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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Flamengo vira febre na Tchada, em Bissau





“O Flamengo é união. O preto representa a África e o vermelho todas as outras cores, todas as raças. Viva o Mengão!” Foi com essas palavras que o mineiro Ricardo Rodrigues, de 30 anos, acordou na madrugada do dia 2 de janeiro. Era o último dia de comemoração do Ano Novo no bairro onde ele mora, a Tchada, em Bissau, capital da Guiné-Bissau, na África Ocidental. Quem gritava ao microfone era Nuno Mancabú, de 28 anos, guineense e – agora – flamenguista. Com sua versão sobre as cores da camisa do Flamengo, proclamada em português, uma das línguas oficiais do pais, Nuno motivou a vizinhança a ouvir, unida, gritos de guerra da torcida da equipe, cujo CD o havia sido emprestado por Rodrigues. Sua fala também motivou Rodrigues a sair da cama e comemorar com os amigos guineenses.

Naquela noite do começo de 2011, Rodrigues estava a presenciar o resultado de um ano de disseminação do que ele define como a ¨essencia da nação rubro-negra”. Ele viu Decalian Insali, de 24 anos, ou o NBA, um amigo negro, estatura mediana e forte, e que usa apenas camisas de jogadores de basquete, colocar as mãos na cabeça ao chacoalhar a mesma para um lado e para o outro enquanto gritava “agora é que eu entendo o que é ser Mengão”. Viu tambem um grupo de jovens parar para escutar os gritos de guerra de seu time e ouviu, diversas vezes, “Flameeengo, Flameeengo”. Tudo isso em um ambiente que antes era dominado por notícias do futebol europeu, o campeonato estrangeiro que recebe a cobertura mais ampla da imprensa local.

O futebol é o esporte mais popular na Guiné-Bissau, uma ex-colonia portuguesa que está classificada na 173ª posição num total de 182 países no Índice de Desenvolvimento Humano, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2009 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Seus 1,6 milhoes de habitantes enfrentam a instabilidade política do pais, assim como números alarmantes de subdesenvolvimento: mais de 35,4% da população adulta da Guiné-Bissau é analfabeta, apenas 57% tem acesso à água potável e quase 78% vive com menos de dois dolares por dia. Nesse cenário, o futebol pode servir para muitos como válvula de escape, como o próprio Rodrigues analisa.

Flamenguista fanatico, vive em Bissau desde janeiro do ano passado. Ele é voluntário das Nações Unidas onde, inclusive, aproveita as conversas com os colegas de trabalho para angariar torcedores para seu time. Conta ele que uma das cenas que mais o emocionou no trabalho foi quando ouviu um de seus colegas dizer ao outro que “todos nascem flamenguistas, e alguns degeneram”. A frase, repetida incansavelmente por Rodrigues, está prestes a virar ditado popular, principalmente no bairro onde mora, a Tchada. É lá que o impacto de suas ações se faz sentir com mais força.

O manto sagrado - Em junho de 2010, Rodrigues recebeu uma encomenda com oito camisas do Flamengo, enviadas a partir de Patos de Minas (MG), sua cidade natal, pelo seu pai, Donaldo Amaro Teixeira, de 67 anos, responsável por sua paixão – que muitos julgam loucura - pelo Flamengo. Foi o que faltava para a antiga equipe local, que estava sem patrocínio há dois anos, se transformar no Flamengo da Tchada, time que hoje esta de volta ao campeonato de bairros de Bissau. As camisas foram sorteadas entre os moradores do bairro. Durante seis meses, os jogadores não contemplados tiveram de pegar emprestado dos sortudos o uniforme para participar dos jogos. No final do ano, no entanto, Teixeira visitou a Guiné-Bissau e trouxe consigo mais 30 camisas do Flamengo. Agora tanto reservas como titulares estão uniformizados. O jogo de estréia dos uniformes ira acontecer nesta 5ª feira, durante o classico Flamengo versus Flamengo.

¨O Flamengo do Brasil esta ficando cada vez mais conhecido aqui, pois com nossa equipe divulgamos a nação rubro-negra para toda a cidade¨, orgulha-se Dionísio Dias, de 30 anos. Esse policial, que é técnico do Flamengo da Tchada, viveu seis meses em Brasília (DF), em 2009. Voltou para a Guiné-Bissau corintiano, mas não resistiu ao “manto sagrado”, como se refere à camisa do Flamengo. ¨Dei minha camisa do Corinthians para um amigo que foi para o sul do país. Agora eu sou Mengo¨, afirma.
Dias já conhecia o Flamengo da época em que esteve no Brasil. Assim como ele, muitos guineenses que foram morar no pais voltam para Guine-Bissau flamenguistas. Aqui existe também o Flamengo de Pefine, equipe criada em 1983, e que atualmente disputa a segunda divisão do campeonato nacional, com o uniforme usado pelo Flamengo quando ele era patrocinado pela Petrobras.

