sábado, 21 de fevereiro de 2009

Bispos portugueses vão propôr o fim do casamento após a menopausa...

... se forem coerentes. É que se levarmos a sério a Conferência Episcopal Portuguesa quando afirma que o matrimónio deve ser reservado a pessoas de sexos diferentes porque é aí que assenta a "geração de novas vidas", então está na altura de impedir o casamento a pessoas que não podem, ou não querem, ter filhos.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Outra Economia lá para o Verão

A renovação da Economia (como saber) será um processo demorado feito de contributos parcelares com diversas proveniências. O CES (Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra) participa. Lá para o Verão (6 a 9 de Julho 2009) organiza o primeiro de uma séria de Cursos de Verão de ‘Economia Crítica’ (ver aqui). O tema: “Os fundamentos institucionais da economia: propriedade, mercados e políticas públicas”. Os professores: Daniel W. Bromley da Universidade de Wisconsin-Madison, Julie A. Nelson da Universida de Massachusetts Boston, e John O’Neill da Universidade de Manchester e também os investigadores do CES, José Reis, Tiago Santos Pereira, Vitor Neves e José Castro Caldas. Warren Samuels quis participar e tudo indica que cá estará. Sabemos que para os leitores mais informados acerca das heterodoxias da Economia há aqui nomes que dispensam apresentação. Em qualquer caso os links apropriados foram feitos.

Vicenç Navarro: ciência social para uma vida decente

Vicenç Navarro, um dos meus economistas políticos preferidos, já aqui várias vezes referido, tem um blogue que recolhe as suas múltiplas intervenções como intelectual público. Professor em Barcelona e nos EUA, Navarro é uma referência na área dos chamados determinantes sociais da saúde: as desigualdades produzidas pelo neoliberalismo fazem muito mal ao bem-estar dos indivíduos. Uma das virtudes do trabalho académico de Navarro é a superação das barreiras disciplinares, parte da recusa em separar a política económica da política social. Navarro prefere falar de políticas públicas.

O Estado social e a política económica de pleno emprego estão profundamente imbricados. Evita-se assim uma grande desgraça intelectual e política, que muito tem afectado os sectores intelectuais do PS, e que se traduz na divisão de trabalho entre uma sociologia funcionalista e a economia ortodoxa: finas, muito finas, almofadas sociais para amortecer um pouco os impactos de uma política económica que tem como horizonte intransponível o controlo do défice e a expansão das forças do mercado.


Keynesiano de esquerda, Navarro faz parte de uma linha de economistas políticos muito crítica da actual configuração do projecto europeu, desenhada para gerar desemprego e para fazer do trabalho a variável de ajustamento. Navarro tem destacado o papel das desigualdades no eclodir da actual crise e defendido políticas keynesianas de expansão da procura, centradas na satisfação das necessidades sociais, como melhor forma de combater a crise e as desigualdades: «medidas muito mais eficazes para criar emprego são os investimentos públicos nos serviços do Estado de bem-estar como são a educação, saúde, jardins de infância, serviços ao domicilio, bem como infra-estruturas públicas, caso dos transportes públicos, usadas predominantemente pelas classes populares, e investimentos em energias renováveis. Nestes investimentos, o Estado, em vez do mercado, dirige a criação de emprego, orientando-a para as actividades que criam bons empregos e enriquecem as infra-estruturas físicas, humanas e sociais do país». Isto tem a vantagem de gerar dinâmicas sociopolíticas democráticas que são mais difíceis de reverter.

Subjacente a todo o trabalho de Navarro está a ideia de que «o socialismo não é uma etapa final, mas sim um processo que se constrói e destrói quotidianamente no desenvolvimento das políticas públicas». Um cientista social de combate a ler com muita, mas mesmo muita, regularidade.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O inimaginável em vias de se tornar inevitável?

No passado dia 15 Matthew Richardson e Nouriel Roubini, professores na escola de negócios da New York University, argumentavam no Washington Post, a propósito dos maiores bancos dos EUA, que já é tarde demais para não usar a arma letal: nacionalizá-los. Nesse artigo explicam os detalhes de um processo controlado de nacionalização da banca.
Hoje, o mesmo jornal relata afirmações do presidente da Reserva Federal, Ben Bernanke, e do Presidente dos EUA, Barack Obama, que vão exactamente no mesmo sentido. Parece que não é apenas Alan Greenspan que perdeu a fé. A descrença na 'economia de mercado' alastra, agora não só em alguns círculos académicos mas também na alta administração dos EUA.

É bem provável que a equipa de economistas de Obama comece a tomar consciência, embora com relutância, que a salvação de bancos falidos à custa do contribuinte não só é moralmente indefensável como nem sequer é financeiramente viável. E, mesmo que esse caminho fosse tentado, o mais certo seria lançar os EUA (e o mundo) numa 'década perdida' como aconteceu ao Japão.

Também no Reino Unido, face à continuada retracção do crédito, a nacionalização da banca (ao preço actual no mercado, claro) é uma opção abertamente discutida (ver esta posta referida pelo Nuno Teles e este artigo).

No coração do capitalismo neoliberal, o inimaginável estará em vias de se tornar inevitável? Imagino os pesadelos de José Manuel Fernandes, director do Público.

A vertigem sectária da esquerda mínima (II)

Mas o mais preocupante, porque revelador de uma visão sectária e conspirativa do debate de ideias (e, no fundo, de quem não tendo argumentos usa apenas rótulos e preconceitos), vem a seguir. Disse RPP, referindo-se a uma posta minha citando um artigo de Mário Crespo: “Porém, quando se cita Mário Crespo para criticar a “qualidade da nossa democracia e a credibilidade dos agentes políticos”, há muito que se esbateram as fronteiras entre esquerda e direita em favor de uma pragmática congregação de todas as oposições ao Governo do momento. E o resto é conversa para confundir quem quiser ser confundido.”

Ou seja, o sectarismo e a visão conspirativa da esquerda mínima são de tal ordem que RPP acha que, primeiro, uma pessoa de esquerda não pode citar pessoas que se situam à direita (mesmo que considere que pelo menos parte do que dizem é pertinente e deve ser levado a sério: eu disse que eram levantadas questões pertinentes no artigo, embora não concordasse com todas as associações aí feitas) porque se o fizer é porque está a pactuar com a direita e, por isso, em segundo lugar, estará envolvido numa conspiração contra a “verdadeira esquerda” (que será, de acordo com a visão sectária de RPP, o governo).

Não me revejo nisto, eu considero as pessoas todas pelas suas qualidades pessoais e profissionais e pelo que elas dizem. E se pessoas de direita (ou de esquerda, do governo ou sem ser do governo) disserem coisas com que concordo (ainda que apenas parcialmente, como era o caso e o sublinhei com clareza), então não hesitarei em concordar com elas e em citá-las. Recuso-me em absoluto a raciocinar por preconceitos, rótulos e visões conspirativas (amigo versus inimigo: “quem não está connosco é contra nós”): para mim, no debate de ideias, o que valem são mesmo as ideias e o seu suporte empírico. O resto é, na minha perspectiva, puro sectarismo.

A vertigem sectária da esquerda mínima (I)

Em “A moral e a política”, Rui Pena Pires, vem lembrar que “Em rigor, convinha não confundir a esquerda com um saco de gatos anticapitalistas, esquecendo que há uma crítica reaccionária do capitalismo que de esquerda nada tem.” Embora não tenha sido capaz de assumir com clareza o queria dizer, como juntou isto num comentário sobre uma posta minha neste blogue (ver a seguir: “A vertigem sectária da esquerda mínima (II)”) suponho que queria rebater alguns pontos de um artigo meu no Público (16/2/09), “A identidade ideológica do PS (de novo) em redefinição?”.

