- Pai!
- O pai tem que acabar este artigo, filhote!
- Mas olha como correm estas sapatilhas que me diste!
- As sapatilhas correm? Como assim? Julgava que eram as tuas pernas!
- E são! Mas com estas sapatilhas é que eu corro muito, a toda a veçolidade!
- Velocidade, Campeão! E não é diste, é deste!
….
- Não voltes a dizer isso! Vamos durar até aos 100 anos, meu Amor! – E disfarçava a lágrima que teimava em querer toldar-lhe o olhar e que não deixava vê-la.
- Até aos 150! – Dizia-lhe, enquanto lhe pegava na mão e a levava à face, fechando os olhos.
- Estás cansada? Queres dormir um bocadinho? Eu corro a persiana para ficar o quarto na penumbra!
- Está muito sol? – Perguntou-lhe, voz suave, enrolada num cansaço que já não disfarçava. Não havia segredos, entre os dois.
- Está ameno, meu Doce! Finalmente chegou a Primavera! Queres água ou um chá fresquinho?
Ia deixando que ela afagasse com a sua mão na dela, o rosto, sentindo no gesto, a vontade que ela sempre mantinha, de que ele a sentisse, a tacteasse…
- Estou bem. Estás aqui, comigo. Estou mesmo bem. Importas-te que feche os olhos, um bocadinho? Não te esqueças de que hoje o João tem ginástica. Ele levou o chapéu?
- Não me esqueci, fica sossegada. Vai a minha irmã levá-lo! Sabes o quanto ela gosta do miúdo! Eu pus tudo na mochila e recomendei-lhe que lhe pusesse o chapéu.
- Sei. – Sorriu – Mas também sabemos os dois a quem sai o nosso pequeno, não é? A ti, passado a papel químico, meu doce! E que o chapéu vai ficar na mochila e a tua irmã não se vai lembrar de lho por. Ela estraga-o com tanto mimo! Diz-lhe que não lhe dê gelado, senão ele não vai jantar direito!
- Claro que digo!
Olhava-a, as lágrimas a correr, a queimar-lhe o rosto e um aperto tão grande, dentro dele! Como ela estava frágil!
- Ainda não te disse hoje que te amo!
- Eu já havia estranhado, Querida! Não é só o João que gosta de mimos, sabias?
Riram os dois, ela fez um esgar.
Ficou aflito! Ajeitou-lhe a almofada, e deu-lhe um beijo, doce, nos lábios.
Sentiu um prazer intenso, como se fizesse amor com ela, como se a sentisse a abraçá-lo, a sussurrar-lhe ao ouvido quanto o desejava. Naqueles segundos, voltaram a amar-se, ele entrando nela, sentindo-lhe o calor brando. Naqueles segundos, o tempo dum beijo, amaram-se intensamente. Eram um do outro, desejando-se tanto!
- Achas-me feia, não achas?
- Mas onde foste tu buscar isso, agora? Tu és a mulher mais bonita do mundo!
E já regressava ao passado, ao tempo da faculdade onde se conheceram, ao quarto que haviam alugado, uns meses depois, à desculpa que arranjaram para subirem e a dona da pensão a olhá-los, com um ar tão vivido!
- Conta-me! Quando me olhas assim, sei que estás a pensar.
- Não! Estava a olhar-te, sim, mas estava aqui, não estava longe de ti!
….
- Pai!
- Sim, filhote! Estou a ver-te correr e tens razão, essas sapatilhas são…
- São bué da fixes, não são? É como a tia diz. A tia é tão minha amiga, Pai! E tua!
Veio sentar-se ao seu lado, na relva.
- Olha, Pai, sabes uma coisa?
- Se me quiseres contar, vou saber.
Fechou o texto, no portátil e o ecrã encheu-se dum olhar dourado, meigo, frágil, duma cor que ele jamais esquecia.
- Eu sonhei, sabias?
- Sonhaste? – Perguntou, enquanto o sentava no colo.
– Se eu te disser uma coisa, não te zangas comigo?
A mãozita rechonchuda foi pousar-se na sua face. Ouvia-o mas aquele toque era tão cheio de um outro, por tão quente, tão enovelado de ternura…
- Não me zango, Campeão! Estou a ouvir-te, sou todo teu!
- Eu vi-te a chorar, Pai! Contei isso à minha prefossora. Ela é tão linda!
Sabia que a conversa ia ser difícil. Não a do seu filhote, mas as respostas que lhe queria dar, que teriam de ser como “Ela” lhe havia pedido que fossem…
- Professora, João! Ela gosta muito de ti e dos teus amigos todos!
- Pai, como é que a mãe falava comigo? Eu sonhei com ela, sabes? Era a mãe, mas a cara era a da Catarina. Tu não te zangas comigo, não?
O pai sorriu. Ele não era passado a papel químico dele, não era. Ele tinha aquela forma doce de olhar.
- São muitas perguntas ao mesmo tempo, João!
E enlevou-se a ver o miúdo a contornar o rosto na tela, aquele dedito a tocar os olhos meigos, o nariz, a fazer uma roda à volta daquela boca aberta num sorriso.
