-Branco recorda o episódio pelo lado não politicamente correcto dele. De facto, a perda de Goa foi vista quase como uma inevitabilidade e a crónica pusilanimidade das organizações internacionais encarregou-se do resto. Salazar fez o que lhe competia. Num telegrama amplamente citado (contra ele, como não podia deixar de ser) que dirigiu ao Governador Geral, o presidente do Conselho era inequívoco: «não prevejo possibilidade de tréguas nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos.» O que se passou a seguir é conhecido. Ninguém, de Lisboa à Índia, saiu bem da coisa. Houve, porém, uma excepção, o 2º Tenente Oliveira e Carmo que, com apenas 25 anos e sem hesitações, explicou aos seus subordinados: «fazemos parte da defesa de Diu e da Pátria e vamos cumprir até ao último homem e última bala se possível». Como escreve o Miguel, «os militares, mais que os paisanos, compreendem ou devem compreender o que significa o sacrifício derradeiro que lhes exige a carreira que voluntariamente abraçaram. Oliveira e Carmo compreendeu-o. Sacrificou-se pela honra e foi militar. Os outros, aqueles que pensaram quando não deviam pensar, que não cumpriram quando deviam cumprir, que partiram as espadas quando as deviam empunhar, que deitaram ao chão a bandeira quando a deviam levantar bem alto; esses, não foram militares. Há quem pense, erradamente, que os actos inúteis devem ser evitados. Errado, o acto inútil pode assumir transcendente significado. No caso de Goa, a Índia portou-se miseravelmente, Oliveira e Carmo cumpriu e não vacilou, como não vacilaram os goeses portugueses que deixaram tudo para serem dignos da sua condição de cidadãos - que reclamam direitos, mas têm deveres - e os outros, aqueles que se renderam à lógica, os pragmáticos que racionalizam, os homens dos afectos e da lágrima sentimentalóide, esses perderam. É tudo.»
4.6.11
REFLEXÕES DO DIA ,1

Estava a olhar para a estante que tenho à minha frente e reparo na edição que possuo, a primeira da Arcádia (colecção A Obra e o Homem, edição anterior à da foto, de 1972), do livro de A. H de Oliveira Marques dedicado a Afonso Costa. Adquiri-a num alfarrabista na Rua de São Pedro de Alcântara, numa "feira" ao ar livre. O seu antigo dono (do livro) escreveu o seguinte por baixo do nome da obra, "Afonso Costa": «o demónio tem artes até de se fazer sentar numa cadeira governamental". Se calhar ainda hoje em dia tem.
24.4.11
O 25 DE ABRIL, A HISTÓRIA E OS SUB-37

As novas e as novíssimas gerações, sobretudo as da net e do telemóvel, não se "formaram" lendo, por exemplo, António José Saraiva ou Jorge de Sena, ambos autores portugueses para o século XXI já que viveram o XX, na parte que lhes coube, exilados fora e dentro do seu país. Não. As novas e as novíssimas gerações sub-37 cresceram a ler (os que sabem ler) gente que não sabe escrever, ler ou pensar. Cresceram, esses sub-37, com duas ou três tristes luminárias na cabeça porque elas lhes são impingidas, em casa, através da televisão. Ainda há pouco, o afilhado do Prof. Marcello Caetano debitava - rindo-se porque este é dos que ri - como se fosse o primeiro e último anti-fascista ao cimo da terra. Os sub-37 cresceram com uma parafernália de farsantes que, por definição e natureza deles, são tidos por democratas. Serão? No tempo em que os jornais publicavam textos polémicos e a coisa ainda não estava entregue à redacção única e à criminologia política acanalhada e analfabeta, em ambiente concierge, António José Saraiva escreveu no Diário de Notícias, em 1979, um artigo intitulado "O 25 de Abril e a História". Encontram-no no livro Os Filhos de Saturno, da Bertrand. É a pensar na geração sub-37 que aqui o reproduzo, sublinhando o que me pareceu de sublinhar em 2011. O resto é consigo, leitor. Nem "25 de Abril sempre" nem nunca.
«Se alguém quisesse acusar os portugueses de cobardes, destituídos de dignidade ou de qualquer forma de brio, de inconscientes e de rufias, encontraria um bom argumento nos acontecimentos desencadeados pelo 25 de Abril. Na perspectiva de então havia dois problemas principais a resolver com urgência. Eram eles a descolonização e a liquidação do antigo regime. Quanto à descolonização havia trunfos para a realizar em boa ordem e com a vantagem para ambas as partes: o Exército Português não fora batido em campo de batalha; não havia ódio generalizado das populações nativas contra os colonos; os chefes dos movimentos de guerrilha eram em grande parte homens de cultura portuguesa; havia uma doutrina, a exposta no livro Portugal e o Futuro do general Spínola, que tivera a aceitação nacional e poderia servir de ponto de partida para uma base maleável de negociações. As possibilidades eram ou um acordo entre as duas partes, ou, no caso de este não se concretizar, uma retirada em boa ordem, isto é, escalonada e honrosa. Todavia, o acordo não se realizou e retirada não houve mas sim uma debandada em pânico, um salve-se-quem-puder. Os militares portugueses, sem nenhum motivo para isso, fugiram como pardais, largando armas e calçado, abandonando os portugueses e africanos que confiavam neles. Foi a maior vergonha de que há memória desde Alcácer Quibir. Pelo que agora se conhece, este comportamento inesquecível e inqualificável deve-se a duas causas:
Uma foi que o PCP, infiltrado no Exército, não estava interessado num acordo nem numa retirada em ordem, mas num colapso imediato que fizesse cair esta parte da África na zona soviética. O essencial era não dar tempo de resposta às potências ocidentais. De facto, o que aconteceu nas antigas colónias portuguesas insere-se na estratégia africana da URSS, como os acontecimentos subsequentes vieram mostrar;
Outra causa foi a desintegração da hierarquia militar a que a insurreição dos capitães deu início e que o MFA explorou ao máximo, quer por cálculo partidário, quer por demagogia, para recrutar adeptos no interior das Forças Armadas. Era natural que os capitães quisessem voltar depressa para casa. Os agentes do MFA exploraram e deram cobertura ideológica a esse instinto das tripas, justificaram honrosamente a cobardia que se lhe seguiu.
Um bando de lebres espantadas recebeu o nome respeitável de «revolucionários». E nisso foram ajudados por homens políticos altamente responsáveis, que lançaram palavras de ordem de capitulação e desmobilização num momento em que era indispensável manter a coesão e o moral do Exército para que a retirada em ordem ou o acordo fossem possíveis. A operação militar mais difícil é a retirada; exige em grau elevadíssimo o moral da tropa. Neste caso a tropa foi atraiçoada pelo seu próprio comando e por um certo número de políticos inconscientes ou fanáticos e em qualquer caso destituídos de sentimento nacional. Não é ao soldadinho que se deve imputar esta fuga vergonhosa, mas aos que desorganizaram conscientemente a cadeia de comando, aos que lançaram palavras de ordem que nas circunstâncias do momento eram puramente criminosas. Isto quanto à descolonização, que na realidade não houve. O outro problema era o da liquidação do regime deposto. Os políticos aceitaram e aplaudiram a insurreição dos capitães, que vinha derrubar um governo que, segundo eles, era um pântano de corrupção e que se mantinha graças ao terror policial: impunha-se, portanto, fazer o seu julgamento, determinar as responsabilidades, discriminar entre o são e o podre, para que a nação pudesse começar uma vida nova. Julgamento dentro das normas justas, segundo um critério rigoroso e valores definidos. Quanto aos escândalos da corrupção, de que tanto se falava, o julgamento simplesmente não foi feito. O povo português ficou sem saber se as acusações que se faziam nos comícios e nos jornais correspondiam a factos ou eram simplesmente atoardas. O princípio da corrupção não foi responsavelmente denunciado, nem na consciência pública se instituiu o seu repúdio. Não admira por isso que alguns homens políticos se sentissem encorajados a seguir pelo mesmo caminho, como se a corrupção impune tivesse tido a consagração oficial. Em qualquer caso já hoje não é possível fazer a condenação dos escândalos do antigo regime, porque outras talvez piores os vieram desculpar. Quanto ao terror policial, estabeleceu-se uma confusão total. Durante longos meses esperou-se uma lei que permitisse levar a tribunal a PIDE-DGS. Ela chegou, enfim, quando uma parte dos eventuais acusados tinha desaparecido e estabelecia um número surpreendentemente longo de atenuantes, que se aplicavam praticamente a todos os casos. A maior parte dos julgados saiu em liberdade. O público não chegou a saber, claramente, as responsabilidades que cabiam a cada um. Nem os acusadores ficaram livres da suspeita de conluio com os acusados, antes e depois do 25 de Abril. Havia, também, um malefício imputado ao antigo regime, que era o dos crimes de guerra, cometidos nas operações militares do Ultramar. Sobre isto lançou-se um véu de esquecimento. As Forças Armadas Portuguesas foram alvo de suspeitas que ninguém quis esclarecer e que, por isso, se transformaram em pensamentos recalcados. Em resumo, não se fez a liquidação do antigo regíme, como não se fez a descolonização. Uns homens substituíram outros, quando os homens não substituíram os mesmos; a um regime monopartidário substituiu-se um regímen pluripartidário. Mas não se estabeleceu uma fronteira entre o passado e o presente. Os nossos homens públicos contentaram-se com uma figura de retórica: «a longa noite fascista». Com estes começos e fundamentos, falta ao regime que nasceu do 25 de Abril um mínimo de credibilidade moral. A cobardia, a traição, a irresponsabilidade, a confusão, foram as taras que presidiram ao seu parto e, com esses fundamentos, nada é possível edificar. O actual estado de coisas, em Portugal, nasceu podre nas suas raízes. Herdou todos os podres da anterior; mais a vergonha da deserção. E com este começo tudo foi possível depois, como num exército em debandada: vieram as passagens administrativas, sob a capa de democratização do ensino; vieram «saneamentos» oportunistas e iníquos, a substituir o julgamento das responsabilidades; vieram os bandos militares, resultado da traição do comando, no campo das operações; vieram os contrabandistas e os falsificadores de moeda em lugares de confiança política ou administrativa; veio o compadrio quase declarado, nos partidos e no Governo; veio o controlo da Imprensa e da Radiotelevisão pelo Governo e pelos partidos, depois de se ter declarado a abolição da censura; veio a impossibilidade de se distinguir o interesse geral dos interesses dos grupos de pressão, chamados partidos, a impossibilidade de esclarecer um critério que joeirasse os patriotas e os oportunistas, a verdade e a mentira; veio o considerar-se o endividamento como um meio honesto de viver. Os cravos do 25 de Abril, que muitos, candidamente, tomaram por símbolo de uma Primavera, fanaram-se sobre um monte de esterco. Ao contrário das esperanças de alguns, não se começou vida nova, mas rasgou-se um véu que encobria uma realidade insuportável. Para começar, escreveu-se na nossa História uma página ignominiosa de cobardia e irresponsabilidade, página que, se não for resgatada, anula, por si só todo o heroísmo e altura moral que possa ter havido noutros momentos da nossa História e que nos classifica como um bando de rufias indignos do nome de Nação. Está escrita e não pode ser arrancada do livro. É preciso lê-la com lágrimas de raiva e tirar dela as conclusões, por mais que nos custe. Começa por aí o nosso resgate. Portugal está hipotecado por esse débito moral, enquanto não demonstrar que não é aquilo que o 25 de Abril revelou. As nossas dificuldades presentes, que vão agravar-se no futuro próximo, merecemo-las, moralmente. Mas elas são uma prova e uma oportunidade. Se formos capazes do sacrifício necessário para as superar, então poderemos considerar-nos desipotecados e dignos do nome de povo livre e de Nação independente.»
Etiquetas:
25 de Abril,
António José Saraiva,
História de Portugal,
Regime
29.3.11
DIAS

