Falando com franqueza, não vale a pena sofismar: a Direita governa esta coisa a que chamamos Democracia desde o 25 de Novembro de 1975 - pelo menos.
O Mário Soares, aliado ao Carlucci, embaixador do Presidente Reagan, fez uma opção clara: as indemnizações às vítimas das nacionalizações, desocupações de herdades e empresas que tinham sido abandonadas pelos proprietários, a autorização para a reconstituição de grupos como os Melo, tudo isso, se expulsou definitivamente o Partido Comunista da área do poder, teve como contrapartida amarrar o Partido Socialista à direita mais oportunista.
Maçonarias, Opus Dei ou sabe-se lá o quê, Rotários, Associações de Ciclistas e a Mão Negra (para não falar da Cabala) foram fazendo o resto. A Direita é o «arco governativo», Regeneradores e Progressistas deste rotativismo parlamentar e governativo em que os grandes gestores e os grandes administradores vão sendo sempre os mesmos.
Obviamente, na direita nem tudo são rosas.
As diversas fações que se vão alternando no poder digladiam-se pelas razões lá dela própria, mas os golpes e contra golpes, as espadeiradas pela frente ou as punhaladas pelas costas, nunca vão demasiado fundo.
O arguido é condenado a um ano, com pena suspensa, aguarda com a pulseira eletrónica ou recorreu à espera da prescrição. No final acaba por se safar porque Direita não se esfrangalha a si própria: mesmo sem serem leais, as refregas têm árbitros.
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Para começar e porque vai a votos, tem como árbitro primeiro a opinião pública. As sondagens mudam os discursos e obrigam a disfarçar as obras. Encomendam-se entrevistas às televisões, a serem conduzidas pelos apresentadores mais mediáticos, mandam-se comunicados, em último caso muda-se um ou outro ministro.
A necessidade de se perpetuar no poder ou, pelo menos, adiar a queda e dar tempo aos apaniguados para ficarem menos mal na vida, obriga a contorções dignas do Plastic Man, o Borracha das histórias aos quadradinhos da nossa infância.
(Se não são desse tempo, não sabem o que perderam, digo eu.)
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Mas, adiante.
Os árbitros segundos são as empresas.
Os seus administradores, que são ao mesmo tempo os Barões dos diversos partidos, porventura ex-governantes e conselheiros dos actuais ministros, estão sempre uns com os outros. Aproveitam alguns momentos de conversa à margem das reuniões dos concelhos a que pertencem, encontram-se em jantares em casa uns dos outros ou de uma Tia velha, nos Spas ou em lugares de menos confessável natureza - mas que davam um romance ao Stieg Larson se ele não tivesse já falecido. E nesses encontros, as coisas vão sendo combinadas, distribuídas, os lugares tenentes e os testa-de-ferro recompensados.
A Direita partilha. A Esquerda não.
A Direita recebe o pão e dá as côdeas ao capataz que lho trouxe.
Mas partilha.
E mantem presa à esperança toda uma coorte de invejosos úteis a quem as côdeas entretêm enquanto esperam pelo jantar.
Umas vezes a comida vem.
Outras não.
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O poder e o dinheiro andam, na Direita, demasiado unidos, entrelaçados, no bolso um do outro, como se o conteúdo contivesse o continente que contem o conteúdo que contem...
E é assim que o dinheiro, a Banca e as grandes sociedades financeiras acabam por ser o último dos árbitros. Se uma coisa não dá dinheiro, se não dá o poder que dá o dinheiro, a espiral está em perigo, alto lá! Os meninos portam-se bem, se não, cartão vermelho e rua! Saem de jogo.
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Na Esquerda não.
Primeiro porque não há dinheiro. Ou vai havendo, mas nunca tanto que possa ser partilhado. As estruturas partidárias ou sindicais, as acções de propaganda, os eventos consomem-no todo e ainda falta. Os militantes, em vez de receberem, contribuem.
O que a Esquerda tem é um pouco de poder, o poder que lhe conferem aqueles que não querem ou não podem aceder ao dinheiro: alguma influência eleitoral, meia dúzia de lugares aqui ou ali, cada vez menos, na Administração Pública, no Parlamento, em Escolas ou na Universidade, em Sindicatos.
E torna-se avara.
Cada capelinha, cada grupo de amigos ou tão só de cúmplices, intriga, elege e faz-se eleger, representa e abarbata o que pode desse poder que é, no mais das vezes, apenas o de negar, de parar, de encravar e não deixar andar para a frente. Como o do funcionário no guichet que nada mais pode senão servir de escolho aos mareantes.
Aos descontentes nada mais resta.
Separam-se, sectarizam-se e formam grupúsculos. Levam consigo os pedaços do poder que conseguiram amealhar e por lá ficam, seja onde for que foram ter. E divisionistas são sempre os outros.
Voltar a unir-se significaria partilhar o bocadinho de poder que se tem, juntá-lo ao bocadinho de outros, perder agora para participar num poder maior, mais amplo, mais eficiente, e quem sabe, ganhar no fim.
Avaros de todo o mundo, uni-vos!