O João encostou-se no seu peito, e, sem o olhar, continuou, sem deixar que ele lhe respondesse.
-Estou a sentir o teu coração, Pai!
- Estás? É porque estás encostadinho a mim!
- Não! Estou a sentir o teu coração agarradinho ao computador! Porque é que não tens uma namorada? Podias pedir à Catarina. Ela não tem namorado que eu sei, eu perguntei-lhe!
- Filho, não ando à procura de namorada! Tenho-te a ti, tenho o meu trabalho. Não foste dizer nada à tua educadora, pois não?
- Estive quase, quase, Pai! Quando me sentei no colo para lhe contar o sonho, sabes? Ela fez-me tanta festinha no cabelo e deu-me um abraço. Não te importas pai, que eu tenha gostado de estar no colo dela?
- Deixou o filho falar. Sabia o que ele queria dizer, entendia tão bem que era mais do que natural que ele precisasse do colo de mãe.
Olhavam aquele sorriso que parecia querer sair do monitor.
….
- Vou correr um pouco a persiana, meu Amor!
- Faz isso, sim! Não te escondo que quero fechar os olhos.
Não me vais deixar nunca, não? Estou a lembrar-me de como te dizia, quando estávamos naquela pensão manhosa…
Riu-se enquanto o olhava.
- Não podias ter escolhido algo melhor? Afinal, era a nossa primeira vez, meu Amor!
- Nem tu sonhas a quantos amigos eu perguntei, mas, nenhum tinha a casa disponível. Todos nós estudávamos e todos nós estávamos em quartos alugados. Não podia levar-te e correr o risco de um deles entrar e ver-nos. Recordo-me que foi o Zé que me deu a ideia de alugar um quarto. Que ninguém iria reparar porque era uma zona…
- Nem me fales! Aquilo tinha um ambiente! Ainda estou a ver a cara da mulher a mirar-nos de cima abaixo! E o quarto, Amor, tu estás a ver aquele quarto? Era um pavor!
- Mas quando entrámos, deixou de ser! A vontade que eu tinha de te amar logo ali, ao subir das escadas. Mas contive-me! Tens que concordar que excedi todas as tuas expectativas, quando te peguei ao colo e te pousei na cama.
- Excedeste, sim! E como! Jamais esqueço!
- Perdoa! Jamais esquecemos!
Ela apertou-lhe ainda mais a mão, e do rosto, onde a havia pousado, levou-a ao peito. Ambos sabiam que ali estava o maior dos Amores, o maior dos sentimentos.
Não havia qualquer vazio, e aquele espaço, continuava belo, como se aquele seio ainda existisse, bonito, imaculado, beijado que fora por ele, pela sua boca, vezes sem fim!
- …Como te estava a dizer, não te “prenderia” jamais e que a palavra “nunca” não seria proferida por mim! Hoje abro uma excepção! Eu vou…mas nunca, nunca, te vou deixar!
Não conseguia articular uma palavra que fosse. Se o fizesse, ela perceberia o quanto ele chorava.
- Psssiut! Então? Onde está esse teu humor?
A mão dele permanecia no peito dela, sentia-lhe o pulsar do coração, transformava-o em música para que, com o som, ela não se apercebesse de que chorava. Fez um esforço para engolir tanto soluço!
- Hei, miúda! Olha que se me dizes isso, não te levo ao tasquinho onde jantámos, depois.
- Ainda existe? – Perguntou – Ainda! E o dono mandou-te um abraço e que só está à espera que lhe digamos quando lá vamos para ele te fazer aquele arroz malandrinho?
- Ai! Aquele Sr. Joaquim! Era um encanto de pessoa! Tratou-nos tão bem, recordas-te? Ofereceu a sobremesa. Como é que ele dizia que se chamava?
- Romeu e Julieta, Linda! Queijo com marmelada, em cima duma fatia de Boroa de milho!
- Era isso! Até parece que estou a sentir o sabor! Lembras-te? Ele dizia que ia mudar o nome, que ia passar a chamar-lhe “O Casalinho” porque nos via tão garotos, tão felizes!
- E estávamos! Foi um dia em cheio, aquele!
….
- Pai! Pai! Tu não me está a ouvir! Eu estava a falar-te da Catarina, da minha pressora.
- Estava a ouvir-te, sim, João!
- Tu estás a chorar! Ó pai, deixa-me limpar-te as lágrimas que o avô disse que um homem não chora!
- O avô disse-te isso? Mas um homem chora, filho! Claro que chora!
- Não! O avô disse que as sinhoras é que choram por tudo e por nada. Não vês a avó? Mal olha para a fotografia que tem, igual a esta que tens aqui no computador, ela chora!
E o avô dá-lhe mimos e diz para ela não chorar, que a mãe está lá em cima a olhar e que fica triste. Ele também me disse que até é por isso que chove, que é a mãe que está a chorar! O avô não mente, ora não, Pai?
- O avô não mente, não!
Ele estava deliciado a ouvir o filho! Que 5 anos mais bonitos ele tinha no colo! Que cinco anos tão parecidos com aquele sorriso que teimava em querer saltar do monitor!