A pretexto do futuro acto eleitoral, o parlamento poupa-nos, finalmente, à patética cerimónia comemorativa do "25 de Abril". O exemplo devia frutificar e estender-se a outras datas tais como o "5 de Outubro". Ambas celebram revoluções mas a história do país regista muitas outras revoluções que, porventura, mereciam igualmente ser lembradas. Fique o "10 de Junho" como dia de Portugal é já chega para uma raça que, há muito, deixou de a ter.
1.12.10
A FALÁCIA

Hoje comemora-se - nos centros comerciais e nas lojas, evidentemente - uma coisa chamada "restauração da independência". Ora, salvo o devido respeito, isto assenta num enorme equívoco. O que Portugal perdeu (e reparem como passámos praticamente toda a nossa história, salvo em dois ou três momentos, a perder e da perda, agora, é que já não tornamos a sair), em 1580, foi a soberania na ordem externa. Internamente, com aquele espírito serviçal e rasteiro típico do respeitinho e do temor reverencial, manteve-se a ordem estamentária doméstica. As nomenclaturas eram recrutadas "à casa" e a nossa nobreza, que nunca se distinguiu pela nobreza de carácter (salvo, de novo, um caso ou outro), integrou a corte do rei comum sem pestanejar. Lá fora, éramos parte da Espanha que, convenhamos, naquela altura do campeonato era dona e senhora de um famoso império "onde o sol nunca se punha". Não havia, porém, soberania nacional a exibir nas chancelarias. O "1 de Dezembro" e a sequela guerreira que se seguiu visaram recuperar a soberania na ordem interna. O que é certo é que, desde aí, apenas Pombal, a monarquia constitucional e Salazar conseguiram prestigiar a soberania na ordem interna perdida em 1580. Cavaco já tinha a muleta europeia e, depois dele, os quinze anos de PS, com uma intermitência irrelevante de uma direita impreparada e imatura, só serviram para nos diminuir em todas as frentes. Um novo "1 de Dezembro" verdadeiramente restaurador seria o que nos conseguisse livrar disto. O comemorado é uma falácia.
3.11.10
«NÃO SE MUDA JÁ COMO SOÍA»

Calhou ouvir, num programa sobre os 75 anos da rádio pública, a voz do então ministro do Ultramar, Adriano Moreira, em 1961 à chegada a Moçambique. Entre outras exaltadas tiradas de defesa da então nação pluricontinental, Moreira manifestou-se, por entre fartas palmas e vivas, contra, e passo a citar, "o partido racista da ONU". Passaram quase cinquenta anos sobre isto e não sei, porque não leio, se os "manuais" escolares do prof. Moreira ou os seus artiguinhos de jornal ainda tratam a inócua ONU nestes termos. Suspeito que não e que, pelo contrário, a ONU seja hoje para o distinto mestre uma prestigiadíssima organização internacional e não o "partido racista" de outros tempos. Nem vale a pena citar o famoso verso do prestigiado zarolho acerca da "mudança". Todavia, é bem certo que «afora este mudar-se cada dia,/outra mudança faz de mor espanto:/que não se muda já como soía.»
Etiquetas:
Adriano Moreira,
História de Portugal
27.7.10
«SALAZAR NA HISTÓRIA»

Segue-se, editado por mim, o artigo de Rui Ramos publicado no Expresso (suplemento Actual) do passado sábado. Não na versão "lulizada" a que o Expresso agora se entregou (com a excepção de dois ou três articulistas), mas no português original do R. Ramos que, amavelmente, me cedeu o texto a minha instância. As fotos de Salazar datam de 1962 e foram feitas para a revista Life por Paul Schutzer.
SALAZAR NA HISTÓRIA
POR RUI RAMOS
No dia 27 de Julho, passam quarenta anos desde a morte de Salazar: tanto tempo como o que ele esteve no poder (1928-1968). Hoje, é preciso ter mais de 60 anos de idade para ter sido adulto sob o seu governo. Já lhe podemos dar a devida sepultura histórica? E como?
Os quarenta anos de governo de Salazar deixaram um rasto bibliográfico de apenas seis volumes de discursos -- Mário Soares, em apenas uma década de presidência da república, produziu dez. Salazar não falava muito. Nós, em contrapartida, falamos muito de Salazar. Um site livreiro oferece cerca de 60 livros, saídos ou reeditados nos últimos três anos, com o nome de Salazar no título. Salazar “vende”. Dedicamos-lhe mais atenção do que a qualquer outra figura histórica. Mas já é apenas isso que ele é, história?
O atraso.

A ditadura.
Quando comparamos a ditadura salazarista com as suas contemporâneas, quer na década de 1930, quer na década de 1960, a contabilidade repressiva é modesta. Não dispôs do “gulag” de Estaline, nem do “paredón” de fuzilamento de Fidel Castro. Nunca teve mais presos políticos do que a I República (2382 no ano de 1912), e no fim tinha até muito menos (128) do que viria a haver nas prisões do PREC em 1975 (cerca de 1000).
O Estado Novo era, como Salazar gostava de dizer, um regime suficientemente “forte” para não precisar de ser violento. Mas nunca houve dúvidas de que podia ser implacável. Deixou morrer três dezenas de anarquistas e comunistas no campo do Tarrafal, em Cabo Verde, entre 1936 e 1945. Perseguiu e exilou o bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, em 1958-1959. E pelo menos encobriu ou não investigou o assassinato do general Humberto Delgado por agentes da PIDE em 1965. Salazar fazia ideia do que tudo isto significava. Quando o ministro dos negócios estrangeiros, a 27 de Abril de 1965, lhe comunicou a descoberta do cadáver de Delgado em Espanha, Salazar disse-lhe “em tom ciciado, como se alguém na sala nos pudesse ouvir”: “este assassínio é o tipo de coisas que pode desmantelar um regime”. Foi então o salazarismo simplesmente um intervalo ditatorial da história portuguesa? A história é mais complicada.

Um mal menor.
Salazar foi o primeiro chefe de governo, desde 1834, que não era liberal ou republicano. Era um conservador de tipo tradicionalista. Ora, Portugal, antes de Salazar, não parecia um país para conservadores. As instituições tradicionais, da nobreza à igreja, tinham sido liquidadas ou reduzidas. As maiores forças políticas organizadas eram de esquerda. Salazar subiu ao poder graças à Ditadura Militar, estabelecida em 1926, mas essa ditadura só foi possível pelo colapso político das esquerdas na década de 1920, divididas pelo radicalismo jacobino, desacreditadas pelo descontrole financeiro e confundidas pelo advento do comunismo soviético. Os velhos generais republicanos e maçons que dirigiram a Ditadura Militar entre 1926 e 1932 sobreviveram no poder porque encontraram defensores determinados em jovens oficiais direitistas e aliados compreensivos no clero, mas também porque muitos liberais e republicanos acabaram por optar pela neutralidade ou encostar-se à ditadura. O que lhes trouxe Salazar?
As linhas de confronto nunca foram tão simples como em Espanha, onde a ditadura de Franco emergiu de três anos de guerra civil. Sobre o ministro Duarte Pacheco, o próprio Salazar comentava na década de 1960: “Bastante das esquerdas, mas como tinha grande ambição de poder, adaptou-se com facilidade”. Não por acaso, o Estado Novo proporcionou pessoal a todos os partidos da nova democracia depois de 1974. E isso foi possível porque Salazar teve em seu redor católicos e monárquicos, mas também republicanos e maçons. Até o V Governo Provisório de Vasco Gonçalves, em Agosto de 1975, teve direito a um representante do Estado Novo, na pessoa do professor José Joaquim Teixeira Ribeiro, vice-primeiro ministro.
Durante a maior parte do regime salazarista também não foi claro que uma democracia como a de hoje fosse a alternativa. Numa exposição de 30 de Maio de 1944, o líder do PCP Álvaro Cunhal reconheceu que as oposições, se vencessem, não estavam em condições de garantir mais liberdade aos seus adversários. O salazarismo não existiu no mundo “pós-histórico” de Francis Fukuyama. Mesmo no ano da morte de Salazar, em 1970, a maior parte do mundo vivia sujeita a autocracias mais ou menos violentas, a começar pela vizinha Espanha.

Para muitos, neste contexto, o Estado Novo foi o que Marcelo Caetano disse francamente a Salazar em 1948: “um mal menor que se suporta, mas a que não se adere”. O salazarismo gerou mais colaboração agnóstica do que adesão entusiasmada ou oposição intransigente. Só que, para desespero de Caetano, Salazar comportava-se como se isso lhe bastasse.