E que disse eu no citado artigo do Público? Primeiro, disse que de acordo com as percepções dos eleitores de 19 países da UE entrevistados no European Election Study 2004, o PS é um dos partidos socialistas menos ancorados à esquerda da sua família política (isto é, os socialistas e social-democratas agrupados no PSE) – dados estes que são recorrentes desde finais dos anos 1980. Especificando, em 18 países da UE (isto é, retirando o Chipre, em que o maior partido de esquerda são os renovadores comunistas do AKEL), o PS é o quarto partido daquela família que se situa mais à direita. Não é a minha opinião, são dados recolhidos através de inquéritos por questionário junto de amostras representativas da população com 18 e mais anos em cada país. E desses dados (em vários estudos feitos pelo menos desde os anos 1980) sabemos também que, em primeiro lugar, a distância que separa o PS do PSD é das mais curtas no conjunto da UE (entre os dois maiores partidos, um de cada área ideológica) e, em segundo lugar, que os eleitores (tal como os politólogos inquiridos em vários expert surveys – veja-se, por exemplo, Benoit, Kenneth, and Laver, Michael, Party Policy in Modern Democracies, London, Routledge, 2006) colocam recorrentemente o BE e o PCP/CDU bem à esquerda do PS (na escala esquerda-direita).

Segundo, recordei ainda que “Note-se que estes dados são anteriores à maioria absoluta (e recorrentes desde os anos 1980). E para que lado inflectiu o PS desde então? Já muito se escreveu sobre isto, nomeadamente que o partido fez uma inflexão para o “centro do centro” nunca antes vista. Uma das evidências mais fortes foi revelada por Susete Francisco (DN, 29/7/08). De acordo com as votações parlamentares nesta legislatura, concluiu que o PSD e, em menor medida, o CDS-PP, têm sido os partidos que mais votaram favoravelmente as propostas de lei do PS (ao contrário do BE e do PCP) na última sessão legislativa: em 55 propostas de lei apresentadas pelo PS, os deputados do PSD aprovaram 30 (54,5 por cento) e abstiveram-se em 11; no caso do CDS-PP, as votações favoráveis e as abstenções foram de 24 (43,6 por cento) e 16, respectivamente. Uma situação semelhante se verificou em toda a legislatura. Se o PS tem maioria absoluta e não precisa do seu apoio, excepto em leis de 2/3, porque carga de água iriam PSD e CDS apoiar as suas propostas de lei? Muito simplesmente porque, em muitos casos, o PS tem adoptado as políticas que antes defendiam e, por isso ser tão evidente em tantas áreas, tiveram que votar a favor para não se descredibilizarem. E a inflexão centrista é um dos factores que melhor explica o crescimento das forças à esquerda do PS.”

Terceiro, quanto à crítica reaccionária do capitalismo, todos sabemos que, pelo menos no século XVIII, a direita tradicional, reaccionária, era anti-liberal e defendia um forte papel interventor para o Estado (o mercantilismo). Nessa altura, os liberais eram a esquerda contra os vários privilégios associados à “sociedade de ordens” (privilégios de nascimento, sociais, económicos, etc.). Mas há muito que o liberalismo económico e depois o neoliberalismo (mesmo apesar de ter sido em boa medida adoptado pela terceira via…), com a sua visão minimalista do papel do Estado e dos direitos sociais, está associado ao campo da direita. Veja-se a este propósito: André Freire, Esquerda e Direita na Política Europeia, Lisboa, ICS-UL, 2006.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Quando as pessoas perdem a fé…

No final de 2008, Alan Greenspan, discípulo da romancista anarco-capitalista Ayn Rand e ex-presidente da Reserva Federal, reconhecia: «Cometi um erro ao confiar que o livre mercado pode regular-se a si próprio sem a supervisão da administração». Greenspan vem agora defender a nacionalização temporária de mais «alguns bancos». O que defenderá a seguir? Pena é que a administração Obama continue a resistir a esta saída. Por quanto tempo? Apesar de alguns sinais positivos, não nos esqueçamos que nela pontificam economistas que estiveram na origem do romance dos «novos democratas» com os mercados financeiros liberalizados. Lembram-se? Anos noventa…

Sobre a nacionalização do sistema financeiro, não deixem de ler este artigo do Nuno Teles.

Como argumentar

«Segundo João Rodrigues: “A moral não é separável da política. Nem deve ser.” Khomeini não diria melhor». Rui Pena Pires ou como argumentar. Leiam o resto. Não melhora. Com tanto que tenho escrito sobre este tema, não é preciso ir buscar postas de outros membros do blogue para construir um «argumento»...

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O custo fixo da globalização

O pesadelo da sobreprodução e da deflação à escala global, em que hoje estamos trancados, não pode ser desligado do declínio do peso dos salários no rendimento nacional. Esta tendência é comum aos EUA, à União Europeia, ao Japão ou à China. De facto, a integração económica internacional tem tido nos salários a sua variável de ajustamento. O resto do artigo pode ser lido no esquerda.

Os artigos de David Pilling e de Robert Wade, referidos no esquerda, estão disponíveis aqui e aqui.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O critério central para avaliar a vontade de mudança

Vale a pena ler o trabalho da jornalista Elisabete Miranda sobre a Suiça e os paraísos fiscais em geral, no Jornal de Negócios (JdN) de hoje.

Na esmagadora maioria dos casos, esses verdadeiros paraísos da finança pouco ou nada mais fazem do que permitir que empresas e indivíduos registem aí a sua sede, em troco de impostos irrisórios e sem qualquer exigência de uma actividade económica real significativa no território. Esta monumental fraude legal permite aos agentes envolvidos não apenas fugir ao pagamento de impostos nos países de origem mas, de forma mais geral, promove a ocultação de práticas mais ou menos ilícitas, quando não criminais.

O dinheiro que circula nos «offshores» representa anualmente cerca de 4 vezes o PIB francês, representando perdas avultadas para os cofres dos estados (só a Suiça será responsável por perdas fiscais do Estado francês que equivalem à totalidade das receitas fiscais anuais em Portugal).

Ecoando o que outros líderes têm defendido, Durão Barroso já garantiu que quer acabar com os paraísos fiscais… desde que outros países façam o mesmo. A verdade é que o poder económico e político da UE seria mais do que suficiente para proibir eficazmente as actividades nos ‘offshores’, mas os interesses instalados nas instituições europeias – e a ideologia liberal que ainda as domina, não obstante a crise – não deixam grandes esperanças. Esperanças ainda vão chegando do EUA, onde o novo presidente fez do ataque aos paraísos fiscais um tema central da campanha eleitoral. Caso tal venha a traduzir-se em medidas concretas, como diz um ex-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao JdN, «isso terá consequências sistémicas». Por outras palavras, o capitalismo neoliberal, que não sobrevive sem esquemas de fraude generalizada, terá os dias contados.

É aqui que vamos ver se a retórica anti-neoliberal, que hoje caracteriza os discursos dos principais dirigentes políticos mundiais, é mais do que palavras de circunstância.

