...por Filomena Mónica
no dia em que fez 59 anos.
Num artigo que publicou no
Jornal "Público" em
1 de Fevereiro de 2002
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Maria Filomena Mónica
( n. 30/01/1943 )
.
“Acabo de me olhar
atentamente ao espelho. Faço hoje 59 anos. Para o ano que vem, serei uma sexagenária.
Noto, sem demasiada angústia, as rugas à volta dos olhos, o tufo de cabelos
brancos, as linhas horizontais do pescoço. Talvez não seja salutar pensar na
morte no dia do próprio aniversário. Mas ela não me assusta. O que me assusta é
a demência. A deliquescência do cérebro. A desintegração da memória. A perda de
identidade. Com uma frequência
crescente, interpreto incidentes do quotidiano como maus sinais. Um dia, é o
facto de me ter esquecido do local onde estacionei o carro. Outro, o estar ao
telefone sem me lembrar para quem liguei. Outro ainda, o desaparecimento de
nomes outrora familiares. E muitos outros casos. Há uma semana, não fui
capaz de descobrir onde pousara os óculos para ler, até que, ao passar
diante de um espelho, descobri que estavam no topo da minha cabeça. É fácil
entrar em pânico. Geralmente, quando isto sucede, tento acalmar-me,
dizendo-me que a memória de muitos dos meus amigos, que não temem o advento
da doença de Alzheimer, também lhes prega partidas. Mas a inquietação
não desaparece. Ter-se-iam aberto as portas para o jardim sombrio, onde
nada tem nomes, nem caras, nem história?
Precavida como sou, tenho andado a
imaginar o que deverão ser as minhas últimas palavras. Numa era em que ninguém
morre em casa, mas encarcerada em hospitais...”
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in.
"Público".
01.02.2002
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