Mostrar mensagens com a etiqueta Sociedade. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Sociedade. Mostrar todas as mensagens

29 dezembro, 2008

Bom para a banca, bom para a imprensa

Quando lia jornais portugueses em papel, saltava páginas e páginas cheias de anúncios de tudo o que é organismo público. Sempre pensei que era uma boa fonte de receitas para os jornais. Confirmo agora que representa mais de 10 milhões de euros. Vendo do outro lado do espelho, representa outro tanto de despesa dos contribuintes. Por isto, o Governo criou um portal na internet para publicação dos seus anúncios. Aplaudo, como não podia deixar de ser.

No entanto, há quem não esteja de acordo. Obviamente, a Associação Portuguesa de Imprensa (API). Afinal, não faz mais do que acompanhar, com justo direito, banqueiros, investidores de risco e outra gente respeitável que merece que o Estado (isto é, eu contribuinte e os meus leitores, mais uns tantos milhões) lhes garanta protecção contra qualquer prejuízo e mesmo contra a falência, coisa horrorosa dos malefícios do capitalismo que me deve envergonhar a mim e a todos nós no concerto das nações.

É claro que a API não pode rebater o argumento de que nenhum jornal é de “âmbito nacional”, como exigido na lei para os anúncios oficiais, que no total só são lido por duas centenas de milhar de pessoas e que nos tempos de hoje o acesso a tudo o que é gratuito na net é muito superior.
 
Não o podendo fazer, imagina uma proposta bem compatível com o novo híbrido ou monstro circense ("freak") de neoconservadorismo e de keynesianismo. "Tem que haver um período transitório em que a publicação seja feita também em papel, defende João Palmeiro (API), que reclama, numa fase posterior, a publicação nos sites jornalísticos em paralelo, e com custos idênticos, à publicação no Portal dos Anúncios Públicos. A um maior destaque no site das publicações jornalísticas corresponderia um custo suplementar."

Há gente com muita lata. Ou melhor, com muita falta de vergonha e com tal arrogância que julga que toda a gente é estúpida.

P. S. - Escrevi acima “quando lia jornais”. É verdade, já não leio. Quem me lê regularmente já encontrou aqui escritas razões suficientes para o meu porta-moedas não ser cúmplice com a mediocridade e incompetência da imprensa portuguesa.

08 dezembro, 2008

Mal estar social

Em tempos convulsos como os actuais, de crise financeira globalizada, de horror perante acontecimentos como os de Bombaim, talvez passe um pouco despercebido o que se está a passar na Grécia. Não devia passar, porque creio que tem um significado profundo. Aparentemente, violência urbana em protesto contra a morte de um jovem ateniense atingido por um polícia. Mas três noites já de grande violência, com centenas de automóveis incendiados, lojas saqueadas, já não só em Atenas mas também em Salónica e em Creta, são facilmente entendíveis como protesto pelo assassínio de um jovem?

Isto faz-me lembrar a crise de violência em França, há dois ou três anos, com a agravante de ser agora mais difusa, não circunscrita a filhos de imigrantes. Temos estado a prestar maior atenção ao terrorismo, como agora na Índia. De certa forma, acontecimentos como estes de Atenas parecem sugerir que o terrorismo, por horroroso e condenável que seja, pode ser entendido, analisado nas suas raízes e, por isto, relativamente previsível e controlável, apesar do seu componente surpresa. Essa outra violência urbana, sem a "lógica" do terrorismo e sem o seu quadro ideológico fundamentalista, pode prefigurar, ainda como pequenas chamas, um grande incêndio a abrasar muito do nosso modo de viver. Estou convencido de que é sintoma de um cada vez mais profundo e destruidor mal estar social, uma descrença azeda na nossa ordem política, até mesmo, serei exagerado?, nos fundamentos da civilização. Tudo misturado com uma perplexidade e insegurança de valores que parece uma atitude de niilismo ético e ideológico.