Um equívoco.
Alguns dos líderes democráticos europeus ou americanos desculpavam Salazar, admitindo que talvez Portugal não pudesse produzir, em democracia, uma maioria anti-comunista, como os outros países da Europa ocidental. Era mesmo assim? A verdade é que, em 1975, nas primeiras eleições livres e com sufrágio universal, o país começou a provar o contrário. Mas Salazar nunca pensou recorrer à população em pé de igualdade com os seus adversários. Por um lado, como explicou em Fevereiro de 1946, a exigência de liberdade pela oposição de esquerda parecia-lhe um truque de guerra: “sabemos bem que a exigem para vencer e a dispensam para governar”. Por outro, descreu doutrinariamente das vantagens de submeter o poder à competição entre partidos num mercado eleitoral. Os interesses podiam ser representados por corporações e o bem comum melhor defendido por uma autoridade executiva independente. Anunciou ter descoberto uma fórmula política original, salvaguardando em simultâneo a direcção do Estado e a autonomia da sociedade. A verdade, porém, é que nunca acabou de instalar este regime, supostamente alternativo tanto ao comunismo russo, como à democracia liberal de tipo inglês e francês.
O salazarismo viveu de durar. Mas para durar, num século de grandes sobressaltos e deslocações súbitas e num país em mudança, nunca pôde definir-se e estabilizar-se. O tempo foi de transições rápidas. A constituição de 1933 poderia ter servido para vários regimes. E, de facto, foi servindo. Ao longo da década de 1930, perante os triunfos de Hitler e de Mussolini, Salazar fez o Estado Novo lembrar o regime fascista italiano, com milícias, saudações romanas e uma retórica “revolucionária”, embora rejeitando sempre o modelo do “Estado Totalitário” e mantendo-se aliado da Inglaterra. Durante a II Guerra Mundial, aproveitou o facto de os beligerantes terem deixado a península fora da guerra e procurou servir ambos os lados, com lucro. Em 1945, com a vitória das democracias ocidentais, aliadas à União Soviética, enalteceu o seu auxílio à causa anglo-americana, reviu leis, fez logo novas eleições, e começou a falar de “democracia”, embora “orgânica”. Conservou-se, porém, intransigente com a renascida oposição de esquerda.

Enquanto regime, o Estado Novo nunca perdeu o ar de algo inacabado e impreciso, próximo do “começo” – e, portanto, também de um possível fim. Ao longo de décadas, foi mais uma “situação” (como aliás se dizia), um governo, do que propriamente um regime. O corporativismo, por exemplo, nunca saiu completamente do papel. Tudo, de facto, se resumia à “chefia personalizada” de Salazar, que fundamentalmente conservou a estrutura de poder inicial: uma ditadura militar com um chefe de Governo civil que dirigia directamente a censura e a polícia política. Ao passar pela direcção da União Nacional na década de 1950, Marcelo Caetano descobriu que o Governo era “a única realidade política activa, apoiado no aparelho administrativo e nas polícias” (a administração expandir-se-ia de 30-40 mil funcionários na década de 1930 para cerca de 200 mil na de 1960). Adriano Moreira viu o Estado Novo como um edifício de presidências, conselhos, assembleias e outros “órgãos que não tinham funcionado nunca com responsabilidade própria, e apenas estavam apontados na Constituição”. Em 1951, no congresso de Coimbra da União Nacional, Caetano perguntou abertamente: “O Estado Novo será verdadeiramente um regime, ou não será mais do que o conjunto das condições adequadas ao exercício do Poder por um homem de excepcional capacidade governativa?”
A resposta era óbvia. Ao longo do tempo, desenvolveu-se à volta de Salazar uma espécie de vida de corte, cujas intrigas ele próprio alimentava, com o sangue frio que lhe dava a convicção da sua própria superioridade. Em Setembro de 1966, observou a Franco Nogueira que em Espanha “o Franco está fazendo uma experiência, criando um princípio de caos, para depois ter fundamento para fazer regressar tudo ao começo e à sua autoridade”. E quanto a ele próprio, “não se me dava de um bocado de caos e confusão cá dentro, acho divertido”. O poder pessoal, exercido com tanta dureza como malícia, começou a parecer a muitos o motivo egoísta da ditadura. Significativamente, nenhum dos possíveis sucessores – e portanto, potenciais rivais -- do “chefe” alguma vez escapou ao saneamento. Em 1965, numa carta particular, Caetano, uma das vítimas, concluiu: “o Dr. Salazar não queria instaurar um regime, mas sustentar um equívoco que lhe permitisse governar, dividindo”. Isto tinha uma implicação: a aglomeração de facções divididas poderia não sobreviver ao seu manipulador-em-chefe.
Mas Salazar na década de 1960 não estava preparado para sair de cena. Inventou mesmo, com a opção de manter a administração portuguesa em África, uma última razão para o seu poder. O colonialismo não começou com Salazar. O que ele fez, aliás, foi até acabar com os seus aspectos mais bárbaros. Liberais e republicanos tinham viabilizado as colónias submetendo as populações ao trabalho forçado administrado pelo Estado. Em 1961, Salazar consentiu que Adriano Moreira pusesse fim à sujeição dos “pretitos”, como dizia. Mas decidiu que Portugal seria a excepção entre as potências coloniais europeias. Muitos opositores republicanos fizeram questão, pela primeira vez em trinta anos, de aplaudir o regime. Salazar tomou o partido da resistência à descolonização porque no caso português, com colónias pouco povoadas e subdesenvolvidas, era possível fazê-lo (foi sempre um realista). Mas acima de tudo, porque terá calculado que a “defesa do ultramar” cancelaria a perspectiva de uma “normalização” à maneira ocidental que, em 1961, perante a pressão anticolonial dos EUA, seduziu a hierarquia do exército.
O homem creditado com ter poupado o país à II Guerra Mundial envolveu-o agora no maior esforço militar de uma nação ocidental desde 1945. Salazar explorou então uma mística histórica, assente na presumida actualidade da expansão ultramarina, que levou Eduardo Lourenço a admitir que “o Portugal de Salazar foi o último que se assumiu e viveu como um destino”. Mas era o destino de um beco sem saída, que reduziu de vez o regime a um enorme castelo no ar. A guerra pôde ser feita, mas acabou por tornar-se insuportável. Por isso, o salazarismo, se bem que tivesse sido capaz de organizar uma sucessão interna em 1968, já não conseguiu, ao contrário do franquismo em Espanha, enquadrar uma transição democrática. Terminou num enorme fracasso, como acontecera aos regimes anteriores.
Os quarenta anos de governo de Salazar deixaram um rasto bibliográfico de apenas seis volumes de discursos -- Mário Soares, em apenas uma década de presidência da república, produziu dez. Salazar não falava muito. Nós, em contrapartida, falamos muito de Salazar. Um site livreiro oferece cerca de 60 livros, saídos ou reeditados nos últimos três anos, com o nome de Salazar no título. Salazar “vende”. Dedicamos-lhe mais atenção do que a qualquer outra figura histórica. Mas já é apenas isso que ele é, história?
O atraso.
Salazar foi ditador de um país rural e pobre. E nas características deste país esteve sempre a maneira mais fácil de o despachar historicamente. Eduardo Lourenço, num texto da década de 1960, chamou-lhe “camponês letrado”. De facto, quem melhor do que o filho de “pobres” de Santa Comba Dão, ex-seminarista com sotaque provinciano, que quase não viajou para fora do país, que escrevia como um frade do século XVIII e levava a vida de um pároco rural do século XIX, com governanta, quintal e galinheiro -- quem melhor do que ele para corporizar o “atraso” e carregar a respectiva culpa?
O problema está em que, se quisermos ser exactos, teremos de admitir que foi precisamente com Salazar que Portugal começou a ser menos pobre, menos analfabeto e mais europeu. É verdade que mesmo alguns salazaristas se mostraram impacientes com a sua obsessão financeira. No entanto, os seus orçamentos equilibrados e inflação baixa, se adiaram gratificações, pouparam os portugueses às crises fiscais e da balança de pagamentos que, antes dele e depois dele, destruíram riqueza e frustraram expectativas. A partir da década de 1950 e até 1974, Portugal conheceu as taxas de crescimento mais altas da sua história. A estrutura da economia portuguesa mudou. E não, Salazar não tratou apenas de conter as reivindicações dos empregados e favorecer alguns empresários. Foram os seus governos que estabeleceram os primeiros sistemas de protecção social efectivos e que conseguiram escolarizar pela primeira vez uma geração inteira.
O Estado Social em Portugal foi salazarista antes de ser democrático. Tal como a integração atlântica e europeia, começada com as adesões à OECE (1948), à NATO (1949) e à EFTA (1960). Sem estes sucessos, Salazar não teria durado. Para muitos, o salazarismo viabilizara uma transformação económica e social que outros regimes tinham proposto, mas falhado. É isso que Salazar significa -- Um instrumento brutal de modernização? Mas é um erro reduzi-lo a um fenómeno sócio-económico.

