Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.
Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?
Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.
Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.
Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.
Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.
Pablo Neruda
Tuesday, March 27, 2007
Encontrei, Paulo Setúbal
Só tu
Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram
Já não me lembro, nem sei...
São tantas as que me amaram!
São tantas as que eu amei!
Mas tu - que rude contraste!
Tu, que jamais me beijaste,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nesta alma, ficaste,
De todas as que eu amei.
Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram
Já não me lembro, nem sei...
São tantas as que me amaram!
São tantas as que eu amei!
Mas tu - que rude contraste!
Tu, que jamais me beijaste,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nesta alma, ficaste,
De todas as que eu amei.
Sunday, March 25, 2007
7 Maravilhas
Proponho-o para uma das sete maravilhas, até porque nasceu no mesmo dia em que vão ser votadas, 7 de Julho (1887):
Chagall
Algumas das sua maravilhas:
01. Janela Para Paris
02. O Aniversário
03. O Poeta
04. O Casamento
05. Promenade
P.s. Quando fui a Paris, fui a única do grupo a reconhecer a pintura de Chagall no tecto da Ópera de Garnier e a única a ficar sem bateria na máquina fotográfica :(
A Tragedia de Júlio César
Ainda em Itália, mas recuando à de Júlio César, mais propriamente à Roma de César, está em cena, no S.Luiz (Lisboa), a peça A Tragédia de Júlio César, com Luis Miguel Cintra (Júlio César), que é também encenador, Dinarte Branco (Bruto) e Nuno Lopes (Marco António), nos principais papéis.
Uma peça de Shakespeare sobre o poder, a sua corrupção e o declínio da Polis, com motivos de sobra para ver: bom texto, grandes interpretações e um tema que continua actual.
Preços dos bilhetes:
10€ e 20€ (sujeitos a descontos).
Uma peça de Shakespeare sobre o poder, a sua corrupção e o declínio da Polis, com motivos de sobra para ver: bom texto, grandes interpretações e um tema que continua actual.
Até 22 de Abril, no Teatro Municipal S. Luiz.
Preços dos bilhetes:
10€ e 20€ (sujeitos a descontos).
Il Caimano (O Caimão)
Estreou na passada semana O Caimão, de Nanni Moretti. Inspirado em Silvio Berlusconi, o filme apresenta num registo de tragicomédia, duas histórias: a do produtor do filme sobre Berlusconi, Bruno, mostrando todas as dificuldades e peripécias da sua carreira e da sua vida pessoal e a de "Il Caimano", o seu filme propriamente dito, onde são retratados e satirizados os escândalos que envolveram a governação de Silvio Berlusconi. Como diz uma das personagens do filme ele representa uma «Italiazinha», «entre o horror e o folclore».
Destaque para a múltipla dimensão de Silvio Berlusconi, representado por três actores diferentes, o último dos quais o próprio Nanni Moretti - estupenda surpresa - e por si próprio, na transposição de discursos reais.
E destaque também para os pequenos temperos próprios do cinema italiano e para a sua tadição de comédia, com os traços típicos das situações caricatas e as tiradas ridículo-enternecedoras das personagens, sempre esbracejando e falando aos berros, de forma apressada (Mamma mia, che cosa!).
Muito bom.
Destaque para a múltipla dimensão de Silvio Berlusconi, representado por três actores diferentes, o último dos quais o próprio Nanni Moretti - estupenda surpresa - e por si próprio, na transposição de discursos reais.
E destaque também para os pequenos temperos próprios do cinema italiano e para a sua tadição de comédia, com os traços típicos das situações caricatas e as tiradas ridículo-enternecedoras das personagens, sempre esbracejando e falando aos berros, de forma apressada (Mamma mia, che cosa!).
Muito bom.
Sinopse:
Saturday, March 24, 2007
Ai Scalabis, Scalabis!
Este fim-de-semana tive mesmo vontade de ir/vir para a terrinha – no caso, Santarém. É certo que tenho uma relação amor/ódio com a minha cidade, mas as saudades do verde da lezíria com o Tejo a serpentear no meio, que se avista das Portas do Sol, as ruas com as igrejas góticas (e não só), levaram-me a meter-me ao caminho.
E eis que chego, então, à Scalabis. Saio da gare, respiro o ar com o cheiro das árvores em flor e esboço um sorriso. Sigo para casa, a pé, de mochila às costas. Vou pelo mercado: é mais perto e o edifício é digno de ser apreciado, pelos azulejos.
É aí que me deparo com uma coisa extraordinária, que me deixa incrédula e me tira de imediato o sorriso, recordando-me a parte menos boa da minha relação com a minha cidade – um outdoor da Câmara Municipal a apelar ao voto dos escalabitanos no D. Afonso Henriques para o Maior Português de Sempre (sim, o programa da treta apresentado pela Maria Elisa).
