O vendedor de histórias é do mundo, é de todos, é de uma legião de famintos e sedentos de palavras.
De longe espero a coragem me impulsionar para me aproximar. Leio e releio
trechos de um todo infindo, preciso alimentar-me de emoção, de beleza, para criar novos mundos,
mentais, reais. O mundo lá fora muda de cor, é a transição do dia para a noite.
Aprecio o sol a se despedir. Despedidas, muitas e muitas vezes, deixam um ar de
melancolia no ar. É preciso viver a emoção que acelera os pés, então, sigo por outras ruas. Ruas onde há pessoas, feira, burburinho,
paralelepípedos no calçamento, histórias nos prédios, um trilho de trem. Uma forma de fugir para o encontro com a realidade. E sentir cheiro de gente.
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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
domingo, 20 de janeiro de 2013
Vendedor de histórias - 18
Andei, andei, pelas ruas de paralelepípedos,
observando os prédios antigos. Precisava esquecer a tristeza. Precisa lembrar dos
sonhos. Precisava então caminhar, entre ruas com muitas histórias e belezas.
Encontrei um soldado fazendo algo errado. Encontrei uma mendiga e seus
cachorros, Madona Priscila bebia. Comeu um cachorro quente com refrigerante.
Leonardo de Capri, um dos seus cachorros, eram três, estava com muita pulga,
fazia dó. Madona também me dava dó, mas ela não reclama da vida, anda pelas
ruas de paralelepípedos o ano todo, com seus cachorros e tomando cachaça.
Andei, andei procurando esquecer. Procurando viver. Corri atrás da atriz e
cantora dinamarquesa, ela se assustou ao ser abordada. Elogiei o seu show do
dia anterior. Ela se foi, eu queria ter ido com ela, atravessar a ponte, ir
para a outra ilha. Para onde ela ia sozinha, num domingo pela manhã, ruas
tranquilas e desertas? Fiquei preocupada. Ela me disse, último dia meu aqui. E
se foi. Não fui com ela. Continuei andando, o sino tocou, aceitei o convite
dele, do sino, e entrei na igreja, a missa ia começar. Fiquei em dúvida entre
ficar ali, assistir a missa, ouvir a homília, ou continuar andando, andando.
Fiquei, e ficar era lembrar. Queria pedir perdão, até tentei, mas como posso
pedir perdão por algo que não vou esquecer? Que me faz bem lembrar. O pecado
não é lembrar, o pecado é a forma de pensar da imaginação. Saí da missa e fora
dela, muito além das ruas de paralelepípedos encontrei aquele das histórias, e
só assim a alma aquietou-se.
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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
Vendedor de histórias - 17
Me entrego à poesia, dele, do outro, de mais algum, como uma forma de fugir do dia, de suportar os momentos. É um caminhar constante. Me ausento da realidade e entro na beleza da poesia, é um mergulho nas lágrimas, na tentativa de ver o sol da alma brilhar. Dias rotineiros, massantes, voltas das mesmas voltas. O ano corre, me arrasto, quero só poesia. Abro portas para alcançar a poesia. A poesia torna os dias mais leves. Me dá ânimo para acordar, para continuar, para dormir. A poesia faz um ciclo em mim. Um ciclo de esperança e de expectativa. Acordo e penso, terei poesia hoje? Espero ansiosa. A poesia quando vem, me abraça com muito carinho. Me sinto mais leve. Foi a poesia que atravessou o dia, penetrou o olhar, me inundou de beleza. Brinco de e com a poesia. Esta sensação boa, é a sensação de ser criança brincando de academia (amarelinha) no sol. Os pulos numa perna só para brincar. O sangue a correr nas veias, o coração a palpitar, é a brincadeira de poesia. A dele, a do outro, a de mais algum.
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sábado, 5 de janeiro de 2013
Vendedor de histórias - 16
O barco
esta lá, voltou. Por quê? O barco faz parte de uma
outra travessia, de uma outra viagem, e por que retornou? Não terei a resposta.
