A campanha no Brasileiro não engrenava de jeito nenhum. O Flamengo alternava jogos ruins com outros ainda piores. A verdade é que, tal como o próprio time, a torcida do Mengo nunca assimilou muito bem a fórmula dos pontos corridos. A Magnética gosta de embates épicos e sofridos, daqueles difíceis de esquecer, para depois poder contar aos filhos e netos, “eu fui!”.
A próxima partida era contra o Grêmio; adversário sempre tinhoso, duro de ganhar. Mas o jogo era no Maracanã, onde o Mengo tem de vencer; obrigação moral, venha jogando bem ou mal. Àquele momento, dos últimos 18 pontos disputados no campeonato, o Fla ganhara apenas 5!
A torcida era toda rubro-negra, e naquele final de tarde, num modorrento sábado de inverno, não mais que 20 mil gatos pingados resolveram dar as caras – um número raquítico, quando se fala na maior torcida do mundo. Gremistas, só uma meia-dúzia de 3 ou 4.
Eu já havia estado no Maracanã anteriormente, mas em partidas decisivas, e sempre contra times do próprio Rio de Janeiro. Mesmo quando tomamos de 5x1 do Asco da Gama, na final da Guanabara de 1999, a experiência fora enriquecida pela rivalidade e pelo colorido das duas torcidas, que cantaram antes, durante e após a peleja, dentro e fora do estádio.
Deste feita, porém, num cenário bem diferente, a esperança era a de que o time se incumbisse de tomar as iniciativas dentro de campo, proporcionando alguma felicidade àquele tão descrente torcedor rubro-negro.
O público estava concentrado no “setor verde”, tradicionalmente ocupado pela Raça Rubro-Negra, maior torcida organizada do Brasil. Ainda que muitos cantos houvessem sido entoados no início da partida, a verdade é que o clima não era de muita festa e o time não acertava nada. À medida que a torcida chiava, mais nossos heróis se desconcentravam, errando passes fáceis ou perdendo gols certos.
Já quando os jogadores voltaram para o segundo tempo, os gritos de estímulo deram lugar a vaias, e depois, a xingamentos contundentes. Os únicos a festejar estavam concentrados numa minúscula área, do outro lado do estádio: eram os tais 3 ou 4 gremistas que, a cada contra-ataque do tricolor gaúcho, tiravam o maior sarro da galera do urubu.
A tarde havia se acabado, e também a nossa paciência. O céu ficou escuro ao mesmo tempo em que uma chuvinha malvada começou a cair sobre nós. Estávamos coletivamente emputecidos!
De repente, um jogador do Grêmio faz falta violenta e é expulso. O fato só piora as coisas pro Mengo, pois a torcida passou a pressionar ainda mais, deixando os jogadores ainda mais atarantados. Aproveitando-se dos ânimos acirrados, os gremistas quase marcaram em dois rápidos contra-ataques, aumentando exponencialmente a ira da galera.
Para piorar, Obina - o Anjo Negro, nosso maior xodó - se joga na área na desesperada tentativa de cavar um pênalti. Resultado: tomou o segundo cartão amarelo e também foi expulso. A torcida enlouqueceu.
Não há pior decepção que aquela alimentada pelo álcool. Eu já havia entornado uns 5 copaços de celveja, sem contar as que foram digeridas antes do pleito. A cada chute mal dado, vinha lá de dentro um arroto cada vez mais azedo, amargo e indigesto. Tinha vontade de invadir o campo e mostrar àquela corja como se chuta uma bola com respeito e carinho, à La Pet, Zico ou Zizinho.
Num momento assim, quando se cria uma sinergia entre os presentes, é comum se virar para o torcedor ao lado e conversar com ele como se da família fosse. É como um grande salão de beleza, com a diferença que o único assunto é a alegria (ou ódio) que se sente. Só não dá para ficar calado. É num momento assim que até a raiva aproxima os homens.
E naquele momento, já com os 45 minutos findados, o ódio fazia de nós bestas raivosas, irmanadas por um processo de sofrimento coletivo que, ao fim e ao cabo, era justificado pela paixão comum a todos nós. Nos sentíamos traídos pela mesma e deliciosa namorada.
E de repente – não mais que de repente -, já nos acréscimos, um lançamento é feito; o goleiro se antecipa ao atacante flamenguista e dá um chutão... E “fura” espetacularmente, deixando a bola rolar, macia, até os pés de “Renato Pelé”, que só tem o trabalho de empurrá-la para o fundo do filó... BUM! Explode o Maracanã!...
A turba, ensandecida, agora é só sorrisos e urros de prazer! A namorada voltou; linda, com carinha de arrependida! A massa se envolve, se abraça e chora, aliviada, extasiada. O que era dor virou pó; o que era amor, só...
Saímos, eu e meus novos 19.999 novos amigos, enlouquecidos pelas galerias do Maraca, num turbilhão afetivo sem precedentes.
Eu, que já segurava o pinto há mais de meia-hora, corri ao banheiro para me aliviar. Segurei o copo com os dentes e, com a cabeça encostada no azulejo, senti o inigualável prazer do mijo contido que finalmente encontrava a porta de acesso aos céus. Sim, o mictório do Maraca era meu céu, e ao meu lado, outros anjinhos, também com a cabeça lhes servindo de apoio, também com o copo entre os dentes, acompanhavam, com grunhidos nasais, o mantra que ainda ecoava das arquibancadas, transmitindo a todos a deliciosa sensação do Paraíso: “Ô,ô,ô,ô,ô – ô ô,ô,ô,ô,ô – ô, que torcida é essa?”
