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domingo, 7 de junho de 2020

Onde está o desporto?

"O Código de Ética Desportiva, uma oportuníssima publicação editada pela Secretaria de Estado do Desporto e Juventude procura uma síntese do que deverá entender-se por espírito desportivo: “O Espírito Desportivo encerra em si mesmo um conjunto alargado de valores e princípios, que deverão ser assimilados e vivenciados, na prática desportiva. Trata-se de um conjunto de valores que têm a função de imprimir um sentido positivo à prática desportiva e que, sem os quais, esta perde a sua finalidade primordial: contribuir para o desenvolvimento harmonioso e universal da pessoa humana. O Espírito Desportivo deve ser vivido por todos os agentes, elementos-chave no exemplo a dar aos mais jovens. Deve ser concretizado dentro e fora da competição desportiva, devendo nortear a sua prática e constituir a “espinha dorsal” da mesma. O Espírito Desportivo é pois respeitar códigos, regulamentos, honrar a palavra dada e os compromissos assumidos, recusar o recurso a quaisquer meios ou métodos, ainda que legais, no sentido de vencer ou tirar vantagem, bem assim como repudiar esses comportamentos ou atitudes, junto daqueles que prevariquem ou que influenciem terceiros nesse sentido” (p. 10). Ora, este Desporto, que pretende contribuir ao desenvolvimento harmonioso e universal da pessoa humana, ainda existe? Largas manchas das claques, ou os adeptos cegamente apaixonados, onde se incluem aqueles comentadores televisivos que nos chocam com o jorro de críticas passionais, de comentários injustos e insultuosos e de suspeitas veladas ou ostensivas – não são desportistas, com toda a certeza. E os desmandos praticados pelos bandos de energúmenos que subvertem todos os valores (recordo o Humano Demasiado Humano, de Nietzsche) – não são de desportistas também. E aqueles dirigentes, extremamente ciosos da sua autoridade e que procuram aproveitar em seu favor o que o clubismo desportivo, de grandes dimensões, tem e pode dar? Acaso podemos ver neles exemplares desportistas? E aqueles “homens de letras” que criticam com aparente lógica impecável, mas sem preparação científica para tanto, podem eles, assim, servir o Desporto, desconhecendo o paradigma que o norteia?
Há pessoas, seguras no falar, mesuradas nos gestos, criadoras de conceitos lapidares e até que se cultivam intensamente, segundo um ideal de humanidade, que ainda não descobriram que o Desporto também é ciência e consciência: para mim um sub-sistema do sistema “motricidade humana” (definindo a motricidade humana, como “o movimento intencional e solidário da transcendência”) e com um papel indispensável a desempenhar, na educação e na saúde, no lazer e no espetáculo e numa intrínseca relação com os aspetos culturais, sociais e políticos. que historicamente o encarnam. A dignidade da pessoa humana é reconhecida como uma preocupação transversal a todos os documentos que, seriamente, o investigam e estudam. Neste nosso mundo onde o “ter” vale mais do que o “ser” e onde portanto um poder económico atordoante parece ser a melhor maneira de exibir valor social (o campeão desportivo, mediaticamente endeusado, é um reflexo de tudo isto) - o jogo, um dos elementos fundamentais do Desporto, pode ensinar-nos que há vida também e saúde e felicidade, no “homo ludens”. O espetáculo desportivo, na forma de altíssima competição, praticado por superdotados e supertreinados, “reproduz e multiplica” as taras da sociedade capitalista onde o deus-lucro impera e reina. De facto, se a alta competição, no mundo todo, não amaina, como há-de deixar de germinar, na prática desportiva? O Desporto não está-aí “diante da cultura”, nem “acima ou abaixo da cultura”, nem “contra a cultura”. O Desporto encarna, em si mesmo, tudo o que é cultura, na sua diversidade e universalidade. E assim, como deixar de perguntar: tem o Desporto, atualmente, a eficácia necessária, para contribuir a uma transformação do homem, da sociedade e da história? O que constitui o radical fundante do Desporto é o jogo, no movimento da transcendência. Portanto, se bem penso, se não há jogo e transcendência, no Desporto, não há Desporto. Assim, percecionar o Desporto, como jogo, no movimento da transcendência, significa que, porque no desporto atual a dimensão competitiva chega a esmagar qualquer dimensão lúdica, pode pôr-se em dúvida que sejam Desporto muitos dos espetáculos que por aí andam mascarados de prática desportiva…
Corroboro as opiniões dos especialistas que afirmam não encontrar progresso sem alta competição. Mas, acrescento eu, alta competição suavizada, enobrecida, pela companhia de uma transcendência física, moral e espiritual, ou seja, de uma transcendência que humanize e não aliene ou manipule. Segundo a Carta Internacional da Educação Física e do Desporto da UNESCO: “O desporto de alta competição e o desporto praticado por todos devem ser protegidos de todos os desvios. As sérias ameaças que pairam sobre os valores éticos, a sua imagem e o seu prestígio, fenómenos tais como a violência, a dopagem e os excessos comerciais, deformam a sua intrínseca natureza e alteram a sua função pedagógica e sanitária. As autoridades públicas, as associações desportivas voluntárias, as organizações não-governamentais especializadas, o Movimento olímpico, os educadores, os pais, os clubes de adeptos desportivos, os treinadores, os quadros desportivos e os próprios praticantes devem esforçar-se por erradicar estes flagelos. Os media têm um papel importante a desempenhar, em conformidade com o artigo 9º, na defesa e difusão destes esforços”. Aquilo que constitui o específico da motricidade humana e, portanto, do Desporto e o que nada nem ninguém lhes poderão recusar é que eles operam sobre “o homem todo e todos os homens”. Por isso, num Desporto que humanize, há lugar para um exame escrupuloso e metódico, tanto das nossas capacidades, das nossas qualidades, como das nossas debilidades e fraquezas. Daí que seja tentado a dizer que há tantas maneiras de praticar Desporto quantas são as ideias que se têm do ser humano. “Homo sum, humani nihil a me alienum puto” (Sou homem, nada do que é humano me é alheio). Este pensamento de Menandro, imortalizado no verso de Terêncio, o Desporto pode fazer seu. Também ao verdadeiro desportista nada do que é humano lhe é alheio. O licenciado em Desporto, o doutor em Motricidade Humana estudam uma nova ciência hermenêutico-humana. Como escreve a Profª. MargarIda Miranda, da Universidade de Coimbra: “As Humanidades não nos tornam servos; tornam-nos livres. Livres para pensar na sociedade e para denunciar as iniquidades presentes nela” (Brotéria, Novembro de 2018, p. 567).
Até pelo património moral inestimável do Desporto, sempre aconselhei os alunos das minhas aulas a acompanharem os seus estudos das obras dos grandes nomes da filosofia, da literatura, das artes. “Precisamos de saberes que alimentam o espírito, que reivindicam o bem comum da humanidade, o respeito pela pessoa humana, o sentido de responsabilidade social, a solidariedade entre as gerações, a paz. Essa é a inutilidade das Humanidades: tornar possível que continuemos a preferir o bom ao útil, escreveu Nuccio Ordine” (Margarida Miranda, op. cit., p. 568). Precisamos de saber por que nasceu, em pleno seio do racionalismo, a expressão “Educação Física”; precisamos de ler a História da Filosofia, para entendermos a História da Educação Física e do Desporto; precisamos de pesquisar o que representam Maine de Biran e Maurice Merleau-Ponty, no desenvolvimento dos trabalhos que encetámos; precisamos de saber (o que leva ao pasmo alguns patetas) que na História das Ciências, de quando em vez, há ruturas epistemológicas, há mudanças de paradigma, há revoluções científicas, ou seja, que não sofre de continuísmo a história de qualquer ciência. Um treinador desportivo, um técnico de dança, um profissional de “Educação Física”, se não são especialistas numa ciência hermenêutico-humana, ou social e humana, em que grupo de ciências se fundamentam eles? Se não se sabe, ou se quer, responder a esta pergunta, pode também levantar-se a questão: é, ou não, o ser humano a razão do nosso estudo?... E, porque de um ser humano se trata, ensinamo-lo a “durar”, ou a “viver”?... Não pode perder-se o nosso elo vital com a Natureza. Aprendi-o, há muitos anos já, com o meu Mestre Pierre Teilhard de Chardin. Mas Natureza que, pela transcendência, destila Espírito. Os cursos universitários de Desporto e Dança (dois exemplos, entre mais) deverão transformar-se, o mais depressa possível, em percursos de descoberta do Homem pelo Homem. Para nos apercebermos da mentira despudorada de um certo desporto. Mesmo aquele que se tenta objetivar com rigor. É que um homem (ou mulher) objetivado tão-só, corre o risco de nunca ser conhecido. Mais uma pergunta, para terminar: onde está o Desporto?"

