Existem lugares que marcam a memória. Na verdade, o correto seria dizer que há lugares que marcam os corações, pois as lembranças que ficam normalmente vem carregadas de sentimentos. Invariavelmente, a maioria de tais lugares “especiais” está presente na infância de cada um, o que explica a nostalgia que sentimos ao buscar na memória as lembranças que lhe são associadas.
Para mim, Carazinho é este lugar. Cidade pequena no interior do estado, foi lá que passei a maior parte do convívio com meus avós maternos. Quando criança, minhas férias de inverno, sem excepção, eram lá. E todos os Natais também. Anualmente, sair de Porto Alegre – pior, sair da Capital – para ir a Carazinho significava dias dentro de casa, sem nenhum programa interessante para fazer, sem amigos, sem videogame. Apenas a constante e agradável companhia do meu vô Aldo, minha vó Artêmia e minha tia-avó Aida. Não à toa foi por lá que adquiri o saudável hábito da leitura.
Com o passar dos anos, as visitas à Carazinho – e digo assim, “visitas a Carazinho” porque para mim ir a Carazinho era o mesmo que visitar o vô e avó – foram minguando. Veio a adolescencia e com ela as mudanças de prioridades nos períodos de férias. Pior ainda quando ingressei na faculdade. As visitas aos velhinhos, que eram fonte de amor e carinho inesgotáveis, passaram a ser eventuais, em escassos fins de semana. Apenas o Natal permanecia firme e forte.
Pensar em Carazinho é um convite a lembrar de cada momento que tive na companhia especial deles. Cada esquina da cidade esconde uma lembrança de algum momento com um dos três velhinhos. Cada lembrança é uma parte do que sou hoje. Foi lá que foi diagnosticada minha miopia e que meu avô me levou para fazer meus primeiros óculos. Foi lá que aprendi a jogar canastra e pontinho. Foi em Carazinho que ganhei de presente minha primeira camiseta do Grêmio. A lista de momentos não tem fim.
Infelizmente, minhas ultimas idas à Carazinho, ainda que repletas de lembranças e sentimentos, foram motivadas pelas mortes de meus avós e minha tia. Até mesmo pela questão profissional, coube a mim responder pelos espólios e resolver os negócios da família.
No último fim de semana retornei a Carazinho. A viagem de ônibus me permitiu terminar a leitura de um romance de John Grisham, “A Casa Pintada”. A história, narrada em primeira pessoa, conta o cotidiano de um garoto de sete anos que vive com seus pais e seus avós em uma fazenda de algodão no sul dos Estados Unidos. A história se passa nos anos 1950 e percebe-se pela narração a nostalgia com que o Autor evoca os momentos descritos no livro. Há, evidentemente, uma forte inspiração em “As Aventuras de Tom Sawyer”, de Mark Twain, mas isso evidentemente é algo positivo.
O que realmente salta aos olhos é o conflito, na mente infantil, entre o sonho de se tornar jogador profissional de beisebol em uma cidade grande e abandonar a vida na fazenda com seus avós e o desejo de permanecer na companhia daqueles que se ama. A cada momento da leitura, não pude deixar de comparar os momentos do protagonista Luke Chandler com seus avós com os meus próprios momentos com meus avós. A impressionante caracterização da vida cotidiana de uma pequena cidade no interior do Arkansas me fez pensar – resguardadas as devidas proporções, evidentemente – nos meus dias de criança quando viajava a Carazinho para ficar na companhia de meus avós.
Ao terminar de ler o livro, estava emocionado. Por certo que a ótima habilidade do autor, autor de “A Firma” e “O Dossiê Pelicano”, entre outros best-sellers, é indiscutível. Mas ao terminar a leitura eu já estava em viagem de volta para Porto Alegre. Dessa vez, fui a Carazinho para assinar a venda do último apartamento que pertencia a família. E foi então que percebi e meus olhos se encheram de lágrimas.
Carazinho nunca mais.
Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.
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sábado, 3 de outubro de 2009
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Heróis
Da mesma forma como todas as crianças – sobretudo meninos – eu tive os meus heróis na infância. Mas não seria exagero dizer que o maior deles, mais que Luke Skywalker e o Homem-Aranha, era meu avô Aldo. Meu avô foi um cara incrível e, mesmo hoje, seis anos após sua morte, ainda assim me sinto influenciado por ele.