Talvez nem tenha explicação. Eu é que tenho perguntas. Achei o semblante dele
cansado, triste, preocupado. Eu achei. Talvez também não seja, apenas seja uma
impressão errônea minha. Ele terá pela
frente um grande mar para navegar, uma travessia que não será fácil, mas que é
preciso viajar, ir adiante. Ventos, trovoadas, ondas altas, um percurso longo, um barco pequeno. Muitos desafios para um bom comandante. Durante a travessia do mar revolto, talvez ele precise mergulhar profundamente
para retornar com pérolas.
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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
Vendedor de histórias - 15
Mais
um novo dia. Todos os dias são novos, não é? No quarto escuro penso estar nublado o tempo. Levanto, abro a
cortina e a janela, o vento e sol entram pelo quarto, abraço o dia. Os pássaros
cantam. Procuro o vendedor de histórias para me dar ânimo. Uma relação talvez
tosca da minha parte, uma relação de beber da fonte do conhecimento, para me
dar mais ânimo, só o sol, o vento e os pássaros não me são suficientes para dar
asas à imaginação. Abro outras cortinas e outras janelas, e abraço um outro
mundo.
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quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
Vendedor de histórias - 14
A pesada porta da matriz está aberta. São muitos os fiéis. O ambiente está iluminado
de vidas. O padre sobe ao altar, compenetrado. Isto é, me parece compenetrado.
Durante a missa observo que seus olhos se tornam inquietos, e que sua testa
franze várias vezes. O que pensa? Suponho que algo lhe passa na mente, e que
este algo não tem relação com o que vai ser dito na missa. Suposições me desviam. Ao terminar a missa está muito suado. Não me parece um suor normal, não fazia calor, será que é muito
esforço rezar uma missa? Ele sai apressado. Teria sua pressa alguma relação com
a testa franzida? Nunca saberei. Perguntas. Tantas perguntas sem respostas. Os
paroquianos querem lhe pedir algo, agradecer, abraçar, contar algum fato, e isto vai dificultando o ritmo da sua pressa, é preciso desacelerar os passos. Ele mostra-se
inquieto, apesar de ser cordial. Ele sai pela lateral da igreja.
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quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
Vendedor de histórias - 13
O
sino da matriz toca. Ainda está escuro, é inverno. As luzes do castelo estão
acesas, as ruas estão desertas. Tem nevoeiro na cidade, faz frio. O rio segue
tranquilo, de tão tranquilo, parece que está parado. As luzes refletem em seu
leito. Muitos ainda dormem, estou caminhando, refletindo, fotografando. Estar
só me dá poderes, que só o ar de liberdade me dá. O poder de ir e vir, de
voltar, de ficar em pé, de acocorar, poder de olhar sem interferência, poder de
não ouvir as vozes, bastam as minhas, que falam demais. Nem todas minhas,
confesso, tem vozes dos que passaram na minha vida. Em alguns momentos tenho
receio de estar só por ruelas que não conheço, numa cidade que não sei dos
perigos, medo até de me perder. Mas tudo isto também me motiva e me enche de
prazer. Paradoxos de mim mesma. As luzes artificiais se apagam, surge os
primeiros raios da luz natural, escuto passos, não estou mais só. É hora de
retornar e tomar o café da manhã.
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terça-feira, 1 de janeiro de 2013
Vendedor de histórias - 12
Uma
situação nos leva a lembrar de outra. Seja um aroma, uma imagem, uma música,
uma história. Assim foi comigo. Naquele dia, mais uma vez o fato se
repetia, uma história que ele contava me lembrou algo que já senti, e registrei
com palavras. As dores da alma e as dores do corpo. Era o ano de 2009 e eu
sentia dores no abdômen, a dor do corpo dói. Tomo remédio, diminui, não passa
totalmente. Penso que ela testa o meu limite para a dor. Uma simples dor
física me remete a outras dores. A outras situações. A dor ganhou uma
importância e significados que não eram só dela. Outras dores e fragilidades
fizeram a dor doer mais. Para a dor da alma não tem um remédio pronto, temos
que ser pharmacêuticos. Aqueles que ainda constroem seu próprio remédio. Usar phórmulas
antigas, junto com a modernidade para amenizar a dor e/ou curá-la. Ser um
alquimista de nós mesmo, usando porções próprias e dos outros para nos
modificarmos.