A ditadura.
Quando comparamos a ditadura salazarista com as suas contemporâneas, quer na década de 1930, quer na década de 1960, a contabilidade repressiva é modesta. Não dispôs do “gulag” de Estaline, nem do “paredón” de fuzilamento de Fidel Castro. Nunca teve mais presos políticos do que a I República (2382 no ano de 1912), e no fim tinha até muito menos (128) do que viria a haver nas prisões do PREC em 1975 (cerca de 1000).
Mas não nos devemos enganar. A ditadura de que Salazar esteve à frente desde 1932, quando assumiu a chefia do Governo, foi mesmo uma ditadura, com censura, tortura nas prisões, penas indefinidas e discriminações políticas. Pareceu “moderada”, porque, como explicou Manuel de Lucena, era meticulosamente “preventiva”. Todos em Portugal estavam à mercê do poder, sem real protecção jurídica. Num país pequeno e pobre, com um Estado centralizado e dirigista e uma sociedade civil fraca, não era difícil fomentar o respeito pelos “poderes constituídos”. Salazar não se propôs fundar, como outros ditadores, uma sociedade racialmente pura ou sem classes. Pôde assim aproveitar o efeito disciplinador das hierarquias estabelecidas. Aos eventuais revolucionários, faltou sempre as habituais massas de manobra: nem grandes populações operárias, nem camponeses sedentos de terras.
O Estado Novo era, como Salazar gostava de dizer, um regime suficientemente “forte” para não precisar de ser violento. Mas nunca houve dúvidas de que podia ser implacável. Deixou morrer três dezenas de anarquistas e comunistas no campo do Tarrafal, em Cabo Verde, entre 1936 e 1945. Perseguiu e exilou o bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, em 1958-1959. E pelo menos encobriu ou não investigou o assassinato do general Humberto Delgado por agentes da PIDE em 1965. Salazar fazia ideia do que tudo isto significava. Quando o ministro dos negócios estrangeiros, a 27 de Abril de 1965, lhe comunicou a descoberta do cadáver de Delgado em Espanha, Salazar disse-lhe “em tom ciciado, como se alguém na sala nos pudesse ouvir”: “este assassínio é o tipo de coisas que pode desmantelar um regime”. Foi então o salazarismo simplesmente um intervalo ditatorial da história portuguesa? A história é mais complicada.

Um mal menor.
Salazar foi o primeiro chefe de governo, desde 1834, que não era liberal ou republicano. Era um conservador de tipo tradicionalista. Ora, Portugal, antes de Salazar, não parecia um país para conservadores. As instituições tradicionais, da nobreza à igreja, tinham sido liquidadas ou reduzidas. As maiores forças políticas organizadas eram de esquerda. Salazar subiu ao poder graças à Ditadura Militar, estabelecida em 1926, mas essa ditadura só foi possível pelo colapso político das esquerdas na década de 1920, divididas pelo radicalismo jacobino, desacreditadas pelo descontrole financeiro e confundidas pelo advento do comunismo soviético. Os velhos generais republicanos e maçons que dirigiram a Ditadura Militar entre 1926 e 1932 sobreviveram no poder porque encontraram defensores determinados em jovens oficiais direitistas e aliados compreensivos no clero, mas também porque muitos liberais e republicanos acabaram por optar pela neutralidade ou encostar-se à ditadura. O que lhes trouxe Salazar?
A última impressão que deixou, a do velho de 1968, faz esquecer a primeira impressão, que explica o seu sucesso: a do jovem de 1928, o professor universitário de 39 anos, disciplinado, trabalhador, realista, que não se parecia com ninguém na classe política. Muito magro, com uma voz ciciada, o ministro das finanças não era uma figura imponente, mas fez embasbacar toda a gente com o orçamento sem défice e a moeda estável. Os portugueses votaram com o dinheiro: na década de 1930, voltaram a pô-lo no país, donde o estavam a tirar desde 1910.
Salazar propôs-se “baixar a febre politica”, ensinar os portugueses a “viver habitualmente”. O seu poder assentou na garantia que, com ele, o governo nunca tomaria opções que compelissem todo um sector dos que apoiavam a ditadura a passar à oposição. O cepticismo que o impedia de acreditar nas piedades progressistas, também o coibia de fantasiar a possibilidade de restaurações de qualquer passado. Não haveria domínio da esquerda, nem da direita, mas um equilíbrio flutuante. Teve assim geralmente a seu favor, o presidente da república, o general Carmona, isto é, a hierarquia das forças armadas. Com a guerra civil de Espanha ao lado e depois a II Guerra Mundial em todo o continente, muitos portugueses apreciaram esta paz salazarista
As linhas de confronto nunca foram tão simples como em Espanha, onde a ditadura de Franco emergiu de três anos de guerra civil. Sobre o ministro Duarte Pacheco, o próprio Salazar comentava na década de 1960: “Bastante das esquerdas, mas como tinha grande ambição de poder, adaptou-se com facilidade”. Não por acaso, o Estado Novo proporcionou pessoal a todos os partidos da nova democracia depois de 1974. E isso foi possível porque Salazar teve em seu redor católicos e monárquicos, mas também republicanos e maçons. Até o V Governo Provisório de Vasco Gonçalves, em Agosto de 1975, teve direito a um representante do Estado Novo, na pessoa do professor José Joaquim Teixeira Ribeiro, vice-primeiro ministro.
E a liberdade? Não havia saudade de partidos, de eleições, de imprensa sem censura? Acontece que como Salazar explicou num discurso de 18 de Maio de 1945, “antes de nós e por dezenas de anos --- reconhecemo-lo com tristeza – as ditaduras foram a forma corrente da vida política e vimo-las alternar-se ou suceder-se quase ininterruptamente, sob formas diversas”. Em 1945, Salazar podia confiar em que os seus ouvintes se lembrassem do tempo em que, embora houvesse vários partidos, a rotação no poder só podia ser efectuada pelo Chefe de Estado (como no tempo da monarquia constitucional, antes de 1910) ou em que as oposições eram violentamente perseguidas (como durante o domínio do Partido Republicano, depois de 1910). Nunca, antes de 1926, as eleições, envolvendo apenas eleitorados restritos e tutelados, haviam sido consideradas genuínas ou livres. Ou seja, a separação entre o Estado Novo e os regimes seus antecessores não tinha a clareza da separação entre o Estado Novo e a actual democracia.
Durante a maior parte do regime salazarista também não foi claro que uma democracia como a de hoje fosse a alternativa. Numa exposição de 30 de Maio de 1944, o líder do PCP Álvaro Cunhal reconheceu que as oposições, se vencessem, não estavam em condições de garantir mais liberdade aos seus adversários. O salazarismo não existiu no mundo “pós-histórico” de Francis Fukuyama. Mesmo no ano da morte de Salazar, em 1970, a maior parte do mundo vivia sujeita a autocracias mais ou menos violentas, a começar pela vizinha Espanha.
E havia, para a elite portuguesa, coisas mais importantes do que a liberdade. Ezequiel de Campos, deputado republicano e colaborador da Seara Nova, foi outro dos que se juntou a Salazar. Um dia, confessou ao seu amigo João Sarmento Pimentel, exilado, que sacrificara a sua “ideia de liberdade” para realizar os seus projectos de desenvolvimento. Salazar insistiu em apelar a “todos os homens, independentemente da sua origem e categoria, do seu credo religioso, de suas preferências de regime, de suas antigas filiações partidárias, para um trabalho de conjunto a bem da Nação”. Para dar cobertura a essa colaboração, o regime dispensou outras profissões de fé que não o “repúdio do comunismo” e apropriou-se eficazmente da cultura do patriotismo moderno desenvolvida por liberais e republicanos no século XIX. Utilizou a prioridade que todos atribuíam à tarefa de inverter o processo de suposta “decadência” nacional para pedir que o julgassem pelos resultados, não pelos meios. A cultura política das elites portuguesas, para quem a liberdade se tornara secundária em relação ao desenvolvimento, estava desarmada de argumentos, tanto à direita como à esquerda, perante uma ditadura bem sucedida. Significativamente, os momentos de maior contestação e incerteza do regime coincidiram com dificuldades financeiras, quando pareceu incapaz de proporcionar a prosperidade que prometia (em 1945-1949, por exemplo).

Entre 1928 e 1968, o poder de Salazar não foi sempre o mesmo, nem o pessoal que o rodeou. Mas o salazarismo conseguiu parecer, em vários épocas, simplesmente a organização das elites sociais e intelectuais portuguesas – baseadas numa administração autocrática e centralizada, secundada pela Igreja e pelas Forças Armadas, e na subalternização política da população, já praticada por todos os regimes anteriores – para administrar e desenvolver o país. É verdade que a decisão do regime se manter pela força fazia dele a via única para quem queria exercer influência ou fazer carreira. Mas contou também a habilidade de Salazar. Soube usar as máximas da Antiguidade clássica: o tirano podia ser suportável se desse ideia de que não dominava para interesse pessoal. O “bom tirano” era, em primeiro lugar, um tirano sobre si próprio. E foi assim que Salazar se apresentou – sacrificado ao bem público, privado de ócios, de prazeres, de liberdade ... Nunca ninguém contestou a sua honestidade pessoal. Ouvia muita gente. Fez do “equilíbrio de correntes” um princípio fundamental. Evitou sempre definir-se claramente em relação às questões que sabia serem fracturantes (por exemplo, a forma do regime).
Para muitos, neste contexto, o Estado Novo foi o que Marcelo Caetano disse francamente a Salazar em 1948: “um mal menor que se suporta, mas a que não se adere”. O salazarismo gerou mais colaboração agnóstica do que adesão entusiasmada ou oposição intransigente. Só que, para desespero de Caetano, Salazar comportava-se como se isso lhe bastasse.

Um equívoco.
Alguns dos líderes democráticos europeus ou americanos desculpavam Salazar, admitindo que talvez Portugal não pudesse produzir, em democracia, uma maioria anti-comunista, como os outros países da Europa ocidental. Era mesmo assim? A verdade é que, em 1975, nas primeiras eleições livres e com sufrágio universal, o país começou a provar o contrário. Mas Salazar nunca pensou recorrer à população em pé de igualdade com os seus adversários. Por um lado, como explicou em Fevereiro de 1946, a exigência de liberdade pela oposição de esquerda parecia-lhe um truque de guerra: “sabemos bem que a exigem para vencer e a dispensam para governar”. Por outro, descreu doutrinariamente das vantagens de submeter o poder à competição entre partidos num mercado eleitoral. Os interesses podiam ser representados por corporações e o bem comum melhor defendido por uma autoridade executiva independente. Anunciou ter descoberto uma fórmula política original, salvaguardando em simultâneo a direcção do Estado e a autonomia da sociedade. A verdade, porém, é que nunca acabou de instalar este regime, supostamente alternativo tanto ao comunismo russo, como à democracia liberal de tipo inglês e francês.
O salazarismo viveu de durar. Mas para durar, num século de grandes sobressaltos e deslocações súbitas e num país em mudança, nunca pôde definir-se e estabilizar-se. O tempo foi de transições rápidas. A constituição de 1933 poderia ter servido para vários regimes. E, de facto, foi servindo. Ao longo da década de 1930, perante os triunfos de Hitler e de Mussolini, Salazar fez o Estado Novo lembrar o regime fascista italiano, com milícias, saudações romanas e uma retórica “revolucionária”, embora rejeitando sempre o modelo do “Estado Totalitário” e mantendo-se aliado da Inglaterra. Durante a II Guerra Mundial, aproveitou o facto de os beligerantes terem deixado a península fora da guerra e procurou servir ambos os lados, com lucro. Em 1945, com a vitória das democracias ocidentais, aliadas à União Soviética, enalteceu o seu auxílio à causa anglo-americana, reviu leis, fez logo novas eleições, e começou a falar de “democracia”, embora “orgânica”. Conservou-se, porém, intransigente com a renascida oposição de esquerda.