Meu avô não era um super-herói, com super poderes. Aliás, não suporto super-heróis que tudo podem e que são só virtudes. Superhomem e Capitão América são insuportáveis. O vô Aldo, por sua vez, era apenas humano, e como tal possuía um caminhão de defeitos. Mas ao lutar e tentar superar esses defeitos ele me deu uma lição que levarei comigo para sempre.
Desde pequeno, o Vô chamava minha irmã menor e a mim de “a bailarina do vô” e “o campeão do vô”, respectivamente, e aquilo nos enchia de orgulho. Havia entre nós uma identificação e um amor que fazia a convivência com ele mágica.
Poucos sabem que além de médico meu avô foi político. Foi vereador em Carazinho. Até minha avó Artêmia, esposa do velho Aldo, foi vereadora, tendo sido eleita a primeira mulher a presidir a Câmara de Vereadores de Carazinho. Ambos militavam no PTB. A vida política, todavia, foi abruptamente interrompida com o Golpe de 1964. Meu avô, que seria eleito deputado (nunca soube se era candidato a deputado estadual ou federal, mas no fim isso não fez diferença), teve os direitos políticos cassados e foi preso. Enquanto isso, em casa, minha avó, apavorada, cuidava das duas filhas pequenas, sem saber o que esperar do futuro da família.
Após ser solto da prisão – creio que meu avô, apesar de cumpadre do Brizola, não oferecia tantos riscos assim ao regime ditatorial dos militares – meu avô dedicou-se exclusivamente ao oficio da medicina. Abandonou sua paixão pela política pelo amor à família.
Getulista de carteirinha, o vô costumava tocar para minha mãe e minha tia, toda noite antes de irem dormir, um disco compacto com “A Carta Testamento” do “chefe” Getúlio. Era assim que ele se referia ao seu ídolo na política, “o Chefe”. Aliás, foi meu avô quem sempre me incentivou a tomar posição política quando, ainda criança, me levava até a Praça Central de Carazinho para depositar flores aos pés busto em bronze de Getúlio Vargas todo dia 24 de agosto. Este, aliás, era um ritual que ele realizava todos os anos, desde que minha mãe era criança.
A redemocratização do país aconteceu quando eu era ainda pequeno. Meu avô, mesmo aposentado da política, percebeu a oportunidade de fazer despertar naqueles ao seu redor uma consciência cidadã. E foi assim que ele me ensinou, antes mesmo de eu completar oito anos, sobre o trabalhismo de Vargas e Pasqualini e sobre a trajetória de seu bom e velho amigo e talvez mais notável expoente do trabalhismo, Leonel de Moura Brizola. O Tio Briza.
Eu nunca entendi direito como foi que se conheceram e como ficaram amigos. Tudo que sei é que meu vô Aldo e Brizola se conheciam desde os tempos de colégio e ficaram amigo ao longo dos anos. Ambos são de Carazinho e adentraram na política através do PTB. Quando do retorno de Brizola ao Brasil, após o exílio e às vesperas do fim do regime, era costume deles reunirem-se para um almoço ou janta, ou em Carazinho ou em Porto Alegre, a cada visita de Brizola ao Rio Grande do Sul. Era uma forma de cultuar a velha amizade. Mas eu sei que, no fundo, era um momento especial para meu avô reviver seu tempo na política, um tempo em que todas as suas ambições por um mundo melhor e mais decente pareciam pssíveis.
Foi nesse cenário que eu conheci a política. Na minha cabeça de criança era impossível dissociar a política da imagem do Tio Briza, como meu vô fazia eu chamar a Brizola. Lembro, até hoje, de um comício realizado em oitenta-e-alguma-coisa em Carazinho. Uma multidão se acotovelava para assistir aos intensos e envolventes discursos do Tio Briza. No palanque, líderes locais do já então PDT recebiam ao líder maior da sigla, Leonel Brizola. Abraçado ao líder trabalhista estava meu avô. E entre eles, eu, ainda criança.
Por mais que eu tente, acho jamais conseguirei me lembrar das palavras daquele discurso. Em compensação, as imagens impressas na minha mente, de mãos dadas com meu avô, a quem tanto amei, e com o Tio Briza, a quem aprendi a admirar, em frente a uma multidão que vibrava entusiaticamente apesar da manhã gelada de inverno, jamais se apagarão.
Evidente que sinto a falta dele. O vô faleceu um ano antes de Brizola, em 2003. Desde então o mundo ficou diferente. Talvez por desejar honrar a memória de meu avô, ou por um desejo de conhecer mais sobre um passado sobre o qual ele não costumava falar muito, comprei, em um impulso quando vi na livraria, a biografia de Brizola, “El Caudillo”, de F. C. Leite Filho.
