26 de agosto de 2024

Conversa entre Joões

Creio que foi no final dos anos 80. O meu amigo João Sobral Costa, um gigante de bondade que há muito se foi, disse-me: "Há dias, em conversa com o João Soares, dei conta de que vocês não se conhecem pessoalmente. Tempos de corrigir isso!" Há muito que ele me dizia que eram amigos e camaradas, na "tendência" que, no PS, se reunia em torno de João Soares.

Era de facto um pouco estranho que, sendo o João Soares e eu praticamente da mesma idade (embora eu leve um inultrapassável ano de avanço), nunca tivesse ocorrido encontrarmo-nos, na Lisboa da vida associativa universitária e dos cafés desse tempo. Verdade seja que tínhamos estado a poucos metros um do outro, com a polícia de choque por agitada companhia, no funeral de Ribeiro Santos: o João, valente, com o caixão às costas, eu, aselha na fuga, levando uma bastonada de um cívico nas minhas costa - única marca física da repressão anti-fascista de que me posso orgulhar. E, creio que também sob o mobilizador "patrocínio" do capitão Maltez, ambos tínhamos estado numa noite movimentada de 1969, à porta da Sociedade Nacional de Belas-Artes.

Na política, os nossos caminhos, se bem que sempre do mesmo lado da estrada, haviam começado por ser algo diferentes. O João andou por um heterodoxo e para mim sempre misterioso GAPS, eu passeava-me ideologicamente pelo MES, olhando então o PS e as suas declinações, como uma mera opção "reformista", demasiado burguesa para os meus gostos radicais de então. 

Foi nesse jantar em casa do João Sobral Costa, esse capitão de Abril que nos faltou à festa dos 50 anos, que conversei pela primeira vez com o João Soares. O anfitrião, contente da vida pelo encontro proporcionado, excelente cozinheiro que era, entrava e saía da sala, de avental (na ocasião, era o de cozinheiro, entenda-se), servindo de compère à cena. Lembro-me de termos falado das duas Angolas que então se combatiam, confirmando não termos a mesma visão das coisas que se passavam por lá.

Foi assim que conheci o João Soares. Desde então, com percursos políticos mais comuns, fomo-nos vendo mais amiúde, de início em Viena e em Paris, onde eu pousei e ele passou, e depois, bastante mais, já em Lisboa. Como ministro fez-me um honroso convite, que agradeci mas não pude aceitar. Entretanto, amesendamos regularmente a conversa numa tertúlia que não tem outra agenda que não seja a amizade e o gosto pela conversa bem disposta. Continuando assim a conversa que há quatro décadas começou em casa do João Sobral Costa.

Um forte abraço de parabéns pelos 75 anos, meu caro João Soares. Já passei por eles e fiquei com boas recordações.

(Texto para o livro editado nos 75 anos de João Soares)

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