As histerias liberais não têm fim

Rui Pena Pires declara que a crítica moral do capitalismo abre um plano inclinado que tende a conduzir ao totalitarismo. As histerias liberais da esquerda mínima não têm fim. Criticar o capitalismo pelo facto de não ser neutro no tipo de motivações humanas que favorece – a denúncia da ganância que incomodou Pena Pires – faz parte da melhor tradição socialista democrática. Richard Tawney, Karl Polanyi e Richard Titmuss, entre tantos outros, não fizeram outra coisa. A crítica aristotélica de Tawney à «sociedade aquisitiva», a denúncia, feita por Polanyi, da corrosão moral engendrada pela ficção do mercado sem fim ou a tese, defendida por Titmuss, de que a «relação de dádiva» só pode emergir em instituições protegidas dos incentivos pecuniários e do egoísmo mercantil continuam a fornecer-nos recursos preciosos de crítica e de abertura para reformas institucionais guiadas por valores.

Só quem tem um entendimento empobrecido do que é a moral, elemento indissociável de relações genuinamente humanas, é que pode escrever coisas destas: «A transformação da crítica política em crítica moral não faz apenas estas tangentes ao totalitarismo. Em rigor, o discurso moral contra o capitalismo escancara as portas ao totalitarismo, legitimando a monopolização do poder político por um pequeno núcleo de guardiães da moral». A moral não é separável da política. Nem deve ser. Os compromissos com os outros, os valores partilhados, cristalizados em práticas e instituições, ou o florescimento das capacidades humanas não são separáveis dos outros assuntos de uma comunidade política. Como os meios não são separáveis dos fins. Pensar o contrário, como disse uma vez E. P. Thompson, o da economia moral, apenas revela o «mau hálito do utilitarismo» gerador de todos os panópticos.

"Está bem... façamos de conta", de Mário Crespo, in JN, 9/2/09

Mário Crespo é um grande senhor do jornalismo, penso que isso não oferece dúvidas a ninguém.

E, concorde-se ou não com algumas das dúvidas e associações que levanta no artigo "Está bem... façamos de conta" (e eu discordo de algumas), publicado no Jornal de Notícias de 9/2/09, a verdade é que levanta várias questões pertinentes sobre a qualidade da nossa democracia e a credibilidade dos agentes políticos.

Por tudo isso, penso que é pertinente divulgá-lo junto dos leitores dos "Ladrões de Bicicletas":

"Façamos de conta que nada aconteceu no Freeport. Que não houve invulgaridades no processo de licenciamento e que despachos ministeriais a três dias do fim de um governo são coisa normal. Que não houve tios e primos a falar para sobrinhas e sobrinhos e a referir montantes de milhões (contos, libras, euros?). Façamos de conta que a Universidade que licenciou José Sócrates não está fechada no meio de um caso de polícia com arguidos e tudo.

Façamos de conta que José Sócrates sabe mesmo falar Inglês. Façamos de conta que é de aceitar a tese do professor Freitas do Amaral de que, pelo que sabe, no Freeport está tudo bem e é em termos quid juris irrepreensível. Façamos de conta que aceitamos o mestrado em Gestão com que na mesma entrevista Freitas do Amaral distinguiu o primeiro-ministro e façamos de conta que não é absurdo colocá-lo numa das "melhores posições no Mundo" para enfrentar a crise devido aos prodígios académicos que Freitas do Amaral lhe reconheceu. Façamos de conta que, como o afirma o professor Correia de Campos, tudo isto não passa de uma invenção dos média.

Façamos de conta que o "Magalhães" é a sério e que nunca houve alunos/figurantes contratados para encenar acções de propaganda do Governo sobre a educação. Façamos de conta que a OCDE se pronunciou sobre a educação em Portugal considerando-a do melhor que há no Mundo.

Façamos de conta que Jorge Coelho nunca disse que "quem se mete com o PS leva". Façamos de conta que Augusto Santos Silva nunca disse que do que gostava mesmo era de "malhar na Direita" (acho que Klaus Barbie disse o mesmo da Esquerda). Façamos de conta que o director do Sol não declarou que teve pressões e ameaças de represálias económicas se publicasse reportagens sobre o Freeport. Façamos de conta que o ministro da Presidência Pedro Silva Pereira não me telefonou a tentar saber por "onde é que eu ia começar" a entrevista que lhe fiz sobre o Freeport e não me voltou a telefonar pouco antes da entrevista a dizer que queria ser tratado por ministro e sem confianças de natureza pessoal. Façamos de conta que Edmundo Pedro não está preocupado com a "falta de liberdade". E Manuel Alegre também. Façamos de conta que não é infinitamente ridículo e perverso comparar o Caso Freeport ao Caso Dreyfus. Façamos de conta que não aconteceu nada com o professor Charrua e que não houve indagações da Polícia antes de manifestações legais de professores. Façamos de conta que é normal a sequência de entrevistas do Ministério Público e são normais e de boa prática democrática as declarações do procurador-geral da República. Façamos de conta que não há SIS. Façamos de conta que o presidente da República não chamou o PGR sobre o Freeport e quando disse que isto era assunto de Estado não queria dizer nada disso.

Façamos de conta que esta democracia está a funcionar e votemos. Votemos, já que temos a valsa começada, e o nada há-de acabar-se como todas as coisas. Votemos Chaves, Mugabe, Castro, Eduardo dos Santos, Kabila ou o que quer que seja. Votemos por unanimidade porque de facto não interessa. A continuar assim, é só a fazer de conta que votamos."

Mário Crespo, in Jornal de Notícias, 2009-02-09

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O silêncio da economia social (II)

No quadro do debate sobre formas plurais de conceber a economia, é importante conhecer as experiências – potencialidades, dificuldades, propostas – das organizações da economia social. Porque estruturam a sua actividade económica e social sem terem como objectivo a distribuição de lucros, apesar de gerarem excedentes, mas antes a defesa do interesse geral. E porque são organizações que operam segundo uma lógica de sustentabilidade dos projectos e do emprego, dando prioridade à sua responsabilidade social. Além disso, o seu funcionamento assenta numa concepção democrática da gestão interna e na propriedade comum por parte dos seus membros.

Seria útil, por exemplo, conhecer melhor os mecanismos de regulação e supervisão inscritos na própria matriz da economia social, bem como a forma como têm evoluído e sido avaliados. Tal como ter mais informação sobre as modalidades de justa repartição dos excedentes e sua relação com o investimento produtivo e a criação de emprego. Ou ainda, reflectir sobre os desafios que se colocam a estruturas que actuam em simultâneo, sem abdicar dos seus princípios e valores, no mundo mercantil e não-mercantil, monetário e não-monetário.

Como estarão a passar por esta crise as instituições de crédito da economia social? Está o «terceiro sector» a ter acesso a planos de incentivo ao emprego? Se sim, isso está a verificar-se de forma generalizada aos seus sub-sectores ou apenas a áreas que já tinham mais visibilidade na relação com o Estado, como o ramo da solidariedade social? Que estratégias de âmbito regional e internacional têm sido desenvolvidas?

Seja como for, dois aspectos serão sempre importantes neste debate. Em primeiro lugar, recordar que a economia social partilha com o poder público a orientação da actividade para o interesse geral, mas que não se destina a aligeirar a carga do Estado se este quiser escapar às suas obrigações sociais. Em segundo lugar, recordar que a presença da economia social – tal como a do Estado – no sector produtivo, exibindo resultados social e ambientalmente sustentados, será sempre uma forma de contrariar todos os defensores da mercadorização do mundo que insistem em repetir que «os outros» só querem redistribuir a riqueza que eles, e só eles, produzem. Com os resultados ensurdecedores que se tem visto…

O silêncio da economia social (I)

Seria de esperar que a crise económica e financeira, que trouxe para o debate público o mercado e o Estado, tivesse também favorecido a reflexão sobre o «terceiro sector» – a economia social. Mas isso não parece estar a acontecer. Na origem desse silêncio estarão seguramente razões muito diferentes, umas internas ao próprio sector e outras resultantes da falta de interesse em dar visibilidade política a um modo alternativo de organização da economia e da sociedade.

