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quarta-feira, 6 de abril de 2011

1!

Hoje.
Hoje, há um ano, começava o maior começo de todos. O que, virando tudo do avesso, pincelava de alegria e surpresa cada nova velha coisa; o que, se inaugurando, inaugurava por completo também todo o resto.

Benjamín.

Obrigada pelo teu crescer, pelo teu sorrir, pelo teu chorar. Obrigada pelo dia a dia que se transforma e que transmuta. Obrigada pelos gestos que hesitantes se desvelam; pelos sons, pelos cheiros, pelos sabores. Pela textura da tua pele, pelo futuro que se esconde em cada dobra, pelo olhar mágico de quem descobre. Obrigada por me fazer tua mãe, e assim me fazer eu mesma.

Agradeço, Benjamín, meu filho, pelo milagre de você ser você, bem do jeitinho que é. Por me fazer perceber que o amor tem infinitas maneiras de se manifestar, e que ele é sempre (e desde antes) muito maior do que si próprio.

Parabéns pelo primeiro aniversário da tua vida!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A volta – curtas

Eis que, depois de cumpridas as tarefas internáuticas, resolvo dar uma passada aqui no leite e prosa e vejo o numerozinho lá embaixo: 10015. Tudo isso de visitas e eu, terrível anfitriã, nem pra perceber que as 10000 se acercavam. Completo abandono.

E não é falta de assunto, porque muito aconteceu enquanto durou o silêncio:

***

Demis e eu completamos cinco anos de conhecença. Cinco anos desde aquele dia em que o vi sentado, falando, e pensei: cara interessante. E quando ele se levantou: ah, mas é muito baixinho. ã-hã.

***

Fiz aniversário. Meu primeiro depois de mãe. 30.

***

Demis viajou. Fiquei seis dias sozinha com o Benjamín. Sobrevivemos.


***

Voltei a trabalhar. Quer dizer, voltei outra vez, porque tem sido uma volta em etapas. Cada uma mais difícil que a outra. Dificuldades que se sobrepõem, sem que a anterior tenha se resolvido.
Dureza.

***

Será que falo de cada um desses assuntos com a devida dedicação nos próximos dias, ou fica pra próxima vez que eu e o Demis fizermos cinco anos de conhecença?

***

Descobri.
O problema não é que passa rápido.
O problema é que passa.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A greve

O fato

E num nem tão belo desses dias, na véspera de completar seus 9 meses, meu filho resolveu que não queria mamar.
Chorava ao nos aproximarmos do nosso cantinho das mamadas e mais ainda ao ver meu peito, me olhava com cara de desespero, berrava se eu insistia.

Eu

Um lixo.
Só queria chorar.
Sentindo a rejeição na carne, como se tivesse tomado o pior fora da vida.
Perdida, sem saber o que fazer com todos os horários do dia, da vida, organizados todos em torno das saudosas mamadas.
Perplexa: o desmame não era pra ser difícil pra ele? Não era eu quem tomava
tão árdua decisão?
Conjecturas

Ele cresceu, e não quer mais o aconchego do peito.
Como um novo nascimento, que caberia a mim autenticar, abrindo os braços vazios repletos de dor pra que sua voz se fizesse voz justamente através da minha escuta.
Porque os braços se abrem para abraçar, mas também para deixar ir.

(Mas havia algo de errado nisso, e não era só o dolorido da dor.
Havia algo outro.)

Efeitos

Primeiro, urgiu reinventar meu amor. Porque percebi, num susto, que eu via o amamentar como a única coisa que só eu poderia fazer por meu filho. E num disparate completamente lógico que só a maternidade pode proporcionar, era amamentando (eu achava) que eu me fazia mãe.
Então me vi, agudamente, órfã de mim mesma na nossa junteza. E me agarrei a ele como se tivesse que o reconquistar. Inventei novas brincadeiras, inflei cada minuto de uma necessidade extrema de me fazer presente, e eu era como um copo cheio de dor que transbordava no entanto em alegria.

Ignorãças

Num rompante de inconformidade com o que estava acontecendo, fui pela enésima vez consultar o Dr. Google. E com a mudança de uma palavra na busca, apareceu uma página que dizia:

É importante que a mãe não confunda o auto-desmame natural com a chamada “greve de amamentação” do bebê. Esta ocorre principalmente em crianças menores de um ano, é de início súbito e inesperado, a criança parece insatisfeita e em geral é possível identificar uma causa: doença, dentição, diminuição do volume ou sabor do leite, estresse e excesso de mamadeira ou chupeta. Essa condição usualmente não dura mais que 2-4 dias.

E outra, com respeito a possíveis causas da tal da greve:

Evento traumático repentino – o mais comum é mãe gritando quando o bebê morde o peito, o que é algo comum e compreensível de acontecer.

E, iluminada, feliz, esperançosa, olhei pro meu peito machucado das mordidas numa compreensão simples e apaziguadora.
E, disposta, li na Lia o que fazer com as mordidas que eu não queria mais levar. Muito, muito agradecida.

Desfecho

Benjamín está mamando deliciosa e maravilhosamente bem.
Nunca mais me mordeu.
E continuaremos vivendo felizes para sempre, até o próximo percalço.
Ufa.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

2010

Olho pra esses números aí em cima e pra página branca e de repente voltei à carteira da sala de aula de algum dos meus primeiros anos de escola, quando em idade era mais próxima de meu filho que de mim mesma hoje. Mais precisamente à pergunta que a professora nos tinha proposto: o que você estará fazendo no ano 2000?