Enquanto regime, o Estado Novo nunca perdeu o ar de algo inacabado e impreciso, próximo do “começo” – e, portanto, também de um possível fim. Ao longo de décadas, foi mais uma “situação” (como aliás se dizia), um governo, do que propriamente um regime. O corporativismo, por exemplo, nunca saiu completamente do papel. Tudo, de facto, se resumia à “chefia personalizada” de Salazar, que fundamentalmente conservou a estrutura de poder inicial: uma ditadura militar com um chefe de Governo civil que dirigia directamente a censura e a polícia política. Ao passar pela direcção da União Nacional na década de 1950, Marcelo Caetano descobriu que o Governo era “a única realidade política activa, apoiado no aparelho administrativo e nas polícias” (a administração expandir-se-ia de 30-40 mil funcionários na década de 1930 para cerca de 200 mil na de 1960). Adriano Moreira viu o Estado Novo como um edifício de presidências, conselhos, assembleias e outros “órgãos que não tinham funcionado nunca com responsabilidade própria, e apenas estavam apontados na Constituição”. Em 1951, no congresso de Coimbra da União Nacional, Caetano perguntou abertamente: “O Estado Novo será verdadeiramente um regime, ou não será mais do que o conjunto das condições adequadas ao exercício do Poder por um homem de excepcional capacidade governativa?”
A resposta era óbvia. Ao longo do tempo, desenvolveu-se à volta de Salazar uma espécie de vida de corte, cujas intrigas ele próprio alimentava, com o sangue frio que lhe dava a convicção da sua própria superioridade. Em Setembro de 1966, observou a Franco Nogueira que em Espanha “o Franco está fazendo uma experiência, criando um princípio de caos, para depois ter fundamento para fazer regressar tudo ao começo e à sua autoridade”. E quanto a ele próprio, “não se me dava de um bocado de caos e confusão cá dentro, acho divertido”. O poder pessoal, exercido com tanta dureza como malícia, começou a parecer a muitos o motivo egoísta da ditadura. Significativamente, nenhum dos possíveis sucessores – e portanto, potenciais rivais -- do “chefe” alguma vez escapou ao saneamento. Em 1965, numa carta particular, Caetano, uma das vítimas, concluiu: “o Dr. Salazar não queria instaurar um regime, mas sustentar um equívoco que lhe permitisse governar, dividindo”. Isto tinha uma implicação: a aglomeração de facções divididas poderia não sobreviver ao seu manipulador-em-chefe.
E o tempo começava a não lhe perdoar. A 12 de Junho de 1968, “muito pálido, esmorecido”, Salazar repetiu num conselho de ministros a exposição que fizera no do dia anterior. Nenhum dos ministros lhe chamou a atenção. Tinha então 79 anos de vida e 40 de poder. Queixava-se já muitas vezes. Em Abril de 1966, desabafara com Franco Nogueira: “Estou perdendo faculdades. Não posso trabalhar como dantes. Já não acompanho os ministérios, e os ministros fazem o que querem”. No país, a transformação económica e social, de que o regime precisou para se legitimar, fazia desaparecer a velha sociedade rural e hierarquizada. Uma população escolar em expansão (o número de estudantes universitários duplicou então) protagonizou uma ruptura geracional de valores. O Vaticano II minou o clero mais conservador. Em 1970, 75% da população tinha nascido depois da subida de Salazar ao poder: a comparação que para essa gente tinha sentido não era com os regimes anteriores, mas com outros regimes europeus. O crescimento da inflação, depois de 1965, prenunciou desequilíbrios. Tudo começava a precisar de ser refundado, como Marcelo Caetano tentou fazer depois de 1968.
Mas Salazar na década de 1960 não estava preparado para sair de cena. Inventou mesmo, com a opção de manter a administração portuguesa em África, uma última razão para o seu poder. O colonialismo não começou com Salazar. O que ele fez, aliás, foi até acabar com os seus aspectos mais bárbaros. Liberais e republicanos tinham viabilizado as colónias submetendo as populações ao trabalho forçado administrado pelo Estado. Em 1961, Salazar consentiu que Adriano Moreira pusesse fim à sujeição dos “pretitos”, como dizia. Mas decidiu que Portugal seria a excepção entre as potências coloniais europeias. Muitos opositores republicanos fizeram questão, pela primeira vez em trinta anos, de aplaudir o regime. Salazar tomou o partido da resistência à descolonização porque no caso português, com colónias pouco povoadas e subdesenvolvidas, era possível fazê-lo (foi sempre um realista). Mas acima de tudo, porque terá calculado que a “defesa do ultramar” cancelaria a perspectiva de uma “normalização” à maneira ocidental que, em 1961, perante a pressão anticolonial dos EUA, seduziu a hierarquia do exército.
O homem creditado com ter poupado o país à II Guerra Mundial envolveu-o agora no maior esforço militar de uma nação ocidental desde 1945. Salazar explorou então uma mística histórica, assente na presumida actualidade da expansão ultramarina, que levou Eduardo Lourenço a admitir que “o Portugal de Salazar foi o último que se assumiu e viveu como um destino”. Mas era o destino de um beco sem saída, que reduziu de vez o regime a um enorme castelo no ar. A guerra pôde ser feita, mas acabou por tornar-se insuportável. Por isso, o salazarismo, se bem que tivesse sido capaz de organizar uma sucessão interna em 1968, já não conseguiu, ao contrário do franquismo em Espanha, enquadrar uma transição democrática. Terminou num enorme fracasso, como acontecera aos regimes anteriores.
Numa quinta-feira de céu cinzento, a 25 de Abril de 1974, tudo foi derrubado como um cenário de papelão. Nenhum movimento político importante reivindicou, desde então, as ideias de Salazar. Em 2007, a sua vitória num concurso televisivo foi mais um sinal de iconoclastia, contra o velho antifascismo oficial, do que de saudosismo. Valem-lhe os antifascistas para o conservar ameaçadoramente “vivo”. Terá ele imaginado este fiasco final? Nos seus últimos anos de vida, entre 1968 e 1970, não lhe disseram que fora substituído no governo, mas, como notou Adriano Moreira, ele também não perguntou. Nunca quis saber o resto da história.