Em Portugal, julgo que acontecimentos esporádicos, como conflitos localizados entre grupos étnicos, ainda nos situam longe deste panorama pessimista. No entanto, os sinais desse tal niilismo, dessa descrença generalizada, do sentimento de perda de referências, já aparecem, sendo bem visíveis na net. Muito poderia dizer mas deixo isso à capacidade de observação dos meus leitores. Vejam só, por exemplo, o que por aí vai de comentários, geralmente anónimos, a textos na blogosfera. Mais flagrantemente, note-se o que é o atirar para todas as direcções de lama moral e política, porca, reles, cobarde, mas também possivelmente desesperada e psico-socialmente doente, que é a generalidade dos inúmeros comentários a notícias nos sítios de jornais "online". Não seria de os responsáveis dos jornais reflectirem sobre o que estão a propiciar?

20 novembro, 2008

Violência de género

Há coisas que não gosto de adjectivar ou de qualificar, são más em si. No entanto, por vezes, a qualificação alerta-nos para circunstâncias particularmente favorecedoras do mal. É o caso da violência do homem ainda hoje mais forte para com a mulher ainda hoje mais fraca, com destaque para a violência doméstica.

O Público de hoje traz um número impressionante: este ano, 43 mortes de mulheres por violência doméstica. Extrapolando, quantos casos de agressões com consequências físicas importantes? Mais ainda, quantos casos de "ligeiras agressões" mas com enormes efeitos destrutivos?

Leio também uma coisa muito interessante, uma iniciativa da UMAR para envolver numa petição também os homens que se revoltam contra esta degradação do ser masculino. Boa ideia, generalizar uma luta que corre o risco de ser considerada, redutoramente, como feminista. É pena ainda não ver concretizada a iniciativa, vou ter de estar atento.

Isto faz-me pensar que a virtude pode ser perversa, isolando-nos do que tendemos a ver como distante de nós. Chegar sistematicamente a casa embriagado e bater na mulher? Tirar o cinto para a coça nos filhos? Infelicidades, mas não é comigo... Será que não?

Nota - Um pouco a despropósito, tenho bem para mim que, com uma excepção (um filho bebé que não podia compreender de outra forma que não podia enfiar os dedos na tomada), nunca bati num filho. Porquê, porque sou especial? Sim, sou especial porque tive pais especiais que, nos anos 40 e 50, não me batiam. Estas coisas herdam-se. Não tenho qualquer sinal de que os meus filhos tenham batido nos meus netos. E às vezes talvez precisassem, como quando o André me diz que não vale a pena discutir com o avô porque só tem caca de galinha na cabeça.

01 novembro, 2008

A muralha de aço de Alcântara

Subscrevi a petição de iniciativa de Miguel Sousa Tavares contra a expansão do parque de contentores de Alcântara. Hesitei muito em o fazer, depois de também ter lido os argumentos da Liscont. Afinal, os 15 m de altura dos contentores empilhados compensam a altura dos armazéns que vão ser demolidos. 

Então, porque assinei? Porque espero que este assunto pontual traga à discussão o problema de fundo, que é o da localização do porto de Lisboa. Vai ser desafio para a minha escrita mais elaborada, como sucessora deste blogue. Para já, fica-me uma dúvida importante: qual o destino da gare de Alcântara? E os painéis de Almada, para já não falar do valor arquitectónico dessa obra de Pardal Monteiro?

04 outubro, 2008

Eutanásia

Diz hoje no Expresso o presidente da Associação Portuguesa de Bioética, Rui Nunes, que 40% dos oncologistas portugueses apoiam a eutanásia. Conhecendo o meio médico, e até ver o estudo que tira esta conclusão, custa-me a acreditar. Infelizmente.

Mas isto suscita-me uma reflexão: porque são os médicos portugueses tão conservadores, em matéria deontológica? Dou por mim a pensar que, de entre os que conheço, boa parte dos "progressistas" trabalham em exclusividade no SNS, ou são académicos ou estão envolvidos em coisas de saúde pública sem interesses privados. Não será que o conservadorismo deontológico é um álibi para disfarçar, mesmo que inconscientemente, a promiscuidade ambígua e desconfortável com os interesses da medicina privada? Isto pode parecer extremo, mas recordo que muito do que legitima a privada são coisas do tipo "relação médico-doente", que alimentam o código deontológico.