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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
O vendedor de histórias - 11
Vi o vendedor de histórias
sorrindo. Bonito sorriso. Já disse, observo sempre de longe. E de longe ele parece ser um pastor cuidando das ovelhas. Ele está sempre
muito ocupado, com suas histórias para contar, com suas ideias e distribuindo pensamentos. E
também com as histórias que tem de ouvir. Ouvir, ouvir é tão difícil. Requer
tempo. Tempo, este do relógio, e tempo interno. Nem todas as mentes estão
preparadas para receberem o que escutam e leem, outras não entendem. Nem todos os
corações sentem. O meu coração carece de sentir. Entender, que é coisa da
mente, eu também não entendo muito bem.
Mas gosto de sentir, e brincar de escrever
o que sinto. De viver também. Admiro o
manejo que ele tem com as palavras, ele constrói belas paisagens com as
palavras. Uma paisagem de campo de trigo com ovelhas. Me transporto.
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domingo, 30 de dezembro de 2012
Vendedor de histórias - 10
Quantas marcas tem o vendedor de histórias? Assim feito uma
árvore com suas marcas, deve ser ele também. Marcas do viver. Tenho as minhas. Também tenho raízes. Ele tem as deles, enraizadas nas experiências. O vendedor de histórias a cada dia traz para o vilarejo novas histórias. As
histórias seguem um ritmo muito próprio dele. É possível sentir a sua alma, ou, talvez, das almas que ele consegue ouvir. Ele é um bom ouvidor de almas.
Observo as árvores na alameda próxima ao rio, olho as marcas. Lembro
das marcas da vida. O ser humano e as árvores sofrem influências das estações, do tempo, de outros seres humanos. A vida é cíclica. Árvore é vida. As histórias deste
intrigante vendedor de histórias me trazem vida. Uma seiva diferente para o meu caminhar.
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sábado, 29 de dezembro de 2012
Vendedor de histórias - 9
Passo horas observando o vendedor. De que me serve? Para
inventar histórias, só para isto. Ele escreve algo, sempre escreve. Tenho histórias para contar, mas não sei
tecer tão bem quanto o artesão de fios de histórias. Gosto mesmo é de me perder
entre as ruelas quando o sigo, escutando a voz dele, que ora é melodiosa, ora é
chorosa, ora saudosa...Sigo cantarolando a minha admiração. Saltitando as
minhas lembranças. Volto a ser criança. E me perdi....
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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
Vendedor de histórias - 8
Lá vem ele, lá vem ele, grita uma criança que brinca. Escuto
a voz do meu artesão preferido. Na cidade velha, cheias de ruelas e casarios,
ele solta a voz. Hoje ele seguiu para o cais. Ele adora sentar no cais e olhar
os barcos. Os ancorados, os que chegam, os que partem. O cais, a vida. Barcos é
uma fonte de inspiração, para quem sabe traduzir os seus movimentos em vida. E
ele sabe. Não é só entre as ruelas da cidade que me perco, me perco também
olhando os barcos. Meu pensamento se vai, se vai, se vai.....e eu me perco.
Ancoro o pensamento em algum lugar distante, bem distante. Bem dentro do meu cais.
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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012
Vendedor de histórias - 7
Buscamos a fonte andando entre as ruelas.
Eu e os outros compradores estamos perdidos. Isto também faz parte da história.
O vendedor de histórias, antes de vir às ruas, sabe que nos perderemos. Ele
confecciona as histórias com vários fios. Os melhores fios, os de ouro, ele
consegue entrelaçar com os fios de prata, os de bronze, os de lata, e até os
velhos fios enferrujados, aqueles que ferem os seus dedos. Nestes dias, que os
dedos estão feridos, a sua voz é diferente. Escuto ao longe o chiado dos
chinelos pisando os paralelepípedos, nestes dias a voz é doída, me corta a
alma. Choro, sem ser vista. Nestes dias compro a história, abraço com carinho
as lágrimas, elas são amigas, elas me falam de outras histórias.
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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
Vendedor de histórias - 6
Um outro dia. O vendedor grita mais uma vez o seu produto.
