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Friday, November 15, 2024

Celeste dos cravos

Faleceu a Celeste, que distribuiu os cravos que acabaram no cano das espingardas

Celeste Caeiro, que fez dos Cravos sinónimo de Abril, faleceu hoje, aos 91 anos. Mulher trabalhadora e militante comunista, teve uma vida marcada pelo seu compromisso com os valores de Abril.


A Celeste dos Cravos, apesar da idade avançada, não recusava solicitações para partilhar a sua história, para participar em comemorações da Revolução de Abril. Foi assim até este ano, quando se celebram os 50 anos de Abril: esteve no mar de gente que desceu a Avenida da Liberdade, na sua cidade de Lisboa, mas também fez questão de estar na Festa do «Avante!», a realização anual do seu partido, o PCP.
Celeste Caeiro nasceu em Lisboa, em Maio de 1933, cidade onde trabalhou viveu grande parte da sua vida. De origens humildes, na manhã de 25 de Abril de 1974, com 40 anos, saiu de casa no Chiado, onde vivia, com a sua mãe e a filha ao seu cuidado, rumo ao restaurante onde trabalhava, no edifício Franjinhas, na Rua Braancamp. Nas palavras de Celeste, «a casa fazia um ano nesse dia, os patrões queriam fazer uma festa e o gerente comprou flores». Com as operações dos capitães de Abril em curso ali ao lado, o restaurante não chegou a abrir e Celeste levou os cravos no caminho de volta a casa.
Foi já no Chiado que se deparou com os veículos militares que rumavam ao Quartel do Carmo, para deter Marcelo Caetano. Foi isso que lhe explicou o jovem militar (que, para seu desgosto, Celeste nunca voltou a encontrar) a quem perguntou o que se passava. «Isto é uma Revolução!», acrescentou, no relato da própria Celeste, a que se seguiu o pedido de um cigarro. Celeste não fumava, a tabacaria estava fechada, mas a sua gratidão para com aqueles jovens que protagonizavam a libertação de 48 anos de fascismo levou a oferecer-lhes o que tinha: os cravos vermelhos que acabaram nos canos das espingardas. Com o seu gesto carregado de simbolismo, Celeste Caeiro deu expressão à adesão popular às acções do Movimento das Forças Armadas, naquele mesmo dia, e que viria a ser sintetizado na fórmula «Aliança Povo-MFA».
«Correu tudo muito bem. Tinha de correr, pois os cravos estavam nas espingardas e elas assim não podiam disparar...», contou sobre o dia em que o País se libertou da ditadura fascista. Celeste Caeiro faleceu hoje, aos 91 anos.
 
AbrilAbril

Monday, July 01, 2024

Fausto Bordalo Dias


O PCP manifesta o seu pesar pelo falecimento de Fausto Bordalo Dias, um dos nomes marcantes da música portuguesa.

O PCP salienta o papel de Fausto Bordalo Dias, o compositor e cantor, criador de muitas das mais belas canções portuguesas ao longo de toda a sua carreira artística.

O PCP jamais esquecerá o facto de Fausto Bordalo Dias ter aceite o convite, em 1985, para fazer o arranjo musical da Carvalhesa, música popular portuguesa, originária de Trás-os-Montes que acompanha a actividade política do PCP em sucessivas campanhas eleitorais e na Festa do Avante!, que desperta de forma viva e entusiástica a alegria e confiança no futuro.

Neste momento difícil, o PCP endereça à família as mais sentidas condolências.

Sunday, March 17, 2024

Soneto



Lábios que encontram outros lábios
num meio de caminho, como peregrinos
interrompendo a devoção, nem pobres
nem sábios numa embriaguez sem vinho:

que silêncio os entontece quando
de súbito se tocam e, cegos ainda,
procuram a saída que o olhar esquece
num murmúrio de vagos segredos?

É de tarde, na melancolia turva
dos poentes, ouvindo um tocar de sinos
escorrer sob o azul dos céus quentes,

que essa imagem desce de agosto, ou
setembro, e se enrola sem desgosto
no chão obscuro desse amor que lembro.

