sexta-feira, 22 de outubro de 2010

MENINO DE ESTILINGUE























Menino, por que fazer parar
o voo de um pássaro no céu?
não sabes que eles trazem
notícias de um outro mar?

Menino, por que fazer parar
o voo de um pássaro no céu?
Matar aquilo que está movendo
é coisa de gente assanhada.

Menino, por que fazer parar
o voo de um pássaro no céu?
é inveja por não teres asas
por estares preso ao chão?

Menino, por que fazer parar
o voo de um pássaro no céu?
Asas brancas são a paz,
trazem no bico o raminho
da cama do Menino Jesus.

Eric Ponty
In Menino Retirante vai ao circo de Brodowski
tela de Candido Portinari

AULA DE POESIA

Não, antes de técnica, é necessário olhar. Antes de métrica, é necessário paciência. Para reduzir a poesia em argumentos do poeta, isso tudo é necessário para a estética das escolas literárias, mas a poesia é feita muito mais do que de letras, é feita de coisas primárias, basta você ascender a miragem para uma imagem, transformar a matéria engraçada em coisa séria, fazer com que a pedra vire flor, e não ao contrário, para que não se dê ao mundo outras possibilidades de arremesso.

Iniciemos com as cores vivas. E multipliquemos as luzes do dia em todos os cantos. Façamo-nos impressionistas, captando a mesma imagem com diferentes olhos. Devemos abdicar da vaidade para escrever o verso perfeito, pois este nunca sairá, ao menos a quem escreve. Porque depois de lapidado o verso, ele deixa de ser o que era, e passa ser não o que a imaginação queria, mas o que a convenção de cada época oprime: em décadas passadas a rima, na contemporaneidade, o espanto.

Que passamos a olhar o simples antes de escrever difícil; não transformar tanto o objetivo em subjetivo, senão a poesia torna-se só de um dentro do entendimento, e poesia de um não é poesia; se o que faz o poeta é compartilhar sensações então porque escrever para si mesmo?

Então escrevemos: amor de sexta-feira; saudade das amendoeiras do jardim de infância; voo de pandorga ou pipa e depois sair correndo antes da chuva; observação da lua em quatro fases distintas e se enganar sempre qual é a cheia e qual a nova; pele tostando ao sol com suor correndo em câmera lenta como nas propagandas de refrigerante; boca seca de nervosismo antes de apresentar nosso projeto, ou melhor ainda, antes de ler uma carta; pedido de perdão às 23 horas em dias 31 de dezembro; passeio pela mesma rua reparando coisas imperceptíveis; passeio por uma nova rua com olhos de última vez, nunca de primeira; atravessar correndo entre os carros para encontrar com alguém na outra avenida que de costas não lhe vê; cantarolar uma música que lhe permita permanecer em silêncio; dormir em dois numa cama estreita para sentir o necessário peso de cada braço; medir o abraço, se assim for possível, no momento depois da espera, aquele do primeiro encontro e ficar com essa imagem para sempre; separar os melhores temperos, em algumas vezes em detrimento dos seus preferidos, para fazer sua receita; não colocar pontos finais, mas preferir vírgulas...as vírgulas lhe dão outra possibilidade, além da respiração.

Nas minhas andanças a contar e ouvir histórias pelas escolas e lugares a que sou chamado, tenho recebido muitas aulas de poesia, e encontrado poetas bem melhores que eu. Poderia citar alguns, desconhecidos, mas tão necessários pro mundo, que é uma pena não serem globalizados. Seja na perseverança da dona Maria de Lurdes, com sua biblioteca comunitária; seja na luminosidade de meu amigo Osias e no que ele tem de crença no que há de bom no humano; seja na técnica ferrenha de Rubens da Cunha; seja na generosidade de Edson de Araújo; também nos ouvidos atentos do búlgaro Peter, do Ancionato Bethesda; além da amizade sincera de Rivelino Stuckel; da eternidade que Jurandir Albano me oferece; da dedicação que meu amigo Gilberto Ferreira me presenteia; e dos poemas, grandes de amor, de Patricia Hoffmann.

Recebo alguns e-mails de leitores me perguntando por que costumo citar tanta gente. Eu lhes respondo amigos leitores; é que, pra mim, a gratidão é a primeira matéria de minha aula de poesia.

M.de Silva e Silva
Crônica retirada do Jornal A Notícia de 22.10.2010

tela de Candido Portinari

domingo, 17 de outubro de 2010

JOINVILLE : MEMÓRIA DO RIO























Cachoeira,cachoeiro:
que nome te convém?

Se mergulho no tempo,
me abres a arca dos bens
que não tens agora:
os peixes indo e vindo
sob a flâmula das margens.

Se te olho de soslaio,
é a cidade que se abre
de um lado e outro lado,
derramando sobre ti
a sede das fornalhas
e outras sedes incuráveis.

Cachoeira, cachoeiro?
Me divirto em meio aos rumos
da memória: para trás,
a história sempre grávida;
para frente, o mar
desarvorado, que tudo engole
em seu afã diário.

Feminino e masculino,
me dou por satisfeito
em ver nos dois sentidos: este
em que nos vemos todos,
jamais o mesmo.

Alcides Buss
In Olhar a Vida
foto retirada de www.ovizinho.com.br/jor08/j0565701.htm

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

CRIATIVIDADE























Onde aprendi
a quebrar linhas,
a fazer esse troço
controverso
chamado verso?
Se na escola,
toda frase era inteira,
da maiúscula
ao ponto final,
exclamações de advertência,
orientadoras com reticências,
e tudo era interrogação?
Interrogatório,
fila para entrar
de uniforme,
mostrar a meia vermelha.
Se de outra cor,
Meia-volta,
volver.
Cantar o hino,
eu te amo, meu Brasil,
este é um país que vai pra frente,
sesquicentenário da independência,
um menino,
batendo continência.
Mas no livro Criatividade,
Bandeira,
Vinícius,
Quintana,
Cecília,
Drummond.
E eu,
que nem era leitor,
decidi
ser escritor.
Desses que quebram a linha reta,
poeta.

Ricardo Silvestrin
Ella Grainger's Rime - Tile Designs