- Então – e agarrou-lhe o rosto com as duas mãozitas – Também não vais chorar, prometes? Senão a mãe chora e já não podemos estar aqui porque começa a chover!
- Já passa, meu Amor! Vai dar mais uma corrida, vai!
- Mas prometes que pensas naquilo que te disse?
- Naquilo o quê, filho?
- Vês? Eu bem disse que num tavas a ouvir nada do que eu te estava a contar! A Catarina, Pai! A Catarina!
- Eu ouvi, sim! Olha, vamos fazer uma coisa gira, queres?
- O que é?
- Vamos passar na florista, amanhã, antes de te levar à escolinha, e, compramos-lhe uma flor e tu dás-lha, que dizes? Achas bem?
- E digo que foste tu que diste?
- Não. A flor é um presente teu! Vais ver como ela vai gostar!
- Mas eu…
- Mas eu nada! Vai dar uma corrida, vai, que depois temos que ir, que os avós estão à nossa espera ou já te esqueceste que a tua tia chega hoje e que traz o Rui, e vais brincar com ele?
- Eia!!! Já num lembraba-me dixo, pá! E trouxeste os carrinhos para eu brincar com o Rui?
- Trouxe! Estão no carro! Vá, pira-te!
….
-Manel! Manel!
Ele havia adormecido, cabeça no colo dela! Olhou-a, estava tão serena. Dormia, mão dada com a dele!
- Manel! Vem, Manito! Já telefonei aos pais. Já fui deixar o Joãozinho a casa da Joana!
- Porquê? Mas o João tem ginástica! Não o levaste à ginástica porquê? A Ana queria tanto vê-lo! Só me pediu para dormir um bocadinho mas que a acordasse quando chegassem. Bolas, Rita! Fico danado quando não me dizes nada e resolves tudo a teu belo prazer! Tinhas algum encontro, era isso? Telefonavas, e, eu ia buscar o João!
Nem notava que a irmã chorava já tanto.
- Manel, a Ana adormeceu mesmo!...
A Rita soluçava agarrada ao irmão e não conseguia continuar.
- Pois adormeceu! Sabes que ela se cansa imenso, agora! Mas vai ficar melhor!
Deixa-me! Estás agarrada a mim, porquê? ‘Tou fulo contigo, Rita!
- Manel, vais ter calma? Estou a tentar dizer-te…
Foi quando ele olhou bem a Ana, a sua Ana! Tão serena, tão calma!
Não! Impossível! Não podia ser! Só estava a dormir…Era! Só estava a dormir!
Eles prometeram que duravam até aos 100 anos!
-Mano, já está tudo tratado.
Já não ouvia nada! Sentia um aperto enorme, queria desaparecer, ir com ela, com a sua Ana…
-Deixa-me! Deixa-me, Rita! SAAAAAAAAAI DAQUI, JÁ!
Não conseguia dizer nada, não queria, ela só estava a dormir, ela prometeu!
-Ana, não me deixes! Ana, promete que só estás dormir, e que vamos falar mais, e que vais pegar na minha mão!
E chorou tanto, encostado a ela, sobre o seu peito, tentando ouvir a música, o pulsar do coração que ele amava tanto, tanto. Deu-lhe um beijo, e, naqueles segundos, amaram-se, desejaram-se, ele entrou nela, sentindo o calor brando e sussurrou-lhe ao ouvido que nunca, mas nunca se deixariam!
….
Fechou a mala do portátil, levantou-se, abriu a mochila e olhou o chapéu e sorriu, e, tal como fazia desde aquele dia, em que adormeceram, levou o pensamento até ao dela:
- Só não tinhas razão numa coisa, Ana! O João não é parecido comigo. O João és tu, sempre que o sento no colo e te sinto, quando se encosta ao meu peito e eu ouço a nossa música, o pulsar do teu coração! E sim, meu Amor, prometi-te! Te garanto que nunca te vou deixar!
Viu o miúdo a correr, feliz! Não se podia esquecer de ir à florista amanhã!
- João! – Chamou – Vamos? Despacha-te, filhote! Os avós já telefonaram e a tua tia já chegou, e, nem tu sabes, o que tens para sobremesa!
- É gelado, que eu xei! É o gelado que a Tia Rita aprendeu a fazer com a mãe!
UMA SINCERA HOMENAGEM A TODAS AS MULHERES QUE, MALOGRADAMENTE, NÃO CONSEGUIRAM "VENCER" O CANCRO DA MAMA. MERECEM POR TUDO SER EXALTADAS POR TODOS POIS QUE FORAM TAMBÉM ELAS, AUTÊNTICAS GUERREIRAS, E, LUTARAM, LUTARAM, LUTARAM!!!!POR VEZES, A VIDA PARECE SER TÃO INJUSTA!QUE AQUELE LAÇO COR DE ROSA SEJA UMA CONDECORAÇÃO PARA TODAS!
Por: Cristina Miranda
Blog: Os Meus encantos
"Todos os direitos de autor reservados"