Nuno Júdice
1949 - 2024

Sunday, January 21, 2024

Lenine

 


"Tínhamos chegado perto do Cinema Gato Preto. De qualquer parte, de súbito, abriram-se as portas de um pátio, umas portas de madeira, altas, imensas. Era perto de nós, ou na nossa frente, ou do outro lado, lá em baixo, não sei. Dessas portas saíram camiões, homens. E ouvi um grito. Eram de certeza várias pessoas que tinham gritado ao mesmo tempo, mas eu julguei ouvir um único grito. Um único ser gritou, mais forte que a rua imensa, iluminada, animada, mais forte que a noite e o frio: Lénine morreu!
O que se passou depois? Vi os acontecimentos aos pedaços, e não cronologicamente, todos ao mesmo tempo. O que ouvi também. Arrancavam-se os jornais das mãos daqueles que tinham saído das portas de madeira. Um eléctrico parou diante de mim. Ficou vazio num instante. Todos os eléctricos pararam. Todos vazios. Não ouço nada. Um velho chora, tira o gorro, aperta-o contra o coração. É calvo. Chora. Os trenós pararam. Os trenós estão vazios. Os cinemas esvaziam-se, a multidão parece fugir a um incêndio. E os restaurantes e as casas. Tudo se lança para a rua. A Avenida Tverskoi cobriu-se de gente, as pessoas juntam-se, empurram-se em redor dos vendedores de jornais. Sentado no estribo de um eléctrico, um guarda-freio chora. A rapariga de faces vermelhas que encontrámos há pouco chora. Kerime chora com um jornal na mão, mas eu nada ouço, tudo o que vejo parece desenrolar-se num imenso aquário. Alguém caiu. Outro. As pessoas lançam-se nos braços umas das outras, chorando, vejo-as, mas não ouço qualquer som. Alguém me puxa pelo braço.
Volto-me, é uma velha enrugada, baixinha, vestida de uma peliça, com a cabeça envolta num xaile. Puxa-me pelo braço, diz-me qualquer coisa com a sua boca sem dentes, não percebo. Inclino-me para ela. Pergunta-me com a voz de uma criança de seis anos, com o medo de uma criança de seis anos: “Lénine morreu?” Aceno que sim com a cabeça. “Morreu…” Julgo que vai benzer-se, mas não, largou o meu braço: “Que desgraça para nós…” Repete: “Que desgraça…” Que desgraça! Que desgraça! A voz torna-se mais forte, alarga, alarga, cresce como o génio dos contos que surge da garrafa mágica, depois perde-se subitamente, e então não ouço. No dia do enterro do meu avô ouvi soluçar dez, talvez vinte pessoas ao mesmo tempo; pode-se imaginar cem pessoas soluçando no mesmo instante, mas uma cidade inteira a chorar numa única voz, esse ruído não se pode ouvir mais que alguns minutos. Ou talvez não se ouça, mas o instinto leva-nos a não o ouvir mais para salvar os nossos nervos e a nossa razão, para não enlouquecermos, e não é já essa voz que ouvimos, mas soluços aqui e além.(…)
Levaram Lénine para Kollomi Zal. Dos quatro cantos do país, os comboios trazem pessoas a Moscovo, todos os que querem ver Lénine pela última vez. (…) Nas ruas, nas praças, noite e dia ardem fogueiras gigantescas. Noite e dia, as filas de homens avançam para a Kolloni Zal. As ambulâncias transportam ao hospital os doentes e os enregelados. (…) É Krupskaia quem eu vejo primeiro. Está de pé diante dos montões de flores, os seus cabelos grisalhos, lisos, separados por uma risca, o vestido caindo a direito. Os braços ao lado do corpo. Os seus olhos salientes muito abertos, estão fixados num ponto. Olhei para onde ela olhava, vi Lénine. A sua testa, a sua testa amarela, incrivelmente larga: curva como o universo. Lénine estava deitado de costas, as mãos cruzadas no peito. Vi-lhe a condecoração da bandeira Vermelha.”
Nazim Hikmet, poeta comunista turco.
Foi num 21 de Janeiro. Foi há 100 anos.

Thursday, January 18, 2024

SONETO PRESENTE


Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso dizer eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.

Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu.

J. C. Ary dos Santos

Wednesday, December 27, 2023

A Odete Santos não morreu

 

Na tombola que é a distribuição dos serviços diários na Fotografia do Público, fui contemplado com uma entrevista a Odete Santos no ano 2000. Telefonei-lhe e marcámos um encontro.
A grande Odete apareceu com a maior das simplicidades. Falámos de tanta coisa que acabámos por nos encontrar também no dia seguinte. Odete queria ser fotografada junto às mulheres que se iam manifestar no terreiro do paço. Percebi que era ali que se sentia bem. Mulher de combate.
A Odete era genuína. Não era comunista por acidente. Era comunista inteira. Como muito poucos. Era das mais brilhantes deputadas. Não era uma deputada de bancada. Não era mais uma no meio de tantos. Era uma deputada do terreno. Ligada às pessoas. Ligada à justiça social e à liberdade.
Não quis ser fotografada na AR. Quis ser fotografada no palco (não me lembro que sala) e junto ao rio Tejo.
Ali, a grande Odete, a brilhante deputada. A obreira da democracia. A mulher da luta. Todos os dias. Junto ao rio, com as gaivotas a voarem em liberdade.
A Odete Santos não morreu. 

Adriano Miranda

Thursday, November 09, 2023

Manuel Gusmão: Um lutador com sensibilidade de poeta

 


Ensaísta, poeta, crítico, tradutor, activista político e professor universitário, deputado do PCP na Assembleia Constituinte, Manuel Gusmão faleceu esta quinta-feira, em Lisboa.


«Quando não estás a olhar é o mundo que te olha. Nunca saberás o que vê.»

Assim escreveu Manuel Gusmão, em «Quando não estás a olhar», um dos poemas de A Terceira Mão, livro editado em 2008. Para Manuel Gusmão, a poesia era diálogo e pertencia à mesma natureza da política, outra das áreas em que se destacou.

Militante do PCP desde a clandestinidade, Gusmão foi deputado na Assembleia Constituinte e na primeira legislatura da Assembleia da República. Como escreveu aqui Manuel Augusto Araújo, «o mundo é a sua tarefa e o seu tempo é sempre um tempo de resistência, o que transmite em todos os seus textos com uma rara clarividência e criatividade, um rigor extremo». No PCP, «o partido mais diferente, pela sua natureza de classe, pela teoria que o guia, pelos objectivos imediatos e finais que prossegue», Manuel Gusmão foi membro do Comité Central e dirigente dirigente no Sector Intelectual da Organização Regional de Lisboa.

Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese dedicada à poesia dramática de Fernando Pessoa, Manuel Gusmão realizou a sua tese de doutoramento sobre a Poética de Francis Ponge, em 1987, autor que o próprio traduziu para português, tendo sido professor da Faculdade de Letras de Lisboa.

Na revista Vértice, assumiu a responsabilidade de coordenador editorial a partir de 1988. Antes disso, Manuel Gusmão pertenceu às redacções das revistas O Tempo e o Modo e Letras e Artes, foi director do Caderno Vermelho, tendo trabalhado também no Jornal Crítica, entre 1961 e 1971. Pela sua mão nasceram as revistas Ariane (revue d’études littéraires françaises) e Dedalus, da Associação Portuguesa de Literatura Comparada, porque, como escreveu a propósito de uma passagem dos Manuscritos Económico-Filosóficos de Marx, «também somos feitos de textos».


Nascido em Évora, em Dezembro de 1945, Manuel Gusmão foi autor de ensaios e prefácios de obras de Fernando Pessoa, Gastão Cruz, Carlos de Oliveira, Herberto Helder, Sophia de Mello Breyner Andresen, Luiza Neto Jorge, Ruy Belo, Armando Silva Carvalho e Fernando Assis Pacheco, Almeida Faria, Maria Velho da Costa, Nuno Bragança, Maria Gabriela Llansol, Luís de Sousa Costa e José Saramago.