NBA e ACB: transmissões televisivas a tábua de salvação

"As duas mais importantes ligas profissionais de basquetebol à escala mundial, a norte americana “National Basketball Association” (NBA) e a espanhola “Associación de Clubs de Baloncesto” (ACB) são as únicas sobreviventes, em termos de conclusão dos respectivos campeonatos que, face à actual situação de pandemia, ainda procuram salvar a época desportiva e encaixar os milhões de dólares e de euros provenientes dos contratos televisivos.
A actual situação do basquetebol é problemática atendendo a que as competições, para além de serem realizadas em recintos fechados não é permitido assistência aos jogos. A maioria dos clubes das ligas nacionais sem receitas de bilheteira e sem patrocinadores que lhes garantam uma cobertura regular pelos canais de televisão estão a lutar pela sobrevivência. Face a este panorama desanimador, praticamente todas as competições nacionais nas 5 regiões continentais foram suspensas até melhores dias. Devido ao prestígio angariado ao longo de muitos anos, a NBA e a ACB possuem mercado televisivo que lhes permite concluir a actual época tendo, no entanto, que introduzir algumas inovações nas fases finais das provas.
A NBA, quando confrontada com o aparecimento do primeiro caso de um jogador infectado com o vírus (12 de Março) decidiu, de imediato, suspender a fase regular da competição. Contudo, o comissário Adam Silver, sabia perfeitamente que após ter perdido 500 milhões de dólares, no início da época, com a proibição das transmissões televisivas na China, não podia correr qualquer risco com as transmissões internas e a nível internacional. Assim, desde então, tem vindo a trabalhar afincadamente com os patrões das equipas, “NBA Board of Governors” e com a “National Basketball Players Association”(NBPA), no sentido de se retomar a época desportiva no tempo certo e da melhor forma possível.
Entretanto, assumiu um acordo com a empresa Walt Disney para a utilização do Walt Disney World Resort situado relativamente perto da cidade de Orlando, estado da Florida. As equipas ficarão alojadas nestas instalações, assim como toda a gestão da actividade desportiva (treinos e jogos) até final da época desportiva, na qual estão incluídos os encontros dos playoffs.
A grande novidade tem a ver com a participação de apenas 22 equipas nos jogos em falta da fase regular, ou seja, as 4 que já estão apuradas para os playoffs (Milwaukee Bucks, Toronto Raptors, Boston Celtics e Los Angeles Lakers), as 9 equipas que estão à beira do apuramento (LA Clippers, Denver Nuggets, Utah Jazz, Oklahoma City, Houston Rockets, Dallas Mavericks, Miami Heat, Indiana Pacers e Philadelphia 76ers), as 3 formações que ainda têm uma boa oportunidade (Brooklin Nets, Orlando Magic e Memphis Grizzlies) e, mais meia dúzia, que ainda podem ser apuradas embora não se encontrem em boa posição para que tal aconteça (Portland Trail Blazers, Washington Wizzards, New Orleans Pelicans, Sacramento Kings, San Antonio Spurs e Phoenix Suns). 
Igualmente confrontada com a pandemia a ACB, por imposição das autoridades, também foi obrigada a suspender o campeonato quando já estavam disputadas 23 das 34 jornadas da fase regular (8 de Março) e a classificação era a seguinte: 1º Barcelona (19 vitórias e 4 derrotas), 2º Real Madrid (18-5), 3º Casademont Saragoça (16-7), 4º Iberostar Tenerife (14-8), 5º Bilbau Basket (14-9), 6º MoraBanc Andorra (13-10), 7º Valencia Basket (12-11), 8º Kirolbet Baskonia (12-11), 9º Unicaja Malaga (12-11), 10º San Pablo Burgos (12-11), 11º Gran Canaria (11-11), 12º Juventut Badalona (9-14) 13º Baxi Manresa (9-14), 14º Monbus Obradoiro (9-14), 15º Real Betis (8-15), 16º UCAM Murcia (7-15), 17º Montakit Fuenlabrada (5-17) e 18º Movistar Estudiantes (5-18).
Após diversas reuniões de trabalho entre a ACB, os clubes e as autoridades desportivas e sanitárias espanholas, ficou decidido que a fase final (sistema excepcional esta época) da Liga Endesa será disputada na cidade de Valencia, entre 17 e 30 de Junho, com a participação dos 12 primeiros classificados no momento em que a prova foi interrompida. Assim, as 12 equipas foram distribuídas, em dois grupos de seis, em função da sua classificação aquando da interrupção, seguindo o critério utilizado no sistema de playoffs:
GRUPO A – Barcelona, Iberostar Tenerife, Bilbau Basket, Kirolbet Baskonia, Unicaja Malaga e Juventut Badalona.
GRUPO B – Real Madrid, Casademont Saragoça, MoraBanc Andorra, Valencia Basket, San Pablo Burgos e Gran Canaria.
Todas as equipas realizarão 5 encontros (17 a 26 Junho) com as do mesmo grupo, ficando apuradas para as meias finais (28 Junho) as duas primeiras de cada grupo. A final será disputada (30 Junho) entre os vencedores dos jogos das meias finais. Ao vencedor será atribuído o título de campeão nacional.
Não quero crer que esta situação, que esta época pode ser a solução expedita para um problema imprevisto, se possa manter no futuro. O Covid-19 veio levantar problemas que nunca tinham sido verdadeira e concretamente equacionados uma vez que ninguém podia sequer imaginar que, alguma vez, tal situação pudesse acontecer. Entretanto, o futuro é uma incógnita. O basquetebol, tal como as demais modalidades de pavilhão, está nas mãos do destino."

Benfiquismo (MDXLVII)

Golo...

“Lembro-me de conversas com o Roger no Benfica e de o insultar na cara. Por causa da qualidade imensa e da pouca vontade que tinha”

"Aos 39 anos, Tiago Mendes mantém o riso fácil de menino, mas a experiência suficiente para saber que no futebol nada está garantido. O treinador adjunto das selecções sub-16 e sub-20 fala-nos do seu percurso ambicioso, que desde o início tinha o estrangeiro como prioridade, onde contava conquistar o título que sempre lhe fugiu, a Liga dos Campeões. Tiago conta pormenores da passagem pelo Benfica, o Chelsea de Mourinho, o Lyon e revela os piores momentos vividos na Juventus. Recorda as alegrias no Atlético de Madrid e aborda as várias idas e saídas da selecção, antes de revelar que não esperava ver tanto lixo à volta do futebol quando regressou a Portugal, há pouco mais de um ano 

O que faziam os seus pais quando nasceu? Tem irmãos? Onde cresceu?
Tenho um irmão mais novo quatro anos e meio. A minha mãe era educadora de infância e o meu pai trabalhava numa empresa de distribuição de bebidas. Cresci no bairro “Capitães de Abril” em Viana do Castelo. Havia muitos miúdos no bairro e íamos todos para a rua, havia um ringue de futebol e era o dia inteiro lá a jogar futebol.

Era uma criança calma ou irrequieta?
Era irrequieto. Era um Tom Sawyer [risos]. A minha tia chamava-me Tom Sawyer. Era só aventuras. Por exemplo, fruta não comia em casa, mas fora de casa tinha de ir roubar fruta [risos]. Entrava nas obras das casas todas, andava a investigar tudo. Uma infância muito feliz.

Havia alguém na família ligado ao futebol?
Sim, o Rui Casaca, que foi capitão do Boavista e agora é director desportivo do SC Braga, é primo do meu pai. Como eu tinha um bocado de jeito para o futebol tinha muitos colegas que me chamavam Casaca.

Quem eram os seus ídolos?
Nunca fui de ídolos. Não me lembro de ter posters no quarto nem de gostar muito de ver futebol na televisão. Havia jogadores de quem gostava, mas já mais velho, como o Zidane, mas no início não tinha ídolos.

Quando era miúdo torcia por que clube?
Pelo FC Porto. A minha mãe é do Benfica, o meu pai e irmão são do FC Porto.

Como é que começa a jogar no Vianense?
Era o clube da terra, era a única opção mais perto, era o clube da cidade. Vou com o meu pai, era ele que me levava aos treinos. Fui com 10 anos, se não me engano, mas encontravam-nos praticamente só ao fim de semana.

Da escola, gostava?
Era um aluno médio. Eu gostava de ir à escola para estar com os meus colegas, para jogar futebol no intervalo, agora estudar, estudar, não era um apaixonado.

Faz a formação no Vianense, mas com uma passagem pelo Âncora Praia.
Sim. Chego a uma idade, se não me engano nos iniciados, em que só havia uma equipa e juntavam-se iniciados de 1º e 2º ano. Naquela altura havia tantas, tantas crianças, que o treinador sentiu necessidade de começar a fazer convocatórias para os treinos e há uma convocatória para a qual não sou chamado. Eu ainda era de 1º ano. Cheguei a casa e disse ao meu pai que não queria ir mais para o Vianense jogar futebol. Fiquei chateado [risos]. E nesse ano decidi jogar andebol.

Andebol?
É verdade. Decido jogar andebol, como guarda-redes. Tinha muitos colegas que jogavam, o clube chamava-se “Capitães de Abril”, era do meu bairro, e decido ir. Adorei. Fico um ano sem jogar futebol, só a jogar andebol.

Mas o bichinho do futebol foi maior.
Foi, porque um ano depois o meu tio que está a treinar os juniores do Âncora Praia convida-me para ir treinar com ele. Continuo a jogar andebol, sou federado de andebol, mas comecei uma ou duas vezes por semana a ir treinar futebol. E foi aí realmente que dei o grande salto. Recomecei com 14 anos e aos 15 deixei o andebol e fui definitivamente para o Âncora jogar futebol. Como jogava com miúdos de 18 anos dou um grande salto. A dificuldade ajudou-me porque, com 15 anos, ter de jogar o nacional de juniores, contra Braga, Guimarães, Chaves, etc, fez-me crescer.

Dá nas vistas e o SC Braga vai buscá-lo, é isso?
Sim. Eles pedem-me para ir lá treinar na Páscoa, uma semana. Gostaram e no ano seguinte fui para o SC Braga. Tinha 16 anos. Tinha a sorte de ter uma tia em Braga e fiquei em casa dela.

Custou-lhe sair de casa dos pais?
Claro. Custou muito deixar o meu irmão mais novo, a namorada, os amigos...

Começou a namorar com quantos anos?
Com 15 anos.

Com a sua actual mulher.
Sim. Conheci a Bárbara na escola e... até hoje [risos].

Estava a dizer que foi complicado deixar a família...
Sim, Braga é aqui ao lado, mas na altura não era assim tão ao lado. Escola nova, amigos novos. Foi uma realidade completamente diferente. Ao fim de semana depois dos jogos vinha sempre para Viana, os meus pais nisso eram incansáveis. Iam ver os meus jogos, traziam-me para Viana e no domingo à noite voltava para Braga.

Mas a nível de condições de clube sentiu diferenças para melhor.
Não tem nada a ver. Braga foi um melhoramento em termos de condições incríveis. Não senti tanta diferença a nível futebolístico, porque estava habituado a jogar com jogadores de 18 anos e quando fui para Braga fui jogar com jogadores da minha idade, 16, então para mim foi fácil sobressair. 

