30 de dez. de 2013

A complexidade do simples*

*Ensaio de Eliane Ferreira C. Lima

Nydia Bonetti (Piracaia SP/1958) é engenheira civil e poeta e se dedica, atualmente, ao projeto do seu primeiro livro. Tem textos publicados na “Revista ZUNÁI” (link), “Germina Literatura” (link), “Cronópios” (link) e outras mídias eletrônicas, segundo suas próprias palavras. Bloga no Longitudes, espaço através do qual entrou como seguidora de meu blogue Poema Vivo. Fui até lá para conhecer minha visitante e tive uma das mais gratas surpresas: encontrei uma poeta que eu, imperdoavelmente, ainda não conhecia. Tenho tido, frequentemente, essas surpresas agradáveis nessa Internet. Nesse mundo pós-moderno e louco, felizmente, porém, uma especialista em literatura, como sou, tem a oportunidade de se reciclar quase em tempo real.
Comprovei, mais uma vez, que ser poeta não é profissão, não é atividade, não é passatempo: é destino. O poeta nasce, assim, assinalado. E, mesmo que escolha qualquer profissão outra, não se livra desse sinal, que o seguirá até o fim. O poema abaixo já começa comprovando o que digo.

Solares

outra vez
me ronda a poesia

agora é assim

quase uma sombra
colada em mim

não

ela é o sol
eu,
a sombra

O material que Nydia Bonetti utiliza, em um primeiro momento, em seu olhar indagativo sobre o mundo, são as coisas comuns e simples que a envolvem externamente. Mas como, internamente, nada é simples e comum, a manufatura que se apresenta aos olhos do leitor é outra, abençoada pela subjetividade e emoção, que se simula equilíbrio e contenção – observar o último verso do poema "Risco". Identifico até um certo tom blasé, o que é conseguido pelo manusear de uma linguagem bastante cotidiana. Engano do leitor se não for bastante observador: no poema que se segue, jogando com a homofonia de “expiar/espiar” – ouso dizer que a maioria das pessoas toma um termo pelo outro, sem diferenciação –, no derradeiro verso, vários significados e atributos podem ser agregados ao termo “cordeiro”:
1.Seres sem ação e defesa, passivos, o que seria conseguido por “espiam” (observar, olhar, esperar, aguardar) – verificar que abutres e lobos percebem algo e se mantém longe -, que, embora não escrito, é trazido para o texto por sua homonímia com o termo presente.
2.Seres que são sempre utilizados para remir a culpa de outrem diante do assustador uivo da vida, o que se depreende do “expiam”, realmente explícito no texto.
3.Mas aquele mesmo “espiam” do item 1 poderia, trazer, paradoxalmente, a ideia de “procurar descobrir, com o fim de fazer danos” (Dicionário Aurélio, versão digital), o que marcaria “cordeiros” com uma malícia insuspeitada e inverteria a dinâmica do que se supõe à primeira vista, ou os tornaria cúmplices latentes daquele perigo ameaçador da vida. Dada a sutileza da grafia do verbo “expiam” – o termo tem uma entrada muito menos frequente na língua popular –, provavelmente os itens 1 e 3 têm uma garantia maior de entendimento, ainda que não fosse essa a intenção verdadeira da escritora ou que ela não suspeitasse do alcance do que disse. A Teoria da Recepção tem batido nessa tecla e, neste mesmo blogue, já fiz alusão a esse aspecto.


Expiação

Nydia Bonetti

I.

serpentes de barro
rios
de silêncio
rouca
a voz das águas
silencia

II.

ouve-se da vida
um uivo
lobos se esquivam
abutres sobrevoam
enquanto
cordeiros expiam


Mas vamos aos textos – preciso confessar que foi uma enorme dificuldade a escolha:


e se eu dissesse apenas
do que sei
e sinto

calava

Nydia Bonetti


a tarde dourada no campo de centeio
não diz das chuvas que virão
diz do sol
embora quase noite
diz do pão
embora as mãos vazias
diz de nós
na janela de outro dia
que já passou

Nydia Bonetti


a alma do mundo grita
no mormaço dos dias rasos
na escuridão
das noites infinitas
no abandono
das dores terminais
no corpo
do homem que habita
desolada
depois de gerações ainda
aprisionada
que da eternidade
a que almeja sabe
tão pouco quase
nada

Nydia Bonetti


árvore do cerrado- cresceu comigo
rude e exótica
mas era minha
eu fui embora - ela não quis
ela não tinha pés
eu não tinha raiz

Nydia Bonetti


árvores do quintal da infância
revi vi
sumo nos olhos:
saudade é nódoa que não sai

Nydia Bonetti

14 de dez. de 2013

SUMI-Ê

Meu livro de poemas.