Com 45 anos estreia-se como poeta ao lançar a obra Dois Sóis, A Rosa - A Arquitetura do Mundo. Seguem-se Mapas, o Assombro a Sombra, que lhe valeu o prémio do PEN Club para melhor obra de poesia, em 1997, tendo conquistado o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores e o Prémio de Poesia Luís Miguel Nava relativos a 2001 com Teatros do Tempo.

Manuel Gusmão foi ainda autor de um libreto para a ópera Os Dias Levantados, de António Pinho Vargas, sobre a Revolução de Abril, e deu nome ao Grande Prémio de Ensaio, instituído em 2023 pela Associação Portuguesa de Escritores.

Em Fevereiro de 2019, recebeu a Medalha de Mérito Cultural em reconhecimento, pelo Governo português, do «inestimável trabalho de uma vida dedicada à produção literária e à poesia».

AbrilAbril

Thursday, October 26, 2023

Vossos nomes


No chumbo, no terror, na morte, com sangue escrevo,
Alfredo e Catarina,
vossos nomes.
Na pedra, no ácido, neste branco muro escrevo,
Humberto e Militão,
vossos nomes.
Nas trevas, no medo, na raíz da aurora, escrevo,
Maria e Lourenço,
vossos nomes.
No sonho, nos ventos, na flor do trigo escrevo,
Pedro e Guilherme,
vossos nomes.
No aço das duras tarefas, no relâmpago escrevo,
Álvaro e Rui,
vossos nomes.
No amor, na cólera, na fome desta ave escrevo,
Virgínia e António,
vossos nomes.
No sol que levamos, na verde esperança escrevo,
Paula e Dinis,
vossos nomes.
No riso, nas lágrimas, no coração da pátria escrevo
e semeio
vosso nomes.
No ventre em flor da minha amada semeio, escrevo
e multiplico
vossos nomes.
Papiniano Carlos

Saturday, September 23, 2023

A noite na Ilha


Dormi contigo toda a noite
junto ao mar, na ilha.
Eras doce e selvagem entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.

Os nossos sonos uniram-se
talvez muito tarde
no alto ou no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento agita,
em baixo como vermelhas raízes que se tocam.

O teu sono separou-se
talvez do meu
e andava à minha procura
pelo mar escuro
como dantes,
quando ainda não existias,
quando sem te avistar
naveguei a teu lado
e os teus olhos buscavam
o que agora
- pão, vinho, amor e cólera -
te dou às mãos cheias,
porque tu és a taça
que esperava os dons da minha vida.

Dormi contigo
toda a noite enquanto
a terra escura gira
com os vivos e os mortos,
e ao acordar de repente
no meio da sombra
o meu braço cingia a tua cintura.
Nem a noite nem o sono
puderam separar-nos.

Dormi contigo
e, ao acordar, tua boca,
saída do teu sono,
trouxe-me o sabor da terra,
da água do mar, das algas,
do âmago da tua vida,
e recebi teu beijo,
molhado pela aurora,
como se me viesse
do mar que nos cerca.

Pablo Neruda
(que nos deixou há precisamente 50 anos)

Monday, April 17, 2023

Não te rendas meu povo


Não te rendas meu povo. Não te rendas
às mãos de quem te quer voltar a ver
cativo e desgraçado. Não te vendas.
Aqui nada mais temos a vender!
Não te cales meu povo. Que a saudade
já não pode doer dentro de nós.
Se o teu punho constrói a liberdade
levanta ainda mais a tua voz.
Não te rendas meu povo. Não te rendas.
Que já nos querem sós. E divididos.
Que já nos querem fracos. E calados.
Não te cales meu povo. Não te vendas.
Que quando nos quiserem já vencidos
hão-de ter-nos de pé. E perfilados.

Joaquim Pessoa
in “AMOR COMBATE”

Joaquim Pessoa deixou-nos hoje de madrugada.
Fica a saudade. E toda a sua obra.

Saturday, November 19, 2022

CANTAR DE VIVO PARA UM CAMARADA MORTO


(Em memória do meu amigo
José Mário Branco)

Nas mãos do vento uma guitarra arde.
É tarde. É tarde. E o meu poema pouco.
Que um deus qualquer a tua fúria guarde.
Que qualquer deus te ame. Ou qualquer louco.