Entretanto passa para equipa B.
Quase não passo na equipa B. Faço um ano de juvenis, faço um ano de juniores e quando vou começar o segundo ano de juniores, lembro-me de estar no balneário para a apresentação dos juniores e vão-me buscar ao balneário, uma surpresa imensa, chamam por mim e dizem que vou integrar o plantel principal. Tinha 18 anos. Esse dia também era o dia de apresentação da equipa sénior.

Foi Manuel Cajuda quem o chamou. Lembra-se do jogo de estreia?
Foi contra o Alverca. Foi óptimo. Joguei logo a titular. Foi o concretizar de um sonho, mas ao mesmo tempo parecia que estava tudo a acontecer naturalmente. Olhando para trás, vejo a dificuldade que é um miúdo com 18 anos ser titular no primeiro jogo do campeonato. É incrível.

Ainda frequentava a escola nessa altura?
Larguei a escola quando assinei contrato profissional. O SC Braga ainda me matriculou para estudar à noite, mas já não fui capaz. Não acabei o 12º ano.

Quando começou a ganhar dinheiro com o futebol?
Quando fui para Braga, com 16 anos, o clube já me dava uma ajuda. Eram 200€.

Houve alguma coisa que quisesse muito comprar com esse primeiro dinheiro?
Lembro-me de ir lanchar muitas vezes com a minha namorada. Poder lanchar e dar uma pequena prenda era incrível.

E com o primeiro ordenado de sénior?
O que fiz logo foi juntar dinheiro para comprar uma casa.

Recorda-se de alguma história caricata que tenha vivido com o Manuel Cajuda e que possa contar? 
Quando ele se chateava muito connosco... Se estávamos a fazer treino de conjunto, ele ficava numa ânsia tão grande connosco que nos mandava subir as escadas de pedra do estádio 1º de maio. Tudo de pitão de alumínio, a subir as escadas de pedra, sobe e desce, sobe e desce [risos].

Já tinha empresário?
Sim, acho que foi na altura do Braga que, já não sei como, conheço o José Veiga. Não sei se foi através do Alexandre Pinto da Costa, que na altura trabalhava com o Veiga… Mas na altura era o Veiga o meu empresário.

Enquanto esteve em Braga ficou sempre a viver em casa da sua tia?
Não, quando assinei contrato profissional o Braga deu-me um apartamento. Fiquei lá sozinho, até ao último ano em que a Bárbara, então ainda minha namorada, entra na Universidade do Minho para estudar psicologia. Aí, ela vai viver comigo. Foi na última temporada, ficamos a viver juntos só seis meses, porque em Janeiro fui para o Benfica.

E saídas à noite, quando começam?
Na verdade eu era muito tranquilo, nunca foi uma coisa que me apaixonasse. Uma ou outra vez saí, sem dúvida, mas ficava em casa muito bem.

Conte-nos como foi a ida para o Benfica.
Na altura começam alguns empresários a ligar para mim, a falar-me de clubes, e liguei ao José Veiga. "Estão a ligar-me, não vou dizer quem, mas estão a falar-me de clubes". Passado uma semana o José Veiga arranja aquele negócio em que vou eu, o Ricardo Rocha e o Armando Sá para o Benfica. Eu e o Armando em dezembro e o Ricardo Rocha no final da época.

Quando lhe fala no Benfica, como reagiu?
Foi uma felicidade imensa. Estava cheio de vontade de ir. O Benfica naquela altura estava a passar por momentos complicados, mas era o Benfica.

E a namorada como reagiu?
[risos] Foi giro porque, como disse, ela tinha escolhido ir viver para Braga para estarmos juntos e de repente vou para Lisboa. Claro que ela ficou feliz por mim, mas ela, como não liga nada a futebol, queria era estar perto de mim, mais do que saber que eu ia para o Benfica. Continuou na universidade, ia visitar-me de vez em quando a Lisboa.

Como foi a adaptação a Lisboa?
É uma mudança grande. Foi complicado. Eu lembro-me das primeira semanas no Benfica em que pensava: "O que é que eu estou aqui a fazer?"

Porquê?
Porque o ambiente no balneário era complicado. Os resultados não ajudavam, havia muita divisão no balneário e eram momentos complicados. No Braga era tudo uma família, havia grande união nos jogadores.

Recorda-se da primeira vez que entrou no balneário da Luz?
Por acaso lembro-me. Fui buscar o cesto, tinha a sorte de conhecer alguns jogadores dos sub-21, o Simão, o Moreira, o Miguel, o Caneira. Lembro-me de entrar, ir para o meu sítio, começar a equipar-me e falar com os colegas que já conhecia.

Quando é chamado pela primeira vez à selecção?
Fui para os sub-18, quando estava no Braga. Fui chamado pelo Agostinho Oliveira e muitos anos depois foi também ele o primeiro a chamar-me à selecção A.

Voltando ao balneário do Benfica, houve algum jogador que o tenha surpreendido mais?
Já não me lembro se foi nessa altura ou no ano seguinte, um jogador que me surpreendeu muito foi o Roger, o brasileiro. Ele tinha uma qualidade incrível só que... Lembro-me de ter várias conversas com ele e de o insultar na cara dele [risos].

Porquê?
Por causa da qualidade imensa e da pouca vontade que tinha em jogar à bola, em ser importante, em querer de verdade conquistar o Benfica, conquistar títulos, ser o melhor jogador do campeonato. Ele tinha condições para isso, mas a vontade não era muita.

Quando chega ao Benfica é Jesualdo Ferreira quem está ao comando. Muito diferente de Manuel Cajuda?
Muito. Mais sério, mais distante, mas também com uma qualidade incrível. Pediu-me mais coisas. Nas primeiras conversas que teve comigo disse-me que o Benfica não era o SC Braga, que eu não podia ser só o jogador que recupera e passa, que tinha de jogar de área a área, que tinha de marcar golos, de fazer assistências. Foi um treinador que puxou muito por mim e que fez evoluir muito o meu jogo.

Nessa primeira época de Benfica não conquista nenhum título. Que marca é que ficou dessa época? 
Há uma grande conquista para mim, que é chegar ao Benfica numa quarta-feira e no sábado ser titular. Isso para mim foi uma conquista incrível. Fui sempre titular. Sempre que estive disponível fui titular.

Nunca se deslumbrou por ficar debaixo das luzes da ribalta tão cedo?
Sinceramente não, porque eu sempre tive o objectivo de ir para o estrangeiro. Eu hoje posso dizer: sempre tive o objectivo de chegar mais longe, para mim chegar ao Benfica não era o fim. Isso nunca me subiu à cabeça, porque na minha cabeça estava mais, mais, mais, mais e mais.

Esse fascínio pelo estrangeiro, nessa altura, era pelo o quê em concreto?
Não sei porquê, mas acho que era porque os jogos que eu mais via na televisão eram finais da Liga dos Campeões, eram jogos internacionais, e sempre tive o sonho de jogar e ganhar uma Liga dos Campeões. Sempre achei que no estrangeiro é que iria ter mais oportunidades de conseguir isso.

Na segunda época de Benfica vem Camacho. Foi um choque muito grande?
Foi uma grande mudança. O balneário estava muito partido e não era só o balneário, o próprio Benfica, nós não tínhamos condições de trabalho, andávamos a treinar onde desse. Íamos para o campo do Real Massamá, para o Estádio Nacional, era onde calhava, e realmente o Camacho foi o que o Benfica necessitava naquela altura.

Como assim?
Porque era um líder, ia contra tudo e contra todos. Lembro-me de ele levar o barco como ninguém. Era um líder de que mesmo o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, precisava. Tenho a certeza de que foi uma ajuda muito grande até para o presidente, porque o Camacho já estava habituado a equipas grandes, já tinha treinado o Real Madrid, tinha sido um grande jogador no Real Madrid, estava habituado a ambientes difíceis. Foi o líder de que todos precisávamos naquele momento. Nos dois anos e meio em que estive no Benfica tínhamos do outro lado um FC Porto muito forte, que ganhou a UEFA no primeiro ano e no segundo a Liga dos Campeões, foram dois anos de Mourinho. Um FC Porto super forte. Conseguimos ganhar uma Taça de Portugal, mas não o campeonato. Mas lembrando as dificuldades que tivemos, sem campo para treinar, a jogar no Jamor, tenho a certeza que os benfiquistas sentem que essa equipa foi uma equipa que pôs o Benfica outra vez no caminho do sucesso. Acho que começou aí, sinceramente.

Quando vai para a última época de Benfica ainda estava a viver sozinho?
Nós casamos em 2002 e ela vem viver comigo. Mas mesmo assim continua a estudar.

Chegou a terminar o curso de psicologia?
Não. Tem sido uma dificuldade tremenda, porque depois vou para Londres e, aí sim, digo-lhe: "Não dá para andares dois três dias em Braga como até aqui, tens de vir comigo". E ela ficou no 3º ano. 

Antes de Londres, estava em campo quando Miklós Fehér faleceu. Nas imagens da televisão vê-se que o Tiago percebeu logo que era grave.
Sim. Foi o momento mais difícil da minha vida. Percebi logo que tinha morrido. Quando o vi, vi-o completamente sem vida. Não sei explicar, mas foi... nunca tinha visto ninguém morto, mas a sensação que tive foi que ele já não respondia a nada, que estava completamente do outro lado. E foi muito, muito difícil.

Abalou todo o grupo.
Sim. O ano inteiro ter ali o cacifo dele e sentir a falta. O cacifo dele não foi tirado, a camisola dele continuava ali. No nosso dia-a-dia havia ali o sítio dele e sempre que entrávamos no balneário faltava qualquer coisa.

A sua saída do Benfica não foi pacífica.
Foi complicada, sim. No ano anterior fiz um campeonato em que marquei alguns golos e nessa altura apareceu o Barcelona interessado e eu com vontade de ir.

Quem o impediu?
O Camacho disse que não, nem pensar, que teria de ficar para o ano seguinte. E o presidente do Benfica disse a mesma coisa. Disseram que não era altura de eu sair, teria de ficar. Assim foi. Prometeram aumentar-me o salário como um jogador importante que eu era. E aceitei, porque estava bem, não estava mal no Benfica, e se realmente me iam valorizar... fiquei contente. Mas esse aumento de salário, no ano inteiro, nunca chegou. No ano seguinte apareceu a oportunidade de sair para o Chelsea e fiz tudo para sair.