Já disponível para pré-venda no catálogo da Editora Patuá.

A ilustração de capa e o projeto gráfico são de Leonardo Mathias e a edição de Eduardo Lacerda.

Mais sobre a autora e o livro em: Editora Patuá.

28 de nov. de 2013

os mimos rosa, gigantes
acordam meus olhos
as mudas que vi plantar
quase tocam o céu
os cães da rua dormem
o sono dos cães
do abandono
o fungo
que parecia ser - flor
secou
completamente
o tronco
segue à espera de outro
milagre
lágrima/seiva
transmutada em ternura
improvável

26 de nov. de 2013

alguns poemas em outros cantos


LLIBRE DEL TIGRE


e


POEMA DIÁRIO



Grata, Joan Navarro e Daniel Russell Ribas

2 de nov. de 2013

que dizer dessa tarde
em que os mortos retornam
à velha casa
sem dizer nada
a ninguém
(anjos de pedra dizem
amém)
e o cipreste secular parece
tocar o céu
noite outra vez
e um círculo de fogo
que faz arder os olhos
de onde não se pode fugir

1 de nov. de 2013

Um poema de Henrique Wagner

Orides Fontela

para Nydia Bonetti


Tinhas o coração de pedra e pétalas,
por trás do muro onde moravas só,
levando a cada canto uma indiscreta
timidez, convertida em sombra ao sol.

Teu silêncio, pesado, era a secreta
vida de tua máquina monstruosa
vibrando cada letra antiga e velha
até fazer do espírito teu pó.

Os óculos maduros, a armação
escura, o corpo de osso em carne branca,
a lágrima, tão seca e dura – pedra.

Tinhas o coração nalgum lugar
da casa, atrás do muro, onde pulsavam
bichos como lagartos. Como abelhas.

29 de out. de 2013

Um poema de Daniela Delias

CALIGRAFIA

para Nydia Bonetti

é preciso tão pouco

a água da chuva
a sutileza do rio
a quietude da pedra

ser o silêncio
antes do jorro

um sumi-ê de peixes
ou pássaros


poema publicado em Sombra, silêncio ou espuma

26 de ago. de 2013

Relevo + mallarmargens - Um dos meus poemas aqui

Edição especial de um ano do coletivo literário mallarmargens - revista de poesia & arte contemporânea.

http://issuu.com/jornalrelevo/docs/relevo___mallarmargens/1?e=2234477/4597479

17 de ago. de 2013

elefantes azuis

o tempo não pára mesmo. ele não tem mais jeito. desandou a correr, ultimamente. desembestou. estouro de boiada. manada
__ de elefantes azuis

lava que escoa. corredeira. maremoto. cachoeira. avalanche. batedeira
__desertos

nós, surfistas sobre ondas instáveis. cabelo parafina, pele dourada
__sob o sol que agoniza

nós, turistas num safári no Quênia. sobrevoando baixo, sobre a boca vermelha
__de algum vulcão

escalando Everests, enfrentando Saaras, tempestades de areia
__insolação

ao longe a vida: miragem. oásis
__onde?

12 de ago. de 2013

o dia escorrega das mãos feito um peixe
que mergulha na terra trincada
sem se saber
sobrevivente único desse rio
que acabou de secar
que todo dia seca sob o sol do tempo
que a vida é este deserto em expansão
que a noite se aproxima e é fria
e com que olhos nos espreitam os chacais



8 de ago. de 2013

a solidão do sonho quando acorda
se rompe quando
se rompe a corda
que nos mantém aqui
enquanto voamos
asas de não penar canto que não
se houvesse lábios

8 de jul. de 2013

e quando calam as palavras
o avesso se revela
pleno
o dentro vira pele
se expõe ao sol/intenso
inteiro
num silêncio reverso/óbvio
manifesto da alma

2 de jul. de 2013

"O poema" para mim - de Adriano Nunes

"O poema" - Para Nydia Bonetti


Traço a traço, o retrato
Gráfico do edifício
Vai surgindo. Do ofício,
Outro cálculo exato

Dos limites, dos lados,
Arquiteta o infinito.
- Todo o verso é subscrito,
Seus vãos articulados -

Do corredor ao quarto
Antigo, que artifício
Desse interstício é farto

De sumo? Sub-reptício,
Alarga-se o lagarto
De sonhos de silício.