Do recolhido do vasto dos meus sonhos anteriores, toda a inocência de quem tem um universo pra inventar como futuro. Escritora, médica, mãe, esposa... namorada, astronauta, motorista de um carro qualquer, universitária... Adulta!

E já se passaram dez anos do ano que significava pra mim o futuro. Estou no futuro do meu futuro de criança!, e ele incrivelmente me parece tão presente, tão natural e simples, que chego a me sentir em dívida com aquela que, lápis na boca, olhando pro teto da classe, via tanta magia nos dias vindouros. Por mais que os atuais tenham pinceladas de cada uma das possibilidades que eu me sonhava.

E aí... Olho pro meu filho. Ele dorme, ou ele brinca, ou ele se arrasta feito cobrinha pelo chão da casa. Ele sorri, ele gargalha, e o significado de cada coisa que me tornei é sublinhado na melodia que irrompeu da pausa do som de sua felicidade, ali no fôlego necessário pra   que a próxima gargalhada aconteça.

(É necessário apenas um instante pra dar sentido a toda uma vida.)

E 2010, o futuro do futuro, passou.

Foi o ano em que me tornei mãe. O ano em que comecei a sonhar os sonhos de outro futuro. Através do gesto de olhar, e de amar, e de, mirando o possível do impossível, ir ao mesmo tempo pros próximos tempos e pro meu tempo que já foi, com absoluta gratidão a cada um dos segundos que, do agora, se organizam no caminho que converge ao que sou.

E então posso sorrir pra menina que escrevia do futuro longínquo no caderno.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Crianças

Parece que agora sou um pouco mãe de cada criança que vejo. Adivinho a idade, admiro os olhozinhos perturbados de tanta curiosidade inocente, derreto na baba que cai do sorriso envergonhado. Percebo se tem sono, se está com calor. Acho em mim, no mesmo amor que sou e dou a meu filho (e recebo), o amor possível em todo encontro que meus olhos me regalam com qualquer criança do mundo.

Porque mãe vive de amor infinito. De tanto, não cabe só no filho e se derrama espalhado em cada gesto de quem descobre mundo instante a instante.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O não e o não e o amigo secreto

O não e o não

Porque dentro de três letras tão corriqueiras, cabe o infinito. Não: o infinito cabe fora delas; dentro fica o que, feito muro, o não limita. E muro pode ser pra impedir, pra cercar, proteger; separar desconhecido do conhecido; pra contornar, delimitar. Às vezes é o muro que define onde a casa começa. A casa começa no não.

E o não se bifurca, possibilidades do impossível: quando o mundo se inicia naquele infinito, o não aparece de dois jeitos.

O primeiro: não, porque o mundo pode te machucar. Não pode colocar o dedo na tomada. Não pode atravessar a rua sem olhar. Não pode pular do trocador. Anunciando a impotência antes que ela se faça dor.

O segundo: não, porque você pode machucar o mundo. Não pode quebrar a coleção de CDs do papai. Não pode rasgar as anotações da mamãe. Não pode arremessar a louça. Anunciando a potência pra que ela se reconheça.

É no não que se começa a poder. É no não que se percebe pela primeira vez a própria força.


(Mais uma vez, Guto, obrigada.)

***

Benjamín agradece em notas musicais o lindo presente do amiguinho secreto Gabriel, do Eu e ele!

Benja e seu novo instrumento musical, com a mais que querida Le.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Como?

Cortando a unhazinha minúscula do Benjamín – nunca se viu nada tão pequeno no universo, e a relatividade se reafirma com o tamanho comparativamente gigante do cortador – desponta um filete de sangue acompanhado de choro agudo doído. E minha maior surpresa, neste momento, é não encontrar em mim dor física que justifique tal pranto.

Como?

Como?, eu me pergunto a cada choro de dor, a dor dele não dói em mim?

Porque a dor que dói em mim é outra: acontece no peito, em aperto, pela dor que eu sei que ele sente; e pela dor que eu sei que ele sente não ter me escolhido, ali, como quem dói.

Ser outra que não ele.

E ele, desde já, desde antes, quando se iniciou, ter se iniciado como aquele que tem que doer sozinho.

(Será essa a forma inaugural da eterna culpa da mãe?)

Por mais que eu beije, e chore, e abrace, e doa.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A eternidade desdentada

Estávamos os três no parque uma tarde dessas quando a luz que chegava até nós, toda enzebrada das plantas que atravessava, iluminou não só o que acontecia ali, mas também outros tempos.

Era uma tarde fria, e os sorrisos agasalhados do Benjamín, sentadinho no chão, rodeado de árvores, me trouxeram abrupta uma sensação que mesclava conforto e desconforto. O primeiro, por vê-lo ali, perto de nós, todos os três brincando juntos, numa alegria que só poderia mesmo acontecer à tarde. E o segundo, um desconforto almofadado, dor que aconchega: uma saudade de outros tempos. Porque seu sorriso banguela me arremessou numa foto desdentada pendurada há anos no porta-retrato; meu próprio sorriso de bebê era quem sorria o mesmo sorriso do meu filho, tão potente na sua singeleza que abre até os portais do tempo.

Naquele instante, eu não me via apenas mãe de Benjamín; eu me devia aquele momento à criança que fui, cruzando gerações e inventando eternidades. Ele continuava sorrindo, trazendo momento a momento o que fui no feliz que sua boca anunciava.

E, continuando a sorrir, singelamente trazia, também, seu adulto futuro. Trazia no aberto da boca o sorriso de seu filho, meu neto, através do olhar que também o olhará sorrindo, sorrindo. E assim nos encontraríamos todos, os que somos, os que fomos e os que seremos, no repetir-se dum sorriso de criança, capaz de condensar tempos num sempre eterno agora.