Se num campeonato onde o Flamengo não tinha chance de nada, uma vitória safada foi assim comemorada, não quero nem saber o que será de mim no próximo domingo, contra o mesmo Grêmio, numa final de campeonato... Obrigado, Senhor!!!
A próxima partida era contra o Grêmio; adversário sempre tinhoso, duro de ganhar. Mas o jogo era no Maracanã, onde o Mengo tem de vencer; obrigação moral, venha jogando bem ou mal. Àquele momento, dos últimos 18 pontos disputados no campeonato, o Fla ganhara apenas 5!
A torcida era toda rubro-negra, e naquele final de tarde, num modorrento sábado de inverno, não mais que 20 mil gatos pingados resolveram dar as caras – um número raquítico, quando se fala na maior torcida do mundo. Gremistas, só uma meia-dúzia de 3 ou 4.
Eu já havia estado no Maracanã anteriormente, mas em partidas decisivas, e sempre contra times do próprio Rio de Janeiro. Mesmo quando tomamos de 5x1 do Asco da Gama, na final da Guanabara de 1999, a experiência fora enriquecida pela rivalidade e pelo colorido das duas torcidas, que cantaram antes, durante e após a peleja, dentro e fora do estádio.
Deste feita, porém, num cenário bem diferente, a esperança era a de que o time se incumbisse de tomar as iniciativas dentro de campo, proporcionando alguma felicidade àquele tão descrente torcedor rubro-negro.
O público estava concentrado no “setor verde”, tradicionalmente ocupado pela Raça Rubro-Negra, maior torcida organizada do Brasil. Ainda que muitos cantos houvessem sido entoados no início da partida, a verdade é que o clima não era de muita festa e o time não acertava nada. À medida que a torcida chiava, mais nossos heróis se desconcentravam, errando passes fáceis ou perdendo gols certos.
Já quando os jogadores voltaram para o segundo tempo, os gritos de estímulo deram lugar a vaias, e depois, a xingamentos contundentes. Os únicos a festejar estavam concentrados numa minúscula área, do outro lado do estádio: eram os tais 3 ou 4 gremistas que, a cada contra-ataque do tricolor gaúcho, tiravam o maior sarro da galera do urubu.
A tarde havia se acabado, e também a nossa paciência. O céu ficou escuro ao mesmo tempo em que uma chuvinha malvada começou a cair sobre nós. Estávamos coletivamente emputecidos!
De repente, um jogador do Grêmio faz falta violenta e é expulso. O fato só piora as coisas pro Mengo, pois a torcida passou a pressionar ainda mais, deixando os jogadores ainda mais atarantados. Aproveitando-se dos ânimos acirrados, os gremistas quase marcaram em dois rápidos contra-ataques, aumentando exponencialmente a ira da galera.
Para piorar, Obina - o Anjo Negro, nosso maior xodó - se joga na área na desesperada tentativa de cavar um pênalti. Resultado: tomou o segundo cartão amarelo e também foi expulso. A torcida enlouqueceu.
Não há pior decepção que aquela alimentada pelo álcool. Eu já havia entornado uns 5 copaços de celveja, sem contar as que foram digeridas antes do pleito. A cada chute mal dado, vinha lá de dentro um arroto cada vez mais azedo, amargo e indigesto. Tinha vontade de invadir o campo e mostrar àquela corja como se chuta uma bola com respeito e carinho, à La Pet, Zico ou Zizinho.
Num momento assim, quando se cria uma sinergia entre os presentes, é comum se virar para o torcedor ao lado e conversar com ele como se da família fosse. É como um grande salão de beleza, com a diferença que o único assunto é a alegria (ou ódio) que se sente. Só não dá para ficar calado. É num momento assim que até a raiva aproxima os homens.
E naquele momento, já com os 45 minutos findados, o ódio fazia de nós bestas raivosas, irmanadas por um processo de sofrimento coletivo que, ao fim e ao cabo, era justificado pela paixão comum a todos nós. Nos sentíamos traídos pela mesma e deliciosa namorada.
E de repente – não mais que de repente -, já nos acréscimos, um lançamento é feito; o goleiro se antecipa ao atacante flamenguista e dá um chutão... E “fura” espetacularmente, deixando a bola rolar, macia, até os pés de “Renato Pelé”, que só tem o trabalho de empurrá-la para o fundo do filó... BUM! Explode o Maracanã!...
A turba, ensandecida, agora é só sorrisos e urros de prazer! A namorada voltou; linda, com carinha de arrependida! A massa se envolve, se abraça e chora, aliviada, extasiada. O que era dor virou pó; o que era amor, só...
Saímos, eu e meus novos 19.999 novos amigos, enlouquecidos pelas galerias do Maraca, num turbilhão afetivo sem precedentes.
Eu, que já segurava o pinto há mais de meia-hora, corri ao banheiro para me aliviar. Segurei o copo com os dentes e, com a cabeça encostada no azulejo, senti o inigualável prazer do mijo contido que finalmente encontrava a porta de acesso aos céus. Sim, o mictório do Maraca era meu céu, e ao meu lado, outros anjinhos, também com a cabeça lhes servindo de apoio, também com o copo entre os dentes, acompanhavam, com grunhidos nasais, o mantra que ainda ecoava das arquibancadas, transmitindo a todos a deliciosa sensação do Paraíso: “Ô,ô,ô,ô,ô – ô ô,ô,ô,ô,ô – ô, que torcida é essa?”
Se num campeonato onde o Flamengo não tinha chance de nada, uma vitória safada foi assim comemorada, não quero nem saber o que será de mim no próximo domingo, contra o mesmo Grêmio, numa final de campeonato... Obrigado, Senhor!!!