O livro é leitura fundamental para quem deseja conhecer um pouco mais da história política de nosso país. A biografia trás, apesar do viés ideológico favorável às ações do líder trabalhista impresso pelo autor – o que muito me agradou, evidentemente – informações sonbre fatos políticos históricos esquecidos pelo povo brasileiro e mesmo gaúcho. A biografia é rica ao falar sobre a infância pobre de Brizola, mas é na análise dos grandes feitos realizados por Brizola na Prefeitura de Porto Alegre e nos Governos dos Estadados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro que a obra atinge seu ponto alto. É entusiasmante ler a tragetória do idealista que luta contra o ranço político estabelecido e, de forma espetacular, encampa e estatiza multinacionais de capital norte-americano (ou estadunidense, como prefere um amigo meu) ou então lança um plano de educação para a população sem igual até hoje em noso país. E, sobretudo, é impressionante os detalhes de bastidores da vida política com que o Autor reconta a Campanha da Legalidade, quando Brizola enfrentou e venceu o movimento golpista em 1961.
Da leitura do livro “El Caudillo” tive a certeza de que meu avô, Brizola e Paulo Freire estavam certos: somente a educação salvará nosso país. A biografia de Brizola transborda os pensamentos do grande líder trabalhista e demonstra a devoção com que ele seguiu seus ideais de transformar a vida de jovens a partir de uma assistência estatal que tinha por base a educação. Se formos analisar, seu legado político – e isso o livro demonstra a quem quiser ler – foi a luta para fazer da educação da população brasileira, sobretudo das classes mais baixas, uma prioridade.
Esse entendimetno, aliás, foi algo que meu avô me ensinou e da qual nunca duvidei. Afinal, ele fez questão de pagar os estudos meus e da miha irmã, para garantir, justamente, que pudessemos fazer a diferença em nosso país.
Recomendo a todos que leiam esta biografia do Brizola. E que ao lerem, lembrem-se de meu avô, que juntamente com o Tio Briza, para mim é um dos protagonistas do livro.
Meu avô não era um super-herói, com super poderes. Aliás, não suporto super-heróis que tudo podem e que são só virtudes. Superhomem e Capitão América são insuportáveis. O vô Aldo, por sua vez, era apenas humano, e como tal possuía um caminhão de defeitos. Mas ao lutar e tentar superar esses defeitos ele me deu uma lição que levarei comigo para sempre.
Desde pequeno, o Vô chamava minha irmã menor e a mim de “a bailarina do vô” e “o campeão do vô”, respectivamente, e aquilo nos enchia de orgulho. Havia entre nós uma identificação e um amor que fazia a convivência com ele mágica.
Poucos sabem que além de médico meu avô foi político. Foi vereador em Carazinho. Até minha avó Artêmia, esposa do velho Aldo, foi vereadora, tendo sido eleita a primeira mulher a presidir a Câmara de Vereadores de Carazinho. Ambos militavam no PTB. A vida política, todavia, foi abruptamente interrompida com o Golpe de 1964. Meu avô, que seria eleito deputado (nunca soube se era candidato a deputado estadual ou federal, mas no fim isso não fez diferença), teve os direitos políticos cassados e foi preso. Enquanto isso, em casa, minha avó, apavorada, cuidava das duas filhas pequenas, sem saber o que esperar do futuro da família.
Após ser solto da prisão – creio que meu avô, apesar de cumpadre do Brizola, não oferecia tantos riscos assim ao regime ditatorial dos militares – meu avô dedicou-se exclusivamente ao oficio da medicina. Abandonou sua paixão pela política pelo amor à família.
Getulista de carteirinha, o vô costumava tocar para minha mãe e minha tia, toda noite antes de irem dormir, um disco compacto com “A Carta Testamento” do “chefe” Getúlio. Era assim que ele se referia ao seu ídolo na política, “o Chefe”. Aliás, foi meu avô quem sempre me incentivou a tomar posição política quando, ainda criança, me levava até a Praça Central de Carazinho para depositar flores aos pés busto em bronze de Getúlio Vargas todo dia 24 de agosto. Este, aliás, era um ritual que ele realizava todos os anos, desde que minha mãe era criança.