Adriano Nunes - quefaçocomoquenãofaço

30 de jun. de 2013

saltam do meu corpo pássaros negros
silenciosos:- minhas misérias
dormentes despertam
criam asas e tentam
se livrar dos escombros em que habitam
o clarão palpitante e o vento forte
ferem olhos
habituados à escuridão
breve retornam ao antigo claustro/ninho
de outros pássaros
ainda mais negros / e mudos

29 de jun. de 2013

POETICA DE SAL - por Santiago Aguaded Landero*

POETICA DE SAL

La poesía se hace de palabras que generan preguntas.
La poesía se hace de palabras que generan diálogo.
La poesía se hace de palabras que procrean el silencio.

Jack Landes


El poema no pretende más que preguntar, interpelar al lector. Y una vez se ha establecido la Pregunta el poeta debe escribir para cambiar las Preguntas. El poema no ansía respuestas pues es más importante la Pregunta que cualquier respuesta provisional, como la ciencia. Hay que escribir científicamente el corazón de los pájaros mudos, los pájaros negros de Nydia, las hermanas de Mar, el corazón de las aves asesinadas que ahora son árboles que no pueden levantar el vuelo. Hay que escribir para changer la vie, pues escribir ya cambia la vida y nos enseña nuevas ventanas por la que el poeta (y el lector) se hacen videntes (aunque no suelan coincidir sus visiones). Escribo porque no puedo dejar de escribir las aguamalas de la infancia y las alfarrecas de Portugal. Escribo para que los conjuros de Circe me devuelvan a su isla. Escribo para que el poema se incendie e ilumine su mirada (esquiva). Escribo para enamorarla ante mi propio espejo. Escribo para curarme la herida del fármaco, para sanar las quemaduras de las flores del fuego. Escribo para parecerme a Gerardo de Nerval y sus filles du feu. Escribo bebiendo la luna lisérgica de Sabines. Escribo la luna que se puede tomar como una cápsula cada ocho horas. Nunca falla y siempre es buena como hipnótico, sedante y emenagogo (para Circe). Escribir las ausencias para que se conviertan en presencias. Escribir el Mar y sus lunaciones. Escribir la SAL, la flor de SAL. Escribir las mujeres y los hombres proscritos. Escribir el mal, pues el bien, otros lo han escrito, y no pasado nada excepto el engorde de sus cuentas bancarias. Hay que escribir para encontrar el amor que no existe, para alejar a los médicos fedatarios de Glaxo y Monsanto. Escribir para obtener dividendos crecientes de la luna almaria. Recuerda, miuda lúa, menina lúa, unas gotas de luna en los ojos de los amantes ayudan a bien follecer.


*Santiago Aguaded Landero / el alquimista impaciente Blog de poesía y otras literaturas

avalanche
é o nome do tempo
quando passa
legião
é o nome
do que ele carrega

24 de jun. de 2013

a poesia fez de mim uma ilha
onde pássaros pousam
queimam os pés — e partem

20 de jun. de 2013

os contornos do dia se desmancham
uma cortina [garoa
e pesam
os olhos da mulher no espelho
[vidraças
— onde ela esteve enquanto tudo
ruía?
lentamente desaparece a cidade
sob os panos [opacos
da chuva fina
que precede a chegada
do grande
frio
finge que é moça ainda e ensaia
uma canção e acende
o fogo
da lamparina azul / num rito
. . . . . . . . . . . . . . . .. de passagem

15 de jun. de 2013

há tanto tempo a fome / a sede / o incêndio nos olhos
e a cidade sitiada
os meninos perdidos
e a praça
que deveria ser do povo:- entregue ao abandono
ágoras pós-modernas serão os novos campos de guerra
santa / que é pela liberdade
arme-se de palavra e coragem
as pedras gritam
e as árvore se curvam reverentes à passagem dos pés
que as asas são escudos / e queimam
flamejantes / ensaiam voos
uma canção que faz arder
almas e corações
que sonham / campos de trigo e flores / a boa terra
em boas mãos /que não sossegam enquanto
a grande estrela não brilhar para todos
no mesmo grande céu

10 de jun. de 2013

razão nenhuma deve haver neste silêncio agudo
de grilos mortos e vagalumes inertes
num canto qualquer
cantou / não percebeu a imensidão das águas
azuis / de azulejos perfeitos
verde quase folha que flutua onde não
mergulhou
puro acaso
brilhou / enquanto eu dormia / agora é vagonada
mais um
que a morte (n)os iguala / iguanas
que o digam (somos)
línguas vermelhas dentro de corposverdes quase
vegetais / vegetam
que tudo termina
sobre a mesma terra / ou sob
barro que nos formou e espera
carne da nossa carne
gritam
as suas entranhas / onde um dia mergulharemos
afinal