Pérolas jornalísticas

Tendo decidido não comprar mais o Público, passei a escrutinar com cuidado o DN, possível alternativa para quem desde há muitos anos o jornal em papel é tão obrigatório como o café (valha que já não a cigarrilha). Nanja, como diz o meu povo. Aqui vão algumas pérolas, parafraseando o meu amigo Pedro Aniceto.

1. Ontem, noticia-se que "para combater a poluição microbiológica vão (JVC - itálico meu) haver novas normas".

2. Hoje, um jornalista escreve uma peça correcta em que refere com frequência o Tribunal de Contas como TC, identificando claramente a abreviatura logo na primeira linha. A notícia não permite qualquer ambiguidade, por se referir a coimas aplicadas a autarcas por irregularidades de contas. No entanto, quem depois escreveu a epígrafe e a legenda da fotografia entendeu que era o Tribunal Constitucional.

3. Mais grave, também hoje, o título e o texto de uma pequena notícia sobre um assalto realça que se trata de assaltantes romenos. Se fossem portugueses, tal facto teria tido honras de chamada de atenção?

Será que ainda vou ter de experimentar o Correio da Manhã? 

23 setembro, 2008

As duas faces da medalha

Obviamente, não dispenso hoje a net. Com algum sentido crítico e com alguns controlos de qualidade (avaliação da origem da informação, comparação com outras fontes, etc.) é nela que acabo por encontrar mais facilmente a informação que desejo, em vez de horas de procura nos meus livros e papéis. Isto fora o acesso gratuito ou muito barato a jornais estrangeiros em que estou já viciado, à leitura de grandes articulistas, à obtenção de leis que antes tinha de pedir a amigos da função pública, como fotocópias, ou até à reserva de hotéis, de voos, de compra de livros e tanto mais. Tudo isto, evidentemente, já é lapalissada.

No entanto, não há bela sem senão. Hoje dei por um caso exemplar. Ainda ontem tinha recebido um mail de uma amiga minha, culta, bem informada e socialmente muito responsável, a alertar-me e a convidar-me a protestar contra a delapidação de azulejos de Maria Keil em estações do Metro. Esta mensagem via-se que resultava de uma grande cadeia de “forwards”. Hoje, Júlia Coutinho chamou-me a atenção para o abuso que isto representava em relação a uma entrada do seu blogue “As causas da Júlia”. Como não nos conhecemos pessoalmente e nunca nos tínhamos correspondido, imagino que ela deve ter enviado isto a muitos bloguistas. O trabalho que deve ter tido. Mas recomendo que não deixem de ler o seu texto a que me refiro. É um bom exemplo de honestidade e rigor intelectual.

A blogosfera começa a saturar-me e cada vez menos leio blogues. A maioria dos blogues políticos são colecções de “sound bites” ou manifestações de indignação virtuosa, apaixonada e sem objectividade. Os culturais são pobres. Ficam alguns temáticos. Mesmo assim, começo a notar que a leitura e escrita de blogue me prejudicam em relação ao estudo e escrita mais elaborada sobre temas que me são caros e em que penso que posso contribuir com alguma reflexão. Fico também com a impressão de que isto é um exercício um pouco circular, como vejo pelos comentários. Comparando com o número de visitantes, e principalmente com a lista de visitantes regulares, parece-me claro que estou a escrever principalmente para leitores que já pensam como eu, que não têm tempo para comentários de simples concordância, do estilo que por aí se vê, “que lindo, muitos beijinhos”. Aliás, é a minha experiência como leitor de blogues que raramente faz comentários e que, se os faz em relação a coisas que me merecem reparo, ficam submersos no coro de apreciação amiguista.

Esta de comentários evoca-me um exemplo paradigmático, o dos comentários a notícias do Público “online”. São instrutivos. Na sua esmagadora maioria, são desabafos de protesto emotivo e irracional, de mal-dizer, de processos de intenção, de calúnia generalizada sobre a política, a sociedade, o país. São de um primarismo indigente, de óbvia deficiência cultural - a julgar pelos erros de português. Não sei o que o jornal ganha com isto. Minto, estou a ser ingénuo. Deve dar-lhe muitos visitantes ao “site”, coisa que os anunciantes apreciam.