Antes de continuarmos com o Chelsea: essa oportunidade surgiu depois do Euro 2004, para o qual foi convocado mas não jogou.
Exacto. Estive, felizmente, no grupo, mas não tenho nem um minuto no Europeu. Adoraria ter jogado, mas ter vivido aquilo foi muito especial.

Como foi a chegada à selecção A? Houve algum jogador com quem tivesse criado maior empatia?
Por acaso houve, o Ricardo Carvalho, que na altura era do FC Porto mas que ficou um amigo para a vida. Até porque depois fomos para o Chelsea e criámos uma grande relação. Muitos dos jogadores já conhecia. O Paulo Ferreira, por exemplo, já o conhecia e dava-me muito bem com ele.

O Chelsea surge quando propriamente?
No Euro 2004. Lembro-me de receber a chamada ainda estávamos na concentração de Alcochete.

E não hesitou.
Não. Era o momento de sair.

Tinha contrato com o Benfica por quanto tempo?
Por mais dois anos, se não me engano. Eu assinei quatro ou cinco anos e meio. Mas aí está o porquê de ter sido complicada a minha saída, porque eu forcei realmente a saída.

Como?
Falei com o presidente, com o treinador, e disse-lhes que aquele era o momento, que houve coisas que não foram cumpridas no ano anterior e que agora tinham de me deixar sair.

Mas não disseram logo que sim.
Não. Foi complicado, não é fácil para os clubes. Para o Benfica é perder um jogador que é titular. É troca por dinheiro, mas tinham que ir buscar outro que tivesse o mesmo rendimento e que ganhasse tão pouco como eu ganhava [risos]. O que não era fácil. Eu creio que o que fez com que eu saísse foi o facto de, naquela altura, o José Veiga ir entrar no Benfica, e tive problemas com ele quando optei por assinar com o Jorge Mendes.

Porque trocou Veiga por Jorge Mendes?
Depois de ter ido para o Benfica não fiquei feliz com a forma como o Veiga tratou das coisas. Teve a ver com a minha assinatura do contrato. Na altura de assinar o contrato houve coisas de que não gostei e decidi deixar José Veiga. Nessa altura há alguns problemas. Quando um jogador deixa um empresário, o empresário acha que tem o direito de ter o jogador e acho que até foi para tribunal, eu pelo menos recebi uma carta. Mas aquilo não deu em nada. No final desse campeonato o José Veiga entra no Benfica como director. Era mais uma razão para eu ir embora. Uma pessoa que me tinha posto um processo em tribunal, que me tinha criado problemas depois de eu o ter deixado... Não queria ter de lidar com ela no dia-a-dia. Foi mais uma razão para sair do Benfica.

Vai para Inglaterra. Foi difícil adaptar-se?
Foi complicado. Mais pela minha mulher. Porque ela já estava grávida da nossa primeira filha. Ela tem 22 anos e é uma mudança complicada para Londres. Para mim não tanto, porque nós, jogadores, vamos para o treino, almoçamos no centro de estágio, se quisermos, e depois voltamos para casa. Mas em Inglaterra às três da tarde, no inverno, já é noite. Uma pessoa chega a casa, olha lá para fora é noite, está a chover e vamos onde? Para as nossas mulheres é complicado. Sentem-se sozinhas. Não há muito a fazer porque a cidade é gigante e não conhecemos nada. Éramos muito novinhos quando saímos do país. A sorte é que foram mais portugueses: Ricardo Carvalho, Paulo Ferreira, estava o André Villas-Boas.

A nível de clube e de futebol notou muita diferença?
Sem dúvida. Ainda apanhei seis meses do velho centro de estágio do Chelsea e depois o novo. Mas, mesmo assim, uma diferença muito grande para o Benfica. Para melhor, claro, em termos de condições. Tínhamos muitos, muitos campos para treinar, o oposto do que tinha o Benfica na altura. 

O futebol era o que estava à espera, foi mais duro?
Adorei o futebol inglês. Um futebol mais rápido, mais físico, onde não havia tantas paragens, tantas faltas, adorei, adorei, adorei.

E o José Mourinho, também gostou dele?
Naquele momento estava à frente de todos os outros. Era uma sensação entrar num jogo e ter consciência de que íamos ganhar, que ia tudo correr bem, que conhecíamos o adversário... e eu que não via muitos jogos em Inglaterra, quando entrava num jogo, o trabalho do Mourinho e do André Villas Boas era tão bom, que eu tinha a sensação que conhecia tão bem o jogador que ia defrontar que isso me dava muita confiança.

Estava dizer que ele estava muito à frente. Esse muito à frente tem mais a ver com a metodologia de treino ou com a relação que ele cria com os jogadores?
De treino não sei, porque naquela idade eu não tinha noção de que aquela metodologia fosse tão diferente das outras. Sinceramente, não tinha. Mas a verdade é que nos treinos era tudo tão planificado, tão direitinho. Uma hora e dez de treino. Acabava o treino e nós íamos ver e era mesmo uma hora e dez. Passávamos de um exercício para outro com tudo tão bem montado, tão bem planificado. Mas quando eu digo que ele estava à frente dos outros era porque o que ele dizia acontecia mesmo no jogo. Parecia que ele já tinha visto o jogo e que depois as coisas aconteciam, é nesse ponto.

Como é que era no relacionamento humano, no balneário, é uma pessoa próxima dos jogadores? 
Naquela altura era. Ele tinha o balneário completamente do lado dele, tanto os jogadores que jogavam como os que não jogavam. Havia sempre um ou outro menos satisfeito, mas na grande maioria éramos todos dedicados 100% ao treinador e isso é fantástico.

E mal chega é campeão.
Foi um ano incrível, o Chelsea 50 anos depois volta a ser campeão. E aí está o mérito do Mourinho, que leva, se não me engano, dez jogadores novos, o que não é fácil para nenhum treinador. Mas mesmo assim ele consegue montar uma equipa e um grupo de homens fantásticos e conseguimos ser campeões logo no primeiro ano. Ser campeões e ganhar a Taça da Liga.

Em casa como é que estavam as coisas?
Entretanto nasce a sua filha... Sim, ela nasce em Março, mas a minha mulher teve a Beatriz em Portugal.

Então não assistiu ao parto.
Assisti. Tive dois dias livres e fui assistir ao parto.

Aguentou-se até ao fim?
[risos] Aguentei, aguentei. Essas coisas não me custam, apanhei muitas vezes pontos quando era pequeno e sangrei muitas vezes quando era pequeno [risos], não me faz impressão ver sangue. 

Custou-lhe depois deixá-las cá?
Ah, isso custou, custou muito.

Na época seguinte não fica no Chelsea. Como é que se precipita a saída do clube?
Eu faço a pré-época inteira, ainda jogámos a Supertaça, que ganhámos, mas o Chelsea está a tentar contratar o Essien e consegue contratá-lo ao Lyon. Eu ainda treino com o Essien no Chelsea, mas tinha o Gérard Houllier, que era o treinador do Lyon, a ligar-me a toda a hora. Que me queria e que eu ia ser um jogador importante, que iria jogar sempre, que era uma coisa que no Chelsea não acontecia. Ainda por cima com a entrada do Essien, um jogador que naquela altura custou muitos milhões, eu imaginava Lampard, Essien e Makélélé, ali não havia muito em que mexer [risos]. Obviamente que eu iria ter os meus minutos, pelo jogador importante que tinha sido no ano anterior, mas iria ser muito difícil ser titular indiscutível naquela equipa. E surge a opção do Lyon, tetracampeão francês, uma equipa que joga a Liga dos Campeões, onde posso ser titular, onde o treinador quer-me tanto que me ligava a toda a hora, todos os dias... Tomo a decisão de ir.

Qual foi a reacção do Mourinho?
O Mourinho não queria. Ele sabe tudo o que está a acontecer, porque o Jorge era empresário dele também, então ele está de certeza a par de tudo e chega a uma altura em que me chama e diz que vou ser um jogador importante, que seria a primeira opção para qualquer uma das três posições no meio-campo, tanto do Makélélé, como do Essien, como do Lampard, para eu não ir. Eu disse que ia pensar, mas naquela altura já tinha a decisão tomada.

O que o fez aceitar ir para França? Era aquela vontade de continuar a experimentar outros campeonatos?
Era o sentir-me importante [risos]. É a vontade que um jogador tem de se sentir importante, de jogar. Naquela idade eu queria era jogar, um jogador acha sempre que merece mais do que aquilo que tem e também não posso deixar de dizer que o Lyon me pagava mais dinheiro do que o Chelsea. Eu achava que era tudo perfeito e portanto decidi ir.

Como foi a mudança para França, a sua mulher e a sua filha foram consigo logo de início?
Sim, fomos todos. Lembro-me que fui em Setembro, como disse, já tínhamos ganho a Supertaça em Inglaterra, a Community Shield, e quando cheguei a França, se não me engano, o campeonato até já tinha começado. Chego e há logo um jogo no final da semana, contra o Mónaco, sou titular e depois temos logo a seguir a Liga dos Campeões, contra o Real Madrid, em que sou titular também. Naquela altura, cheguei eu e o Fred, o avançado. Foi chegar e jogar. A sorte que tive no Lyon foi que a equipa já estava tão preparada para receber jogadores estrangeiros, nomeadamente brasileiros, que tinha uma pessoa que tratava de tudo. Então a Isabel, é assim que a senhora se chama, foi uma grande ajuda para nós. Ajudou a procurar casa, ajudou a mobilar a casa, pegava na minha mulher e fazia tudo com ela, por isso foi sem dúvida uma grande ajuda.

E a língua francesa, desenrascava-se?
Ui, o francês, nada [risos]. Só que, lá está, havia a Isabel, que era tradutora, e havia muitos brasileiros na equipa, muitos mesmo, então foi super fácil, até os jornalistas que lidavam connosco estavam habituados a ter uma tradutora, e então não houve aquela necessidade imediata de aprender francês.