8 de jun. de 2013

onde estão os anjos que não se pode ouvi-los?
foram prantear os inocentes mortos
da cidade em ruínas
choram pelos cães
abatidos por mãos que julgavam humanas
choram pelos homens / feras embrutecidas
pela ausência de compaixão
choram por seu Deus exilado dos homens
atônitos, observam as trevas
que se aproximam
/ é tarde / rapidamente / o sol / declina /
choram pelo fim da esperança
. . . . . . . . . . . . . e já não sabem mais cantar

1 de jun. de 2013

outono

maçãs repousam dentro de nós

e o rubro tom, na vidraça

Galeria Framboisine Berry (2)

31 de mai. de 2013

o pássaro
caminha sobre o muro esquecido das asas
e pia
embora saiba todos os mistérios do canto
sou eu
o pássaro cinzento sobre este muro branco

15 de mai. de 2013

os abutres vigiam
há em tudo um estado de quase/morte
num estágio
de sub-humana indiferença
mortes/vidas são apenas feridas
que não cicatrizam
cães sarnentos que perderam as asas
se arrastam
e as escamas dos olhos caem
lágrimas/pérolas que o tempo petrifica
depois tritura/e sopra

10 de mai. de 2013

noite
acolhe o meu silêncio
ainda maior que a tua
escuridão
curvam-se
os ombros do mundo
ante tua sentença
irrevogável
será noite enquanto
tu quiseres
longa feito um fio
de destecer memórias
rasa feito um rio
onde flutuam lírios
rituais
e velas
em busca do corpo
em paz
[finalmente

14 de abr. de 2013

a dor do homem a dor dos bichos
a dor das pedras a dor
vegetal
vale de lágrimas/desterro
a dor da terra quando
trinca
a dor das águas quando
secam
a dor do ar
quando falta e sufoca
carregado de chumbo e fuligem
metálica dor/e tudo grita
e se dissolve
no grande nada
indiferente e frio universo sem
ouvidos

10 de abr. de 2013

e de repente falta o chão
ventos contrários sopram
e a casa cai
tudo que foi sonhado
e construído
o que foi cultivado
e a grande máquina
que move o mundo
indiferente esmaga
bicho – casa – gente
engrenagens que sangram
regidas pelo tempo
senhor


7 de abr. de 2013

bem que tentei
mas a memória do sangue esvaiu-se
num tempo longe
daqui
[quase apagada a imagem de Maria
que não se fez
povoa meus sonhos
[ainda
nas noites rudes/singulares de abril

21 de mar. de 2013

Um poema dedicado a Raul Macedo

nenhuma morte cala o poeta
seus versos ecoam
até o fim
dos tempos
que conhecemos
ainda que ardam os papéis
nas imensas fogueiras
dos erros humanos
ou o dilúvio os dissolva
mero acaso
travestido
de castigo divino
ainda que todos emudeçam
e a cegueira se alastre
feito erva daninha
sobre a flor
segue a palavra sobre tudo
que apodrece
ou evapora
o verbo que paira
desde sempre e para sempre
amém.

12 de mar. de 2013

26 de fev. de 2013

sonharíamos recomeços embora fosse tempo
de caminhar sozinhos rumo ao fatídico não
lugar

tragédia anunciada: todo começo tem seu fim
propósito

desfecho

extremidades

que nunca se tocam / ou sim
se os caminhos forem círculos – quem sabe?

intento / razão / ou aniquilamento
danada palavra que quando:ocaso:tinge o céu
de vermelho