No fundo do olhar morre a gaivota.
É cedo. É cedo. Vai gritando o vento.
E leva em cada asa uma derrota.
E põe no céu de abril o sofrimento.

É cedo. É tarde, amigo. Ai, é tão cedo!
É tão macia a noite. E negra a cama
coberta com lençóis do teu segredo.

Para ti não há loiros. Não há fama.
E enquanto um povo lavra o chão do medo
um homem rasga as veias sobre a lama.

Joaquim Pessoa

Wednesday, December 18, 2019

Patxi Andión



"A primeira vez que vim a Portugal foi para fazer a primeira parte de um espetáculo de Manolo Díaz. Ele foi expulso antes do concerto e a mim deram-me 12 horas para deixar o país. Na segunda vez que vim foi para cantar no programa Zip Zip. Quando saí do canal a PIDE estava à minha espera. Meteram-me num carro tal como eu estava vestido, sem documentação e deixaram-me na fronteira de Badajoz. Dessa vez eu tive mesmo muito medo. Foi uma viagem feita de noite e todas as vezes que eles paravam, eu pensava que iam dar-me um tiro." - Patxi Andión

Morreu hoje um dos maiores cantautores que conheci. Jamais esquecerei o concerto no Coliseu, em Março de 1973.

Tuesday, November 19, 2019

Mariazinha


Mariazinha, deita os olhos pro mar
Pela tardinha, quando a noite espreitar
E no verde das águas sem fundo
Já se perde da esperança do mundo, 
a afundar, a afundar
 
Mariazinha, deita os olhos pro mar
Tão pequenina, sem saber que pensar
Vê a roda do mundo girando
E os navios ao longe passando, 
sem parar, sem parar
 
Mariazinha, deita os olhos pro mar
Tão quietinha, a chorar, a chorar
Uma fonte de sangue no peito
Uma sombra na boca e um trejeito 
no olhar, sem parar
 
Mariazinha, deita os olhos pro mar
Tão caladinha, a chamar, a chamar
Vai pro fundo da noite fria
Numa barca de rendas, vazia,
a afundar, sem parar
 
Mariazinha, com rendas de algas tapada
Tão quietinha
No fundo do mar pousada
 
José Mário Branco
 
https://youtu.be/-kF60r6Twak

Monday, May 27, 2019

*******


Não tenhas medo do escuro, Tomás.

O tio não sabe ao certo de que é feito este escuro que enegreceu as nossas vidas, mas sei que a tua luz prevalecerá, ainda que longe da nossa vista.

Sei que viverás na lembrança e no coração daqueles que tiveram o privilégio de contigo privar.

Desde logo, viverás na lembrança e no coração dos teus pais. E que pais tens tu, Tomás! Que corajosos, que fortes, que resilientes! A dimensão do seu amor por ti é algo inexplicável e impossível de traduzir em palavras!! Como angustiante é a dor que os seus olhos denunciam e os seus abraços confidenciam...

Viverás na lembrança e no coração dos teus avós, para quem serás sempre o seu primeiro e mais velho netinho. Da tua tia, para quem serás sempre o menino dos seus olhos. Não sabes como me rasgou por dentro ter que lhes dizer que não voltariam a ver o teu sorriso iluminado, o teu olhar contagiante, a tua doce tranquilidade...

Viverás na lembrança e no coração dos teus amigos e familiares, que não te largaram nestes últimos dias em que o mundo pareceu querer desabar. Que continuam agarrados aos teus pais, a ampará-los neste momento em que o vazio se torna cada vez mais ensurdecedor...

Os teus professores, os teus médicos, os teus enfermeiros, ninguém conseguiu ficar indiferente a esses teus olhos rasgados pela doçura e encanto.

Olho pela janela e vejo-te vestido de Super-Homem a sorrir-me e a acenar-me, enquanto rasgas o céu montado num dinossauro e escoltado pelas águias da vitória. Deixa-me sonhar Tomás, que já só me restam dúvidas que haja chão que nos ampare a queda...

Rogério Charraz

Thursday, December 01, 2016

Cabalgando con Fidel


Cabalgando con Fidel

Dicen que en la plaza en estos días
Se les ha visto cabalgar a Camilo y a Martí
Y delante de la caravana
Lentamente sin jinete
Un caballo para ti.