O Houllier muito diferente do Mourinho?
Sim. Mais calmo, mais como um pai. Com o Mourinho era mais exigência diária. Ali era mais um pai. Naquela altura o Lyon já era tetracampeão e o Houllier entra nesse ano também. Ou seja, a equipa estava feita, a liderança dele passou muito por saber gerir egos e ele nisso foi fantástico.

É campeão nos dois anos em que lá esteve.
Sim, continuamos a ser campeões.

Foi mais intenso ser campeão em Inglaterra do que no Lyon?
Foi, foi mais intenso porque, lá está, o Chelsea não era campeão há 50 anos. Para os adeptos do Chelsea foi impressionante, foi viver uma coisa que muitos deles nunca tinham vivido [riso]. Foi de uma intensidade incrível.

O futebol francês é muito diferente do inglês?
Sim, um bocado diferente. Também físico mas mais parecido com o nosso. Onde também muitas vezes o jogo se partia, mas em que a nossa equipa era muito superior às outras que havia e como sabíamos que éramos superiores em todos os jogos não havia tanta concentração, tanta obrigação de ganhar, porque nós sabíamos que íamos ganhar. Era entrar nos jogos e desfrutar, foram dois anos a desfrutar. A desfrutar do futebol, a desfrutar do jogo, porque ganhávamos quase sempre.

Entretanto há o Mundial 2006. O que mais o marcou nesse Mundial?
Tantas coisas... Foi fantástico, adorei. Vou contar uma história, acho que nunca falei disto. Se bem me lembro foi dos momentos em que, agora que me recordo, fiquei mais nervoso.

Então?
Umas três semanas antes, estávamos na preparação para o Mundial, e aquilo na minha cabeça estava tudo muito fácil, quem ia jogar no meio-campo ia ser o Maniche, o Deco e o Costinha. Pelos treinos não me parecia que nada fosse mudar aquilo. E no primeiro jogo do Mundial, estou muito tranquilo na palestra, a ouvir o Scolari, que começa a dar a equipa, e de repente ele diz o meu nome [risos]. E eu que estava ali meio distraído, de repente ouço Tiago e lembro-me do meu coração ter começado a bater tão forte, tão forte [risos]... Eu não me tinha preparado psicologicamente para jogar aquele jogo. Não estava preparado para ouvir o meu nome. Pensei mesmo que não ia ser titular. A partir do momento em que ele diz o meu nome foi um nervosismo incrível até assimilar que ia jogar a titular no primeiro jogo do Mundial [risos].

Aquele jogo contra Inglaterra, que foi memorável, como é que foi vivido por dentro? Foi uma loucura, não?
Sim, foi. Quando se joga pela selecção um Europeu ou Mundial há uma intensidade emocional muito grande. São jogos em que sabemos que, ou ganhamos ou vamos para casa, então são vividos muito intensamente. No Euro 2004 eliminámos a Inglaterra em penáltis, neste caso acontece a mesma coisa, vamos a penáltis e quando chegamos aos penáltis, nós temos a noção de que já estamos a ganhar 1-0 [risos]. Porque os ingleses ficam frustrados por irem a penáltis connosco e nós sentimos “OK, em penáltis nós ganhamos”. Foi um bocado esse sentimento.

E o Scolari?
O Scolari era muito especial. Ele agarrava naquele grupo dele e ia com o grupo até ao fim. E poder estar naquele grupo foi fantástico.

Como é que vai parar a Itália e à Juventus?
Na altura aparece o interesse da Juventus e de outro clube italiano, acho que era o AC Milan. A Juventus chega a acordo com o Lyon e eu tomo a decisão de ir para a Juventus. Na altura era um momento complicado para a Juventus, porque eles tinham descido de divisão por causa daquele problema com o Moggi e aquele era o primeiro ano em que eles tinham subido. A Juventus quer reforçar-se e contrata-me. Mais uma nova experiência, mais um desafio.
A família foi consigo?
Sempre, sempre. Já tinha nascido o Francisco, em maio de 2007, também em Portugal.

Como é que foi a experiência italiana?
Em Itália foi difícil. Estava habituado a um tipo de futebol e chego a Itália e o futebol é completamente oposto.

Explique-nos lá isso.
Vou tentar explicar. Nos clubes onde estive, a bola sempre passou pelo meio-campo, a bola passava sempre pelos meus pés, e quando chego a Itália não me consigo encontrar. É um jogo muito mais directo, o Ranieri gostava mais de transição, senti-me perdido. É um sistema de jogo a que eu não estava habituado, tinha jogado a minha vida toda em 4-3-3 e ali estava a jogar em 4-4-2. Sentia que ia atrás para buscar a bola aos centrais, os centrais batiam na frente e eu aproximava-me para ganhar a segunda bola e quando lá chegava, a bola já não estava lá. Sentia-me perdido e sinceramente não era um futebol que estivesse preparado para jogar. Então comecei a meter na cabeça que tinha de ir embora dali.

Logo no primeiro ano?
Logo nos primeiros meses [risos].

Mas ainda lá esteve duas épocas e meia.
É verdade.

Então?
Uma loucura. Eu quis ir logo embora, fui falar com o treinador. Nos primeiros seis meses sempre a dizer que queria ir-me embora. A reacção dele foi “OK, em dezembro podes ir embora se quiseres”. Ou seja, a minha relação com o Ranieri foi mesmo complicada no início. Nem "bom dia" dizíamos um ao outro. Nunca me aconteceu uma coisa destas.

Mas isso acontece a partir do momento em que lhe diz que quer ir embora?
Mais acentuadamente, sim.

Era um treinador muito diferente dos que tinha tido até aí?
Era, mas o que aconteceu na Juventus é que o treinador que me quer e está lá é o Deschamps. Ele era o treinador que sobe da segunda divisão para a primeira. Eu era opção dele. Assino contrato ainda ele como treinador. De repente houve problemas entre o Deschamps e a direcção, ele sai antes de começar a época e entra o Ranieri. Acredito que eu não fosse um jogador do gosto do Ranieri, é tão simples quanto isso. Quando chego sinto logo nos primeiros treinos que não sou opção dele, apesar de ser o contrato mais caro para a Juventus naquele ano. Eu ao treinador não agrado, nós jogadores temos a percepção se o treinador nos quer ou não. Naquele caso foi assim, eu senti logo que não era querido ali, que ele não me queria e a minha cabeça também não ajudou.

E a adaptação da família a Itália?
Ah, isso foi fantástico. Gostei muito da cidade, de Turim, vivíamos no centro, a família estava completamente adaptada, a minha mulher gostou muito de Itália, foi até complicado sair para Madrid porque ela estava tão bem, tão bem, que não queria ir embora [risos]. Mas eu estava tão mal, tão mal, tão mal que eu queria ir embora [risos].

Então conte lá o que acontece entretanto.
Nesse mercado de inverno tento logo ir embora. E para onde é que eu queria ir? Queria ir para Espanha. Queria experimentar o futebol espanhol, que era o que me faltava, e queria muito jogar em Espanha. O que é que acontece? Aparece o Atlético de Madrid, que me queria emprestado seis meses, com uma opção de compra caso ficassem nos primeiros quatro lugares. Comprariam-me pelo valor que a Juventus tinha pago por mim, os tais 13 milhões. Só que aparece o Tottenham que me quer e paga à Juventus os 13 milhões naquele momento. A Juventus, claro, queria vender-me ao Tottenham porque recebia logo o dinheiro que tinha investido, não perdia nada.

Mas o Tiago não quer.
Não, eu não queria ir para o Tottenham [risos]. Eu queria ir para o Atlético, até porque a família não quer voltar a Inglaterra. A minha mulher diz-me que não quer voltar a Inglaterra e eu quero ir para Espanha, portanto disse à Juventus que não ia para o Tottenham. Até que a Juventus disse “não vais para o Tottenham, também não vais para o Atlético, vais ficar aqui”. E ficou assim, fiquei mais seis meses, achava eu mais seis meses. Pensava que ficava até ao final de época e depois saía. Mas chega o final de época e a única coisa que aparece é o Everton [risos].

Inglaterra outra vez, ou seja, não queria. [risos].
É o David Moyes que me quer, só que eu para Inglaterra não queria ir. Mesmo no fim aparece o Mónaco que me quer emprestado. Chega o último dia de mercado, ainda fomos fazer um jogo a Roma e eu fiquei em Roma para poder viajar para o Mónaco caso fosse necessário, mas as coisas não se concretizam e eu volto para Turim e acabo por ficar na Juventus mais uma época. Como quinta opção.

Foi a sua pior época?
Não, a primeira foi a pior época, porque as expectativas eram tantas, dos adeptos, minhas, do clube, que aquilo foi um massacre total nos jornais, diariamente. A minha pior época no futebol, como jogador, foi a primeira. Na segunda já não havia expectativa nenhuma, tinham contratado outros jogadores para a posição e eu era a quinta opção no meio-campo. Portanto não havia pressão nenhuma porque eu já nem era considerado. Como não vou para o Mónaco, o Ranieri vem ter comigo e diz-me "vou deixar-te treinar com a primeira equipa". Agradeci e disse-lhe que não ia arranjar problemas nenhuns e fiquei a treinar com a primeira equipa, sabendo que era claramente a quinta opção. Ele mesmo tinha dito "tu és a quinta opção". Continuei a treinar, sem pressão nenhuma porque sabia que não contava para nada. Mas começam a lesionar-se todos os jogadores do meio-campo e há um momento em que só há o Sissoko. Em Janeiro, por ai, ele convoca-me mas não me põe a jogar, põe o Nedved no meio-campo em vez de me pôr a mim.

Ficou zangado?
Não, já não tinha expectativas, já era igual ao litro. Eu treinava bem, porque treinava para mim, e isso foi realmente o que me ajudou, porque no jogo a seguir ele tinha que dar descanso ao Nedved, que já devia ter 36 anos, e então vem ter comigo e pergunta se posso jogar 45 minutos. Disse-lhe que sim, que podia contar comigo. E nesse jogo, em Bolonha, ele tira-me aos 82 minutos e dá-me um abraço. A partir daí joguei sempre a titular até me lesionar gravemente no joelho e ficar de fora dois meses e meio.