Eu chorava sem acordes na tarde fria, sem lágrimas, atônita diante da disposição generosa daquele milagre, e sorria ainda o mesmo sorriso de 29 anos atrás. Que se repetirá quando eu for novamente desdentada, exibindo nas gengivas banguelas todos os sorrisos de uma vida.

***

(Devo a percepção deste milagre ao tempo de agora, fins de ano, que sempre me põem num molhado de viver, e a outro adorável intruso que, anunciado ali, se trouxe também pra cá.)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Cada coisa em seu (novo) lugar

Roupa do Benjamín no chão, no exato lugar onde caiu ao despencar do trocador;
Ralf (panterinha azul) atrás do berço, no exato lugar onde pousou após arremesso benjaminiano;
Almofadas espalhadas pelo chão da sala, ad eternum;
Espremedor de fruta em cima da pia, forever;
Leite e seus derivados digestivos salpicados pelo chão em geral;
Celular dentro da bolsa do Benjamín, dentro do quarto dele, com ele dormindo (que ninguém resolva telefonar nas próximas horas);
Fraldinhas, brinquedinhos, casaquinhos, inhosinhos escondidos em cada fresta possível do quarto de mamãe e papai;
Letras coloridas aleatoriamente localizadas no recinto em cuja porta se anuncia: B-N-J-A-N;
Papinha dentro do nariz do lindo rebento.

E o caos, mamãe, está só começando.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Importâncias

Quando ele, em colo alheio, se joga em direção a mim, ou ao me ver estende as mãozinhas pedindo colo, todos os minutos da minha vida se reorganizam num sentido que transforma aquele cada instante no sumo da existência, em chão vivo onde tudo o mais pode agora, enfim, acontecer.

***

Sítio:
Sentar na grama, gargalhar ao ver cavalos pastando pela primeira vez, olhar pro longe, lamber o chão.
Algumas das delícias do feriado...


E pra que mais serviriam os dreads, mesmo...?





sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Um dia sem ele

Pulou da cama. É hoje, pensou com medo. O filho ainda não havia acordado. Postou-se na beirada do berço pra acompanhar seu despertar. Ele o fez como todos os dias, se espreguiçando, abrindo os olhinhos primeiro com dificuldade, depois acompanhado dum sorriso sonolento e feliz. Ele não sabe de nada, ela pensou com dor.

Havia no ar um quê de fim de ano, de vida prestes a se dar férias, mas o que o dia prometia estava longe disso. A não ser pelo avião. O vôo saía na hora do almoço, e ela queria tocar no filho cada instante possível como se pudesse guardar um pouco pra depois.

E a manhã passou como se tampouco soubesse de nada. Rápida e insensível. A avó e a babá chegaram. Ela se arrumou, e foi aí que se deu conta de que estava nervosa também pela apresentação. Conferiu se na bolsa estava tudo o que precisava. Parecia que sim.

Pegou o filho no colo. Beijou, beijou, beijou mais, apertou-o contra o peito. A essas alturas já achava graça que ele continuasse sorrindo mesmo que o rosto da mãe estivesse alagado de lágrimas. Entregou-o para a avó e saiu.

Como ele vai suportar ficar longe de mim?, pensava ainda chorando. Seria apenas um dia, e se consolava com a velocidade de todos os dias. No caminho para o aeroporto, permitiu-se ouvir música. Já não chorava, e não pode deixar de notar, escondida por entre as melodias, despontando nas pausas dos compassos, a culpa por se sentir bem. Ali, olhando a paisagem correr na janela, ao som daquela batida feliz, se encontrava com a nostalgia do que há pouco tempo ainda não era antigo. Viajaria só. Ida e volta no mesmo dia, mas isso a música ignorava.

Aeroporto. Inevitável imaginar o que imaginavam os que a viam. Nunca suspeitariam quem era ou porque estava viajando. Ela mesma tinha dificuldade em fazer coincidir a imaginação de si com a própria vida.

No avião, aproveitou para estudar de novo o que iria apresentar. No relógio, hora do leite do filho. Tentou dormir.

A viagem era rápida. Esperavam por ela no desembarque. Chegou ao local do evento e sentiu o frio das mãos. Faltava pouco. Assistiu à apresentação que antecedia a sua. O suor frio aumentava. Estou despreparada, percebeu. Que raios estou fazendo aqui?, acrescentou.

Pensou no filho. Pensou há quantas horas não se viam. Pensou que o resultado do cálculo significava o recorde de tempo longe um do outro. Pensou que ele tomou leite NAN. E que seu peito formigava de leite descendo. Pensou que vergonha seria se vazasse leite no meio de sua apresentação. Pensou que teria que apresentar muito bem pra ter valido a pena ficar aquele dia longe dele.

Não pensou mais porque chamaram seu nome. Andou até à frente da plateia, pegou o microfone com a mão suada. Apresentou-se. Só não disse mãe de Benjamin, que está em casa tomando leite NAN enquanto meus peitos vazam.

Falou. Falou. Falou.

Terminou.

Despediu-se de algumas pessoas, foi até o saguão onde o carro a esperaria. Foi levada de volta ao aeroporto. Espera interminável. Anoitecia.

O filho estaria tomando banho. Ela já ficava inquieta com os minutos que, agora, pareciam encalhar. Subiu no avião. Não podia dormir.

A viagem de volta demorou séculos. Sentiu enjôo, sentiu pressa, sentiu saudade. Sua expectativa não cabia naquela poltrona. Irritou-se com a conversa do casal ao lado.