Os flamenguistas da Guine-Bissau aspiram que com a contratação de Ronaldinho (leia matéria), o numero de torcedores possa vir a aumentar, talvez na mesma velocidade do apoio da Agencia Brasileira de Cooperacao ao pais que, em 2010, apoiou diversos projetos, desde a formacao profissional ao controle de malaria.

Sem energia, sem jogo - Quando perguntados sobre a escalação do Flamengo, no entanto, são poucos os que conhecem o nome de todos os atletas. Os campeonatos do Brasil não sao televisionados pela TV local nem sao narrados pelas rádios, principal meio de comunicação no pais. A falta de eletricidade na cidade também joga contra os torcedores. ¨Mesmo se tivéssemos outros canais, sem energia não da para ver televisão”, ressalta Mancabú. Os resultados dos jogos são acompanhados pela rádio no dia seguinte ou pelo noticiário da TV Record Internacional. Para driblar as dificuldades, Rodrigues inventou um método de avisar os moradores de seu bairro sobre o resultado dos jogos, que acabam de madrugada no horário de Bissau, devido ao fuso-horario, e que são acompanhados por ele via internet. Quando pendura a camisa da equipe na janela de sua casa, os torcedores ficam sabendo, assim que acordam, que o Flamengo ganhou. É um incentivo para mais um dia de torcida.

Ronaldinho motiva torcida guineense


A contrataçao de Ronaldinho Gaucho pelo Flamengo causou comoção entre os flamenguistas guineenses. O jogador é bastante conhecido na Guine-Bissau, principalmente por sua atuacao em equipes do futebol europeu, que é divulgado pela imprensa local. ^Agora o Fla sera lembrado por ser a equipe por onde o imperio do amor com muito samba ja passou^, comenta Nuno Mancabú, do Flamengo da Tchada, em alusao aos jogadores Adriano, Vagner Love e Ronaldinho Gaucho.

As negociacoes para a contratacao de Ronaldinho foram acompanhadas por algumas noticias nas radios e, principalmente, pelo noticiario da TV Record Internacional. Também motivaram ainda mais a uniao da vizinhança que, se antes ficava entretida e, principalmente, dividida entre a torcida para o Benfica, o Sporting e o Porto, equipes do futebol portugues, agora esta unida em torno do Flamengo.

No dia do anuncio da contratacao de Ronaldinho Gaucho, o estudante Decalian Insali, de 24 anos, conhecido como NBA, ficou ate as 2h da manhã no horario local acompanhando o noticiario da TV. Quando a noticia foi dada, ele nao se conteve e foi ate a casa de Rodrigues para avisa-lo. Barrado no primeiro momento pelo guarda, a senha foi dizer que trazia noticias do Flamengo. ^Falei que tinha um assunto importante sobre o Flamengo. Dai o guarda liberou minha entrada^, lembra ele, que subiu as escadas que dao acesso a casa de Rodrigues gritando ^o gajo é nosso!^.

Para comemorar a contratacao, os moradores do bairro da Tchada, em Bissau, desfilaram pela rua principal com a faixa ^Ronaldinho, Guiné-Bissau é Mengao. Estamos contigo.^ O guarda Pedro Na M’berra, conhecido como Baiao, de 24 anos, foi um deles. Desde que ganhou ^o manto sagrado^ vai ao trabalho todos os dias com a camiseta do Flamengo por baixo do uniforme. A tradicao é mantida por dois de seus colegas. Um deles, inclusive, foi multado pelo dono da empresa no equivalente a cinco reias, pois um dia foi trabalhar apenas com a camisa de futebol. Será que tudo isso vale a pena? Baiao define de forma simples a razao do fanatismo: ^escolhi uma equipe da cor do meu sangue e da minha pele. Sou Fla, Fla, Flamengo! Rubro-negro, estou contigo ate a morte^.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Pelo celular