Como faz essa lesão?
Foi contra o Inter do Mourinho. Nesses jogos em que eu jogo temos sete vitórias seguidas e vamos jogar contra o Inter e logo no início do jogo, sozinho, a disputar uma bola, já não me lembro com quem, o meu joelho sai para trás e volta a entrar. Uma luxação muito grande, toda a gente pensava que tinha sido os cruzados, mas felizmente não tive de ser operado e só estive dois meses e meio fora. 

Mas, entretanto, sai a meio da época para o Atlético de Madrid.
Exacto. O Ranieri é despedido quando faltavam quatro semanas para o fim. Vem o Ferrara e queria ir logo embora porque parecia que aquilo não era para mim. O Ferrara vem falar comigo e diz que quer mudar tudo na Juventus, que pôr a Juventus a jogar à bola, que vão contratar o Diego Ribas o Felipe Melo, que ia começar a jogar com três no meio-campo. Fala comigo porque quer que eu fique, quer que eu fique, quer que eu fique. Na altura o Deschamps quer levar-me para o Marselha, mas eu digo-lhe que a Juventus não quer que eu saia e que vou ficar. Porque eu também tinha jogado no Lyon e sinceramente... Acabou por ir o Lucho González para o Marselha nessa altura. Fiquei, começa tudo a correr muito bem com o Ferrara, começo a jogar, começamos a ganhar, até que me lesiono. Começam as lesões outra vez. Lembro-me que volto num jogo para a Liga dos Campeões contra o Bayern de Munique e rasgo-me outra vez. Na minha cabeça aquilo era "a Juventus já não é para mim, aqui não tenho sorte. Começa a entrar uma onda de descrença do meu tempo na Juventus e peço para sair em Janeiro. O Atlético de Madrid estava num momento complicado mas eu queria ir para Espanha, decidi arriscar e ir embora.

Vai emprestado.
Vou emprestado até final do ano mas acabei por ficar até ao final da minha carreira.

A família vai naturalmente consigo para Espanha.
Não. Ao início a família vai estando comigo. Quando saímos de Itália a família voltou para Portugal, para os miúdos irem para a escola. Como também não consegui arranjar logo casa, é um bocado andar ali com a mala às costas, vamos estando juntos e separados.

Chega ao Atlético com o Quique Flores no comando da equipa. Como foi a adaptação ao clube e à cidade?
Desde o primeiro dia que foi espectacular. O Atlético estava na segunda parte da tabela classificativa e bem cá para baixo. Mas porque é que foi tão especial para mim? Porque desde a minha primeira convocatória, assim que começo a aquecer, os adeptos começam logo a cantar pelo meu nome. Eu vinha de um momento na Juventus em que os adeptos queriam-me era longe [risos]. Sentir esse carinho ainda sem ter vestido sequer aquela camisola encheu-me logo o ego. E comecei a jogar e as críticas foram boas, os adeptos adoraram-me, no primeiro jogo a titular, a seguir, para a Taça, marquei um golo, empatámos 1-1 em casa mas depois conseguimos apurar-nos para a ronda seguinte. Ou seja, começou tudo a correr bem. Aquilo que não acontecia na Juventus, em que parecia que era tudo tão difícil. Ali começou logo tudo a correr muito bem e de forma natural.

Ganha a Liga Europa logo nesse primeiro ano?
Eu não, mas o clube ganha. Eu não ganho porque já tinha jogado a Liga dos Campeões pela Juventus. A Juventus cai para a Liga Europa e eu não posso entrar na mesma competição em que está a Juventus por isso não posso ser inscrito pelo Atlético na Liga Europa. Mas estou lá na final com eles, na bancada.

No ano seguinte a família já vai viver consigo?
Na época seguinte foi complicado porque eu tive de voltar para a Juventus porque tinha mais dois anos de contrato.

Mas só fez a pré-época com a Juventus.
Só. E mesmo assim a treinar sozinho, afastado da primeira equipa. Treinava de manhã e de tarde. 

Treinar sozinho desmotiva muito um jogador, calculo.
É o pior que há. É sentir que as pessoas nem querem ouvir falar de nós. Mas é futebol e faz parte. Eles sabiam que eu não queria ficar ali, só que o Atlético também não estava em condições de pagar, de gastar dinheiro, então aquilo acaba por ser uma luta entre os clubes e entre o jogador. O treinador que chega, o Conte, de certeza que a direção diz-lhe que não faço parte do plantel e então têm de arranjar saída e enquanto não o fazem ele não me põe a treinar com equipa principal, deixa-me à parte.

O que aconteceu depois?
Eles queriam renovar mais um ano de empréstimo, mas eu não quis, queria ir para o Atlético. Obviamente fui ganhar muito menos, perdi dinheiro, mas eu preferia ir para o Atlético e ser feliz. Só que cheguei numa fase em que faltava uma semana para a Supertaça europeia, já nem tive oportunidade de ganhar o meu lugar para jogar a Supertaça.

Que tal o Quique Flores como treinador?
Gostei muito. Senti que sempre fui um jogador importante para ele. Um treinador que também não teve vida fácil, porque o grupo do Atlético não era fácil.

Não era um grupo fácil em que aspecto?
Em termos de união. Havia muitos egos naquela equipa. Naquele momento o clube dava muito mais valor aos atacantes do que aos defesas. Tanto adeptos como direcção ou jornalistas, os maiores eram sempre os atacantes. Isto é assim quase sempre em todas as equipas, quem marca golos é que vale e os outros não valem para nada. Quando se perde a culpa é de uns e quando se ganha a culpa é dos outros. E ali era muito vincado, muito marcado e aquilo não ajudava em nada na união da equipa. 

Depois do Quique vem o Manzano.
Sim, durante seis meses. O clube bate mesmo no fundo em termos de resultados e chega o Simeone em Janeiro.

O que tem a dizer do Simeone?
O treinador mais importante da minha carreira. Ou melhor, não é o mais importante na minha carreira, porque eu já tinha feito carreira antes dele chegar à minha vida, ele apanha-me já eu tenho 30 anos. Mas foi o treinador que mais me marcou na carreira.

Porquê?
Porque teve um tipo de liderança com a qual me identifiquei muito. Numa altura em que já estou a pensar em ir para um campeonato menos competitivo ele convence-me a tornar-me de novo um jogador importante. E isso marcou-me muito. Eu achava que já tinha feito tudo no futebol e ele achou que eu ainda tinha muito para dar. Foram os meus últimos anos que me marcaram muito como jogador e que neste momento me fazem querer ser treinador. É por causa do que vivi com ele e com aquele grupo de jogadores.

Com ele ganha Taça do Rei, Liga Espanhola, Supertaça europeia, a Liga Europa...
Só não ganhamos a Liga dos Campeões, de resto em Espanha ganhamos tudo.

Desses títulos conquistados qual o que teve um sabor mais especial?
A Liga espanhola. Foi uma coisa impressionante. Conseguir ganhar uma Liga espanhola ao Real Madrid do Cristiano e do Bale e ao Barcelona do Neymar e do Messi é incrível. Para um clube como o Atlético foi inacreditável ter conseguido ganhar essa Liga. Obviamente tudo começou com a final da Taça do Rei que ganhamos ao Real Madrid, no Bernabéu. Acho que a conquista do campeonato começa nessa final, é aí que começamos a acreditar.

Isso em 2012/13.
Sim. O Atlético estava há uns 11, 12 anos sem ganhar ao Real Madrid e conseguimos quebrar esse enguiço na casa deles numa final da Taça. Foi incrível.

Nessa altura não esteve para ir para o Chelsea de Mourinho?
Isso foi depois de sermos campeões e de jogarmos a primeira final da Liga dos Campeões. Estou para voltar a Inglaterra, é verdade.

E não volta porquê?
Boa pergunta. Está quase tudo certo e é melhor não dizer muito mais, mas as coisas não surgem e acaba o Atlético e o Simeone mais uma vez por fazer tudo para que eu volte e eu volto.

Estava disposto a ir para o Chelsea?
Sim.

Por ser Mourinho ou por ser uma proposta financeiramente muito boa?
O dinheiro aí já não fazia a diferença. Até porque eu não vou para o Chelsea e tenho outro clube, em Espanha, que me dava muito mais dinheiro e decido ficar no Atlético.

Que clube era?
[risos] Não importa. Davam-me melhores condições mas eu mesmo assim decidi que a minha história estava no Atlético naquele momento. Mas porque é que eu quero ir para Chelsea? Porque iam o Diego Costa e o Filipe Luis, dois amigos, e porque realmente Mourinho me tinha convencido a ir. 

Regressa ao Atlético quando a pré-época já está em andamento?
Sim. O Atlético ainda não tinha contratado ninguém para a minha posição, mas eu não quis ir para o outro tal clube sem saber e ter a certeza que o Atlético me queria, porque eu continuava muito ligado ao Atlético. Quando entramos em contacto com o Atlético o presidente vai perguntar ao Simeone e ele só disse: "Ele que venha já amanhã". E aí então já estava decidido.
É a tal necessidade de se sentir querido.
É isso mesmo. Isso é tudo.

Não joga o Euro 2008.
Não sou convocado.

Porquê?
Porque estava passar um mau momento na Juventus. Deve ter sido por isso, deve ser o que as pessoas pensam.

Não quer explicar melhor?
[risos] Não.

Regressa à selecção pela mão de Carlos Queiroz.
Sim. Ele ligou-me, decido voltar e lembro-me que regressei num jogo amigável com o Brasil. Vamos ao Brasil e perdemos 6-2. Essa viagem e esse jogo foi uma loucura, porque nós fomos jogar a Brasília a meio da Liga, os campeonatos estavam em andamento e chego a Itália, à Juventus, quinta ou sexta-feira, fiz um treino com a equipa e fui jogar e lesionei-me gravemente contra o Inter logo no início do jogo. Não sei se tem alguma coisa a ver com essas viagens loucas e com o tempo de descanso, mas isso não ajudou de certeza.