O «terceiro sector» precisa de identificar as suas próprias fragilidades, não apenas as que decorram das condições específicas de cada uma das suas actividades, mas também as que possam prender-se com a forma como a economia social se relaciona com diferentes estruturas e actores sociais (sindicatos, universidades, etc.). Precisa talvez até de identificar as fragilidades ligadas ao modo como o sector se pensa a si mesmo: quão generalizada será entre os seus membros a noção de que participam num projecto alternativo?

A visibilidade pública será um elemento importante para que a economia social não seja tendencialmente definida pela negativa («sector não-lucrativo», «situado entre o Estado e o mercado») e para o reconhecimento de que até tem uma dimensão importante: na Europa, serão cerca de 248 milhões os membros de uma cooperativa, de uma mutualidade ou de uma associação (cf. Thierry Jeantet, L’Économie sociale, Economica, Paris 2008); em Portugal, o sector cooperativo deverá ser, por si só, responsável por cerca de 5% do PIB (dados do INSCOOP relativos a 2005, confirmados para o ano 2007 por ocasião da primeira feira mundial do sector cooperativo, a ICA Expo 2008).

Numa altura em que são postas em causa as soluções simplistas e exclusivamente orientadas para a extracção do máximo lucro que o capitalismo financeirizado vem impondo globalmente, a economia social deverá participar com os seus pontos de vista na discussão de alternativas ao falido modelo neoliberal.

Beirut - Leãozinho

Mal-agradecidos

Hoje logo pela manhã liguei a televisão e apanhei um debate sobre crise financeira na BBC, já ele ia a meio. Um dos comentadores, cujo nome já não tive oportunidade de confirmar, disse a dada altura qualquer coisa como: ‘os críticos que associam a crise actual ao modelo de desenvolvimento neoliberal que tem vigorado na Europa nos últimos anos são uns ingratos; seria bom ouvir dessas mesmas pessoas um agradecimento por tudo o que a Europa, e este modelo, fizeram pela prosperidade económica e social nos últimos vinte/trinta anos. As pessoas melhoraram drasticamente as suas condições de vida e a prova disso está na generalização do acesso aos bens de consumo. Agora que estamos em crise, só são salientados os aspectos negativos e ninguém reconhece o quanto de bom este modelo trouxe aos cidadãos europeus’.

Confesso que ainda não me tinha confrontado com tão explícita afirmação da tamanha ingratidão dos ‘críticos’. O bem-estar dos cidadãos europeus mede-se, afinal, pela generalização do acesso aos bens de consumo e não pelas desigualdades crescentes ou pela polarização social. O bem-estar mede-se, afinal, pela quantidade de coisas que cada um e cada uma pôde comprar nos últimos anos e não pela generalização dos níveis de endividamento que depauperam as famílias europeias.

Efémeros são os bens de consumo que devemos agradecer ao modelo, efémera é a sustentabilidade do próprio modelo, que, de tão bom que é, não consegue aguentar-se mais do que os tais vinte ou trinta anos sem entrar em crise generalizada. Perenes são os custos que temos de pagar por essa generosidade que, mal-agradecidos, nem temos a humildade de reconhecer.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

O darwinismo é o princípio unificador da biologia?



Celebrando o bicentenário de Charles Darwin, e os 150 anos da sua obra ‘A Origem das Espécies’, têm sido publicados alguns textos que, confesso, me deixam algo incomodado. Um deles é a entrevista dada ao jornal Público (P2, p. 10, Sábado, 24 Janeiro 2009) pelo Prof. Michael Ruse, filósofo da ciência na Universidade da Florida. Dois outros exemplos estão publicados aqui e aqui.

Michael Ruse realça a perenidade da ideia de ‘selecção natural’: “a teoria continua, como no primeiro dia, a explicar a organização do mundo vivo. … nem o advento da biologia molecular nem o poder da genética moderna conseguiram tornar obsoleta a sua teoria da evolução. … A teoria evoluiu, mas continua a ser a mesma.”

De facto, o esquema de Darwin (variação-selecção-retenção) acabou por se combinar com a genética e formar aquilo que hoje se designa por “Síntese Moderna”, o neo-darwinismo. Quanto a teorias críticas do neo-darwinismo, Ruse menciona com alguma displicência a teoria do Equilíbrio Pontuado de Stephen Jay Gould. Como é evidente, a polémica com o criacionismo interessava mais à jornalista.

Eu, que gosto de espreitar para lá dos limites da minha disciplina, há anos que conheço os contributos de D. Depew e B. Weber. Estes autores, um filósofo da biologia, outro bioquímico, discutem as limitações do evolucionismo moderno e defendem que o neo-darwinismo tem de abandonar alguns dos seus pressupostos para poder dialogar com as teorias sobre a emergência da vida (processos catalíticos, auto-organizados, ao nível da química) e integrar os contributos da biologia do desenvolvimento (a variação não é apenas acaso) e da ecologia (variação e selecção são interdependentes).

Uma outra corrente da biologia com que Depew e Weber dialogam, a Teoria dos Sistemas em Desenvolvimento (Developmental Systems Theory) de que Susan Oyama é líder, vai mais longe e faz uma crítica arrasadora do neo-darwinismo erigido em paradigma dominante na biologia dos nossos dias. Esta corrente contesta o geneticismo e defende que o material genético não é o único recurso que herdamos e nem sequer poderia dar o seu contributo sem a colaboração dos restantes recursos herdados, o que inclui todo o corpo da mãe e as condições materiais e culturais do ambiente que sustenta a geração de um novo ciclo de vida. Ou seja, a unidade evolutiva não é o gene (este não tem nenhum ‘programa’ onde já esteja pré-formado o futuro ser) mas o ‘ciclo da vida’. É, portanto, uma teoria da evolução mais aberta à interdisciplinaridade, muito mais distante do neo-darwinismo.

Isto, já para não falar de Stanley Salthe, um respeitado biólogo que é ainda mais radical na rejeição do neo-darwinismo.

Afinal, tal como na economia, também na biologia há um paradigma dominante (o neo-darwinismo) que neste momento está a ser desafiado a partir de diferentes pontos de vista mais ou menos convergentes. Neste livro, neste outro, e ainda neste, é possível encontrar uma variedade de textos de investigadores de vanguarda que rejeitariam rotundamente o título dado à entrevista ao Prof. Ruse: “O darwinismo está bem e recomenda-se”. E também esta frase: “a Evolução Darwiniana continuará a constituir o princípio unificador da biologia, e logo, do nosso entendimento da Vida.”

O que é que se passa com a comunidade dos biólogos portugueses para que seja um economista a vir recordar que o pluralismo é inerente à aventura científica, e que há mais biologia para além do (neo)darwinismo?

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Sonhos, pesadelos e a ficção por onde tudo começa e acaba

Joan Robinson, importante economista pós-keynesiana, disse uma vez, com uma certa dose de ironia, que o sonho de qualquer capitalista é conseguir controlar os custos salariais ao mesmo tempo que os outros capitalistas fracassam nesse intento. Os salários são simultaneamente um custo e uma fonte de procura. O sonho transforma-se em pesadelo quando os capitalistas são bem sucedidos como classe.

Esta intervenção de Robert Pollin sobre a possibilidade do pleno emprego na época da globalização lembra-nos aquilo que já tínhamos defendido aqui ou aqui: a livre circulação de capitais e a emergência de um exército industrial de reserva global, em conjunto com a demolição de instituições que tinham assegurado uma certa prosperidade partilhada durante algumas décadas nos países capitalistas centrais, foram alguns dos mecanismos neoliberais que asseguraram a compressão dos salários à escala global. Da Europa à China, o espectro da sobreprodução regressa no seguimento da crise financeira.