3 de fev. de 2013

era preciso sofrer como sofrem ainda as mães de maio

metálicos degraus revestidos de concreto e poeira
de todos os séculos

sobre a mesma dor

haveria talvez, algum sentido na rosa sobre a mesa
da sala

perturbadora visão

as mãos da minha avó cruzada sobre o peito gastas
de sangrar

por dentro

os olhos opacos como os olhos dos peixes na pia
onde os peixes dormiam

e o estalar das escamas

sob a lâmina fina faca quase preta um dia prata
desprezadas

barbatanas

mundo que se arrasta enquanto gaivotas mergulham
no mesmo velho sonho

da imagem no espelho

criado mudo sapatos de salto de pelica e veludo
onde um dia os pés

de uma mulher feliz

teias de aranha e traças colchão de palha e pulgas
encardidos e ásperos

lençóis

onde a menina descobriu janelas que davam
para dentro e viu no céu caminho

mas não voou

seu corpo era a gaiola de ferro que aprisionava
a mente

carcereiro adormecido

agora quase morto da química das águas em que
mergulha

pra se manter

cheiro de pano queimado pilhas de roupas brancas
no varal

sopradas brasas

raposas no telhado e o grande nave mergulha cega
na montanha em frente

numa noite sem luz depois das chuvas

28 de jan. de 2013

um tempo rude principia
todos os dias
antes
de qualquer sol possível
espantos que explodem
feito raios
em céus de ninguém
dores que arrancam olhos
a sangue
frio
e a terra segue
no seu santo oficio
em seu girar mecânico
num universo alheio
à todo drama : ou poesia


26 de jan. de 2013

a ilha dos pássaros
azuis
bem que eu preciso
voar
dormem os brotos
que vão se abrir
de manhã
ao chamado
do sol
saltam distantes
os olhos
que é para não
chorar
algodão doce
trompete
momento café
língua profana
professa
que não estamos
sós
milícias miram
em mim
subtrair-me
pra quê?
se tudo canta
enquanto caem
romãs
e espelhos trincam
imagens reais

25 de jan. de 2013

pairam sobre mim
abismos
de misericórdia
daquele
em quem acredito
[ ...e amo

19 de jan. de 2013

descobre enfim
não existir a tal grande cidade
que imaginava
elas são muitas
pequenas
cidades
dentro de um mesmo indefinido
território
homens perdidos
sem história
ou memória comum
que os aproximem. ou
os irmanem. nada
além
da invisível fronteira
de asco
isolamento e medo
a cúpula cinzenta
que tudo encobre
e a noite/trator inexorável
que tudo aplaina
hoje
cai feito um véu sobre o nada
(...lentamente)



18 de jan. de 2013

rio de concreto e náusea
segue
seu destino antigo
de levar
levou
meu sonho ingênuo
de chegar
nave de metal
sem rumo
segue
em linha reta
sonhando âncoras - ou
asas

16 de jan. de 2013

voraz o dia, membro da matilha
dos predadores de nós
manso quando amanhece - uiva
a cada por do sol
. . . .[...quando arranca pedaços

8 de jan. de 2013

queria ser vento
queria ser água, sol
e flor

tudo que fosse
o que não sou

7 de jan. de 2013

tendo nada a dizer, busca lá fora
por imagens
que por si só componham um poema
gerânios adormecidos
enfim despertos
pelas águas gentis de algumas chuvas - e mãos
generosas
tábuas apodrecidas que sorriem
por se saberem vivas
(embora estejam mortas)
estalam
. . . . . . como as árvores de semente que voam
em busca
da terra improvável
(ainda possível) nesta cidade infértil
impermeável
de flores de vidro e aquários
de papel

4 de jan. de 2013

a mulher desce por uma escada estreita e fria
em caracol
imensa
parece não ter fim
há limo nas paredes laterais
por onde as mãostentáculos nervos e unhas
tentam se agarrar
infrutífero esforço
os pés descalços sobre o concreto áspero
latejam
vertiginosa queda
agora se arrasta e se contorce
mormaço – calor insuportável - será
o centro da terra? o magma milenar - o hades
o fim do sacrifício?
tudo serena e outra mulher
antiga e negra
turbante de algodão
branco
imenso caldeirão – Nhá Dita
mexendo a sopa de feijão me olha - e sorri
e não há chão. formigas. o chão formiga
o fogo. as labaredas são
formigas
sou eu essa mulher
e acordo. suando em bicas
o telefone toca – é minha mãe
fala de coisas banais, da chuva que não cessa
do tempo quente
do bolo de fubá cremoso
receita nova
ah... você não sabe quem morreu:
Nhá Dita. acabei de saber. descansou a pobre
vinte anos numa cama de asilo
imóvel. falava com os olhos
lavou tanta roupa
fritou tanta batata. fez tanta sopa de feijão...

2 de jan. de 2013

trajando negro, chegaram as mulheres
vindas do fim do túnel
que desemboca num rio
de lama
vermes e areia
movediça
agarraram-se em árvores
de cipós e leite
de flores
mãos queimadas
elevadores
de edifícios gigantes
de banheiros sem portas e sem
janelas
louças amarelas
uma cidade vertical antiga
puro concreto
escuro e desgastado
rombos de granadas e demônios
que espreitam
nos jardins extramuros
nos portões que se trancam por dentro
que só se abrem ao amanhecer
(se amanhecer)

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