Só esse facto já é questionável, para não dizer ridículo, mas é ainda secundado por uma frase de incentivo convicta de bairrismo e identidade e sabe-se lá mais o quê, que é qualquer coisa como: «Ele lutou pela nossa cidade, vamos lutar por ele».
D.Afonso Henriques lutou para conquistar a nossa cidade aos mouros e mesmo assim foi Mem Ramires quem cortou a cabecita ao sentinela mourisco, nas Portas do Sol.
Ou seja, Santarém já existia (veja-se, por exemplo, o termo Scalabis de onde deriva escalabitano – não foi o sr. que o inventou) mudou foi de domínio. Claro que foi ele o primeiro rei de Portugal, mas estariam na altura os escalabitanos tão contentes com essa mudança, com a luta que ele travou “por” Santarém? A bem dizer, o que fez o D. Afonso Henriques de especial por Santarém, que não tenha feito noutras cidades?
Outra coisa que me choca nestas peripécias neo-santanistas, é perceber que se anda a gastar o dinheiro de uma autarquia falida – sobretudo tendo sido isso bandeira de campanha – com coisas perfeitamente terciárias.
Parece que na intelligentsia da cidade há uma euforia generalizada em torno da questão. Pena não haver um Nanni Moretti que reproduza estas idiossincrasias tão portuguesas, como faz com a sua Italiazinha.
Sunday, March 11, 2007
O Labirinto de Fauno e a realidade sob a fantasia
O Labirinto de Fauno (El Laberinto del Fauno), realizado por Guillermo del Toro, esteve nomeado para Óscar de Melhor Filme Estrangeiro e venceu a edição deste ano do Fantasporto. O mais curioso é que a película é sobretudo apresentada pela vertente da fantasia, o mundo encantado de Ofélia (Iavana Baquero), mas o espaço que ocupa na acção é praticamente metade daquele que é prenchido pelo realismo do início do franquismo e as lutas com os movimentos de resistência, que ainda sobreviviam no, imediato, pós guerra civil. De resto, é neste contexto temporal que se increve e desenvolve toda a história. Lado a lado fantasia e realidade convivem, entrecruzam-se e condicionam-se. Aí reside a verdadeira magia do filme.
Mas a realidade é mais assustadora que o mundo de figuras não humanas, «glórias, terrores e aventuras» que Ofélia tem de ultrapassar para levar a cabo as tarefas que lhe são destinadas pelo Fauno. Mesmo assim é nele que a pequena jovem se refugia da tirania do Capitão Vidal (Sergi Lopez) e da sua crueldade, dificilmente superada pelos piores pesadelos.
Toda a história está repleta de pequenas mensagens que se repetem nos dois mundos, principalmente aquela que de certa forma parece traduzir a moral do filme: «obedecer sem questionar?».
A qualidade e os efeitos técnicos marcam a película -premiada pela Academia pela caracterização, entre outras coisas - mas O Labirinto de Fauno é também um filme político, que mostra o terror dos regimes ditatoriais, um terror que não se pode esquecer... a não ser nos sonhos.
Hino também às mulheres: Ofélia, a menina sonhadora e justa, Mercedes, a mulher, heroína corajosa, que não se rende nunca.
http://www.radioblogclub.com/open/115086/mercedes_pan_labyrinth/Nana%20de%20Mercedes%20-%20Labyrinth%20de%20Pan (Canção de Embalar de Mercedes, BSO)
Por tudo isto foi um dos filmes que mais me emocionou nos últimos tempos.
Mas a realidade é mais assustadora que o mundo de figuras não humanas, «glórias, terrores e aventuras» que Ofélia tem de ultrapassar para levar a cabo as tarefas que lhe são destinadas pelo Fauno. Mesmo assim é nele que a pequena jovem se refugia da tirania do Capitão Vidal (Sergi Lopez) e da sua crueldade, dificilmente superada pelos piores pesadelos.
Toda a história está repleta de pequenas mensagens que se repetem nos dois mundos, principalmente aquela que de certa forma parece traduzir a moral do filme: «obedecer sem questionar?».
A qualidade e os efeitos técnicos marcam a película -premiada pela Academia pela caracterização, entre outras coisas - mas O Labirinto de Fauno é também um filme político, que mostra o terror dos regimes ditatoriais, um terror que não se pode esquecer... a não ser nos sonhos.
Hino também às mulheres: Ofélia, a menina sonhadora e justa, Mercedes, a mulher, heroína corajosa, que não se rende nunca.
http://www.radioblogclub.com/open/115086/mercedes_pan_labyrinth/Nana%20de%20Mercedes%20-%20Labyrinth%20de%20Pan (Canção de Embalar de Mercedes, BSO)
Por tudo isto foi um dos filmes que mais me emocionou nos últimos tempos.
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