Assim o chamavam os mouros de Cap Juby, no Rio de Oro: O “senhor, das areias”, príncipe do deserto, corajoso, cavalheiresco e cortês. Mas de muitas outras, maneiras poderia ser chamado, inclusive de poeta do céu, esse homem nascido em 29 de junho de 1900 em Lido, na França, com o nome de Antoine Marie Roger de Saint-Exupéry terceiro filho do Conde Jean de Saint-Exupéry e de Marie de Fonscolombe e que aos 12 anos já escrevia versos como este em louvor das máquinas de voar: “Les ailes ƒrémissaient sous le souƒƒle du soir" (Asas ƒremiam à brisa do crepúsculo). Apaixonado desde a infância pela mecânica, Saint-Exupéry estudou a principio no colégio jesuíta de Notre-Dame de Saint-Croix, em Mans, de 1909 a 1914. Neste ano da Primeira Guerra Mundial, juntamente com seu irmão François, transfere-se para o colégio dos Maristas, em Friburgo, na Suiça, onde permanece até 1917. Quatro anos mais tarde, em abril de 1921, Saint-Exupéry inicia o serviço militar no 2º Regimento de Aviação de Estrasburgo, depois de reprovado nos exames para admissão na Escola Naval. A 17 de junho, obtém em Rabat, para onde fora mandado, o breve de piloto civil. No ano seguinte, 1922, já é piloto militar brevetado, com o posto de subtenente da reserva. Em 1926, recomendado por um amigo, o Abade Sudour, é admitido na Sociedade Latécoère de Aviação, onde começa então sua carreira de piloto de linha, voando entre Toulouse, Casa blanca e Dacar, na mesma equipe dos pioneiros Vacher, Mermoz, Guillaumet e outros. Foi por essa época, quando chefiou o posto de Cap Juby, que os mouros lhe deram o cognome de senhor das areias. Mas a aviação não era tudo para Saint-Exupéry. Havia nele, ainda, a poderosa vocação de um grande escritor, que então se fez presente com o primeiro livro publicado “Courrier Sud”, de 1928, escrito aliás sob o sol dos desertos africanos. Mas a vida de um piloto de linha não admitia lugares estáveis e, já em 1929, vamos encontrar Saint-Exupéry em Buenos Aires, novamente ao lado de Mermoz e Guillaumet, sobrevoando os Andes e olhando do céu a terra dos homens.
No ano seguinte, 1930, Saint-Exupéry escreve Vol de nuít, publicado em 1931 com prefácio de André Gide e laureado com oi Prêmio Femina. De 1930 a 1939, Saint-Exupéry prossegue em suas atividades de piloto e escritor, inclusive como repórter na guerra civil espanhola. E em 1939, às portas da Segunda Guerra Mundial, surge enfim seu famoso livro Terra dos Homens, que conquista o Grande Prêmio de Romance da Academia Francesa e, traduzido para o inglês, torna-se de imediato um best-seller. Mas a guerra chamava o poeta-soldado, e o Capitão Saint-Eaupéry foi mobilizado e designado para o ensino técnico. Não lhe agradava entretanto esse posto quase burocrático e, por isso mesmo, Saint-Exupéry, depois de muito pedir, e contra o parecer médico, conseguiu ser destacado para um grupo de reconhecimento aéreo. Era a guerra! Mas o veterano “príncipe do deserto" nem por isso deixa de escrever. Seu Piloto de Guerra, de 1942, escrito em Nova Iorque após a derrocada fulminante da França, torna-se outro best-seller, e, embora proibido de circular em território ocupado pelos alemães, sua difusão ali em língua inglesa é maior talvez do que o seria na língua original.
Em 1943, graças ao pedido de um filho de Roosevelt, Saint-Exupéry volta à luta. Os regulamentos militares são revogados e o piloto de 44 anos incorpora-se a um grupo americano de reconhecimento, embora obrigado a duro treinamento para que possa comandar os aviões então em uso. Transferido para a Sardenha, Saint-Exupéry realiza várias missões de reconhecimento sobre território francês e, numa delas, por aterrissagem imperfeita, vê-se novamente afastado do serviço de voo. Em Argel, para onde se retira, Saint-Exupéry divide o tempo entre a matemática e os manuscritos da Citadelle, até que o Coronel Chassin consiga mais uma vez o seu retorno à atividade aérea. Novos voos de treinamento e muita insistência junto ao comando americano dão a Saint-Exupéry outra chance. Promovido a comandante, Saint-Exupéry está limitado a cinco missões. Seu fim, entretanto, está próximo.
Transferido para a Córsega, em julho de 1944, o poeta do céu excede o limite de missões que lhe ƒora confiado, e insiste com seus superiores para que o deixem continuar na luta. “Que sou eu, se não participo?" E a 31 de julho, arrancando da pista às 8,30 da manhã, na sua nova missão, Saint-Exupéry não regressa à base. Sua guerra estava terminada e o “príncipe do deserto” mergulha para sempre no oceano.
Mas, se desaparecia o audacioso piloto, o escritor não interrompe sua jornada de glória, e ai estão seus livros para torna-lo dia a dia redivivo. Merecem transcrição estas palavras de Luc Estang, em Saint-Exupéry par luimême (Éditions du Seuil, Paris, 1956, pág. 188): “Ê o Pequeno Príncipe que nos faz um sinal ao subir ao céu! 'E quando eu levantar voo em meu novo aparelho, a multidão exclamará: Viva Antoine de Saint-Exupéry' E se for para não mais voltar? Viva assim mesmo Antoine de Saint-Exupéry! Nem o céu nem o mar tragaram o 'essencial'; legado em penhor de amizade humana, um sorriso perdura sobre a terra dos homens.”