Antes de vir para Bissau, tive que desativar a minha internet Claro 3G. Que inferno!!!! Ninguém merece ter que entrar em uma loja da Claro.
Nesse meio tempo, minha irmã tinha alguns pontos para comprar um outro celular, que no caso é o aparelho que trouxe para cá. Fomos na loja da Vivo. Que inferno!!!! Ninguém merece ter que entrar em uma loja da Vivo. Não era pra cancelar nada, era pra comprar e o trampo foi o mesmo.
No meu primeiro dia em Bissau falei com o motorista que precisaria comprar um número de celular. Ele simplesmente parou o carro, alguns meninos se aproximaram, dei o dinheiro, eles me deram o número e os créditos do celular. Tudo não demorou mais do que 30 segundos.
É só para registrar como é muiiiiiiiiiiiiiiito mais fácil ter acesso a um celular aqui. E imagino que esse seja um padrão para o continente, já que nos outros cinco países onde estive, o processo foi sempre simples. O saco sempre foi desbloquear o celular do Brasil, na época em que isso era bem complicado fazer por aí.
E outra coisa: como somos roubados no Brasil com os preços abusivos das ligações! My God! Acabei de falar 28 minutos, ligação de celular para celular aqui, e gastei menos de 1000 CFA, o equivalente a uns R$ 3,50.
Só para desabafar!

sábado, 25 de setembro de 2010

Cuidado, cuidado, cuidado











As coisas que eu mais ouvi quando contei para as pessoas no Brasil que viria para Guiné-Bissau foram:

- Cuidado!
- Você está louca.

Sim, todo mundo pediu para eu tomar cuidado. Acho que é natural, isso aconteceu quando eu fui para os EUA ou para a Europa. Mas a preocupação perante à África é sempre maior. É a preocupação com o desconhecido - essa gente não deve ter lido Minha Vida na África...rs. Afinal, nós, brasileiros, pouco conhecemos a África, apesar de nossa história ter se cruzado em vários momentos.

Geralmente eu sempre digo: cuidado eu tenho que ter para andar em São Paulo! E isso é uma grande verdade. No sábado passado fiz minha primeira caminhada pelas ruas de Bissau, sozinha, botinha de bióloga para driblar os obstáculos das ruas, olhares atentos. A sensação foi maravilhosa. Munida de minha maquininha fotográfica fiz algumas fotos. Ninguém me perturbou. Ninguém reclamou. Ninguém tentou me roubar. Tive uma sensação de liberdade grande, só possível quando eu sinto segurança. E estava eu em Bissau, muito mais segura do que em São Paulo.

Não. Não sou louca. Isso é fato!

Aqui seguem algumas primeiras imagens que fiz.

Obs.: Piadinha que corre na boca pequena: Bissau é a capital mais tranquila da África, o único problema é que tem golpe de estado duas vezes aos ano!

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Vida de voluntária - mais um diário de bordo

Escrevi o email abaixo em junho de 2003, quando ainda estava na Europa, me preparando para ser voluntária em Moçambique. É mais um capítulo da vidinha de voluntária.

Oi, pessoal, tudo bem? Ja se foram tres meses,e e por isso que meu terceiro diario de bordo esta aqui, fresquinho para cada um de voces. Estou em Copenhague, na Dinamarca, onde vou morar por um mes. Estou dando aulas para refugiados do Iraque, da Somalia e do Ira. Esta sendo uma experiencia muito boa e, o melhor,ainda ganho pra isso. So que o dinheiro vai todo para a minha viagem para a Africa. Fazer o que, ne? Volto para a Inglaterra no fim de junho. Vim para ca para participar de um campeonato de teatro eresolvi ficar (Para quem nao lembra, sou tambem atriz agora). A peca foi Lysistrata, de Aristofanes. Conta a historia de algumas mulheres gregas que decidiram fazer greve de sexo para que seus maridos deixassem de participar da guerra. E uma comedi a muito engracada.Meu personagem era Ismenia, uma mulher que tentou fugir da Acropoles,local onde a ala feminina se reuniu durante a greve, fingindo que estava gravida. A peca estava muito boa. Ficamos em terceiro lugar.