Que memórias é que tem do Mundial da África do Sul em 2010?
Pessoalmente foi óptimo, com Cristiano Ronaldo na equipa fui o melhor marcador [risos]. Brincadeiras à parte, Mundial é sempre especial. Estávamos no grupo da morte e tínhamos o Brasil, a incrível Costa do Marfim do Drogba e de tantos outros, e a Coreia do Norte. Conseguimos apurar-nos para a fase seguinte em que apanhamos a Espanha. Lembro-me que foi uma situação complicada porque a Espanha tinha perdido o primeiro jogo com a Suíça e nós não sabíamos se seria melhor ficar em 1º ou em 2º no grupo para tentar evitar a Espanha. Como jogamos antes da Espanha não havia nada a fazer, era lutar por ganhar ao Brasil e ser primeiro mas sem ter noção de quem iríamos defrontar a seguir. Mas foi um Mundial onde aconteceu muita coisa que não ajudou.

Que coisas?
Por exemplo, o Nani, que se lesionou. Lesionou-se num treino quando o treino acabou e eu lembro-me que o Nani nessa altura estava numa forma incrível.

Isso mexeu muito com o grupo?
Mexeu um pouco até porque depois obrigou a decisões. Nós, jogadores, queríamos que o Nani ficasse, porque era uma luxação no ombro e talvez pudesse jogar se nós passássemos a fase de grupos, mas a decisão foi mandar vir outro jogador.

E isso não caiu bem na equipa.
Isso não caiu bem e houve outras coisas que também não caíram bem. Lembro-me que foi o Rúben Amorim que foi chamado, adorei o Rúben, estive pouco tempo com ele mas era um jogador muito engraçado e integrou-se super bem no grupo. Por isso não tem nada a ver com o Rúben. O Nani estava tão bem que nós queríamos que ele ficasse para ver se ele nos podia ajudar. Mas isso são histórias que ficam, que não têm nada a ver com o nosso desempenho. Acho que o nosso desempenho até determinado nível foi bom, nós perdemos com o campeão do Mundo, por 1-0, um golo que se fosse hoje não era válido porque estava em fora de jogo.

O que achou de Carlos Queiroz?
Gostei muito de trabalhar com o Queiroz, mas acho que ele teve dificuldades em levar aquele grupo, em conseguir conquistar aquele grupo.

Era um problema só dele ou de ambas as partes?
É sempre dos dois. Quando falei do meu caso, da Juventus e do Ranieri, a culpa não é só do Ranieri, nem só minha. A culpa é dos dois. Não há hipótese, quando as coisas não funcionam, os dois podem sempre fazer um bocadinho mais para que as coisas funcionem. Portanto nós amadurecemos, nós crescemos e depois quando olhamos para os problemas vemos que o problema não é só de um, é sempre das duas partes.

Depois do Carlos Queiroz é Paulo Bento que assume a selecção A. Mas as coisas não correram bem para si, pois não?
Sou chamado na primeira convocatória dele, fiquei os dois jogos no banco e tomo a decisão de já não ir mais à selecção [risos]. Naquele momento eu já estava um bocado cansado do futebol, por isso é que digo que o Simeone foi importante, porque já estava a achar que ia para um campeonato menos intenso. E na altura digo ao Paulo Bento para não me chamar mais porque estou cansado, quero estar com a família e prefiro não ser convocado, visto que também não estava a jogar, que ele tinha os jogadores em quem confiava muito e eu preferia ficar com a minha família. Nessa altura o Paulo Bento tenta que eu volte à seleção, foi a Madrid falar comigo pessoalmente e tudo, mas eu já tinha tomado a decisão de ficar mais por casa e estar mais perto da família. Até porque a selecção estava muito bem, lembro-me que nessa altura ganhámos 4-0 à Espanha, estávamos realmente muito bem com os jogadores que tínhamos e eu não sentia a necessidade de ter de ajudar a selecção.

Até vir o convite do Fernando Santos.
Sim. Eu não conhecia o Fernando Santos, tinha 33 anos e disse-lhe: "Mister, já chega, já há quatro anos que não vou à selecção, há muitos bons jogadores e sinceramente já não faz sentido nenhum eu voltar". Mas ele não me deixava desligar o telefone [risos]. Ele disse-me que enquanto seleccionador da Grécia tinha convocado o Karagounis com 30 e muito anos para o Mundial e que para ele a idade não contava, que o que contava era a qualidade e que a idade era um número e que não tinha importância nenhuma. "Mas mister eu já há muitos anos que deixei, estou bem com a família". Aquelas coisas, mas ele não desistia. Então a minha maneira de desligar o telefone foi dizer-lhe que ia falar com a família e que ao final da noite lhe dava uma resposta. Mas eu filado, essa era a maneira de eu conseguir desligar e depois à noite mandava-lhe uma mensagem e pronto [risos]. Mas começo a receber chamadas do presidente, do Fernando Gomes, e à noite ainda falo com o Cristiano. Ele diz-me que eu tenho de voltar e tal... e chegou uma altura em que eu pensei: “Não, tenho mesmo de voltar, porque já parece que sou o Pelé e eu sou só um carregador de piano. Se esta gente toda acha que tenho valor para ajudar ainda, tenho de me pôr à disposição da selecção”. E é ai que tomo a decisão de voltar.

Qual foi a reacção da família?
A minha mulher nunca me apoiou no momento em que eu decidi deixar a selecção, portanto foi uma decisão mesmo minha, e ela ficou feliz porque das coisas que ela mais gostava, sempre mo disse, era de me ver com a camisola da selecção.

Regressa para fazer a qualificação para o Euro 2016.
Sim, era um momento complicado. O primeiro jogo do Fernando Santos foi um jogo de treino contra a França em Saint-Denis e lembro-me como se fosse hoje, são coisas que marcam, em que ele põe lá o objectivo: campeões da Europa. O objectivo dele era um ano ou um ano e meio depois, sensivelmente, já não sei quanto é que faltaria, estar ali, naquele mesmo estádio, a jogar a final do Campeonato da Europa e ser campeão da Europa. Ele marcou desde o primeiro dia o seu objectivo e foi incrível depois ver a final do Europeu e Portugal estar ali naquele momento.

Mas o Tiago teve azar.
É verdade, parti a perna em Novembro e a partir daí não fui capaz de estar em condições para voltar à selecção. Joguei esses dois jogos, França e depois Dinamarca. Era uma altura complicada porque se nós perdêssemos com a Dinamarca já seriam muitos pontos de diferença, porque eles já tinham feito mais jogos do que nós. Conseguimos ganhar na Dinamarca. Joguei com a Sérvia, joguei com a Arménia, fui expulso na Arménia, penso que perdi um jogo na Albânia, devo ter feito três, quatro jogos, não devo ter feito mais. Mas adorei estar ao serviço do mister Fernando Santos. Ele conseguiu unir um grupo, porque chamou vários jogadores que não estavam com o Paulo Bento. Chamou-me a mim, ao Ricardo Carvalho, ao Bosingwa, Danny, ele conseguiu criar ali uma mescla entre jogadores mais experientes, para naquele momento mais complicado segurarem o barco, e jogadores mais jovens, que tinham um potencial imenso e que conseguiram ir crescendo nas nossas costas, sem muita pressão. Foram crescendo, foram crescendo até que nos tornaram campeões da Europa. Foi magnífico aquilo que o mister Fernando Santos conseguiu.

Obviamente que teve pena de não ter feito parte do lote dos convocados.
Não, nessa altura não tive pena e fui sincero com o mister, chegámos falar em Março, por aí, e disse-lhe para não contar comigo porque eu não ia conseguir recuperar para estar no Europeu. Adoraria ter estado, sem dúvida, mas se estivesse em condições de ajudar, assim como eu estava não.

Como e quando decide colocar um ponto final na sua carreira de jogador?
Decido por um ponto final quando o meu último ano é de sofrimento. Porque eu parti a perna em Novembro de 2015 e até ao final da temporada eu jogo dez minutos, se não me engano, na última jornada do campeonato. Depois ainda vou para o banco na final da Liga dos Campeões, quase como prémio por ter conseguido recuperar. E no ano seguinte jogo mais uma temporada. O Atlético ofereceu-me a renovação por mais um ano sem saber muito bem como é que eu estava. Jogo mais um ano mas é sofrimento. O futebol já era sofrimento, eu tinha que ir antes para me preparar para treinar, depois do treino tinha que ficar mais não sei quantas horas a recuperar para poder treinar no dia seguinte.

Começa a perceber que o corpo já não responde.
Sim e já não há prazer, já só é sofrimento. No final dessa temporada, quando faltam dois, três jogos, o Simeone e o Miguel Ángel propõem-me ficar na equipa técnica e foi mesmo a cereja em cima do bolo.

Nessa altura já tinha algum nível do curso de treinador?
Não, nada.

Nem tinha pensado ainda no que iria fazer?
Começava a entrar o bichinho de treinar, até porque o Simeone perguntava-me se eu já tinha tirado o curso, que tinha de tirar. Houve uma vez que eu estava lesionado e ele chamou-me de surpresa em frente ao grupo e pediu-me para dar a palestra final perante os meus colegas. Ele desafiava-me sempre, eu via que ele achava que eu tinha condições para isso. Quando ele me convida para o ajudar no ano seguinte, para integrar a equipa técnica, eu disse: é isto que eu quero.

Não lhe custou pendurar as chuteiras?
Não, foi um alívio [risos].

A sua filha mais nova nasceu quando?
A Maria nasceu em 2012. Também assisti, mais foi o mais complicado porque teve de ficar alguns dias na incubadora, porque os pulmões ainda não estavam formados de todo. Mas felizmente correu tudo bem.