05 setembro, 2008

Não dá para crer!

Há anos, uma decisão judicial retirou quatro crianças da guarda da mãe. Viviam em imundície, sem cuidados mínimos, não estavam vacinados, não iam regularmente à escola. Foram entregues a uma instituição social. Anos depois, um deles foi condenado por ter participado no caso horroroso da morte da transexual Gisberta.

Agora, a família exige uma indemnização do Estado por incúria no acompanhamento e educação deste jovem, vítima social! Vamos assistir a idênticos pedidos por parte de outras “vítimas sociais”, excluídos, marginais? Drogados, jovens de gangues, jovens proxenetas de outros ainda mais jovens do Eduardo VII, arrebentas, vejam bem que não são delinquentes. São só vítimas da incúria do Estado na vossa educação e inclusão social. O pós-modernismo dá para tudo, com uns pozinhos de politicamente correcto.

25 agosto, 2008

Silly season (II)

Continuando. Neste mês de Agosto, já é tradição infeliz os jornais ocuparem parte do seu espaço com inquéritos cretinos. Pior ainda é quando os disfarçam com umas perguntas parvamente pseudo-sérias, quase "intelectuais". Um exemplo é o inquérito de verão do Público (caderno P2). Como é que uma data de gente ilustre que tem dado o nome (hoje, por exemplo, é Helena Roseta) não tem vergonha? Há limites para a "silliness". Mal por mal, antes a entrevista de Lili Caneças ao Expresso, uma fantasia divertida pela sua mediocridade e pela sua notável capacidade de efabulação. Ou é como quem diz: mal por mal, na política, antes uma bojarda de Jardim do que uma coisa "séria" de Santana Lopes.

19 agosto, 2008

Silly season

Todos sabemos que ela existe, que é um problema para os jornais, à míngua de notícias e de artigos de qualidade por gente que está de férias. Na falta, já é costume o inquérito, normalmente da maior marca de cretinice. Afinal, a culpa é de quem se presta a isto. Leiam só a tristeza de um inquérito do Público a Irene Pimentel, prémio Pessoa. Gente ilustre pode não ter a noção do ridículo?

Nascer do Sol ou pôr do Sol?
O segundo, porque nunca assisto ao primeiro.

Qual é a sua ideia de felicidade?
Não consigo responder a uma palavra tão complexa.

Qual é o livro que tem vergonha de não ter lido?
Ulisses, de James Joyce.

Que língua gostava de falar?
Russo.

Como se imagina a envelhecer?
Exactamente como está a ser na realidade.

A quem atira a primeira pedra?
Não atiro pedras.

Obama ou McCain?
Obama.

Sócrates ou Ferreira Leite?
Sócrates.

Qual é a cidade de que mais gosta?
Lisboa.

Lê o seu e-mail nas férias?
Sempre.

Qual é o sal da vida?
É o sal da terra.

Que Caixa de Pandora nunca abriria?
A da Pandora.

Qual o assunto de que já não pode ouvir falar?
Dos anti-semitas que não se dizem anti-semitas.

Três coisas que gostava de transmitir ao seu filho/sua filha
Liberdade, Responsabilidade e Igualdade.

Onde está o diabo?
Em lado nenhum.

Quem mandava para Marte?
Ninguém. Coitadinhos dos marcianos.

Trocava Portugal por outro país para viver?
Não.

Qual é o seu museu preferido?
O museu judaico de Berlim

Como gostava de ser recordado(a)?
A prazo, ninguém é recordado.

Que pergunta gostava que lhe tivesse sido feita neste inquérito?
"Já tomou seu Toddy, hoje?"

11 agosto, 2008

Ainda o Público

O Público costuma ser meu bombo de festa, nestas notas. É natural, para quem desde muito jovem tem o hábito absoluto de comprar diariamente um jornal. Diz asneiras, tem erros incríveis factuais ou de português, mas, comparado com o DN, ainda tem maior frescura e vivacidade. Lá o vou comprando.