A Dinamarca e muito bonita - e limpa, acima de tudo. Quando cheguei,fiquei em Juesmilde. E uma cidadezinha tao limpa que passou pela minha cabeca a necessidade de ter de tirar o sapato para pisar na rua. Mas agora ja estou mais acostumada. Aqui quase todo mundo fala ingles e tem uma bicicleta. Tentei dar uma volta por Copenhague em uma bike gratis que os turistas podem utilizar, mas nao deu: minhas pernas sao muito curtas para as bicicletas de gigantes que eles tem aqui. Culpa dos baixinhos la de casa. Nesse ultimo mes, muita coisa aconteceu. Fui para Londres, fiz o teatro, li alguns livros sobre Mocambique, trabalhei para o British Council. Londres, alias, e uma cidade maravilhosa. Cidade grande, cheia de historia, onde e possivel encontrar gente de todo o mundo. Como era de se esperar, o clima de guerra era inexistente. A cidade e tranquila, ainda mais se comparar com quem esta acostumado a Sao Paulo. Os guardas nao andam nem com arma de fogo. No fim de junho e comeco de agosto vou tirar ferias. Dai vou aproveitar para dar uma passeada pela Italia,Espanha, Portugal, Franca e Belgica. Ja sei que voces devem estar seperguntando como, onde, porque etc. Aqui na ONG todo mundo tem direito a ferias de sete dias. Mas, sou brasuca, e consegui dar uma prolongada. Vou num esquema bem barato se comparado com o padrao continental: aviao com desconto, onibus, trem. Durmo em albergues e entro nas atracoes na faixa com a apresentacao da carteira dejornalista. >Minha vida deve estar parecendo uma maravilha. Mas nao e nao. Ja tive alguns choques culturais como ter de pagar para ir ao banheiro dentro de um shopping center em Liverpool, nao ver mendingona rua na Dinamarca, e ter de acordar as 6h da manha para dar aula.Mas esses sacrificios compensam. Sempre tenho saudades das farras noBrasil, da carne, do clima. O tempo em Copenhague na semana passada estava excelente. Deu ate para lembrar do Nordeste. Um calorao de 18a 20oC e sol. Peguei uma praia. Estou super bronzeada.

Tenho de ir agora. Escrevam contando as novidades. Leio todos os e-mails. Quando voces vem me visitar?

Beijao, Mirella

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O dia em que conversei com o presidente do Malauí

Seria um dia qualquer de abril de 2004, se eu não tivesse conseguido uma entrevista exclusiva com o então presidente do Malauí, Bakili Muluzi. Conhecido por não dar entrevista, dentre outros atributos como corrupto e autoritário, Muluzi estava em Blantyre, capital econômica do país, para o lançamento de sua estação de rádio. O evento aconteceu poucos dias antes das eleições gerais, a terceira da história do país. Claro que o candidato apoiado por Muluzi, Bingu wa Mutharika estava lá. Qualquer semelhança com a campanha no Brasil é pura realidade!

Enfim, antes do evento, aproveitei para entrevistar Mutharika, lá mesmo no palco, enquanto ele aguardava a chegada de Muluzi. Eu havia conseguido agendar a entrevista depois de muita insistência com o assessor dele. Até aquele momento, Mutharika não havia falado para nenhum jornalista que não fosse da mídia estatal. Mas nada que muita insistência, sotaque, o passaporte verde (é o de brasileira mesmo) e a falta de equidade de gênero não resolva. Também usei de chantagem. Afinal, havia entrevistado todos os candidatos à presidência do Malauí, menos Mutharika.

A entrevista acabou quando centenas de mulheres vestidas com cangas amarelas estampadas com o rosto de Muluzi e/ou Mutharika começaram a cantar e a dançar. Muluzi estava chegando. As mulheres haviam sido contratadas para alegrar o evento.

Eu fiquei do lado do palco e não tirei o olho de Muluzi nem um só segundo. Queria que ele me visse por lá. Já havia participado de outros eventos de inauguração, dentre eles da Fundação Muluzi, e tinha aplicado a mesma técnica. Sabia que ele iria se lembrar de mim. Afinal, eu era a única jornalista mulher azungu (branca, na língua local chichewa) que cobria as eleições.

Dito e feito. Ao final do evento, Muluzi desceu do palco rumo a seu carro, cercado por seguranças. As mulheres voltaram a dançar e a cantar. Eu fiz aquele tchauzinho básico e disse "- president". Ele parou e me perguntou: "who are you? where are you from? what are you doing here? (quem é você? ´De onde vocè é? O que te traz aqui?". As mulheres imediatamente pararam de dançar e de cantar. O silêncio era absoluto. Respondi às suas perguntas e, munida de um microfone, fiz uma curta, mas substanciosa entrevista. Chris, o câmera, gravou tudo. Trechos da entrevista foram utilizados para a produção do documentário "The Making of a President" (Presidente sob encomenda).

Terminada a entrevista, o fotógrafo da Associated Press vem em minha direção e pergunta: "O que ele falou? Como você conseguiu a entrevista?". Bom, sou da Minibus Media! (rs)

A foto abaixo é do momento da entrevista. Mutharika é o cara de óculos, em segundo plano. Ele também parou para o momento histórico. Note o meu figurino, que gracinha! Meu personal stylist faltou no dia.