O que achou da nova fase como treinador adjunto, em 2017/ 2018, no Atlético de Madrid? Era o que estava à espera?
Bem, vamos lá voltar aqui a ficha atrás. Foi difícil, porque foi passar de um balneário para outro, foi começar a ver os meus companheiros e ter de os avaliar perante o meu treinador, perante o meu líder, e isso é complicado porque quando estamos do lado dos jogadores, nós, e eu, neste caso, o meu trabalho é puxar por eles sempre. Vou a um e vou a outro sempre dando força aos dois, mas não tenho de escolher [risos]. Quando se está do outro lado tem que se tomar a decisão porque o nosso líder pergunta-nos o que é que achamos e temos de ser sinceros, temos que dizer aquilo que pensamos, independentemente de gostarmos mais de um ou de outro, ali estamos a avaliar rendimento. E nesse aspecto as coisas são complicadas. Por outro lado, foi uma etapa fantástica, foi conhecer a mente de um treinador que eu acho super especial e com quem eu me identifico muito na maneira de trabalhar. Foi viver o dia-a-dia dele e isso também é uma mais-valia que tenho para a minha vida. Nem é para a minha vida de profissional, é para a minha vida como pessoa.

Sai de Madrid por causa do convite da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) ou o Tiago queria mesmo vir para Portugal?
Eu tive de parar um bocado e baixar o ritmo, porque o ritmo é muito forte. Estamos sempre fora de casa, eu senti naquele momento que a família estava a fugir-me, estava a começar a ter problemas porque a família está sempre à espera que o futebol acabe para ter o pai e ter o marido um bocado mais em casa e eu acabei a carreira e meti-me na vida de treinador, que é pior ainda.

É pior em que aspecto?
Porque temos de trabalhar muito mais, não estamos só preocupados connosco, temos de preparar treinos, em todos os jogos temos de ir para estágio. Quando somos jogadores e estamos lesionados, estamos em casa. Como treinador estamos todos os jogos em estágio, não há paragem. Dia livre, se tiver de preparar treinos, estou a trabalhar. Para preparar uma semana de treinos se calhar juntamo-nos à noite, num jantar em casa de alguém. É tudo mais intenso, enquanto o jogador só tem de treinar e vai descansar para casa.

Então sentiu necessidade de parar e recuperar a vida de família.
Senti. Eu tinha assinado três anos de contrato com eles, mas chegou o final do primeiro e disse-lhes que necessitava parar. Antes de entrar na selecção estive um ano parado, a viver em Madrid mas com a família. A viajar, a desfrutar das crianças, dos aniversários.

Foi viajar para onde? É uma coisa que goste de fazer?
Não muito, mas a minha mulher adora portanto tenho de fazer companhia [risos].

Dos sítios que visitaram qual foi aquele de que gostou mais?
Gostei de ter ido às Maldivas e às Seicheles. Adorei ambas. Às Seicheles só fui com a minha mulher e para as Maldivas já levámos as crianças. São viagens que fazemos a dois e viagens que fazemos em família, são diferentes mas são ambas especiais.

Combinou com Simeone que depois voltava?
Não, até foi um momento complicado, porque, lá está, depois de receber um convite daqueles, ter assinado três anos, ele ter aberto a porta do seu balneário, do seu dia-a-dia e no final da época ir ter com ele para lhe dizer que estava com alguns problemas em casa e que precisava de parar um bocado... São momentos complicados, que ele entende, mas de certeza que ficou um bocado triste e desiludido. Isto estou eu a dizer, porque ia deixar fugir esta grande oportunidade, que é estar a viver o dia-a-dia com ele.

Então rescindiu mesmo, foi isso?
Sim. Eu abandonei o Atlético naquele momento.

Não pensava no que ia fazer a seguir?
Estava a tirar os cursos de treinador da UEFA porque depois de ter vivido aquilo e de ter tomado a decisão de entrar na equipa técnica, percebi que era realmente aquilo que eu queria fazer.

Como e através de quem surge o convite da FPF?
No tempo em que estive na selecção com o Fernando Santos conheci o Tiago Craveiro, conheci e lidei pessoalmente com o presidente Fernando Gomes e criou-se uma relação de respeito e de amizade, que depois fez com que o Tiago Craveiro me convidasse para integrar a Federação neste último ano.

Disse logo que sim? Estava à espera do convite?
Ele ligou-me e disse que queria falar comigo. Eu estava em Madrid e disse-lhe que vinha a Lisboa falar com ele. O Tiago Craveiro expôs-me essa vontade, se eu estaria disponível, ele não sabia o que é que eu queria fazer ou não no futuro. Eu disse-lhe que estava a pensar em regressar a Portugal no ano seguinte e que portanto era uma hipótese muito grande e que iríamos continuar a conversar. Entretanto estive com o presidente, reuni-me com o José Couceiro e pronto, tomei a decisão de me unir a esta família e tenho adorado. Tenho sido treinador adjunto dos sub-16 e dos sub-20. Como ainda não tenho o UEFA Pro e todos os treinadores têm, estou mais como ajudante dos seleccionadores nacionais.

É uma realidade muito diferente da dos clubes, não há tanta pressão.
Sim, até porque estamos a lidar com miúdos, não são crianças, mas são miúdos. É completamente diferente o trabalho que tem que se fazer nestas idades daquele que é exigido ao nível de um Atlético de Madrid.

Prefere o trabalho e a pressão vivida nos clubes e com adultos ou prefere estar a treinar os mais novos?
Prefiro o dia-a-dia, prefiro a pressão, não tenho nenhuma dúvida de que isto é passageiro, digamos assim, porque tenho o objectivo de treinar um clube.

Qual o clube que ambiciona treinar?
Não sei, sinceramente não tenho assim uma loucura por nenhum. Quando era pequeno era portista, depois joguei no Benfica e agora sou um benfiquista [risos], digamos que eu acabo por ser depois um adepto dos clubes por onde passo, portanto se calhar gostava de treinar algum clube por onde passei, mas estou completamente disponível para ir treinar outro qualquer [risos].

Quando veio para Portugal com a família, onde é que estabeleceram a vossa base?
No Porto, por causa das crianças. Há escolas internacionais, é importante para eles não perderem as outras línguas assimiladas e começaram a aprender bem o português, apesar de em casa falarmos sempre português.

Saiu de Portugal em 2004 e só regressou definitivamente há um ano. O que o surpreendeu mais neste regresso?
Sempre que era possível vinha a Portugal, não houve nada assim que me surpreendesse porque sempre tive televisão portuguesa, sempre estive muito conectado com o país. Agora há uma coisa que a mim me deixa triste aqui em Portugal, que é a maneira como se vive o futebol. Há muita desconfiança, há muito lixo à volta do futebol em Portugal e isso faz-me um bocado de confusão. 

Ficou surpreendido com os casos do E-Toupeira e por aí fora?
Tudo, essas confusões todas. No futebol português fala-se mais disso do que realmente do futebol e isso deixa-me triste, porque realmente o futebol é outra coisa. Futebol é a bola entrar na baliza, é o público no estádio a cantar, isso é o futebol de que toda a gente gosta ou de que eu gosto, e na televisão só ouvimos falar desses problemas do árbitro e do não sei quê e não sei que mais, a linha mais para cá, mais para lá, do VAR, tudo menos futebol. Lá fora não é tanto assim.

Se os casos existem, têm de ser comentados, não concorda?
Sem dúvida. Mas se realmente as coisas estão a acontecer elas têm de ser resolvidas. Agora é uma suspeição tão grande em tudo e em todos... Lembro-me de falarem em jogadores que foram comprados... Custa-me a acreditar, mas se há provas que as apresentem e coloquem as pessoas na cadeia. Porque depois, fala-se, fala-se, fala-se e não acontece nada. Ou então façam como em Itália, Juventus para a segunda divisão, resolve-se e anda-se para a frente, porque senão é uma tristeza viver isto todos os dias na televisão e futebol que é bonito, nada.

Vai manter-se na FPF?
Em princípio. Isto agora acabou de forma muito repentina. Tem sido muito complicado para nós e até para os miúdos. Temos muitas crianças à espera de saber quando é que vão começar outra vez a jogar futebol. Eu também estava a contar tirar agora o UEFA Pro neste verão, não sei como é que vai ser, quando é que vão abrir as inscrições, se vão abrir, está tudo também um bocado no ar. Assinei um ano de contrato com a Federação, não sei o que é que se vai seguir, mas imagino continuar, vamos ver. A vida está uma incógnita tão grande que não se consegue fazer planos.

Onde é que ganhou mais dinheiro? Na Juventus. Investiu onde?
Em imobiliário.

Tem algum hobby? Alguma coisa que goste muito de fazer extra futebol?
Estar com a família, acho que é o maior [risos]

E jogar Playstation?
Agora não. Quando estive no Benfica jogava muito. Agora nada, nada.

Pratica algum outro desporto?
Nada, umas corridinhas de vez em quando, mas mais nada.

Costuma seguir outro desporto para além do futebol?
Ténis, adoro ténis.

Quem é o seu jogador favorito?
Federer. Mas se estiver a dar o Nadal também vejo [risos], gosto muito de ténis.

Qual foi a maior extravagância que fez?
Comprei um Ferrari. Ainda o tenho.

Tem tatuagens?
Não.

Se não fosse jogador de futebol, o que é que acha que teria sido?
Professor de desporto. Tinha na minha cabeça que estava a estudar para ser professor de desporto. Era um segundo plano porque eu queria ser jogador de futebol.

Qual o clube onde gostaria de ter jogado?
Manchester United.

A maior alegria e a maior frustração da sua carreira?
Alegria é difícil, há muitas... talvez a Liga com o Atlético de Madrid. Frustração foi não ter conquistado a Liga dos Campeões, apesar de ter estado em duas finais

Qual foi o jogador contra quem jogou que mais o surpreendeu?
Logo no início, o Deco.

E qual foi aquele que dentro da sua equipa mais o surpreendeu pela positiva?
O Diego Costa.

Acredita em Deus?
Nem por isso.

E superstições, tem?
Nada.

Numa palavra caracterize Cajuda, Mourinho e Simeone.
Uma palavra... Cajuda, padrinho. Mourinho, resultado. Simeone, paixão.

Algum dos seus filhos joga futebol?
O meu Francisco dá uns toques na bola. Jogar futebol é diferente. [risos]"