Chegou, enfim, em sua cidade. E as demoras que se seguiram e retardavam sua chegada em casa beiravam o insuportável. Ele está dormindo, o marido contou por telefone. Como?, ela se perguntou. Pediu pressa ao taxista.

Entrou em sua casa silenciosa. Beijou o marido, perguntou do dia. Foi tudo bem. Mas ele ficou bem? Ficou. Mesmo? Sim. Mesmo sem leite do peito? Sim. Ela sentiu doer o peito ingurgitado de leite.

E adentrou o quarto do filho. E pegou-o dormindo no colo. E o abraçou. Sentiu seu cheiro. Casa.

Carregou-o até a cadeira onde dava de mamar. E suspirou de alívio quando ele grudou os lábios no seu peito e, com força, começou a sugar.


domingo, 17 de outubro de 2010

De sonhos, árvores e limites

Ser jovem significa poder ser qualquer coisa que caiba dentro de continuar sendo si mesmo. Ser o ponto de onde divergem infinitos caminhos e ter o pé apontado pra qualquer direção. Poder sonhar ser isso, aquilo outro, apoiando o queixo na mesma janela diária, de onde o mundo acena sempre como convite. E a recusa, por não se saber definitiva, nem tem gosto de recusa. Assim, eu me sonhava, nem tanto tempo atrás, escritora, aventureira, desbravadora, garçonete, andarilha, editora, professora. Morando na praia, na montanha, num navio, num país de língua azul, numa casinha ao som de cachoeira. E tantas outras intimidades.

Eu não tinha percebido antes, talvez por isso o momento tenha se feito de assombro tão violento. E eu não podia supor que a descoberta se daria justamente ali, olhando as fotos de uma amiga na internet. Uma amiga que está trabalhando no Quênia. A cada foto, admiração e dor. Dor?, eu me surpreendia. E a resposta da dor era crescer até sufocar. Um tipo de dor até então desconhecido, que de início eu tentei ignorar, não tendo achado onde enfiar tamanho absurdo. Mas quanto mais eu abafava, mais sem ar ficava. Até que, assustada com meu próprio desespero, saí da frente do computador e fui conversar com minhas lágrimas. Perguntar a elas, no sozinho de um quarto escuro, de onde vinham, pra quê molhavam meu rosto, o que pretendiam.

Elas não me responderam.

E Benjamín dormia no quarto ao lado.

Mas o seco daquelas lágrimas que secaram de silêncio era rastro. Que segui pra conseguir dizer: eu não posso mais fazer o que eu quiser.

Não.

Eu não posso mais ser qualquer coisa que eu sonhe ser. Não posso morar no Quênia, não posso andar sem rumo. Não posso sair pra não voltar, não posso não ter dinheiro. Não posso me inventar de avessos e nem rodar o mundo sem destino nem porquê.

Não posso mais ser sozinha.

Ser mãe abre, mas limita. E isso era a dor. Que foi embora, porque dor dói mesmo é quando ainda não tem nome.

Ter um filho define. Contorna. Por isso minhas companheiras inquietações que transbordavam fizeram malas e partiram. Me deixaram serena com o que se fez minha família.

Ser mãe é um mergulho maravilhoso no íntimo que os dias presenteiam. É o mágico no comum. O milagre: simples.

Mas há que se despedir de alguns sonhos como possíveis. E se despedir de qualquer sonho é também triste, porque traz em forma de adeus tudo o que nunca foi. Mesmo que o caminho para onde os pés agora apontem seja belo, e acolhedor, e desafiador. E preencha de puro milagre os vazios que antes podiam se imaginar árvores.

Árvores: porque se ramificam em impossíveis gestos. E porque dão frutos que são bons é quando amadurecem. E fazem convergir o jovem dos ramos em doçura e em destino.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A incrível esperteza da mãe-natureza

Atenção: as palavras abaixo podem conter, para não-pais, conteúdo escatológico forte.

Um dia desses, enquanto trocava o novo cocô do Benjamín, percebi outra vez a astúcia da natureza.

O cocô dele, além de cheirosinho, era molinho, em volume na maior parte das vezes cabível na fralda e de consistência contornável com algodão molhado. E mesmo com esse cocô fácil, nas primeiras semanas eu conseguia sujar nós dois de cocô e lambuzar toda a roupa limpinha e as perninhas de hipoglos.

Desde que ele começou a comer papinha salgada, o cocô mudou. Agora tem cheiros diversos e esquisitos, sai de montão, é pastoso e pegajoso, muito pegajoso. Se eu molho o algodão pra limpar, espalho mais ainda. E tenho que limpar várias vezes pra tirar toda aquela tonalidade amarelada que fica a bundinha do meu filho. Isso, somado à destreza crescente do rebento, torna a tarefa trivial de trocar a fralda um desafio sempre maior.

E foi espalhando cocô por todo canto que pensei quão inteligente é a natureza por fazer com que os bebês comecem a vida com um cocô nível 1 de dificuldade, que só aumenta de nível conforme aumenta a habilidade dos pais para enfrentá-lo.

E ali, segurando pra cima as perninhas do meu filho, continuei devaneando e lembrando que essa esperteza da natureza eu já tinha vislumbrado no adiantado da gravidez, quando acordava umas quatro ou cinco vezes por noite pra fazer xixi e sabia que aquilo era só um preparo para as madrugadas que estavam por vir.