Etiquetas:
História de Portugal,
Rui Ramos,
Salazar
40 ANOS SEM SALAZAR
Depois disto, e feita a "triagem" porque o Rodrigo da Fonseca tinha razão, estas opiniões de leitores aparentemente com um nome.
Manuel Pessanha: «Como já uma vez aqui disse tenho 72 anos. Os 73 chegam em Novembro. Nascido em 1937, de pai sapador bombeiro e mãe camponesa reciclada em costureira a dias, vivi a infância e a adolescência no 2º período do Estado Novo. O 1º, para mim é o que vai da sua fundação, no plebiscito da Constituição de 1933, até ao apogeu da Exposição do Mundo Português de 1940, de que tenho a memória vaga e confusa de andar no meio de muita gente ao colo de meu pai. O 2º período, aquele que me marcou, começa com as memórias da guerra e terminará em 1961, comigo já homem feito e curso acabado, com o começo da guerra de África. Foi esse período, com a vivência que nele tive, em casa, na escola, no liceu e finalmente no IST, que me formou para o resto da vida. A casa era casa de pobres que se esforçavam por viver um pouco melhor. Como não era de classe média fui poupado aos problemas de consciência da classe média, nunca tive essa piedade criadora de remorso político que gerou Cunhal e Soares e, mais tarde, Sampaio e Guterres. Todos eles se sentiram culpados por haver uma classe operária, sofredora e explorada, que criava as mais valias de que eles gozavam. Pertencendo ao mundo do sub proletariado, eu não podia ter pena de mim mesmo e muito menos remorsos de explorador. Os amigos lá de casa não eram burgueses envergonhados nem burgueses politicamente ambiciosos: eram bombeiros, polícias, pedreiros, padeiros, criadas de servir. As conversas não eram sobre liberdades políticas nem opções de classe. Eram sobre o preço das sardinhas e das batatas e a única ambição comum a todos eles era a de viver melhor. Numa casa, mesmo pequena, em vez de um quarto com serventia de cozinha. De comprar uns sapatos novos quando os velhos já não aguentassem mais as meias solas. De vestir os filhos sem ser sempre com a roupa do pai, virada e encurtada. Mas, estranhamente, não me lembro de os ouvir culpar o governo pelas suas carências. Antes pelo contrário, quando comparavam com os anos passados, eles viviam melhor. Sobretudo, eles viviam tranquilos. Comentava-se às vezes a desordem "do tempo da Republica" e agora era melhor: podia-se andar na rua sem medo dos tiros, havia trabalho, havia segurança. A minha mãe rezava todos os dias e todos os dias agradecia a Salazar poder criar o seu filho fora da guerra e da política - para ela a política era a desordem. E todos estavam de acordo em que o Salazar nos tinha safado da guerra - ao contrário do Afonso Costa que eu, na altura, nem sabia quem era ou tinha sido. A escola era a escola pública, no meu caso a 72 da Calçada da Estrela. E a escola era o Professor Romão. Nesses anos de 1944 a 1948 o Professor Romão teria 50 e poucos anos. Ou seja, teria nascido na década de '90 do século XIX e teria estado em idade de ser chamado a servir o Exército em 1916 - quando se formou o C.E.P. e o enterraram nas trincheiras da Flandres. E seria homem na casa dos 30 quando Gomes da Costa desceu de Braga. O Professor Romão era um homem de aspecto severo, exigente e de poucas palavras. Não soube nunca a sua cor política, se é que a tinha. Mas todo o seu ensino cumpria com zelo - seria até entusiasmo? - o programa nacionalista do ensino primário do Estado Novo. A escola 72 ficava numa área que hoje seria chamada de pluralidade inter social, com alunos que vinham da aristocracia da vizinha Lapa até aos proletários das transversais à Calçada da Estrela, entre os quais eu. Todos recebemos a mesma atenção e, quando considerado necessário, as mesmas reguadas. Todos fizemos o temido exame da 4ª classe. Todos éramos alunos do mesmo ensino primário oficial - o Estado Novo não fechava a ninguém a porta da escola primária. E quando eu me preparava para seguir para a Escola Comercial o Professor Romão chamou a minha mãe e teve com ela uma séria conversa que desembocou num exame de admissão ao Liceu Normal de Pedro Nunes. Porque o Professor Romão tinha a certeza que o mérito era recompensado no ensino oficial e que eu nunca pagaria propinas porque teria sempre direito à sua isenção, com base na legislação do Estado Novo que assegurava ensino secundário grátis a alunos de Quadro de Honra provenientes de famílias economicamente desfavorecidas. Não desiludi o Professor Romão. O liceu fez de mim a pessoa que fui para o resto da vida. Por influência dos professores, do reitor, da disciplina e hábitos de estudo a que me obrigou. E por influência dos colegas que ali encontrei e cuja amizade, nalguns casos, dura até hoje. Não direi os seus nomes porque alguns são ainda hoje gente conhecida, mas conhecida pelas suas capacidades profissionais e académicas. Os que se tentaram pela política depois de 1974 já se afastaram - o mundo de arrivistas e oportunistas que os partidos criaram não é para eles. Faço excepção da excepção: um Jorge Sampaio todo fardado com a blusa verde da MP e que depois sentiu a necessidade de se justificar - não sei se perante ele se perante outros. Mas esse ensino virado para o reconhecimento do mérito e do esforço era o ensino salazarista - que produziu do melhor que houve na elite portuguesa do século XX e a partir de todas as classes sociais e não, como hoje se mente descaradamente, só com os filhos dos ricos. Salazar criou o Estado Novo. E com ele um país também novo onde a ascensão social era não só possível mas acarinhada pelo Estado. Estatísticas e números que hoje se começa a ter a coragem de citar provam que o período do Salazarismo foi um dos períodos de toda a vida histórica do País em que Portugal mais cresceu. Falta começar a dizer que, ao contrário da propaganda esquerdista, foi também durante o Salazarismo que Portugal teve um dos seus melhores períodos para ascensão social das classes trabalhadoras. Pela via do estudo e da recompensa ao mérito.»
José Sequeira: «Corria o ano de 1950, mais precisamente a 9 de Fevereiro, em pleno Inverno. O Doutor Salazar, após uma qualquer ausência, regressava, já a altas horas, ao Palácio de S. Bento. No exterior da residência oficial do Presidente do Conselho, olhos bem abertos, um guarda da P.S.P., provavelmente batendo os pés para afastar o frio que se infiltrava pelas aberturas do grosso capote, aguardava com ansiedade a chegada do importante inquilino daquela casa. Só após isso poderia descansar um pouco. É que os tempos eram de grande tensão e o receio de atentados contra o Doutor Salazar estavam sempre presentes nos briefings diários com que eram contemplados os elementos que habitualmente compunham a guarda do Palácio. Com efeito desde que, menos de um ano antes, diversos elementos da direcção do P.C.P., entre eles Álvaro Cunhal, tinham sido presos, a segurança pessoal do efectivamente máximo dirigente da Nação, não era descurada em nenhum pormenor. Acrescia ainda o facto de um desses dirigentes – Militão Ribeiro – ter morrido, no mês anterior, na Penitenciária de Lisboa. De repente, quase sem aviso, a viatura oficial deu a volta, vinda da Calçada da Estrela e, detendo-se apenas um pouco, enquanto o portão, já previamente entreaberto, completava o quarto de círculo, quase sem dar tempo ao nosso Guarda para uma rápida continência, desapareceu, no interior do Palácio, acompanhada com os olhos pelos restantes polícias, presentes em diversos locais do frondoso jardim. Poucos segundos depois, vindo da mesma direcção, aparece um táxi, completamente cheio, que tenta entrar pelo portão, ainda aberto. Segundo reza o auto de corpo de delito, posteriormente instaurado, o guarda mandou parar o táxi e, perante a recusa deste, alvejou-o com várias rajadas de pistola-metralhadora, ao nível dos pneus, atingindo também o próprio motor e faróis, provocando a sua imobilização, não tendo no entanto atingido nenhum dos ocupantes. Ora o Chefe do Governo vinha precisamente nesse simples táxi, numa manobra de diversão montada pela sua segurança pessoal, para assim o salvaguardar de um qualquer atentado contra a viatura oficial. A ignorância do Guarda, provavelmente associada às comunicações deficientes, a um qualquer excesso de segredo, ou a uma troca de viaturas decidida em cima da hora, poderia, ter custado a vida ao grande estadista que ainda governou o país mais dezoito anos. Apenas para terminar, o Guarda foi ilibado, por intervenção do próprio Doutor Salazar, embora o processo, que só acabou por ser completamente arquivado em 1979, dez anos após a sua morte, ocorrida um ano antes do outro involuntário protagonista, lhe tenha provocado muita angústia e enormes problemas do foro psicológico, uma vez que se tratava de um indefectível salazarista. Se o desfecho do infeliz incidente tivesse sido outro, provavelmente nem eu poderia estar aqui a descrevê-lo, uma vez que este guarda foi o meu saudoso Pai, de seu nome Custódio Sequeira e que, após ter entrado em Lisboa, em 1926, como soldado do Regimento de Infantaria de Vila Real, integrado nas forças militares que derrubaram a 1ª República, serviu na P.S.P. entre 1928 e 1957.»
M. Abrantes: «Não foi, com toda a certeza, à custa dos saneamentos de professores universitários nas décadas de 30 e 40 que Portugal se tornou menos analfabeto. Portugal tinha, em 1974, uma das mais elevadas taxas de analfabetismo da Europa (cerca de 30%). Não deve também ter sido à custa do saneamento de alguns médicos de renome, na década de 40, que Portugal viu melhorada a saúde pública. Em 1970 morriam em Portugal à nascença cerca de 53 crianças em cada mil, ao passo que na europa dos 27 esse número era inferior a 30 por mil - http://www.ffms.pt/pt/ actividades/mortalidade- infantil.php - isto é um indicador de subdesenvolvimento de um país que tinha colónias ricas como Angola, e que tinha em S.Tomé um dos principais produtores de cacau no mundo. Parece que Salazar foi um bom ministro das finanças. É pena que não se tenha ficado por aí. »
Fátima Duarte: «Como bloger jovem (apesar de já ser avó)ao ler este t/blog s/Salazar, em 1ºlugar,congratulo-me verdadeiramente s/a censura q anuncias previamente p/ñ haver disparates a conspurcarem o "portugaldospequeninos": bem visto!Em 2ºlugar,só quero recordar a diferença abissal entre 2governantes(ñ pbstante ambos provincianos)separados p/40 anos de História:
-O Presidente do Conselho era inteligente,competente,SÉRIO no s/trabalho e nunca se lhe conheceram actos de ganância ou assaltos ao Tesouro Público muito menos d corrupção;
-o actual 1ºMinistro é um "xico-esperto",incompetente,um "aldrabão da pior espécie"(sic:Pires de Lima) e vendilhão de politiquices q só destroem as Finanças da NAÇÃO! Esta é "history in the making" e não precisamos de esperar 40 anos p/julgar este imbecil que nos desgoverna!Está à vista de tds que não presta... e até o PS já anda embaraçado com a esta palhaçada!»
Manuel Pessanha: «Como já uma vez aqui disse tenho 72 anos. Os 73 chegam em Novembro. Nascido em 1937, de pai sapador bombeiro e mãe camponesa reciclada em costureira a dias, vivi a infância e a adolescência no 2º período do Estado Novo. O 1º, para mim é o que vai da sua fundação, no plebiscito da Constituição de 1933, até ao apogeu da Exposição do Mundo Português de 1940, de que tenho a memória vaga e confusa de andar no meio de muita gente ao colo de meu pai. O 2º período, aquele que me marcou, começa com as memórias da guerra e terminará em 1961, comigo já homem feito e curso acabado, com o começo da guerra de África. Foi esse período, com a vivência que nele tive, em casa, na escola, no liceu e finalmente no IST, que me formou para o resto da vida. A casa era casa de pobres que se esforçavam por viver um pouco melhor. Como não era de classe média fui poupado aos problemas de consciência da classe média, nunca tive essa piedade criadora de remorso político que gerou Cunhal e Soares e, mais tarde, Sampaio e Guterres. Todos eles se sentiram culpados por haver uma classe operária, sofredora e explorada, que criava as mais valias de que eles gozavam. Pertencendo ao mundo do sub proletariado, eu não podia ter pena de mim mesmo e muito menos remorsos de explorador. Os amigos lá de casa não eram burgueses envergonhados nem burgueses politicamente ambiciosos: eram bombeiros, polícias, pedreiros, padeiros, criadas de servir. As conversas não eram sobre liberdades políticas nem opções de classe. Eram sobre o preço das sardinhas e das batatas e a única ambição comum a todos eles era a de viver melhor. Numa casa, mesmo pequena, em vez de um quarto com serventia de cozinha. De comprar uns sapatos novos quando os velhos já não aguentassem mais as meias solas. De vestir os filhos sem ser sempre com a roupa do pai, virada e encurtada. Mas, estranhamente, não me lembro de os ouvir culpar o governo pelas suas carências. Antes pelo contrário, quando comparavam com os anos passados, eles viviam melhor. Sobretudo, eles viviam tranquilos. Comentava-se às vezes a desordem "do tempo da Republica" e agora era melhor: podia-se andar na rua sem medo dos tiros, havia trabalho, havia segurança. A minha mãe rezava todos os dias e todos os dias agradecia a Salazar poder criar o seu filho fora da guerra e da política - para ela a política era a desordem. E todos estavam de acordo em que o Salazar nos tinha safado da guerra - ao contrário do Afonso Costa que eu, na altura, nem sabia quem era ou tinha sido. A escola era a escola pública, no meu caso a 72 da Calçada da Estrela. E a escola era o Professor Romão. Nesses anos de 1944 a 1948 o Professor Romão teria 50 e poucos anos. Ou seja, teria nascido na década de '90 do século XIX e teria estado em idade de ser chamado a servir o Exército em 1916 - quando se formou o C.E.P. e o enterraram nas trincheiras da Flandres. E seria homem na casa dos 30 quando Gomes da Costa desceu de Braga. O Professor Romão era um homem de aspecto severo, exigente e de poucas palavras. Não soube nunca a sua cor política, se é que a tinha. Mas todo o seu ensino cumpria com zelo - seria até entusiasmo? - o programa nacionalista do ensino primário do Estado Novo. A escola 72 ficava numa área que hoje seria chamada de pluralidade inter social, com alunos que vinham da aristocracia da vizinha Lapa até aos proletários das transversais à Calçada da Estrela, entre os quais eu. Todos recebemos a mesma atenção e, quando considerado necessário, as mesmas reguadas. Todos fizemos o temido exame da 4ª classe. Todos éramos alunos do mesmo ensino primário oficial - o Estado Novo não fechava a ninguém a porta da escola primária. E quando eu me preparava para seguir para a Escola Comercial o Professor Romão chamou a minha mãe e teve com ela uma séria conversa que desembocou num exame de admissão ao Liceu Normal de Pedro Nunes. Porque o Professor Romão tinha a certeza que o mérito era recompensado no ensino oficial e que eu nunca pagaria propinas porque teria sempre direito à sua isenção, com base na legislação do Estado Novo que assegurava ensino secundário grátis a alunos de Quadro de Honra provenientes de famílias economicamente desfavorecidas. Não desiludi o Professor Romão. O liceu fez de mim a pessoa que fui para o resto da vida. Por influência dos professores, do reitor, da disciplina e hábitos de estudo a que me obrigou. E por influência dos colegas que ali encontrei e cuja amizade, nalguns casos, dura até hoje. Não direi os seus nomes porque alguns são ainda hoje gente conhecida, mas conhecida pelas suas capacidades profissionais e académicas. Os que se tentaram pela política depois de 1974 já se afastaram - o mundo de arrivistas e oportunistas que os partidos criaram não é para eles. Faço excepção da excepção: um Jorge Sampaio todo fardado com a blusa verde da MP e que depois sentiu a necessidade de se justificar - não sei se perante ele se perante outros. Mas esse ensino virado para o reconhecimento do mérito e do esforço era o ensino salazarista - que produziu do melhor que houve na elite portuguesa do século XX e a partir de todas as classes sociais e não, como hoje se mente descaradamente, só com os filhos dos ricos. Salazar criou o Estado Novo. E com ele um país também novo onde a ascensão social era não só possível mas acarinhada pelo Estado. Estatísticas e números que hoje se começa a ter a coragem de citar provam que o período do Salazarismo foi um dos períodos de toda a vida histórica do País em que Portugal mais cresceu. Falta começar a dizer que, ao contrário da propaganda esquerdista, foi também durante o Salazarismo que Portugal teve um dos seus melhores períodos para ascensão social das classes trabalhadoras. Pela via do estudo e da recompensa ao mérito.»
José Sequeira: «Corria o ano de 1950, mais precisamente a 9 de Fevereiro, em pleno Inverno. O Doutor Salazar, após uma qualquer ausência, regressava, já a altas horas, ao Palácio de S. Bento. No exterior da residência oficial do Presidente do Conselho, olhos bem abertos, um guarda da P.S.P., provavelmente batendo os pés para afastar o frio que se infiltrava pelas aberturas do grosso capote, aguardava com ansiedade a chegada do importante inquilino daquela casa. Só após isso poderia descansar um pouco. É que os tempos eram de grande tensão e o receio de atentados contra o Doutor Salazar estavam sempre presentes nos briefings diários com que eram contemplados os elementos que habitualmente compunham a guarda do Palácio. Com efeito desde que, menos de um ano antes, diversos elementos da direcção do P.C.P., entre eles Álvaro Cunhal, tinham sido presos, a segurança pessoal do efectivamente máximo dirigente da Nação, não era descurada em nenhum pormenor. Acrescia ainda o facto de um desses dirigentes – Militão Ribeiro – ter morrido, no mês anterior, na Penitenciária de Lisboa. De repente, quase sem aviso, a viatura oficial deu a volta, vinda da Calçada da Estrela e, detendo-se apenas um pouco, enquanto o portão, já previamente entreaberto, completava o quarto de círculo, quase sem dar tempo ao nosso Guarda para uma rápida continência, desapareceu, no interior do Palácio, acompanhada com os olhos pelos restantes polícias, presentes em diversos locais do frondoso jardim. Poucos segundos depois, vindo da mesma direcção, aparece um táxi, completamente cheio, que tenta entrar pelo portão, ainda aberto. Segundo reza o auto de corpo de delito, posteriormente instaurado, o guarda mandou parar o táxi e, perante a recusa deste, alvejou-o com várias rajadas de pistola-metralhadora, ao nível dos pneus, atingindo também o próprio motor e faróis, provocando a sua imobilização, não tendo no entanto atingido nenhum dos ocupantes. Ora o Chefe do Governo vinha precisamente nesse simples táxi, numa manobra de diversão montada pela sua segurança pessoal, para assim o salvaguardar de um qualquer atentado contra a viatura oficial. A ignorância do Guarda, provavelmente associada às comunicações deficientes, a um qualquer excesso de segredo, ou a uma troca de viaturas decidida em cima da hora, poderia, ter custado a vida ao grande estadista que ainda governou o país mais dezoito anos. Apenas para terminar, o Guarda foi ilibado, por intervenção do próprio Doutor Salazar, embora o processo, que só acabou por ser completamente arquivado em 1979, dez anos após a sua morte, ocorrida um ano antes do outro involuntário protagonista, lhe tenha provocado muita angústia e enormes problemas do foro psicológico, uma vez que se tratava de um indefectível salazarista. Se o desfecho do infeliz incidente tivesse sido outro, provavelmente nem eu poderia estar aqui a descrevê-lo, uma vez que este guarda foi o meu saudoso Pai, de seu nome Custódio Sequeira e que, após ter entrado em Lisboa, em 1926, como soldado do Regimento de Infantaria de Vila Real, integrado nas forças militares que derrubaram a 1ª República, serviu na P.S.P. entre 1928 e 1957.»
M. Abrantes: «Não foi, com toda a certeza, à custa dos saneamentos de professores universitários nas décadas de 30 e 40 que Portugal se tornou menos analfabeto. Portugal tinha, em 1974, uma das mais elevadas taxas de analfabetismo da Europa (cerca de 30%). Não deve também ter sido à custa do saneamento de alguns médicos de renome, na década de 40, que Portugal viu melhorada a saúde pública. Em 1970 morriam em Portugal à nascença cerca de 53 crianças em cada mil, ao passo que na europa dos 27 esse número era inferior a 30 por mil - http://www.ffms.pt/pt/
Fátima Duarte: «Como bloger jovem (apesar de já ser avó)ao ler este t/blog s/Salazar, em 1ºlugar,congratulo-me verdadeiramente s/a censura q anuncias previamente p/ñ haver disparates a conspurcarem o "portugaldospequeninos": bem visto!Em 2ºlugar,só quero recordar a diferença abissal entre 2governantes(ñ pbstante ambos provincianos)separados p/40 anos de História:
-O Presidente do Conselho era inteligente,competente,SÉRIO no s/trabalho e nunca se lhe conheceram actos de ganância ou assaltos ao Tesouro Público muito menos d corrupção;
-o actual 1ºMinistro é um "xico-esperto",incompetente,um "aldrabão da pior espécie"(sic:Pires de Lima) e vendilhão de politiquices q só destroem as Finanças da NAÇÃO! Esta é "history in the making" e não precisamos de esperar 40 anos p/julgar este imbecil que nos desgoverna!Está à vista de tds que não presta... e até o PS já anda embaraçado com a esta palhaçada!»
26.7.10
25.7.10
40 ANOS SEM SALAZAR

