Pulou da cama. É hoje, pensou com medo. O filho ainda não havia acordado. Postou-se na beirada do berço pra acompanhar seu despertar. Ele o fez como todos os dias, se espreguiçando, abrindo os olhinhos primeiro com dificuldade, depois acompanhado dum sorriso sonolento e feliz. Ele não sabe de nada, ela pensou com dor.
Havia no ar um quê de fim de ano, de vida prestes a se dar férias, mas o que o dia prometia estava longe disso. A não ser pelo avião. O vôo saía na hora do almoço, e ela queria tocar no filho cada instante possível como se pudesse guardar um pouco pra depois.
E a manhã passou como se tampouco soubesse de nada. Rápida e insensível. A avó e a babá chegaram. Ela se arrumou, e foi aí que se deu conta de que estava nervosa também pela apresentação. Conferiu se na bolsa estava tudo o que precisava. Parecia que sim.
Pegou o filho no colo. Beijou, beijou, beijou mais, apertou-o contra o peito. A essas alturas já achava graça que ele continuasse sorrindo mesmo que o rosto da mãe estivesse alagado de lágrimas. Entregou-o para a avó e saiu.
Como ele vai suportar ficar longe de mim?, pensava ainda chorando. Seria apenas um dia, e se consolava com a velocidade de todos os dias. No caminho para o aeroporto, permitiu-se ouvir música. Já não chorava, e não pode deixar de notar, escondida por entre as melodias, despontando nas pausas dos compassos, a culpa por se sentir bem. Ali, olhando a paisagem correr na janela, ao som daquela batida feliz, se encontrava com a nostalgia do que há pouco tempo ainda não era antigo. Viajaria só. Ida e volta no mesmo dia, mas isso a música ignorava.
Aeroporto. Inevitável imaginar o que imaginavam os que a viam. Nunca suspeitariam quem era ou porque estava viajando. Ela mesma tinha dificuldade em fazer coincidir a imaginação de si com a própria vida.
No avião, aproveitou para estudar de novo o que iria apresentar. No relógio, hora do leite do filho. Tentou dormir.
A viagem era rápida. Esperavam por ela no desembarque. Chegou ao local do evento e sentiu o frio das mãos. Faltava pouco. Assistiu à apresentação que antecedia a sua. O suor frio aumentava. Estou despreparada, percebeu. Que raios estou fazendo aqui?, acrescentou.
Pensou no filho. Pensou há quantas horas não se viam. Pensou que o resultado do cálculo significava o recorde de tempo longe um do outro. Pensou que ele tomou leite NAN. E que seu peito formigava de leite descendo. Pensou que vergonha seria se vazasse leite no meio de sua apresentação. Pensou que teria que apresentar muito bem pra ter valido a pena ficar aquele dia longe dele.
Não pensou mais porque chamaram seu nome. Andou até à frente da plateia, pegou o microfone com a mão suada. Apresentou-se. Só não disse mãe de Benjamin, que está em casa tomando leite NAN enquanto meus peitos vazam.
Falou. Falou. Falou.
Terminou.
Despediu-se de algumas pessoas, foi até o saguão onde o carro a esperaria. Foi levada de volta ao aeroporto. Espera interminável. Anoitecia.
O filho estaria tomando banho. Ela já ficava inquieta com os minutos que, agora, pareciam encalhar. Subiu no avião. Não podia dormir.
A viagem de volta demorou séculos. Sentiu enjôo, sentiu pressa, sentiu saudade. Sua expectativa não cabia naquela poltrona. Irritou-se com a conversa do casal ao lado.
Chegou, enfim, em sua cidade. E as demoras que se seguiram e retardavam sua chegada em casa beiravam o insuportável. Ele está dormindo, o marido contou por telefone. Como?, ela se perguntou. Pediu pressa ao taxista.
Entrou em sua casa silenciosa. Beijou o marido, perguntou do dia. Foi tudo bem. Mas ele ficou bem? Ficou. Mesmo? Sim. Mesmo sem leite do peito? Sim. Ela sentiu doer o peito ingurgitado de leite.
E adentrou o quarto do filho. E pegou-o dormindo no colo. E o abraçou. Sentiu seu cheiro. Casa.
Carregou-o até a cadeira onde dava de mamar. E suspirou de alívio quando ele grudou os lábios no seu peito e, com força, começou a sugar.