Ou quando recebia meus exames de sangue todos anêmicos, porque a sábia natureza, agora mais séria, prevê sangramentos no parto e deixa mais diluído o sangue que pode ir embora.sem dizer tchau.

Ou quando alguém pega no colo meu filho e constata em voz alta que ele está pesado, e eu num sorriso mudo sei que a natureza e sua perspicácia foram ajeitando os músculos do meu braço de acordo com o tamanho do meu filho, de modo que ele, pra mim, não pese nunca (por enquanto, mães de mais velhos, eu sei).

Ou lembrando de todo aquele inchaço associado a olheiras e cabelos disformes que me constituía logo depois do nascimento do meu filho, que faziam coincidir a impossibilidade de sair de casa e a necessidade de evitar isso a todo custo, poupando, assim, a vizinhança de cenas deploráveis.

Seria possível continuar enumerando ad infinitum as provas da astúcia da natureza (que é mãe, afinal de contas), mas meu Benjamín já estava com o bumbum limpinho e cheiroso, vestido, e não ficaria parado em cima do trocador pra eu continuar devaneando nem que a vaca tossisse.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Nasceres

Antes de ser um, brotam de espasmos tuas metades – espasmos que a dor do prazer contrai, ex-pulsando do impossível o que, junto, vira ser.

Você de mim se faz então, de matéria invisível crescendo em corpo, e o suor do teu crescer te rodeia em dentro meu. Habitando-me ao te surgir, ser tua casa me faz casa. E arredondada me nasço enquanto, de novo, te ex-pulso.

Pra novo maior: mundo. Grito chorado choramos no instante em que esse vasto agora se dá. E abafamos com o leite úmido, que tece frases em jorrar-se, a palavra recolhida através de teus goles. Leite então é amor, até a hora de leite já não bastar. E pra amor ser ainda amor, te ex-pulso do meu peito e te recolho em meu colo.

Colho nos braços o que agora consiste na tua amplidão. Mas teu caber já logo não te serve, e preciso estender a casa que fiz pra você aqui perto colado pra perto alonjado. Ao alcance da vista, mas de novo ex-pulso.

E teu correr e ocupar ultrapassa as paredes do mundo que era o meu. Te amar é me recolher em ainda outra ex-pulsão. Só: eu sempre contigo, mas te ensinando a dar passos que nunca conheci, através de te deixar.

E você ganha mundo. Já não te vejo, já não te abraço, já não te alimento, já não te abrigo. Aí, já não existo. É teu próprio pulsar que te ex-pulsa agora; é tão vasto o novo vasto que não tem limite. Por isso finda, no rasgo da cisão do que se juntou naquele ex-pulsar primeiro.



(Nasceres, ou desde um futuro longínquo, ou a culpa eterna da mãe ou agradecimento ao Guto em forma dum dizer)

sábado, 18 de setembro de 2010

Dias de mãe, dias de filho

Os dias que antecedem um nascimento são mágicos. Tudo ainda está igual, mas prestes a ser virado do avesso. É uma espera que acontece em cada detalhe e no leito de mundo em que se dá cada gesto. Gesto: em uma das línguas, portar e trazer. Quando se gesta com o corpo, cada movimento, pensar, dizer, carrega o que será trazido pelo mesmo gestar. Traz o que cresce em forma de gesto na barriga. Porque o futuro, aí, nunca esteve tão condensado e palpável. Dentro. Vivo. Dando chutes, cabeçadas e cotoveladas.
O nascimento é uma explosão. Não importa o preparo. Haverá estilhaçamento: da calmaria, da expectativa, da passagem. Um estilhaçar absurdamente feliz, no nosso caso.
A saída de casa para a maternidade é uma saída bem mais ampla. É uma saída do comum, dos dias que já se conhecem, da casa como era até então, e principalmente de si mesmo. (Fico pensando em como seria o parto em casa. Pra mim, a saída foi essencial. Até pelo voltar e encontrar tudo tão igual e tão, tão diferente.)
Escutar o choro do meu filho pela primeira vez foi o que de mais intenso senti na vida. Eu chorava também com todo o meu corpo, e hoje sei: chorava o mesmo choro dele, que ele ali mesmo me ensinava. As horas que se seguiram foram de êxtase. Os dias, também. Admiro quem escolhe ter filho em casa, mas a maternidade (hospital) pra mim foi incrível. Até a dor que me vergava pra frente cabia naquilo que acontecia. Eu não conhecia, até então, felicidade tão incondicional, tão imensa e ao mesmo tempo tão comum. Como se aquele inédito fosse expressão da convergência de cada momento meu anterior e por isso, mesmo inédito, estranhamente reconhecível. Deve ser isso o que acontece quando vamos de encontro ao nosso próprio destino.
E foi imersos em tamanha felicidade que deixamos o hospital. Já no caminho pra casa a felicidade foi tomando outras formas, nem tão contentes. Benjamin fez cocô no caminho, e o cocô vazou da fralda pra toda roupa dele, e eu não tinha outra coisa que fazer, ali no carro, que não cantar, tentar distrai-lo do seu incômodo, tentar me distrair do meu desespero e escutar seu choro agudo e dolorido.
Chegamos em casa (a primeira vez do Benjamin em sua casa) com a tarefa de limpar aquela criaturinha chorante de todo aquele cocô espalhado. Era muito, e achamos que dar um banho seria melhor e até quem sabe o acalmasse. Doce ilusão. O preparo do banho já foi um deusnosacuda (com direito a mangueira da banheira esguichando água pelo banheiro todo), e o banho em si também. Nunca foi tão drástico e decisivo abrir o aluminiozinho do tubo de hipoglos ou entender qual o mecanismo de saída daquela embalagem de sabonete líquido.
Os dias que se seguiram trouxeram desespero semelhante. Tanto amor e tamanha fragilidade, conjugados com meu desejo de cuidar como cria ser a melhor forma, me faziam prever que nunca mais eu teria um momento que pudesse chamar de meu. Que nunca mais dormiria mais de três horas seguidas. Que nunca mais tomaria um banho sem tentar escutar, por entre o barulho da água, alguma manifestação de choro.
Nessa época, quando via uma grávida na rua (nas poucas vezes em que botava os pés na rua), pensava inevitavelmente que ela não sabia o que a esperava. Olhava pra cara de felicidade dela e pensava, coitada. Olhava também pras pessoas andando e fazia cálculos mentais tranqüilizadores: essas pessoas já foram bebês. Os pais delas hoje nem sabem que elas estão aqui nessa calçada. Eles devem ter uma vida “normal”, então. Então um dia eu também vou ter.
E as horas, as mamadas, os dias, as dormidas foram passando. Eu fui aprendendo a conhecer Benjamin, ele foi aprendendo a conhecer o mundo. E, de alguma maneira, imperceptivelmente, as coisas foram se ajeitando. E de repente eu me vi vivendo uma vida “normal”. (Bom, quase normal.) E ainda por cima, com Benjamin. Foi um daqueles momentos em que se é feliz duplamente, por ser e por se saber.
E que se estende até este momento em que teclo estas palavras. Não que a vida seja igual o que era antes. Isso seria impossível. A vida cresceu. Não pelas possibilidades cotidianas, mas pelo que cada possibilidade significa agora. Tudo ganhou outra tonalidade, outra importância.
(É por isso que nesta noite de sábado faço o que mais desejaria estar fazendo agora: escrever, enquanto escuto o silêncio e sua música quieta vindo do quarto do Benjamin.)
Continua...
(cotidianamente)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O prédio da frente (ou uma janela indiscreta)