Até terça, 27, data em que passam quarenta anos sobre a morte de Salazar, gostava de poder abrir o blogue à colaboração dos leitores*. Não para virem aqui debitar parvoíces sobre o defunto - sejam as parvoíces favoráveis a ele ou contra ele - mas, atendendo à "juventude" da blogosfera e à idade média dos utilizadores da chamada blogosfera "política", para se ter uma pequena noção do que é que sobra de Salazar para além dos lugares-comuns que invariavelmente se lhe colam. Ninguém o diz com clareza, mas o famigerado "património genético" do actual regime é o Estado Novo de Salazar, sem a PIDE, as prisões e a censura óbvia. Nem podia ser de outra maneira. À excepção dos que já morreram, todos os "fundadores" da 3ª República vieram de lá. Ou porque eram de lá ou porque eram contra. Até o MFA é um produto do Estado Novo na sua derradeira versão guerreiro-colonial à qual, aliás, Salazar não atribuia assim tanta importância como a que se supõe. A direita deste regime nunca fez o luto de Salazar porque pretendeu ver-se livre do seu cadáver político o mais rapidamente possível. A 26 de Abril de 1974 já eram todos "liberais" e alguns, como Adriano Moreira, até presidiram a partidos do "arco" da presente constituição onde o dito Moreira encontra agora "motivos de esperança". A pusilanimidade e a ambiguidade face à herança político-ideológica de Salazar deixou a sua memória cativa de um irrelevante folclore dito de extrema-direita que certamente lhe repugnaria. No fundo, a direita portuguesa deste regime do que gosta mesmo é de imitar a esquerda e de lhe copiar os tiques azeiteiros. Perdeu-se, assim, pelo caminho um lastro de autoridade proba e de noção de serviço público - que é o melhor penhor de Salazar - e emergiram "salazarinhos" autoritários e precários que, aos poucos, seduziram as concupiscentes "elites" democráticas, sempre com um preço na testa. Sócrates conta pouco nesta "história" porque nem para lhe limpar o pó dos sapatos serviria. É impossível escrever uma história política séria do século XX português - e dos primeiros anos deste - sem ter Salazar em conta. Pessoal e politicamente Salazar podia ser execrável. Em compensação, temos por aí uma mão cheia de execráveis pilantras sem biografia e não há meio de os sentarmos em cadeiras de lonas com as pernas quebradas. Culpa deles?
*esta "colaboração" exclui comentários anónimos ou sob pseudónimos - que serão objecto de censura prévia - e pressupõe textos enviados por email. Os aproveitáveis serão editados na íntegra no dia 27 de Julho.
*esta "colaboração" exclui comentários anónimos ou sob pseudónimos - que serão objecto de censura prévia - e pressupõe textos enviados por email. Os aproveitáveis serão editados na íntegra no dia 27 de Julho.
Etiquetas:
direita,
História de Portugal,
Regime,
Salazar
23.7.10
ANDAR PARA TRÁS

