O Livro das ausências, de
Hermínia Lima, traz dezenas de poemas acerca de faltas que habitam, ausências presentificadas pela
saudade. Embora unificados na mesma temática, eles estão dispostos em blocos
que se intitulam como: Ausências que cantam, Ausências que gritam, Ausências
que pulsam, Ausências que saltam, Ausências que sangram, o que parece dimensioná-las,
ou melhor, catalogá-las pela semântica dos verbos.
Neste “inventário de saudades”, como bem definiu o poeta Geraldo Jesuíno,
prefaciador e responsável pelo belo projeto gráfico da obra, cada conjunto é
composto por imagens que o eu lírico evoca. Nas ausências que cantam, ecoam os
sons da infância e da juventude, que saltam das fotos e trazem à memória
espaços e personagens que se perderam no tempo: a casa, o curral, a rede, o
patriarca que dorme, o gato arisco, a cozinha e os sabores, as tias, os avós,
os livros da mãe, a mestra, o universo gustativo e olfativo das frutas – manga,
goiaba, cana, melancia – e as vivências da menina que imigra do Ceará para o
Maranhão, guardando na memória sensações e lembranças indeléveis.
Nas ausências que gritam, o telurismo da menina dá lugar à urbanidade da
mulher que se apaixona e experimenta a perda e a espera, a saudade feito faca e
lâmina, figuras recorrentes na poética da autora, que sugerem tanto a
profundidade da dor pela iminência do corte, como se afiguram como um símbolo
fálico, de agressão e masculinidade, evocando as pulsões que estão
metaforizadas nos poemas. Em outras obras suas, o erotismo é flagrante, mas,
nesta, aparece velado por metáforas como a do jardineiro (p.74), que poda e
rega as rosas, ungindo a terra e pondo sol sobre as flores. NAs Ausências que
pulsam, o corpo se transveste de guitarra, e o prazer é a música que os dedos
do amado arrancam de suas cordas. Os poemas, de fato, parecem impulsionados pela
saudade cortante do afago corpóreo, pelo entrelaçamento que gesta música, pelo
rito do amor, pelas pétalas que querem se abrir. Anuncia-se “um tempo de casulo”
(p.127), de recolhimento, de espera, em que só as ausências sussurram e cantam.
“Só a penumbra guia passos incertos” (p.138).
Em Ausências que saltam e Ausências
que sangram, os olhos viram cascatas, espinhos espetam a pele, o corte se
aprofunda, “o vinho fala mais tinto” (p.146), as estrelas parecem mudas e o
verde perde o viço. A saudade se estende à perda de amigos e expectativas, mas
há semente e adubo para os versos, bem como rimas e metáforas que o eu lírico
promete usar para sobreviver aos hiatos criados pela vida.
Embora sejam as ausências o leitmotiv
de todos os poemas, e a lâmina da saudade aprofunde os cortes, não há
qualquer marca de desespero ou desengano nos versos de Hermínia. O sujeito
poético celebra, louva, lamenta, recorda, e ancora nas palavras a dor de cada
uma; vê o amarelo das gérberas tingir a tarde e se prepara para saudar a lua, enquanto
planta amoras e, mesmo na incerteza, espera o tempo da colheita.
Aíla Sampaio
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