Acordo, faz sol. Preciso urgente comprar alguma história. Aquela história
vendida pelo artesão de histórias. Não qualquer história. É preciso ter aquela
voz. Aquela voz que segue por ruelas vendendo o seu produto. Produtos que foram
tecidos com alma. As ruelas me fazem
ficar perdida pelo centro da cidade. Olho o céu azul. Me encanto, me perco. Muitas são as ruelas na vida na qual nos perdemos. As ruelas vão dar na fonte da praça. Mas os compradores se perdem ao
seguirem o vendedor, se distraem com outras belezas, eu também me perco, repito. Mas a fonte está na praça, a fonte jorra. Sigo...
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terça-feira, 25 de dezembro de 2012
Vendedor de histórias - 5
Dia de Natal, acordo mais tarde. Observo pela janela, está
tudo calmo. Por onde anda o vendedor de histórias? Será que hoje ele vai vender
histórias? Coincidentemente escuto a voz
dele, ele se aproxima, e passa no momento que estou na janela a espera dele.
Sorrio, isto me agrada. Ele não me vê. Ele não sabe o quanto me agrada suas
histórias, suas vozes nas histórias, nas ruelas. Sigo. Hoje tem poucas pessoas
nas ruas, algumas ainda dormem cansadas da noite passada, outras se preparam
para almoçar com a família. O vendedor expõe o seu produto, as histórias, e eu
me aproximo para saber o conteúdo desta nova história.
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Vendedor de histórias - 4
O labirinto das ruelas lembra-me o labirinto da mente. São
tantas ruelas, são tantas pessoas que passam, são lembranças indo e vindo. O
artesão de histórias sabe disso melhor do que qualquer comprador de histórias.
Os compradores são desatentos, ora não escutam o vendedor passar,
ora não percebem o material que teceu a história. Compradores de histórias são
compradores de ilusão. São compradores de emoção. E emoção é um fio que prende.
Mas é também um fio que pode enroscar, enforcar. É um fio que nos leva por caminhos
dúbios.
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segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
Vendedor de histórias - 3
Ah, tem dias que parece que o artesão-vendedor encheu
demais o seu balaio de histórias. Carrega um peso extra. Um peso de uma saudade
que grita junto com ele entre as ruelas. Nestes dias o vento fica mais
pesado, os ruídos dos passos são mais barulhentos, e sua voz, ah, sua voz, me
chega feito um choro de um menino sentindo a falta do colo da mãe. Olho de
longe, que de perto é. Ele não me vê. Se vê, faz que não. Sigo, vou com ele,
ouvindo a sua voz, que para mim me chega como se naquele dia a saudade é uma
névoa nas ruelas.
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domingo, 23 de dezembro de 2012
Vendedor de histórias - 2
Um novo dia. Chegou a primavera, as ruelas estão floridas.
Que alegria olhar o vendedor de histórias seguindo por entre histórias e
flores. Ele consegue florir o dia. Amanheço e durmo na expectativa da sua
voz. A voz exala perfume de rosas por
onde passa. E se um espinho atinge a alma, os olhos sangram, faz parte da
história. Rosas têm espinhos. As histórias tem emoção. Posso não compreender todos os entrelaces das
mesmas, o artesão que as fazem é um excelente artesão de memórias.
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Vendedor de histórias - 1
Ele vai pelas ruelas vendendo histórias. Grita alto o
produto que leva, acordo cedo para escutá-lo. Ele segue, eu sigo. Não tenho
dinheiro para comprar tudo que vende. Sigo para acompanhar outros compradores,
o que eles escolherão? Ele segue por ruas estreitas, escuras, feitas de
paralelepípedos, em alguns momentos fala baixo o que vende. E eu me perco por
entre as ruelas, de prédios altos e antigos. Ali tem histórias, muitas
histórias entrelaçadas. Tem vida. Tem vidas. Ele tem um prazer indescritível em
preparar histórias para serem vendidas. Os compradores por vezes se tornam
escassos. Mas o artesão continua a sua arte.
Mesmo que passe uns dias sem vir às ruas vender o seu produto. Nestes
dias de ausência da sua voz gritando pelas ruelas, acordo cedo, abro a janela
da minha velha casa de pedra, olho para a rua ansiosa, a espera do vendedor de histórias. Talvez ele
tenha ido por outro sítio, por outras ruelas.
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