Faz hoje trinta e quatro anos que tomou posse o 1º governo constitucional chefiado por Mário Soares. Vale a pena comparar os nomes de então com a "fórmula socrática" em vigor. A questão não é ter sido possível, logo em 1976, reunir gente daquela, em geral, boa ou razoável. O drama é constatar, 34 anos depois, como é que o mesmo partido - e, por tabela, o governo da nação - conseguiu atingir um patamar tão baixo e tão pequenino. Aliás bem traduzido na rasura "oficial" do nome de Medeiros Ferreira como ministro dos negócios estrangeiros (por sinal o que, em nome do país, solicitou a adesão à então CEE) que o foi até Outubro de 1977, quando pediu a demissão - em carta nunca publicada - altura em que Soares acumulou a pasta com a de 1º ministro. O governo acabou menos de dois meses depois. Chama-se a isto, tipicamente, andar para trás e contar, à medida dos actuais gnomos, uma história.
(foto: Medeiros Ferreira é o quinto, em pé, a contar da esquerda)
(foto: Medeiros Ferreira é o quinto, em pé, a contar da esquerda)
14.7.10
VERSAILLES EM PAIO PIRES

Por que é que insisto na pobreza de espírito dos nossos monárquicos? Porque os nossos monárquicos ignoram duas evidências. A primeira é que devemos ao 14 de Julho de 1789 a monarquia constitucional que foi, até hoje, o único regime verdadeiramente liberal que conhecemos. A segunda consiste em devermos aos antepassados próximos daqueles pobres monárquicos - que sonham com Versailles em Paio Pires e com uma monarquia ancien régime - a conspiração conjunta com os republicanos que liquidaram, a tiro, a dita monarquia constitucional e liberal, no Terreiro do Paço, em 1908. Maria de Fátima Bonifácio, que não é uma historiadora pequenina como o Tavares do Bloco, acabou de explicar isto mesmo, com meridiana clareza, na tvi24.
DO ESTADO E DA NAÇÃO

O Correio da Manhã prestaria serviço público se se desse ao trabalho de colocar em livro a repugnante "novela" das escutas que envolvem figuras das presentes elites pátrias (ou párias, não tenho bem a certeza). A repugnância, evidentemente, não resultaria do livro em si mas da evidenciação do "nível" dos envolvidos. Aquilo é o verdadeiro "estado da nação". Por outro lado, sempre se poderia cotejar com o livro da foto. Cerejeira e Salazar foram dois portugueses dos mais ilustres do século passado. Amigos em Coimbra, aquando dos estudos, uma vez chegados ao poder - um na Igreja, o outro na política - separaram-se. O caloroso cardeal encontrou pela frente um homem frio devotado ao exercício do dito poder e, como Cerejeira terá confessado a Alçada Baptista, desprovido de amor ao próximo, uma beatitude que só existe para nos maçar. Salazar, tipicamente, definiu-o: «o Cardeal Patriarca é uma excelente pessoa mas é um fraco que pune a seu modo, como ele diz, para significar que não pune ninguém.» Ao contrário dos parvenus concupiscentes que o CM nos serve em doses diárias, estes dois homens, católicos, foram verdadeiros estadistas. Em 46, por exemplo, Salazar não participou ostensivamente nas cerimónias da "consagração de Portugal ao Imaculado Coração de Maria", em Fátima. E em 59, na inauguração do monumento ao Cristo-Rei, foi o último a chegar depois do PR e com um eloquente atraso. Mas talvez esta noção de Estado - com letra grande em vez desse patético "estado da nação" que apenas celebra a progressiva decrepitude da mesma - se tivesse elevado aquando da Concordata que não incluiu, como pretendiam a Igreja e Cerejeira, quaisquer indemnizações ou restituições de património eclesial usurpado pela Lei da Separação vinda da ditadura antecedente, a republicana de Afonso Costa. No final das negociações, numa nota dirigida a Salazar, Cerejeira queixa-se, com ironia, ao Presidente do Conselho. «O Estado Português quase pode dizer que fez uma Concordata sem dar. (...) A maior parte dos artigos da Concordata são já, explícita ou implicitamente, lei portuguesa.» Salazar respondeu secamente: «porque já se deu!».
Etiquetas:
História de Portugal,
livros,
Regime
8.6.10
OS ABAFADORES DA HISTÓRIA
Lê-se esta manifestação primitiva de um deputado do BE (deve haver mais gente a zurrar) e ocorre imediatamente Vergílio Ferreira, numa "Conta-Corrente" que a Quetzal há-de reeditar com um indispensável índice onomástico: «a imbecilidade é a inferioridade humana mais razoavelmente partilhada.» Mas, como diz o autor do post, «estes jacobinos, se pudessem, arrasavam todos os monumentos que lhes lembram o "facismo", do mesmo modo como fizeram nas fotos em que apareciam pessoas que lhes deixaram de ser gratas: apagando-as.»
Etiquetas:
Estado Novo,
História de Portugal,
Regime
5.6.10
O ÓBVIO E OS OBTUSOS

«Rui Ramos, que declara francamente ser um homem de direita e que, além disso, já publicou uma obra importante, é uma criatura que a ortodoxia reinante, académica e jornalística, não engole com facilidade. Paga hoje, e pagará sempre no futuro, pelo talento, pela inteligência e pela cultura que ele tem e outros não têm. Nada de espantar, neste pequeno Portugal. A ideia de fazer dele "simpatizante" póstumo do "salazarismo" (de resto, uma alegação inteiramente falsa) não passa de uma tentativa um pouco pueril de o diminuir e salvar o jacobinismo da esquerda de um imaginário "ataque". Convém começar por dizer que nenhum dos críticos que apareceram neste jornal é especialista da I República e que alguns nem sequer nunca foram historiadores. Pela simples razão de que a mais vaga familiaridade com a ditadura do Partido Democrático de Afonso Costa e de António Maria da Silva e com a guerra civil endémica que o "5 de Outubro" (e não o "28 de Maio" ou Salazar) inaugurou em Portugal lhes mostraria que a I República não precisa que a "diabolizem". Um "estado de coisas" (porque não se pode chamar ao que então existia um verdadeiro regime) em que se matavam cidadãos pelas ruas na maior e mais santa impunidade (incluindo um primeiro-ministro) e em que grupos terroristas muitas vezes mandavam de facto no Governo não se recomenda por si próprio ao mais faccioso campeão da igualdade e do "progresso". Quanto a Salazar, é bom não esquecer o caos de onde saiu e a espécie de Europa em que viveu. A questão puramente nominalista de arrumar ou não o Estado Novo na prateleira do "fascismo" (com que tantas cabeças se consumiram) não leva a nada. Como não leva a nada contabilizar as vítimas (bastava uma) ou fingir que se mede o grau de repressão (dura, branda, dura e depois branda, e por aí fora). O essencial é tratar o Estado Novo como resultado da situação externa e interna portuguesa e não como um epifenómeno do que sucedeu em Itália, na Alemanha e, mais tarde, em Espanha. E isso Rui Ramos conseguiu - com equilíbrio e penetração. Quem não gosta que escreva uma História de Portugal como ele escreveu. Se for capaz.» Vasco Pulido Valente, Público
31.5.10
O "PROGRESSISMO" ALARVE

Gostava que o Rui Ramos respondesse a este texto (acaba por o fazer lá dentro) - como se costumava dizer - caviloso da sra. D. São José Almeida, eivado de preconceito e de "historiadores" com dor de corno porque não conseguiram escrever uma História de Portugal como a que ele coordenou. É esta a "cultura" do canastrão Alegre, não se esqueçam. Uma espécie de "progressismo" alarve, o galarim dos eternos compadres e comadres que se imaginam donos da "verdade" histórica. Porque são prosaicamente "de esquerda" e mandam genericamente na academia há trinta e tal anos onde só trocaram de partido.
Etiquetas:
História de Portugal,
Regime,
Rui Ramos
8.4.10
SALAZAR E OS GNOMOS

Há pouco, Mário Crespo estava a entrevistar o autor de um livro sobre as relações entre o Doutor Salazar e Alfredo da Silva, o "patrão" da CUF, e, às tantas, referiu-se ao primeiro como "o Salazar". Crespo, habituado como está a entrevistar a gente pequenina do regime, julga que Salazar é mais um a juntar ao lastro de mediocridades e de desbiografados que nos têm pastoreado. Não é, goste-se ou não. Tal como não foram Marcello Caetano, Palma Carlos, Mota Pinto ou Cavaco Silva. Mas isso levava uma eternidade a explicar a Crespo. Deixá-lo, pois, entregue aos seus gnomos.
Etiquetas:
História de Portugal,
SICN,
Teoria da acção comunicacional
8.12.09
DA HISTÓRIA

No livro ali à direita, a páginas tantas, aparece o general Gomes da Costa que explica razoavelmente a coisa. «Vergada sob a acção de uma minoria devassa e tirânica, a nação, envergonhada, sente-se morrer. Eu, por mim, revolto-me abertamente.» Se bem o disse, melhor o fez. Mas isso foi em 1926. É história.
Subscrever:
Mensagens (Atom)