Segundo Pollin, um trabalhador norte-americano assalariado subordinado auferia 17.66 dólares à hora em 1973 e 16.35 em 2005. No mesmo período, a produtividade cresceu 85%. Poucos dados captam melhor a vitória do neoliberalismo. O recurso maciço ao endividamento privado e as bolhas em vários activos disfarçaram durante algum tempo, durante demasiado tempo, as consequências perniciosas deste processo para o andamento da procura efectiva. A financeirização do capitalismo passou por aqui. Entretanto, a maior parte dos economistas aplaudia ou assobiava para o lado. Esqueceram-se que tudo começa e acaba nessa mercadoria fictícia que é o trabalho. As crises também.

Crise económica e financeira na "Seara Nova"

A revista "Seara Nova" tem no seu número mais recente (Nº 1706, Inverno de 2008) um dossiê especial sobre a "crise económica e financeira" onde para além de um texto deste vosso ladrão (que é politólogo, como sabem), há artigos de ilustres economistas e sociólogos (António Avelãs Nunes, João Ferreira do Amaral, Octávio Teixeira, Manuela Silva e Manuel Carvalho da Silva).

No meu artigo, intitulado "Crise do capitalismo neoliberal: diagnóstico e alternativas", termino assim:

"Numa coisa penso que os neoliberais portugueses têm razão: tudo pode ainda ser pior (Rui Ramos, “Este mundo era o vosso”, PÚBLICO, 17/9/08). É também a tese de Naomi Klein (Naomi Klein (2008), The Shock Doctrine. The Rise of Disaster Capitalism, Penguin) para explicar a combinação entre regimes ditatoriais e neoliberalismo. Aliás, o deslumbramento dos neoliberais com o crescimento económico da ditadura chinesa faz temer o pior. Para nos libertarmos da canga do neoliberalismo é necessário que, quer a social-democracia europeia (e os democratas americanos), quer a democracia-cristã, antigos pilares políticos do Keynesianismo e do Estado Social, quebrem o consenso neoliberal. Como sublinhou Mário Soares (DN, 23/9/08), a esquerda europeia precisa de apresentar alternativas. Algumas ideias do altermundialismo (e não só) podem ser úteis: a Taxa Tobin, o combate aos paraísos fiscais (no sentido da sua eliminação), o relançamento do Keynesianismo à escala supranacional (nomeadamente europeia) e a utilização das instâncias supranacionais (nomeadamente a UE) para regular a globalização. Mas há também que encontrar aliados à direita: Sarkozy (“é o fim do capitalismo laissez-faire” e “é o fim do mercado todo poderoso”) pode ser um deles."

Já nas bancas!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Os cidadãos podem salvar o Choupal

«A Plataforma do Choupal é um movimento cívico constituído para impedir que a Mata Nacional do Choupal em Coimbra seja irremediavelmente afectada pela construção de um viaduto rodoviário com 40 metros de largura e que a atravessa numa extensão de 150 metros. Se o crescimento desta plataforma cívica corresponder às expectativas que dele temos, proporemos que este movimento se concentre na qualificação física e cultural do Choupal e na resolução de outros problemas, que infelizmente são muitos». Este movimento lançou uma oportuna petição. Assinem. Sem movimentos cívicos activos, não espaço público que resista às lógicas do Estado predador.

Um jornal com factos e argumentos

«Ao contrário do que acontecia com o pensamento neoliberal, cuja difusão a nível global era visível, as ideias dos que advertiam para os impactos socioeconómicos, políticos ou ambientais muito negativos da exclusiva regulação pelo mercado pecavam por não resistirem ao teste da realidade. E, insistiam os neoliberais, contra factos não há argumentos (…) Os que entenderem que, como sociedade, de facto podemos fazer melhor, apostarão na regulação da esfera financeira, na justiça salarial e fiscal, no combate ao desemprego e às desigualdades, no investimento público, no reforço do Estado social e no desenvolvimento sustentável. Empenhar-se-ão num novo contrato social orientado para o interesse público e que exija uma maior participação cidadã na vida pública, desenvolvendo formas múltiplas de cooperação que contrariem a mercadorização do viver comum. Quanto aos defensores do neoliberalismo, se puderem reagirão à crise dizendo, desta vez, que contra argumentos não há factos». O artigo de Sandra Monteiro e o sumário da edição de Fevereiro podem ser lidos aqui e aqui.

Recursos para a análise da crise


O recém-criado grupo de investigação RMF (Research on Money and Finance), baseado na School of Oriental and African Studies de Londres, agrupa um conjunto de economistas políticos interessados no estudo da esfera financeira da economia global. No seu site encontram-se boas análises da actual crise, onde o funcionamento do sector financeiro é profundamente escrutinado.

Associado ao grupo foi fundado um blogue, o Political Finance, onde os mais diversos assuntos associados à presente crise são abordados por economistas que, vindos de diferentes tradições intelectuais, comungam uma análise crítica do actual sistema financeiro. Destaco este post de Paulo dos Santos, onde a necessidade de uma radical reforma do sector bancário, que passa necessariamente pela sua expropriação e redefinição de objectivos, é defendida com bons e novos argumentos. Vale a pena.

Infelizmente, tudo isto está em inglês.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Em defesa de um cordão sanitário!

Estima-se que, nas recentes eleições legislativas em Israel, o partido de extrema-direita, Yisrael Beyteinu, liderado por Avigdor Lieberman (na foto), tenha sido a terceira força mais votada e que possa mesmo vir a formar governo em Israel, num executivo liderado pelo Likud (Público, 11/2/09).

A vertigem expansionista do sionismo é já uma marca forte do Likud, com tudo o que isso implica de reivindicações territoriais sobre os territórios ocupados da Faixa de Gaza e, sobretudo, da Cisjordânia (manutenção e expansão dos colonatos nesses territórios ocupados em 1967, reivindicação da eliminação do Hamas, etc.). Porém, se o partido de extrema-direita, Yisrael Beyteinu, chegar agora ao poder junto com o Likud prevê-se uma forte deterioração das condições políticas e humanitárias (para os palestinianos, nomeadamente) no Médio Oriente: Yisrael Beyteinu reivindica, por exemplo, que os cerca de 20% de árabes israelitas tenham de assinar uma declaração de fidelidade incondicional ao Estado de Israel caso contrário perderão a cidadania (uma reivindicação semelhante às que os Nacional-Socialistas fizeram face aos judeus na Alemanha de entre-guerras, ironia da ironias…).

Perante isto, a Europa (e os EUA) não pode(m) ficar indiferente(s): um cordão sanitário precisa-se para isolar internacionalmente um eventual governo israelita que inclua o Yisrael Beyteinu. Não é só uma questão de coerência e um imperativo ético para a Europa/UE (por exemplo, face ao tratamento dado à Áustria, nos anos 1990, mas também em matéria de condenação do fascismo e do Holocausto, etc.), e também para a nova liderança nos EUA, é também um imperativo para se poder alcançar a paz através de acordos políticos nesta região. Sim, porque só soluções políticas poderão trazer a paz e serão verdadeiramente duradouras.