A redemocratização do país aconteceu quando eu era ainda pequeno. Meu avô, mesmo aposentado da política, percebeu a oportunidade de fazer despertar naqueles ao seu redor uma consciência cidadã. E foi assim que ele me ensinou, antes mesmo de eu completar oito anos, sobre o trabalhismo de Vargas e Pasqualini e sobre a trajetória de seu bom e velho amigo e talvez mais notável expoente do trabalhismo, Leonel de Moura Brizola. O Tio Briza.
Eu nunca entendi direito como foi que se conheceram e como ficaram amigos. Tudo que sei é que meu vô Aldo e Brizola se conheciam desde os tempos de colégio e ficaram amigo ao longo dos anos. Ambos são de Carazinho e adentraram na política através do PTB. Quando do retorno de Brizola ao Brasil, após o exílio e às vesperas do fim do regime, era costume deles reunirem-se para um almoço ou janta, ou em Carazinho ou em Porto Alegre, a cada visita de Brizola ao Rio Grande do Sul. Era uma forma de cultuar a velha amizade. Mas eu sei que, no fundo, era um momento especial para meu avô reviver seu tempo na política, um tempo em que todas as suas ambições por um mundo melhor e mais decente pareciam pssíveis.
Foi nesse cenário que eu conheci a política. Na minha cabeça de criança era impossível dissociar a política da imagem do Tio Briza, como meu vô fazia eu chamar a Brizola. Lembro, até hoje, de um comício realizado em oitenta-e-alguma-coisa em Carazinho. Uma multidão se acotovelava para assistir aos intensos e envolventes discursos do Tio Briza. No palanque, líderes locais do já então PDT recebiam ao líder maior da sigla, Leonel Brizola. Abraçado ao líder trabalhista estava meu avô. E entre eles, eu, ainda criança.
Por mais que eu tente, acho jamais conseguirei me lembrar das palavras daquele discurso. Em compensação, as imagens impressas na minha mente, de mãos dadas com meu avô, a quem tanto amei, e com o Tio Briza, a quem aprendi a admirar, em frente a uma multidão que vibrava entusiaticamente apesar da manhã gelada de inverno, jamais se apagarão.
Evidente que sinto a falta dele. O vô faleceu um ano antes de Brizola, em 2003. Desde então o mundo ficou diferente. Talvez por desejar honrar a memória de meu avô, ou por um desejo de conhecer mais sobre um passado sobre o qual ele não costumava falar muito, comprei, em um impulso quando vi na livraria, a biografia de Brizola, “El Caudillo”, de F. C. Leite Filho.
O livro é leitura fundamental para quem deseja conhecer um pouco mais da história política de nosso país. A biografia trás, apesar do viés ideológico favorável às ações do líder trabalhista impresso pelo autor – o que muito me agradou, evidentemente – informações sonbre fatos políticos históricos esquecidos pelo povo brasileiro e mesmo gaúcho. A biografia é rica ao falar sobre a infância pobre de Brizola, mas é na análise dos grandes feitos realizados por Brizola na Prefeitura de Porto Alegre e nos Governos dos Estadados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro que a obra atinge seu ponto alto. É entusiasmante ler a tragetória do idealista que luta contra o ranço político estabelecido e, de forma espetacular, encampa e estatiza multinacionais de capital norte-americano (ou estadunidense, como prefere um amigo meu) ou então lança um plano de educação para a população sem igual até hoje em noso país. E, sobretudo, é impressionante os detalhes de bastidores da vida política com que o Autor reconta a Campanha da Legalidade, quando Brizola enfrentou e venceu o movimento golpista em 1961.
Da leitura do livro “El Caudillo” tive a certeza de que meu avô, Brizola e Paulo Freire estavam certos: somente a educação salvará nosso país. A biografia de Brizola transborda os pensamentos do grande líder trabalhista e demonstra a devoção com que ele seguiu seus ideais de transformar a vida de jovens a partir de uma assistência estatal que tinha por base a educação. Se formos analisar, seu legado político – e isso o livro demonstra a quem quiser ler – foi a luta para fazer da educação da população brasileira, sobretudo das classes mais baixas, uma prioridade.
Esse entendimetno, aliás, foi algo que meu avô me ensinou e da qual nunca duvidei. Afinal, ele fez questão de pagar os estudos meus e da miha irmã, para garantir, justamente, que pudessemos fazer a diferença em nosso país.
Recomendo a todos que leiam esta biografia do Brizola. E que ao lerem, lembrem-se de meu avô, que juntamente com o Tio Briza, para mim é um dos protagonistas do livro.
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