Vamos fazer aqui uma pequena pausa e vamos recuar uns bons anos e recordar o que era uma viagem de comboio entre o Cais de Sodré e Cascais no finais do séc. XIX, através de um texto de um autor que desconhecemos e que obtivemos através da internet, assim como as fotos aqui inseridas, e a quem desde já agradecemos o seu valioso contributo pela excelente narrativa que também nos oferece.
Também a pena de duas escritoras, Branca de Gonta Colaço e Maria Archer, nuns textos incluídos no seu livro “Memórias da Linha de Cascais”, editado numa parceria A.M. Pereira, CMC/CMO, nos oferecem uns pequenos apontamentos, deliciosos na sua descrição. Estes textos estão em itálico para se distinguirem do texto base.
É uma viagem repousante, muito característica e durante a qual podemos reviver o que seria essa mesma viagem nesses tempos já algo distantes e compará-la, de algum modo, com aquela que quase todos nos dias de hoje já fizeram, pelo menos uma vez.
Entrem então na vossa carruagem, sentem-se nos vossos lugares e apressemo-nos, pois está na hora da partida do comboio.
Boa Viagem!!!
VIAGEM ILUSTRADA AO PASSADO
"Em cada estação havia um chefe... Ele usava além da farda do ofício, e para despacho do comboio, duas bandeirolas e duas lanternas, uma vermelha e outra verde, que muito intrigavam as crianças. Mas o seu adorno principal era uma enorme campainha de cabo, uma campainha do tamanho de um sino pequeno, que empregava com ares de comando."
Quem diariamente, com olhar distraído, faz o percurso entre Cais do Sodré e Cascais, dificilmente imaginará o pitoresco e emoção de uma viagem, neste trajecto, feita pelos nossos avós, nos finais do século XIX, inícios do século passado.
"A viagem era morosa, poeirenta, fatigante, sacudida de solavancos. Vestia-se às vezes um guarda-pó para ir a Cascais. Uma poeira grossa, encarvoada, entrava pelas janelas do comboio e metia-se sem pedir licença, nos olhos de cada um mas não alterava a alegria do passeio, nem a beleza da paisagem marítima, nem o encanto da serra de Sintra a coroar o horizonte terrestre."
A Linha, que então era apelidada de ramal, começou por ter o seu início em Pedrouços e não no Cais do Sodré, como viria a acontecer anos mais tarde.
Cais do Sodré Pedrouços Vindo do lado da Baixa Pombalina, o alfacinha tomava um dos vapores da empresa Lisbonense e rumava a Pedrouços, para aí fazer transbordo e seguir viagem em direcção a Cascais. A viagem de omnibus ou de "americano" além de morosa não era muito agradável, pois a estrada municipal que ligava Lisboa aos arredores, para além do Aterro (Santos), era poeirenta e esburacada, sendo o caneiro de Alcântara, mais um obstáculo para quem o quisesse fazer por via terrestre.
Estação dos Vapores Lisbonenses Americano no Cais do Sodré
Iniciada a viagem, de costas voltadas para a Torre de Belém e para o Mosteiro dos Jerónimos, o comboio atravessava a Ribeira de Algés e parava nesta estação, que estrategicamente se situava na confluência da estrada de Carnaxide com a estrada Real.
Estação de Algés Recta de Algés Algés era então uma pequena aldeia, dos arredores de Lisboa cujo núcleo de casario se situava na sua parte alta.
Seguia então o comboio, em linha recta para o Dafundo, que tinha apenas um apeadeiro, que se situava junto ao aquário Vasco da Gama.
Cruz Quebrada, a próxima estação, está situada na margem direita da Ribeira do Jamor, tal como hoje, junto à pequena praia de banhos.
Estação da Cruz Quebrada Gibalta
A linha segue depois junto ao sopé das colinas da Boa Viagem e da Gibalta, em terrenos conquistados ao rio. Os mais velhos quando aqui passam, ainda recordam o desabamento de terras, que em Agosto de 1958, provocou a morte a muitos passageiros que seguiam nessa altura no comboio.
Caxias, a próxima paragem, fica virada para o forte de S. Bruno. Aqui terminava a via dupla e a linha afasta-se um pouco do rio.
Estação de Caxias Estação de Paço de Arcos Dirigia-se depois a Paço d'Arcos, com a sua elegante praia de banhos. Passava por enormes pedreiras em Santo Amaro, que ainda não tinha estação, e, atravessava a Ribeira da Laje, pela maior ponte da linha, alcançando Oeiras.
Ponte de Oeiras Estação de Oeiras
Carcavelos está à vista, e por entre pinheiros e vinhas (que davam o famoso Carcavelos) a linha continua dirigindo-se à Parede, cuja praia era, e ainda é, considerada como uma bênção da natureza para quem tem problemas de ossos, atravessando-a pelo meio da povoação. Passa-se a Baforeira e a linha flecte um pouco para o interior. Atinge-se os Estoris.
Estação de Carcavelos Estação da Parede No traçado original, apenas S. João do Estoril tinha estação de comboio. Só posteriormente foram construídas, além da do Estoril propriamente dita, a de S. Pedro e a do Monte.
S. Pedro do Estoril, que ainda nos anos vinte se chamava de Cai-Água , teve a sua estação de caminho de ferro, graças aos esforços de Nunes dos Santos, proprietário dos antigos Armazéns do Chiado, que ali tinha comprado uns terrenos e que ofereceu o espaço e o dinheiro necessários para a construção de um apeadeiro, certamente tendo em conta, a valorização dos terrenos de que era proprietário.
Estação do Estoril Muralha do Monte Estoril
No troço entre os Estoris e Cascais, a linha volta a aproximar-se do Oceano, tendo também por companhia, o verde dos pinheiros do Estoril e o escarpado das terras do Monte.
Cascais, vila piscatória, com os seus palacetes é o fim da viagem e da Linha.
Estação de Cascais (interior) Estação de Cascais (exterior)
Colaboração do Bardino Vitor Martinez