Quando Benjamin tinha suas poucas semanas, um lugar da casa muito freqüentado pelo colo da vez era a frente da janela da sala. No intervalo de depois da mamada ou no tempo de fazer dormir ou acalmar, lá ficávamos, olhando pra longe (sim, a janela aqui oferece tamanha regalia nos céus ocupados desta cidade cinza) ou pra perto, mais precisamente pro prédio da frente.

Lá ficava eu, Benjamin no colo, horas a fio, com as pernas um pouco afastadas e aquele balanço praláepracá no corpo (há que se dizer que o tal balanço foi flagrado se insistindo em situações equívocas, como elevador, conversa ao telefone, filas de espera variadas, etceteras mil, situações em que os braços estavam desocupados). E, indiscrições janeleiras à parte, fui me apegando mais e mais à fachada, às cortinas, luzes e habitantes do prédio da frente, com seus contornos e hábitos que se tornavam familiares.

Eu contava os andares, adivinhava acenderes de luzes, movimentos, rotinas. Graças ao binóculo à minha visão de lince, acompanhava as horas da senhora do último andar, sentada na poltrona, carretel de lã caindo dos joelhos. E adivinhava o significado dos gestos da conversa do casal do sétimo. Bisbilhotava o que assistia o morador do quinto andar enquanto se empenhava na monotonia de uma bicicleta ergométrica; sorria com as crianças do primeiro, que brincavam enquanto o pai pintava telas no quarto ao lado.

Nas madrugadas, me sentia solitária. O décimo primeiro às vezes dormia tarde, mas às quatro da manhã, mais ninguém. Só aos finais de semana, quando eu adivinhava meias-luzes nas frestas das persianas abaixadas. Quando tudo escurecia, eu buscava no longe qualquer luz de outro prédio, implorando pra me dizer que eu não era a única criatura (além dos outros moradores desta casa) que àquela hora não dormia. (Poxa, eu pensava, não tem mais nenhum bebê na região? Ou será que tem e o meu amado Benjamin é o único da cidade que ainda não dorme a noite toda?)

E os dias foram passando e o amado Benjamin crescendo e o mosaico de luzes do prédio da frente (caleidoscópio disperso no tempo) ficando por ali do outro lado da rua, e nós deste lado de cá, cada vez menos na janela. E menos. E menos. Menos.

Até eu me perceber, olhando de relance a família do sexto na mesa de jantar, saboreando uma certa saudade daqueles companheiros mudos. Uma nostalgia de ter o Benjamin nos braços por tanto tempo. Pequenininho, acalorado no meu balançar, enquanto imaginava o cachecol que se formava pelas mãos da senhora do último.

E nos dias frios que nos visitaram, quando andava por aí na rua, mirava cada senhorinha de cachecol das redondezas com olhos de quem sabe a trama daqueles tecidos.


***

Comemoração bem modesta mas bem contente, envergonhada de pequena, admirada dos queridos blogs aniversariantes de verdade: hoje o leite e prosa faz um mês!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Das curvas, das mães

Imagino que já deva ter passado na cabeça de outras mães. E que quem não tem filhos talvez tenha dificuldade de vislumbrar o tamanho da descoberta. Mas num belo dia, daqueles bem difíceis do começo da vida do Benjamin, eu entendi num clic de ficha caindo que a maternidade iguala as pessoas.

Foi assim: o meu despreparo diante do meu filho era enorme. O passar dos dias (das horas, dos instantes) me trouxe em forma de algum tipo de certeza que o despreparo de qualquer pessoa do universo diante do meu filho, Benjamin, seria também enorme. Porque é necessário despreparo para se estar diante do inaugural. É necessário ignorância. É necessário abertura disposta, e portanto vazia. E também a mudez que pode recolher numa escuta um som que se inicia como linguagem.