Universidade SA

«Cara Universidade, Acabaste. E nós “acabámos”. A partir de agora serás cada vez mais uma prestadora de serviços, funcionando segundo uma lógica mercantil, utilitarista, instrumental, gerida segundo critérios de produtividade típicos de uma empresa. Serás ainda menos democrática no funcionamento, mais fechada à inclusão dos alunos de camadas menos favorecidas, e ainda mais burocrática (substituindo a velha e horrível burocracia do estado por uma burocracia empresarial fetichizada - venha o diabo e escolha) . Definir-te-ás cada vez mais como algo que não é um serviço público, serás cada vez mais avessa ao pensamento crítico e à criatividade e, em última instância, acabarás odiando a própria ideia de ciência, substituída pela instrumentalidade técnica de curto alcance, imediatista, flutuando ao sabor da “demanda” empresarial, das encomendas governamentais e da demagogia da oferta imediata de saídas profissionais (que resultarão em pessoas desempregadas 5 anos depois, quando as skills hiper-especializadas morrerem no mercado com os respectivos produtos…). Não admira que quem se vá dar bem contigo seja um certo tipo de gestão e economia, e um certo tipo de sociologia. Acabaste. Agora és outra coisa, que te chamem outra coisa, porra, sei lá, direcção-geral das políticas públicas e dos potenciais secretários de estado de governos socialistas, ou Sociedade Anónima (ou anómica?). Acabaste». Excerto da carta que Miguel Vale de Almeida escreveu à Universidade SA, que está a ser construída a golpes de política pela esquerda mínima. Não percam o resto. Os artigos sobre o ensino superior, que constam do último número da OPS! Revista de Opinião Socialista, são um bom complemento para quem queira compreender o que a OCDE está a fazer em Portugal. A fotografia foi roubada a Miguel Vale de Almeida.

Para acabar com o Estado fiscal de classe

«[S]e fossem tendencialmente eliminadas (quase) todas as deduções para toda a gente, incluindo as despesas com sistemas privados de educação e de saúde (como defendo há muito), então, sim, a receita fiscal recuperada daria bem para uma diminuição significativa da carga fiscal dos pequenos e médios rendimentos. Com a vantagem adicional de uma grande simplificação e maior transparência do IRS» (Vital Moreira). Totalmente de acordo. Isto teria, pelo menos, uma vantagem adicional: anular-se-ia o incentivo fiscal ao abandono dos serviços públicos pelas mal chamadas classes médias. Acções individuais com óbvias consequências negativas para o conjunto da comunidade não devem ser promovidas pela política fiscal. Um serviço público universal é um serviço mais protegido politicamente. Os mecanismos da voz e da co-produção, em conjunto com um forte éthos profissional e de serviço público, que só floresce se estiverem reunidas certas condições institucionais, podem assegurar serviços de qualidade de acordo com as necessidades. Para muitos bens sociais, não há outro princípio decente de distribuição. As engenharias mercantis são dispensáveis.

Vital Moreira considera ainda que a proposta de acesso imediato às contas bancárias por parte da Administração fiscal, sempre que se verifiquem discrepâncias entre os sinais exteriores de riqueza e o rendimento declarado, só peca por tardia. Tardia e tímida. Por que não permitir o acesso directo da administração fiscal a todas as contas bancárias? Só num Estado fiscal de classe, a designação é do próprio Vital Moreira, é que as contas bancárias fazem parte dos segredos de família…

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Para além da histeria liberal da esquerda mínima

Isto é o cúmulo da histeria liberal: «Proteccionismo e xenofobia são, nesta crise, dois cavaleiros do apocalipse que ameaçam o mundo». O Outubro, blogue da esquerda mínima, decidiu tomar uma posição colectiva. Repito: uma posição colectiva. Não sei se hei-de rir ou se hei-de chorar ao assistir à recuperação de uma equivocada citação de Marx e de Engels do Manifesto, num momento que cruza uma visão teleológica da história com rígido determinismo económico. Com uma citação tenta dar-se um lustro de «esquerda» ao que não passa de uma amalgama liberal que muito teria orgulhado Hayek ou Friedman. Não deixa de ser interessante ver como um certo marxismo se transmuta com grande facilidade em liberalismo: será que a xenofobia é o reflexo super-estrutural da infra-estrutura proteccionista e o suposto universalismo liberal o reflexo da ficção dos mercados livres?

Em 1848, os EUA estavam em pleno período proteccionista de arranque e maturação industrial. Os mais variados regimes políticos recorreram e, apesar dos maiores constrangimentos, ainda recorrem a instrumentos de protecção industrial, como parte de uma estratégia nacional de desenvolvimento económico. Quase todos os países em vias de desenvolvimento que treparam na hierarquia internacional adoptaram políticas proteccionistas bem calibradas. As coisas são mais complexas e abertas. Há muitas receitas e infinitas variações no uso de instrumentos «proteccionistas» – do controlo de capitais, que ainda hoje parece proteger os sistemas financeiros chinês e indiano, à protecção do sector agrícola que garante um certo grau de auto-suficiência alimentar, passando pelos apoios públicos sem os quais não há inovação tecnológica que nos valha ou, máximo sacrilégio, por barreiras alfandegárias assumidas. Enfim, o rigor não interessa para nada. É preciso mas é confundir e assustar as pessoas. Assim, talvez se apaguem as responsabilidades da esquerda mínima no actual desastre neoliberal de uma UE sem política económica e que usa o desemprego que daí resulta como mecanismo disciplinar para desmantelar direitos laborais e o Estado Social.

E que tal ver o racismo e a xenofobia como um dos resultados possíveis, repito um dos resultados possíveis, do esfarelamento das solidariedades colectivas e da insegurança socioeconómica causadas pelas forças do mercado sem freios, um sintoma da anomia gerada pelo capitalismo global «onde tudo o que é sólido se desfaz no ar»? O que se designa hoje por proteccionismo, e que teria de incluir, por uma questão de coerência e de honestidade intelectuais, todas as medidas de apoio aos sectores financeiro e industrial adoptadas por muitos governos democráticos para fazer face à actual crise, pode ser uma resposta pragmática à devastação causada pelas utopias do mercado global. O que pensam os autores do Outubro dos planos de ajuda à industria automóvel? Dos empréstimos à Qimonda? Será que estes não distorcem a imagem idealizada que parecem ter das actuais regras do comércio internacional? E se em vez de andarmos a proteger os accionistas com dispendiosos planos de compra de activos tóxicos, nacionalizássemos os bancos de uma vez por todas para proteger as economias? Será que isto seria proteccionismo? Onde traçam a linha?

Se esta crise for bem gerida, e até agora, dado o lastro de preconceitos liberais, nada garante que o seja, talvez se evitem males maiores e talvez se lancem as bases de uma ordem internacional com muito maior autonomia dos espaços políticos, nacionais e supranacionais, relevantes e com muito maior diversidade institucional. A prosperidade partilhada depende disto e o combate às «identidades assassinas» que cresceram em tempos de globalização também. O proteccionismo, enquanto chavão, não diz nada sobre nada. A questão que hoje se coloca é saber se o desmantelamento da configuração vigente da globalização se fará de forma ordenada e pacífica, dando origem a uma maior autonomia política que permita a emergência de novos modelos de desenvolvimento mais igualitários ou se se fará de forma caótica, dando origem a todas as monstruosidades de que o capitalismo liberal em crise parece estar sempre prenhe. Nada está decido. O destino é moldado pela acção política deliberada. Recupero Karl Polanyi: talvez possamos estar no limiar de um contra-movimento de protecção da substância natural, socioeconómica e moral da sociedade contra as devastações causadas pelo fundamentalismo do mercado global. Mas sobre isto não esperem uma tomada de posição colectiva por parte da esquerda mínima...

