Fecho os olhos. Engraçado, olhos abertos ou fechados não devem interferir em nada o nosso pensamento. Mesmo sabendo disso, fecho os olhos sempre que quero me concentrar demais em alguma coisa. E agora eu quero me concentrar pra saber o que diabos essa coisa peluda e de unhas afiadas está fazendo em cima de mim. Ah sim - lembro: dormi na casa de uma amiga. E ela tem um gato. Ou melhor, uma gata, Chuchu.
Forço um pouco mais minha concentração. Minha amiga deve estar dormindo. Não escuto nada, nenhum barulho. Não vai ver se eu matar a gata. Não, não precisa matar. Basta esganar e jogar a uma distância mínima de cem metros. O que acontecer no trajeto (meio ou fim) não me diria respeito. Só respondo pelo que acontecer na saída. Sou igualzinha a vendedora de McDonalds, não me importo com sabor, textura ou temperatura - afinal, o cliente primeiro passa no caixa e só depois é que faz o pedido. E quem gasta 13 contos pra comer aquilo, merece mesmo esse tratamento.
Desisto do plano. Sinceramente? Sempre soube que não o cumpriria mesmo. Todo mundo sabe disso, que sou espalhafatosa e bocuda, mas no fundo eu só tenho é tamanho mesmo. Epa, não tamanho de fundo, tamanho no fundo. Quer dizer, na verdade eu só tenho tamanho. Ah, vocês entenderam. Jamais faria uma maldade com um bicho. Talvez alguma maldade com o bicho-homem. Talvez muita maldade com esse animal, no entanto, ele sempre merece. Quando ele sacaneia, é de caso pensado, com argumento e tudo. Por isso sacaneio esse bicho: porque sou da mesma laia que ele. Um pouquinho melhor que um bocado deles, um tantinho pior do que um monte, mas no geral, tirando dois botando cinco e multiplicando por zero, igualzinha aos meus. Quem sai aos seus não degenera, dizem.
Tiro cuidadosamente a gata de cima das minhas pernas com um pouco de medo. Tenho medo de felinos, eles são muito ágeis demais da conta pro meu gosto. Quando eu penso que vou receber uma lambida (sem sacanagem) posso levar uma unhada, e visse o verso. Desssa vez fui cheia de cuidados e a gatinha correspondeu toda dengosa, esfregando a cara em minha mão, pedindo só um pouquinho de carinho pelamordedeus. Ai que lindinha... tão fofa... mas peraí, essa coisa peluda me acordou cedo num domingo preguiçoso e sem compromisso, a filha da puta.
Tiro a gata de cima da cama, levanto, estico os músculos igualzinho à gata. Vi ela se espichando toda num espreguiçar de dar inveja, e deu. Inveja, claro. E fiz. Igualzinho, mas do meu jeito, me estiquei e até pensei que o molar direito tinha se esticado um pouquinho também. Vou ao banheiro fazer o xixi sagrado (sempre essa maldita impressão ao acordar: se eu tivesse dormido mais cinco minutos, mijaria na cama). Escovo os dentes antes mesmo de colocar qualquer comida na boca. Tenho essa mania: acorda, escova os dentes. Come, escova os dentes. Vai deitar, escova os dentes. Vai sair, escova os dentes.
Tomo um banho, visto o camisão de novo. A seguir, o gesto fatal de intimidade: vou na cozinha, vasculho tudo até encontrar cafeteira, filtro de papel e pó de café. Sem o café da manhã não sou nada, sem o café da manhã eu não acordo, sem o café da manhã fico com dor de cabeça o dia todo. E ficar com dor de cabeça num domingo que não se tem porra nenhuma pra fazer é lasca.
Peraí... se é domingo, se eu não tenho compromisso, se não tem nada pra fazer, o que é que estou fazendo em pé às 8 da madrugada, já de banho tomado? Ah, a gata.
- Chuchu! Chuchu! Vem aqui, gracinha... vem, Chuchu...
Lembrei. Agora eu juro que mato ela.
Dimas, esse é o primeiro exercício que eu faço com o seu novo método de escrita. Saiu assim fácil, fácil. Gostei.
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