O rio Danúbio no Desfiladeiro de Djerdap (perto das Portas de Ferro)
O rio Danúbio é um dos
maiores rios da Europa. Cruza-a de oeste para leste, num percurso de quase 3000
quilómetros, desde a nascente no sul da Alemanha até desaguar no Mar Negro.
Cruza vários países
europeus, constituindo uma via comercial sem par. Mas também forjou fronteiras
e participou dos jogos políticos, como um obstáculo a ultrapassar ou um trunfo
a brandir.
Um dos países que
percorre é a Sérvia. O Danúbio corta o país no seu trajeto, banhando a capital,
Belgrado, e servindo depois de fronteira com a Roménia, nas chamadas Portas de
Ferro.
O Danúbio junto à cidade de Novisad
O seu percurso é
semeado de fortalezas: Petrovaradin, Smederevo, Golubac e o próprio Kalamegdan,
que coroa Belgrado. Cada uma conta uma história diferente, de disputas e
afirmação territorial. E hoje, o que nos dizem elas? Fui visitá-las, para
tentar perceber o seu sentido histórico e o seu valor simbólico na atualidade.
Uma das entradas para a fortaleza de Petrovaradin
Petrovaradin é a
fortaleza que se situa mais a norte. Foi construída pelos Turcos Otomanos na
margem direita do Danúbio, frente à cidade de Novisad, mas são os imperadores
da Áustria-Hungria que, no século XVIII, lhe dão o seu aspeto atual.
É uma fortaleza
enorme, a que se acede por uma rua que é uma larga escadaria e, lá do alto, a
vista sobre o rio Danúbio é maravilhosa. Nas esplanadas debruçadas sobre o rio
percebe-se o nome dado a esta fortaleza: “Gibraltar sobre o Danúbio”.
Subindo para a fortaleza
Vista sobre o Danúbio da esplanada de Petrovaradin
Tal como na
Gibraltar original, o interior do rochedo em que se apoia foi utilizado para
alojamento de tropas e paiol de munições. Uma grande parte é hoje visitável.
Também se pode visitar uma exposição sobre a história da cidade e da fortaleza
mas, infelizmente, todas as legendas e explicações estão escritas em sérvio e,
geralmente, com o alfabeto cirílico, o que impossibilita a sua compreensão ao
incauto turista. Tive de expressar o meu descontentamento na saída, reclamando
umas legendazinhas em inglês... Será que já atenderam o meu pedido?
A Torre do Relógio
de Petrovaradin tem um pormenor interessante. Os ponteiros são ao contrário do
usual: o maior marca as horas e o mais pequeno marca os minutos. Assim, os
barqueiros do rio podiam mais facilmente ver as horas!
A torre do relógio de Petrovaradin
Como todos os
locais recheados de História, Petrovaradin tem as suas lendas. Conta-se que,
durante as campanhas de Napoleão, os imperadores austro-húngaros aqui
esconderam alguns tesouros. O que não é lenda é que a velha fortaleza se
modernizou: hoje situa-se ali o Centro de Artes da cidade e ali decorre,
anualmente, o festival de música Exit, o maior da Sérvia. De local de
fronteira e divisão, a fortaleza de Petrovaradin evoluiu para um local de
partilha e união. Parece uma boa evolução!...
Um troço das muralhas do Kalamegdan... com gato
Avancemos para sul,
seguindo o curso do rio. Onde o rio Danúbio recebe as águas do rio Sava, nasceu
a cidade de Belgrado e, para a proteger, ergueu-se a monumental fortaleza a que
os turcos chamaram Kalamegdan. Inclui as antigas fortificações do tempo dos
turcos e um belo parque, por onde apetece passear vagarosamente ou sentar a
apreciar a vista panorâmica sobre os dois rios que ali se unem.