Qualquer saber, eu entendi, não seria exato. Ser mãe é ser curva. Desde o redondo da barriga e das mamas até o torto e o impossível das certezas. Passando pelo acolher sem pontas que incomodem – o círculo macio do abraço.


E isso independe da mãe, contanto que o seja. Branca, preta, ruiva, amarela. Biológica, adotiva, escolhida. Pobre, rica, milionária; estudante, analfabeta, PhD. Famosa ou gente comum. Nenhuma condição anterior a ser mãe dá ponto de partida que não seja o zero. Nenhuma condição anterior a ser mãe apresenta, antes que elas mesmas se dêem, as madrugadas insones. A insegurança de dar banho. O prazer de alimentar, qualquer que seja a maneira. O quente dum sorriso banguela. As choradeiras mil (do filho e da mãe). O olhar que se vê no olho que vê pela primeira vez.


Iguais Natalias, Marias, Maries, Giseles; Kalilas, Mitikos, Gimbyas, Jeannes...

domingo, 5 de setembro de 2010

Tanto amar

Benjamin agora de manhã, sabe-se lá por que cargas d’água, resolveu não dormir. Ficou no berço ora chorando, ora brincando, e depois de duas largas horas desistimos, nós e ele. Aí “sentou” com a gente pra tomar café da manhã, deu risadinha e começou a ficar irritado, como era de se esperar. Já era quase hora de mamar, e resolvi ficar com ele no colo. Mas ele continuou seus resmunguinhos. Foi se acalmar só quando pus o como pode um peixe vivo viver fora..., música que, na versão violão do MPbaby (ai que nome estranho), foi das top five quando a gente o embalava até ele cair no sono. E foi apoiando a cabecinha no meu ombro, e colocando a mãozinha no meu pescoço, e quando eu vi ele já tava dormindo, todo aconchegado em mim. E eu toda aconchegada nele, percebendo, ao som daquela música, que saudade eu tava desse soninho abraçado.


Então eu deitei no sofá com ele enroscado no meu pescoço. E sentindo sua respiração como uma carícia, fui deixando emergir um sentimento que está aí sempre desde seu nascimento, mas que, com ele todo encostado em mim, perninhas, barriga, bracinhos abertos no meu colo, mãozinhas tocando minha pele, inflou e virou uma paixão ardida dessas que doem de não caber. E o respirar dele e o meu entraram num só compasso, e a música nos imitava em forma de ritmo, e nosso mútuo roçar era amor traduzido em pele. Eu com uma mão no seu cabelo ralinho, macio, outra apoiando suas costas, abraçando completa, com todo meu existir, aquela criatura entregue ao seu sono em mim, aberta no seu respirar, no seu sonhar, no seu receber que dá. Assim ficamos, juntando nosso calor no frio desse novo dia, tocando-nos como se, num fractal, cada pedaço nosso fosse o gesto inteiro. Amor.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O nascimento

Sempre achei que teria parto normal. Aí na faculdade de medicina aprendi que o problema de coluna que eu tenho poderia atrapalhar e que era, então, indicação de cesárea. Fiquei meio cabreira, mas como ter filhos naquela época era algo absolutamente distante, deixei a coisa de lado e achei que até o meu parto os avanços da medicina já pudessem ter resolvido aquilo.

E então engravidei. Não foi uma gravidez planejada nos rigores todos do termo, mas foi mal e mal evitada. Tanto que aconteceu, alguns anos depois daquele dia em que eu via meu parto como a décadas de distância. E foi surpreendente, mas imagino que mesmo a notícia da gravidez mais planejada seja pura surpresa. Porque não há como não ser assim o novo mais originário, a origem em sua forma mais poética, que é, por sua natureza, também a mais puramente literal. E, sabe?, acho que sei o dia exato em que engravidei. Foi no quarto do Benjamin, que era onde ficavam os pufes e a televisão. Mas a televisão não teve participação nenhuma, quem teve foi um livro chamado A chave de casa de uma moça chamada Tatiana Salem Levy, de quem eu tinha tomado conhecimento alguns dias antes, na FLIP. Essa Tatiana não sabe, e nem eu sabia então, da importância desse livro pra minha gravidez. E a FLIP não sabe, e nem eu sabia então, que a menstruação que descobri no banheiro do posto de gasolina da estrada rumo a Paraty fazia daquele o DUM, ou dia da última menstruação. (Pra quem não é médico nem pai nem mãe, esse dia é usado pra calcular a idade do feto ao longo de toda a gestação e pra estimar o dia do parto).

E minha barriga foi crescendo deliciosamente e me avisando que era hora de ver aquele negócio de parto. Eu continuava de alguma maneira achando que teria parto normal, porque seria no mínimo injusto este ser vasto das minhas ancas não ter nenhuma serventia. Então fui no ortopedista averiguar se os avanços da medicina desde aqueles idos tempos da faculdade já eram suficientes pra garantir o parto que eu queria. Os avanços não, mas as pregressas sessões de RPG, fisioterapia, alongamentos e a boa vontade do médico fizeram com que eu saísse do consultório feliz e saltitante (saltitante dentro da medida possível pela minha já grande barriga), ligando pro Demis e pra quem mais se interessasse pra avisar que já estava definida a via de saída daquele que habitava meu dentro.