Nota final. Sobre as cláusulas «buy America» do pacote norte-americano de estímulo económico ver esta posta do insuspeito Paul Krugman. Sobre os recentes acontecimentos no Reino Unido, para além do que se disse e escreveu aqui, ver este artigo de Manuel Esteves no Diário Económico.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Caros colegas, parece que já não é só uma mania dos Ladrões


“Parecem existir duas opções apenas [para a Economia]. Ou tem de ser abandonada como disciplina académica e se torna num mero apêndice da recolha de dados e análise estatística. Ou tem de passar por uma revolução intelectual.”

Quem o diz é Anatole Kaletsky no Times, para citar apenas uma das passagens mais suaves do artigo relativamente à Economia-que-se-continua-a-ensinar-como-se-não-se-estivesse-a passar-nada.

Para além da histeria liberal II

«[O] facto de praticamente todos os países avançados terem embarcado no seu crescimento protegidos por barreiras alfandegárias e só terem reduzido a sua protecção subsequentemente oferece uma pista (...) No quadro de um conjunto de regras comerciais sensatas, os países industrializados teriam tanto direito de protecção dos seus arranjos sociais (...) como as nações em vias de desenvolvimento teriam de adopção de práticas institucionais divergentes» (Dani Rodrik).

«Se a Europa quiser desenvolver a sua indústria, os seus empregos e o seu modelo social, ela terá de accionar o princípio da preferência comunitária, inscrito no Tratado de Roma. Este princípio não deve apenas traduzir-se na utilização prevista de uma tarifa exterior comum, mas também numa revisão da política de câmbio» (Liêm Hoang-Ngoc).

É necessário «criar um sistema para possibilitar que os Estados com défices persistentes na balança de pagamentos possam aplicar medidas excepcionais, derrogando, se necessário e temporariamente, as leis da concorrência e das ajudas de Estado para poderem combater esse défice» (João Ferreira do Amaral).

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Para além da histeria liberal

«[Q]uando os liberais se perturbam por o modelo de trocas internacionais estar a ser “beliscado” por ajudas de Estado ou algumas tarifas alfandegárias, estão a esquecer que a construção de um mercado internacional se faz a partir de territórios, onde o jogo social e político é intenso. É aí que há povo, conflitos, consensos, deliberações. Assim como é aí que se geram novas soluções e inovações sociais úteis. Esses territórios são Estados-nação, regiões ou espaços supra-nacionais, como a União Europeia. Não admira, por isso, que, sendo todos os mercados construções políticas, se regresse à sede da política quando há que refazer arranjos» (José Reis).

«O que justifica todo este alarme dos nossos ultra-liberais? A explicação só pode estar na falência do modelo internacional de (medíocre) crescimento económico dos últimos trinta anos. Perante a urgência de se pensarem alternativas mais justas, sustentáveis e prósperas, os defensores da ordem neoliberal entraram em pânico e procuram, a todo o custo, salvar os dedos do modelo, agora que os anéis já se foram. Esforço inglório…Uma das causas estruturais da crise que atravessamos está nos formidáveis desequilíbrios externos que diferentes países, com os EUA à cabeça, foram acumulando ao longo dos últimos anos. Qualquer medida que não seja meramente paliativa no actual contexto tem reverter estas tendências. Precisaremos, pois, de mais protecção, além de um novo sistema financeiro internacional, com taxas de câmbio ajustáveis, para o conseguir» (Nuno Teles).

«Praticamente todos os actuais países ricos, de uma forma ou de outra, recorreram a diferentes formas de proteccionismo e intervencionismo para desenvolver as suas economias - e só aderiram aos princípios liberais (os que o fizeram) depois de a sua supremacia industrial estar assegurada. Os períodos de maior crescimento económico a nível nacional e internacional estão sistematicamente associados a períodos em que as políticas públicas de apoio ao desenvolvimento foram mais intensas» (Ricardo Paes Mamede).

Inevitabilidades e o país de Alice?

No verão passado perguntei inocentemente aqui: "E já agora porque não a desnuclearização do mundo?" Um leitor objectou:

“É tão fácil dizer coisas como "porque não a desnuclearização do mundo"? Sim, e porque não acabar com a fome? E porque não sermos todos ricos, com saúde e perfumados com Chanel? E porque não sermos todos bonitos, e capazes de tocar viola e jogar como o Cristiano Ronaldo? (…) Afinal é tudo fácil…basta formular o desejo e fazer a perguntinha retórica. No país da Alice, basta pedir.”


O Público titula hoje na primeira página: “Obama propõe à Rússia redução de 80 por cento do arsenal nuclear… Moscovo saúda a proposta.” Isto é novo. Sinal de mudança e de esperança.

Debate em tempos de crise e de contra-movimento

O Nuno Teles esteve ontem no Rádio Clube Português a debater com João Gonçalves as greves no Reino Unido. Podem ouvir aqui.

Querem mesmo normalizar o crédito?


Os empresários têm-se queixado que a banca está a agravar as dificuldades das empresas. Como seria de esperar, esta situação não é apenas portuguesa e Willem Buiter destaca uma razão que me parece muito importante: o receio dos bancos de uma ‘intervenção’ do Estado pelo facto de terem rácios de solvabilidade demasiado baixos. Sobretudo se, por uma razão moral, a intervenção vier acompanhada da demissão dos gestores, ou de uma forte penalização dos seus rendimentos.

Convém não esquecer, por aquilo que temos visto, que as contas dos bancos devem ser tudo menos um exemplo de legalidade e transparência. Por isso, por mais exortações que os Governos façam, o objectivo número um dos bancos é agora acumular rapidamente a liquidez que for necessária para não se sujeitarem a uma intervenção pública.

Assim, se os empresários querem mesmo ver o crédito à economia normalizado, e não concordam que a ganância e a fraude financeira devam ser pagas pelos cidadãos em geral, então devem dizer ao Governo que reveja a sua actuação no BPN e faça o seguinte:

“injectar mais capital nos bancos como forma de os tornar propriedade pública. Como único proprietário, poderá despedir as administrações e executivos de topo sem indemnizações chorudas. … Mandatar os novos quadros do banco para assumirem uma gestão comercial em termos normais. … a criação de um ‘mau banco’ [ou vários] que ficaria com um balanço onde se registariam todos os activos ‘tóxicos’ actualmente na posse dos bancos comerciais. … Tratar-se-ia de uma redistribuição de riqueza entre entidades públicas. … O ‘mau banco’ ficaria com todos os activos tóxicos [e de cobrança duvidosa] e receberia os rendimentos que aqueles activos viessem a proporcionar até que a liquidez do mercado ficasse restabelecida. No limite, o ‘mau banco’ ficaria com os activos tóxicos até ao respectivo vencimento. Os bancos públicos [os ‘bons bancos’] seriam reprivatizados quando os mercados financeiros estabilizassem e a economia recuperasse. Seria bom que nessa altura já estivesse em vigor um melhor regime de regulação e supervisão dos bancos.” (Ver aqui o artigo todo)

Discordo da conclusão de Buiter. Como socialista, prefiro a “socialização” do sistema de crédito (não é estatização!) aqui defendida pelo Nuno Teles. Ainda assim, como também já aqui escrevi, acho que o Estado devia ficar com outro banco além da CGD. Teria um mandato específico: microcrédito, financiamento de cooperativas e de pequenas empresas. Em nome do interesse público.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Calexico - Victor Jara's Hands

Tudo começa pelo trabalho

Discordo de quem reduziu os protestos no Reino Unido contra a empresa francesa Total a uma simples manifestação de xenofobia. É uma análise superficial que se limita a pegar num slogan infeliz sem ter em conta o seu contexto. A questão central, como os sindicatos britânicos têm sublinhado, gira em torno dos direitos laborais e das «liberdades» das empresas que colocam trabalhadores contra trabalhadores num contexto de crise económica e de aumento do desemprego.