Uma coisa interessante do jornal, e positiva, do mal o menos, é algum compromisso entre director e redacção (ou talvez entre a margem de manobra do director e as orientações do patrão). Em geral, no domínio do noticioso e do comentário, o jornal parece-me de um pluralismo objectivo e equilibrado. Diferente é a situação do que costuma ser domínio do director, a secção de opinião.

José Manuel Fernandes (JMF) garante uma gama de opinadores permanentes de extensão satisfatória, com Júdice à direita, Vital Moreira muito identificado com o actual governo, António Vilarigues “his master voice” do PCP. Diferente é o domínio de controlo de JMF. Começa pelos editoriais, do mais conservador, liberal de direita, neocon. Depois, a selecção de artigos de opinião avulsos. Ainda hoje, como frequentemente, são exemplo das posições mais retrógradas em relação a problemas societais modernos. Hoje é sobre a eutanásia, mas já tem sido em relação ao casamento de homossexuais, ao divórcio, ao aborto. Visto nesta perspectiva, o Público seria bem aceite como jornal oficioso do Opus Dei. Ai, jovens maoístas convertidos em entradotes ao charme discreto da burguesia!

Nota - Não sei se os meus leitores têm seguido o Público no que diz respeito à nova lei do divórcio, nomeadamente o que escreveram sobre isto no dia da comunicação do PR sobre o estatuto dos Açores. O perigo é que o jornal o faz com habilidade, condicionando muitos leitores.

23 julho, 2008

Retrocesso

A nova Directiva de Retorno da União Europeia é um retrocesso da política europeia de imigração, bem ao gosto dos que gostam de uma “Europa fortaleza”. Acerca disto, e contra os meus princípios de respeito pelos direitos de publicação, divulgo no meu sítio, com total concordância com ele, um muito bom artigo de opinião de José Vítor Malheiros, “Retorno à directiva da vergonha”, no Público de ontem (online só para assinantes). Para abrir o apetite, deixo um parágrafo.

“Não posso ser mais claro: não há nenhuma justificação ética para expulsar uma criança sozinha que nos bate à porta. Nenhuma. É uma vergonha fazê-lo. É uma vergonha sugeri-lo. É uma vergonha legislar para que isso seja feito. É uma vergonha defendê-lo. É uma vergonha fazer leis para aplicar apenas aos filhos dos outros, quando viraríamos o mundo do avesso para que elas não fossem aplicadas aos nossos filhos. É uma vergonha, uma vergonha e uma vergonha.”

09 julho, 2008

O tempo dos cães?

O Público de ontem traz uma carta de um leitor narrando um caso que poderia dar para rir se não desse mais para chorar. Enquanto a educação básica dos portugueses os tornar burocratas, sem iniciativa e capacidade crítica de adaptação, respeitadores cegos das regras para os outros (mas espertalhaços para fugir a elas), não se vai a parte nenhuma.

“Intercidades Lisboa-Guarda. Domingo, 6 de Julho de 2008, cerca das 9h20. Um jovem familiar, em Santarém, acompanhara uma senhora ao lugar e saíra. De aspecto rural e de óbvias parcas posses, a senhora evidenciava a idade - 81 anos - e seguia para a Mealhada, pelo que teria que sair em Coimbra B.
O revisor, cumprindo os regulamentos, exigiu a apresentação de documento de identidade, perante um bilhete com a redução por idade. (A senhora tinha mais 16 anos que aquela que lhe dava direito à redução!)
Ao ver o lacrimejar silencioso da passageira, o revisor proferiu: "Não é preciso chorar", mas manteve a exigência.
Perante a frieza dos regulamentos e do revisor, eu próprio me ofereci para pagar a diferença de 50 por cento, o que fiz. Assistiram a tudo seis passageiros, que manifestaram também a sua indignação e igualmente se ofereceram para pagar uma despesa que claramente a senhora teria dificuldade em cumprir. Haverá necessidade duma aplicação tão rígida e desumana dos regulamentos em semelhantes casos?
J. Sousa Dias
Ourém”

