Eu sei que há quem não acredite na metempsicose que é aquela coisa da transmigração das almas: morre-se e acabou-se. Nada de voltar a este ou outro mundo qualquer.
Tivemos a sorte de apanhar uma vida que andava por aí, vivêmo-la como podemos e pronto. Quando se tiver gasto, não há mais.
Mas isto são só os simplórios dos ateus.
Há quem acredite que a vida é um capital infinito, não se gasta nunca.
Passamos daqui para o Céu, se o tivermos merecido; direitinhos para o Inferno se tivermos sido como alguns que a gente vê na televisão, por exemplo. É a Vida Eterna.
Dantes, quando eu andei na catequese, havia mais alternativas, o Limbo para os pobres pretinhos a quem os missionários não tiveram tempo de baptizar e o Purgatório.
Este sim, é que foi uma invenção de génio.
Rendeu missas, capelas, heranças; era como que um banco, como que uma companhia de seguros: o defunto fazia umas doações, protegia uns pobrezinhos, amealhava para a eternidade. Quando morria tinha sempre, pelo menos, uns pecados veniais a pagar, quanto mais depressa os parentes amortizassem, mais depressa a alma, purgada das suas máculas, ia ver, finalmente, a face do Senhor.
Parece que já não é assim.
Não estou muito actualizado, mas creio que estes destinos foram eliminados do catecismo, como o apeadeiro aqui da minha terra: deitado ao desprezo pelos combóios que já deixaram há muito de por cá parar.
Nós no Portugal, caramba!, porém, acreditamos na reencarnação.
Morremos, passam-se uns tempos, achamos nós, dão-nos outro corpo novinho em folha - se for em segunda mão, olha, que se há-de fazer? - e mandam-nos de volta; para aqui ou para o outro lado da galáxia, onde houver vaga.
Mas quem sabe? Pode ser que nos perguntem o que queremos ser, como na história de Er que Platão narra na República. E então, se nos for dado escolher um destino, não queremos ser nem um Durão Barroso, nem um Belmiro de Azevedo, nem nada disso.
Queremos ser ursos.
Ursos! Nem mais.
Primeiro porque têm um casaco de peles, quentinho, de fazer inveja às senhoras mais Donas - e não tiveram de o ir arrancar a raposa nenhuma, pobres delas.
Depois, porque hibernam. Já viram, está a chover se Deus a dá, não precisam de sair de casa para ir ao emprego. Está um frio de congelar o bafo, não precisam de ir a compras: dormem mais um bocadinho.
Se os incomodam, grunhem. E ninguém acha que sejam malcriados só por isso.
Por fim, quando vem a Primavera, o senhor Sol aquece-lhes os humores, espreguiçam-se e saem para o ar livre à procura de uma comidinha, de uma namorada. Não precisam de ir ao ginásio nem de encolher a barriga quando avistam a prometida: durante o Inverno, sem esforços nem heroísmos, ficaram elegantíssimos.
Podem voltar a comer à fartazana, do melhor que encontrarem.
A rapariga, aliás, estará a fazer o mesmo e confessemos: redondinhas também têm o seu encanto, não é?
Por isso ficaram sabendo: o que nós queremos mesmo é ser ursos.
Já andamos a treinar há muito tempo. Só aquela história do emagrecer, isso é que ainda não conseguimos.
Mas pronto.
Não se pode ter tudo.