Vuelven las heridas que no sanan
En los hombres y mujeres que no te dejaremos ir
Hoy el corazón nos late a fuera
Y tu pueblo aunque le duela no te quiere despedir.

Hombre, los agradecidos te acompañan
Como anhelaremos tus hazañas
Ni la muerte cree que se apoderó de ti.
Hombre aprendimos a saberte eterno
Así como lo vi en Jesús Cristo
No hay un solo altar sin una luz por ti.

No quiero decirte Comandante
Ni barbudo ni gigante
Todo lo que se de ti.
Hoy quiero gritarte padre mío
No te sueltas de mi mano
Aún no se andar bien sin ti.

Hombre, los agradecidos te acompañan
Como anhelaremos tus hazañas
Ni la muerte cree que se apoderó de ti.
Hombre aprendimos a saberte eterno
Así como lo vi en Jesús Cristo
No hay un solo altar sin una luz por ti.

Hombre, los agradecidos te acompañan
Como anhelaremos tus hazañas
Ni la muerte cree que se apoderó de ti.
Hombre aprendimos a saberte eterno
Así como lo vi en Jesús Cristo
No hay un solo altar sin una luz por ti.

Dicen que la plaza esta mañana
Ya no caben más corceles
Llegando de otro confín
Una multitud desesperada
De héroes de espaldas aladas
Que se han dado cita aquí,
Y delante de la caravana lentamente sin jinete
un caballo para ti.

Raúl Torres

Saturday, November 26, 2016

Fidel Castro




13 de Agosto de 1926 - 25 de Novembro de 2016


HASTA SIEMPRE, COMANDANTE !

Thursday, December 10, 2015

SPARTACUS




Em cada hora
Em cada dia
Século após século
os homens arremessam o teu nome ao vento
e dele saem dardos, punhais, espadas
e dele saem pombas e flores ensanguentadas
De cada letra um filho
De cada som um eco
Teu nome-profecia
Teu nome vinho-novo
que ao terceiro dia há-de ressuscitar
nas veias do meu povo
Teu nome
que mil vezes tem sido agrilhoado
Teu nome sangue-mel
nos lábios do carrasco uma esponja de fel
Teu nome-escravo
Teu nome-espectro
fantasma de terror na noite de algozes
temido como as vozes que clamam no deserto
Teu nome-salmo
escrito em cada corpo morto
em cada cruz erguida
Teu nome-espiga
que se transforma em pão
Teu nome-pedra
da construção do mundo
que será o fruto do teu gesto
Teu nome
em cada gesto do esvoaçar das asas
da gaivota presa
Teu nome
vela-acesa na catedral da esperança
do altar-homem
Teu nome
em cada grito
em cada mão
Teu nome-sinfonia
que há-de explodir com a alegria
de um átomo liberto
Spartacus!
Teu nome-irmão.
Maria Eugénia Cunhal

Monday, April 13, 2015

Eduardo Galeano




"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."

Sunday, April 05, 2015

Acetinada



Rompo esta saudade a cantar
No vai e vem de todas as marés
Na pele no olhar no verbo amar
E na espuma das ondas a beijar-te os pés

Sei do cheiro que me trespassa
E da cor da rocha feita leito
Em cada gaivota que aqui passa
Vai um pouco de nós, de qualquer jeito

Aqui respiro aqui amo e fico enfim
Nas memórias da minha inquietação
E a presença do amor pele de cetim
Guardo fechada, para sempre, no coração.

Para o Gustavo Carvalho
que partiu sem avisar...

Tuesday, March 24, 2015

O Amor em Visita


Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas -
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele - imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Oh cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.

Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.

Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.

Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.
- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.
Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.

Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada
beleza.

Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura, não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.

Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe a força
maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.


Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz
sobre as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.

Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.

Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.

Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.

Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.

Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.

Se te aprendessem minhas mãos, forma do vento
a cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.

Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.

As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros
do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.

Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho,
no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.

Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.

E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.

De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.
Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.

E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

Herberto Helder, in 'O Amor em Visita'