07 julho, 2008

Bons ventos de Espanha

O Público de ontem traz uma notícia talvez insólita para muitos, mas não tanto se nos lembrarmos que a Espanha está a demonstrar avanços culturais bem reflectidos em medidas políticas e jurídicas julgo que únicas em países latinos, como seja a legalização de casamentos de homossexuais. Leia-se então a notícia:

“O Comité de Ambiente do Parlamento espanhol aprovou na semana passada resoluções para que chimpanzés, gorilas e orangotangos tenham alguns direitos actualmente apenas aplicados a humanos. Será a primeira vez que um organismo legislativo nacional toma uma medida deste género, diz a revista Science. As resoluções deverão ser aprovadas como lei pelo Parlamento dentro de um ano. Pretendem dar aos parentes biológicos mais próximos dos humanos o direito à vida, à liberdade e a protecção de tortura.”

Mesmo quem não for um fundamentalista extremo dos “direitos dos animais”, se tiver um mínimo de conhecimentos, alcançará o significado destas resoluções. Há animais e animais, desculpe-se-me a lapalissada. Os chimpanzés partilham connosco exactamente 96% do nosso genoma e, se considerarmos pequenas variações, quase 99%. Têm hábitos culturais, resolvem problemas e inventam utensílios. Têm consciência, se a definirmos essencialmente como a capacidade de se reconhecer a si próprios, por exemplo ao espelho ou numa fotografia.

Note-se que se inclui nos seus direitos o direito à liberdade. Isto tem duas importantes consequências, mas com uma reserva. Em primeiro lugar a proibição de cativeiro nos zoos, mas provavelmente sem efeitos para os seus actuais ocupantes, que dificilmente se adaptariam ao meio natural se fossem libertados. Depois, a enorme resistência que haverá, se este direito for generalizado, por parte da investigação biomédica, designadamente a das indústrias farmacêuticas, porque a tal semelhança genética tem outro lado da moeda: o chimpanzé é em muitos casos o único animal de experiência para doenças humanas e teste de novos medicamentos ou vacinas.

04 julho, 2008

Preservativo

Vou ser politicamente incorrecto, coisa tanto mais grave quanto se relaciona com o meu ofício. Como professor de virologia, dou especial atenção às doenças transmitidas sexualmente, com realce para a Sida. Entre muitas coisas, falo da prevenção e da obrigatoriedade do uso do preservativo. Digo aos meus alunos que hoje já não se fala em grupos de risco (homossexuais, drogados, prostitutas, hemofílicos) mas sim em comportamentos de risco, de promiscuidade, de multiplicidade de parceiros, de falta de protecção, que afectam já todos os indivíduos, mesmo heterossexuais, especialmente em África. Refiro-me também aos bissexuais, que fazem a ponte entre os dois “mundos” sexuais.

O preservativo devia ser obrigatório mas de facto não é. Há muitas prostitutas que prescindem dele por maior ganho, quando o cliente está disposto a pagar mais por isto. Há hoje muitos clientes de quartos escuros de bares gay que jogam à roleta russa, com a ideia de que é sexualmente mais excitante e com a falsa segurança de que hoje há bons tratamentos. E, mais lamentavelmente, há homens dominadores que abusam das fragilidades e dependências das suas mulheres e que impedem o uso do preservativo.

Mas todos somos sensíveis a coisas bonitas na vida, mesmo quando vão contra as mais sábias recomendações. Quando a mulher que nos ama e que amamos nos diz que confia em nós, que está certa de nunca ser traída, e quando nós sentimos o mesmo em relação a ela, a rejeição do preservativo passa a ter valor, deixamos de fazer sexo, só fazemos amor.

23 junho, 2008

Público, jornal de referência?

Tudo isto no Público de hoje.

1. Cavaco Silva visitou a mesquita de Lisboa, onde enalteceu aspectos do islamismo que não dão razão ao fundamentalismo. Recebeu um diploma honorário. Tudo isto é importante, mas o título da notícia do Público é “O presidente da República descalçou-se para entrar na Mesquita de Lisboa”. Pois não, havia de entrar de botas enlameadas e a bebericar um uisque. Já não me lembro, mas há tempos o jornal estava bem melhor e com certeza não intitulou “Sampaio pôs uma kipa” quando ele visitou a sinagoga.

