Olha o robot
Entre o grito da cronista e hoje, passaram-se 45 anos.
Registo, com tristeza, que a ameaça reportada no texto se concretizou: do mundo
com gente e palavras sobra muito pouca coisa. Pela Escola onde trabalho,
cirandam jovens de telemóvel na mão, alienados desde manhã cedo. Quando saem
pra o intervalo, já de aparelhos em riste, lembram-me os fumadores da minha
infância, esses que, quando a camioneta excursionista parava numa estação de
serviço, sofregamente corriam para a rua, desesperados por umas passas de
carbono.
Em Ribeira de Pena, por causa dos incêndios, estivemos quatro
dias sem serviço de internet, de telemóvel e de televisão por cabo. Entre as
queixas gerais, as mais exasperadas eram as de adolescentes e jovens adultos,
que se sentiam náufragos, mergulhados (ai deles) nesse moderníssimo síndrome de
abstinência – da falta do facebook, do twitter, do instagram. Para matarem o
tempo, imagino, alguns tiveram mesmo que dialogar de viva voz com os pais, os
irmãos, os avós, os vizinhos.
O mundo globalizado pôs máquinas a cobrar-nos a conta do
hipermercado e as portagens. Telefonamos à EDP e quem nos atende é uma voz
pré-gravada, enunciando frases como um robot
cínico. Tendemos a ser versões digitalizadas de nós mesmos, desprovidos de
carne, de ossos, de amor. Diria, a pensar na internet e nas prisões em geral,
que devimos cardumes cegos sem alma para fugir da rede.
Maria Judite de Carvalho achava que, em 1971, se vivia já no
Futuro e, em remate mineral da sua crónica, anunciava: “Não gosto.” Tendo
sofrido quase 50 anos da brutidade seguinte, eu digo-vos agora que também não.
Joaquim Jorge Carvalho
[Esta crónica foi publicada no semanário O Ribatejo, edição de 29-09-2016.]