A entrada para a fortaleza de Belgrado
Aqui se juntam o rio Sava e o rio Danúbio
A fortaleza foi
destruída e reconstruída muitas vezes, entre o século II e o século XX e
conhecer a sua história é compreender um pouco melhor a história e o caráter do
povo sérvio. Todos os povos que ali passaram deixaram a sua marca: Romanos,
Godos, Hunos, Ávaros, Eslavos, Turcos, Austríacos... Podemos ainda ver o poço
romano, uma pequena capela ortodoxa ou o Hamam, o edifício dos banhos turcos.
Passeando pelo parque...
O monumental Victor,
símbolo da Vitória, ergue-se muito acima das muralhas, mas é o rio Danúbio
que continua sempre a atrair o nosso olhar.
O vitorioso Victor
O rio, junto ao Kalamegdan
Continuando a
descer o rio, encontramos a grande fortaleza medieval de Smederevo. Conta a
lenda que o déspota Djurandj Branković teve
um sonho, no qual recebia a ordem de fundar uma cidade na confluência do rio
Jezava com o Danúbio. A fortaleza foi mandada construir com tanta rapidez e
trabalho forçado que muitos trabalhadores morreram de exaustão. A população
culpou a esposa do déspota, uma princesa bizantina, pelo abuso e
amaldiçoaram-na, eternizando o seu nome na fortaleza, conhecida popularmente
como “Maldita Jerina”.
Entrada na fortaleza de Smederevo
Uma das 25 torres...
Lendas à parte,
havia pressa em construir a fortaleza porque os turcos pressionavam a área e,
efetivamente, conseguiram a sua conquista em 1459. Marcou o final do reino
medieval da Sérvia.
A fortaleza de
Smederevo tem a forma de um triângulo irregular e é ainda reconhecível pelas
suas 25 imponentes torres. Infelizmente, a 2.ª Guerra Mundial causou-lhe danos
irreparáveis e os trabalhos de reconstrução continuam.
Hoje, a população
aproveita os relvados do interior da fortaleza para os seus passeios de
domingo, enquanto contempla as grandes barcaças que continuam a cruzar o rio.
O campo interior da fortaleza
As barcaças sulcam o Danúbio, junto às muralhas de Smederevo
À medida que o rio
Danúbio vai continuando o seu caminho para o mar, começa a entrar agora num dos
seus percursos mais espetaculares – as Portas de Ferro. O rio estreita-se,
entalado entre os desfiladeiros dos Cárpatos. Durante muitos quilómetros, serve
de fronteira entre a Sérvia e a Roménia. E é aí, nesse cenário dramático, que
encontramos a forteza de Golubac, a última de que vou falar.
As Portas de Ferro
A sua construção
está envolta em trevas, ignorância e lendas, mas os historiadores parecem estar
de acordo quanto ao século da sua fundação, o século XIV. Também estão de
acordo quanto às lutas que aquele lugar estratégico protagonizou, entre
austro-húngaros e turcos otomanos. O que é inquestionável é a sua importante
localização, dominando a estreita passagem do rio Danúbio por estas “Portas de
Ferro”.
Quando ali
passámos, em 2015, tinham-se iniciado há pouco os trabalhos de reconstrução da
pequena fortaleza. Todo o espaço envolvente, antes e depois do túnel que passa
por baixo da fortaleza, era um autêntico canteiro de obras. Mas ainda consegui
tirar duas ou três fotografias que me permitem comparar com a atualidade.
A fortaleza de Golubac em 2015
Os trabalhos de
recuperação foram terminados e Golubac foi aberto ao público em 2019. As suas
torres avançam para o rio, descendo do topo das rochas, para receberem os
turistas que aí chegam, nos barcos de cruzeiro que cruzam o danúbio. Está
bonito, sem dúvida! Mas, comparando as fotografias de 2015 com as atuais,
pergunto a mim própria se a reconstrução da fortaleza de Golubac não teria sido
demasiado... criativa!
Fortaleza de Golubac na atualidade (Fotografia tirada do site da Lonelyplanet)