2. No mesmo artigo, diz-se que se constituiu um grupo ecuménico e abraâmico de jovens cristãos, judeus e muçulmanos para promoverem o entendimento comum. A notícia fica por aqui. Parece que coisa tão significativa tem muito menos importância do que Cavaco em peúgas.

3.



Não sei se estou a ler o Público se a Caras. Imaginam uma notícia destas, meia página, no Guardian, no Le Monde ou no El País? O Público é mesmo um jornal de referência?

09 junho, 2008

Jornal de referência?

A P2 do Público de hoje evoca Curzio Malaparte, no aniversário do seu nascimento. Segundo o jornal, como se lê tanto no título como no texto (note-se, duas vezes!), foi em 1957, de facto o ano da sua morte! Espantoso. Não se trata só de desconhecer o ano certo do nascimento do escritor, 1898, mas também de total desleixo do jornalista e do editor, por saltar aos olhos que aquele ano é incompatível com outras datas citadas, tais como a da primeira guerra, em que combateu, ou a da adopção do pseudónimo, em 1925.

Coisas destas não se podem desculpar como pequenos erros naturais. Trata-se de grosseira negligência profissional, com que cada vez mais frequentemente o jornal brinda os seus leitores.

12 maio, 2008

Amor de casados

Como não sou crente, parece-me que é lógico fazer o que normalmente faço, não criticar as posições da Igreja em matéria de crenças morais dos católicos, desde que não sejam posições políticas ou que afectem toda a gente. De resto, é matéria privada dos católicos. No entanto, por vezes, há coisas de tal forma chocantes ou ofensivas da inteligência que me fazem falar.

A moral sexual é uma obsessão do Vaticano. Parece que já vem dos primórdios da cultura judaico-cristã, embora os escritos de Salomão não sejam um modelo de puritanismo. Sabe-se que essa moral oficial não é seguida por enorme percentagem de crentes, provavelmente a maioria, o que contradiz a velha máxima de que não se deve aprovar uma lei que não será cumprida, o que desprestigia todo o edifício legal. Anteontem, no 40º aniversário da encíclica “Humanae vitae”, Bento XVI não retirou uma vírgula à posição oficial. Mais, reforçou o anátema destes últimos anos contra todas as conquistas médicas, fascinantes, de dar a felicidade e a realização de vida da paternidade/maternidade a quem não a consegue por meios naturais.

Mas o que quero focar, porque tudo isto já é de esperar, é uma declaração espantosa: “Nenhuma técnica mecânica pode substituir o acto de amor que duas pessoas casadas trocam”. Não falo das técnicas mecânicas, até porque não sei bem o que isto quer dizer. Aceito também que um filho desejado e concebido num acto de muito amor é coisa bem bonita, embora não indispensável. Agora o que não consigo perceber de todo é em que é que difere um acto de amor de pessoas casadas de um acto de pessoas que, simplesmente, se amam, seja lá qual for o seu estado.

Não seria tudo bem diferente se não houvesse o celibato sacerdotal?

23 fevereiro, 2008

O que é isso de mulheres?

Na sua crónica semanal do Público, São José Almeida fala de uma pioneira do feminismo em Portugal, Madalena Barbosa. Fico-lhe grato por esta contribuição para a minha cultura porque, confesso, não conhecia essa figura.

Mas o que me motiva esta nota é uma coisa um pouco à margem. “Nos anos 90, chegou a integrar a Mesa Nacional do Bloco de Esquerda. Mas sai em ruptura. O BE aceita em 1999, a pedido do PS, congelar o seu projecto de lei de quotas por sexos nas listas eleitorais. Numa reunião, Madalena Barbosa questiona a decisão e ouve Fernando Rosas perguntar: "O que é isso de mulheres?" Nunca mais voltou. “

Dá para acreditar?