Mas aquela grande barriga foi ficando cada vez maior, e maior, e maior, porque aquele que habitava meu dentro crescia, crescia e crescia, até que chegaram as esperadas 37 semanas, e nada. A grande barriga lá no alto, eu interpretando os movimentos quase circenses do Benjamin como tentativas de encaixar, e as semanas passando. 38. Entrei de licença de um dos trabalhos. 39. Entrei de licença de outro. 39 e seus sétimos. O quarto pronto, o cinema com o gostinho de último, a insônia aumentando e uma pulga atrás da orelha também. Até que o querido obstetra (que merecia um post só pra ele) disse: olha, ele tá muito grande. Se crescer mais não passa. E eu me segurando pra não chorar.

Pausa para digressão. Quando uma querida amiga minha teve um filho lindo-maravilhoso nascido de cesárea e eu vi no seu rosto a decepção por não ter sido parto normal, eu pensei bem lá dentro dos meus botões que ela devia estar reclamando à toa, porque, poxa, o que importava afinal era que tinha ido tudo bem. Foi só quando a iminência da cesárea se apresentou pra mim que eu entendi que decepção era aquela que ela tinha sentido. Insuficiência mais incapacidade elevadas à culpa mais frustração é a equação que resume um pouco o estado. Porque essa história de parto normal a qualquer custo, junto com todas as idas à maternidade que eu já tinha imaginado e todos os gritos de dor que os meus sonhos já tinham ouvido (e nunca houve dor que eu esperasse tão ansiosamente) me deixavam ali, chorando no sofá, olhando a minha barriga e me perguntando por que ela insistia em escrever a história dela e não em seguir o script que eu e o mundo já lhe havíamos oferecido.

(que bom, barriga, que bom que você me mostrou desde aí que vinha era pra se inaugurar; obrigada, Benjamin, por desde as entranhas insistir em ser si mesmo.)

E a nossa história, que enfim se deu, foi a seguinte. Se ele não nascesse no fim de semana, o obstetra induziria o parto. E no fim da tarde de segunda-feira ele colocou lá a tal da coisa para induzir, e eu e o Demis fomos jantar fora. Nossa despedida de restaurantes sabe-se lá em quanto tempo. Um jantar delicioso, e eu atenta a qualquer contraçãozinha.

Em casa, outra insônia. Uma insônia muito especial, porque era provavelmente a última antes de eu ser mãe. Antes de eu conhecer o Benjamin de outro jeito. Antes de eu poder abraçá-lo com os braços ao invés do ventre. As horas acordada eu fiquei no quarto dele, sentindo o vazio que estava prestes a ser preenchido. E sentindo o cheio em mim que logo ficaria vazio.

Amanheceu chovendo. Eu e o Demis fomos ao consulado de Cuba entregar um papel que faltava para a solicitação de visto da mãe dele, e que tinha chegado na tarde anterior, antes da nossa ida ao obstetra. Depois do consulado, fomos comprar um tênis pro Demis. E depois ao cinema. Assistimos Soul Kitchen. E depois voltamos para casa. E ficamos esperando a ligação do consultório do obstetra, porque uma moça havia chegado à consulta em pleno trabalho de parto e ele tinha ido ao hospital (tive inveja dessa moça com suas contrações.)

À noite, fomos ao consultório e a indução não tinha funcionado. Veio uma onda de tristeza e depois aquele marzão de uma alegria meio nervosa. Seria mesmo cesariana, então fomos pra casa pegar as coisas e depois para a maternidade.

Eu tinha ainda algum tipo de esperança de que eu entrasse em trabalho de parto por milagre. Mas o milagre foi outro. E foi simples. Foi o nascimento do Benjamin. Porque quando eu escutei seu choro eu senti o que de mais intenso me visitou na vida, e seria inútil tentar buscar um nome que descrevesse aquilo.

Com o choro dele e a mão dele no meu rosto foi embora qualquer coisa que não fosse ele mesmo.

E, depois que tiraram ele de perto de mim, eu caí num cansaço absurdo como se tivesse sido esforço meu ele nascer. Perguntaram até se o anestesista tinha me dado algum calmante. Não, ele disse. Era algo como sair de um transe, de uma condensação mágica de tempo, para entrar no que pode significar a palavra sim.

Benjamin nasceu muito bem, com 4125g. E eu agradeci por nós dois que ele tenha vindo como veio.






sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Curtas (ou intervalos de alegria e tristeza)

Ontem tentamos dar água pro Benjamin pela primeira vez por causa da secura absurda desse tempo. Tomar mesmo, acho que ele não tomou. Mas ver a mãozinha dele tentando segurar a mamadeira era tão bonito que eu quase esquecia o motivo terrível daquilo.

***

Tem uma planta morta na sala aqui de casa. Era uma planta grande, linda, que bendizia a casa há mais de três anos, e há uma semana estava forte, com plantinhas pequenas nascendo e tudo. Secou. E agora tenho um cadáver no vaso, que me entristece sempre que passo por ali e do qual não sei como me livrar.

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A mesma mãozinha deliciosa do Benjamin fica segurando meu dedo, enroscadinha toda num só dedo meu, sempre que ele mama. E como é bom saber que a sede dele é saciada com a água que eu bebi.

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O prédio da rua do lado já está com 18 andares. Os prédios, porque são dois. Sabe-se lá a que alturas chegarão, porque não dão mostras de que pretendam se terminar tão cedo.


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Quando o Benjamin acorda ele chama a gente com algum tipo de grito. E quando a gente chega no quarto ele já ta olhando pra porta esperando a gente chegar, e ao escutar nossa voz ele abre um sorriso que abre a boca que afinal é pequena pra tanto sorriso.
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