20 janeiro, 2008

Ainda por aqui ando

O meu oftalmologista deu-me uma folga de uns dias, que aproveito para os meus leitores não se esquecerem de mim. Hoje, contra as regras dos direitos de autoria, reproduzo um artigo notável do Público de hoje.

MORRER LIVRE

Marcos Sá

Pretendo contribuir com algumas reflexões para um tema controverso. Um tabu da nossa sociedade contemporânea onde quase sempre se verifica que a intolerância supera o bom senso. A questão é séria e fracturante. E quero, desde já, salvaguardar o respeito pelas crenças de cada um. Refiro-me concretamente à eutanásia. O termo eutanásia provém do grego e etimologicamente significa "morte tranquila". Como conceito, designa uma acção ou uma omissão que, pela sua natureza, procura a morte com o objectivo de eliminar a dor, estando habitualmente associada a cidadãos que sofrem de doenças terminais.

Um dos primeiros a defendê-la foi o médico e filósofo inglês Francis Bacon, que, em 1623, na sua obra Historia vitae et mortis, defendia ser "desejável que os médicos desenvolvessem a arte de ajudar os agonizantes a sair deste mundo com mais doçura e serenidade".

Quando se aborda a eutanásia, há que ter em conta a intencionalidade e o efeito da sua acção, que define o âmbito activo ou passivo da sua prática. Assim, a eutanásia é considerada activa quando se administra uma substância que provoca directamente a morte do doente, e passiva quando é efectuada através de uma omissão, isto é, quando um profissional de saúde deixa de prescrever um determinado medicamento que sabe resultar na morte do doente. O suicídio assistido é uma terceira forma de eutanásia e verifica-se quando um médico ou outra pessoa fornece ao doente a substância que lhe irá causar a morte, sem, no entanto, participar directamente na acção.

O código deontológico dos profissionais de saúde, em Portugal, estipula no n.º 2 do artigo 47º que "constituem falta deontológica grave quer a prática do aborto, quer a prática da eutanásia". Em 2007 foi aprovada em referendo a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas e já se encontra em prática nos hospitais públicos do nosso país. Se esta situação foi possível pela mudança da lei, o mesmo poderá vir a suceder no futuro com a eventual despenalização da prática da eutanásia.

Devemos, por isso, reflectir sobre as seguintes questões: será que é moralmente aceitável prolongar a "vida", prolongando unicamente o sofrimento e a agonia? Será eticamente aceitável ocultar aos pacientes que a doença é terminal e que vão sofrer desumanamente? Será que é justo alguém que pratique a eutanásia a doentes terminais, a pedido destes, seja considerado um homicida?

Recentemente, ficou a saber-se que 39 por cento dos médicos oncologistas portugueses são a favor da legalização da eutanásia. Esta é uma das conclusões do estudo A boa morte: ética no fim da vida, realizado pelo coordenador da Unidade de Serviços Paliativos do IPO Porto, que inquiriu 143 médicos que lidam com doentes terminais. Tendo em conta que a actuação médica é movida por dois princípios morais: a preservação da vida e o alívio do sofrimento, fico com a absoluta convicção que os dados referidos anteriormente significam que a discussão deste tema deve ser aprofundado até à exaustão pela classe médica e pela bioética.

Aos políticos compete discutir se a eutanásia deverá ou não continuar a ser considerada um homicídio.

Para quê prolongar o sofrimento de um doente terminal, se a sua última vontade for ter liberdade para morrer? Nota final: passaram quase três anos da morte do meu pai. Para além da ligação genética, era o meu melhor amigo. Cinquenta e seis anos. Um ano a sofrer. Três meses a definhar. Não conseguia falar nem escrever. Questiono-me hoje o que teria feito (conseguisse ele falar ou escrever), se me pedisse para lhe conceder a última vontade, acabar com o seu sofrimento. A minha família assistiu à morte dele e acompanhou-o com muito amor e carinho. Mas a verdade é que só lhe vi novamente o sorriso, tranquilo, no fim do processo da morte. A vida é linda, e a morte faz parte dela. E a minha consciência não me permitiu adiar mais a partilha desta reflexão.

(Deputado do Grupo Parlamentar do PS )