Juntem a isto a erosão dos direitos laborais, particularmente pronunciada no Reino Unido. Lembrem-se das gravosas decisões do Tribunal Europeu de Justiça, aqui muito bem denunciadas pelo jurista Alain Supiot, que podem destruir os modelos mais avançados de relações laborais, assentes na contratação e na negociação colectivas, por exemplo nos países escandinavos.

Abriu-se um plano inclinado: a possibilidade de uma empresa de um país europeu A poder subcontratar uma empresa de um país europeu B, que emprega os «seus» trabalhadores aplicando condições de trabalho e de remuneração do país B, geralmente inferiores às que vigoram no país A. Os direitos laborais negociados e que se devem aplicar, em cada país, a todos os trabalhadores, independentemente da sua nacionalidade, sem discriminações na contratação, devem estar subordinados à «liberdade» das empresas que tendem a alinhar as práticas pelo mínimo denominador comum? Não me parece.

As utopias do mercado interno, que erodem direitos laborais, podem produzir monstros? Claro que podem. Por isso é que a resposta da esquerda tem de ir para além das aparências. A insegurança dos trabalhadores e o incremento da exploração são os grandes problemas. Tudo começa no trabalho e é que aqui que se traçam muitas das linhas que contam na política. Os sindicatos britânicos têm tido uma posição decente e a ala trabalhista do partido trabalhista também. Leiam este artigo de Jon Cruddas e de Jonathan Rutherford.

Enfim, como afimou o jornalista Seumas Milne: «o tema desta greve não é a xenofobia, mas a revolta contra as regras da UE e do Reino Unido que têm por objectivo manter o trabalho barato e enfraquecido». A crise que estamos a viver é, em parte, o resultado de sucessivas vitórias dos que querem voltar à ficção que reduz o trabalho a uma mercadoria.

A esquerda que conta é a esquerda que tenta

«E voltamos ao princípio: a luta pelo poder nas instituições de Estado não só não dispensa os movimentos sociais como precisa deles se quiser mudar alguma coisa. Estamos perante uma pescadinha de rabo na boca: a política institucional precisa da pressão, do apoio e da energia dos movimentos sociais e os movimentos sociais precisam de vitórias, precisam de correspondência no poder institucional, precisam de reformas que mudem. As pessoas precisam de acreditar que pode ser diferente. Precisam que alguma coisa fique melhor. Precisam de esperança. Porque ela é a condição para vencer a injustiça. Quem se limita a acumular forças vive, enquanto a opressão marca o quotidiano da maioria, numa ilusão egoísta. Não acumula nada. É só o tempo a passar. Porque quem não quer contar, não conta». O artigo de Daniel Oliveira, que saiu no Le Monde diplomatique – edição portuguesa no mês passado, está disponível no Arrastão. Não percam.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Regulamentações...


Recebi há dias, por email, o texto de um projecto de despacho de regulamentação do trabalho voluntário de professores aposentados, alegadamente da autoria do Secretário de Estado da Educação, Valter Lemos. No tal projecto afirmava-se, entre outras coisas, o seguinte:
- “A Escola/Agrupamento de Escolas … estabelece com os candidato(s) o respectivo(s) programa(s) de voluntariado”;
- “a prestação do professor voluntário implica um mínimo de três (3) horas por semana” com “a duração de um ano lectivo, sendo renovável por iguais períodos de tempo”; e
- “os professores voluntários elaboram um relatório anual da actividade que deve integrar uma autoavaliação do trabalho desenvolvido.”

Confesso que tive dúvidas sobre a origem deste projecto. A coisa pareceu-me, na altura, demasiado absurda para ser verdadeira. Afinal é. A notícia vem agora publicada nos jornais (ver, por exemplo, aqui). Não deixa de ser curioso. Os arautos do livre mercado e da criatividade da sociedade civil em matéria económica e financeira, sempre prontos a atacar a regulação estatal da economia e o peso "excessivo" do Estado nas áreas sociais, são afinal os mesmos que não perdem uma oportunidade para regulamentar toda e qualquer iniciativa cidadã.

É sabido que existem já experiências (eu sei de uma escola em Coimbra) de apoio extra-lectivo a alunos, prestado de forma voluntária por professores aposentados, em áreas que não conflituam de modo nenhum com o trabalho dos professores no activo (poderão, isso sim, afectar algumas “escolas” de explicações privadas) e, que me conste, não precisaram da regulamentação do Estado para nada (bastou o bom senso e o conhecimento que a direcção da escola possuía dos seus antigos professores).

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Escola Pública

Segundo o Público, «há cada vez mais pais que não conseguem pagar as mensalidades dos colégios dos filhos a tempo e horas». E que tal a escola pública? Vão ver que não custa nada. Já vai mas é sendo tempo de acabar com os regressivos benefícios fiscais às despesas privadas em educação e com os escandalosos subsídios, que não param de crescer, ao ensino privado. Em tempos de crise, a prioridade tem de ser o reforço da escola pública e dos restantes serviços públicos. Aqui não se constroem novas barreiras de classe e até se podem abater algumas...

Malta, acho que está na altura de convidarmos o Krugman a escrever no Ladrões

Krugman e as nacionalizações da banca:

"Algo tem que ser feito para robustecer o sistema financeiro. O caos que se seguiu à falência do Lehman Brothers mostra que o colapso das grandes instituições financeiras pode ser terrível para a saúde da restante economia. Um número crescente de instituições está perigosamente à beira do precipício.

(...) A minha resposta a este plano: se os contribuintes estão a pagar a factura do salvamento dos bancos, por que não devem eles beneficiar da sua propriedade? Pelo menos, até serem encontrados compradores privados. No entanto a administração Obama parece estar a fazer tudo para evitar esta situação."

Quando nacionalizar é a melhor alternativa


São várias as tarefas que se apresentam aos governos europeus na resposta à actual crise económica. O relançamento económico através do investimento público, o combate às desigualdades que permita a dinamização da procura salarial europeia ou a ajuda social de emergência aos novos desempregados, devem, obviamente, ser as prioridades. Contudo, o ponto de partida de uma resposta à crise deve estar no epicentro desta: o sistema financeiro.

O resto pode ser lido aqui.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Obamanomics?

Esta semana ficou marcada pela aprovação, nos EUA, do mais importante plano de estimulo económico da história. Isto não vai ficar por aqui. Na actual configuração da economia mundial, não é keynesiano quem quer, mas sim quem pode. Os EUA podem. Enfim, a UE não quer, mas essa é outra história. Como já aqui se defendeu, esta é uma desgraçada história, pela qual estamos a pagar um preço bastante elevado.

O plano de Obama parece não se limitar a medidas de curto prazo. Aponta para a realização de maciços investimentos públicos com o objectivo de garantir a emergência de novas fontes de energia e de tecnologias mais eficientes e limpas, ou seja, um plano de recuperação económica parcialmente assente na reconversão ecológica da economia. Quem liderar hoje este processo terá uma inegável vantagem competitiva no quadro da economia internacional. Comércio livre? Uma ficção para exportação. Isto é política industrial e da mais assertiva. É sempre assim nos EUA quando as coisas apertam...

Um New Deal verde em construção? Robert Pollin, um economista norte-americano de esquerda, cujos estudos muito têm contribuído para a popularização desta ideia, escreveu um interessante artigo na última The Nation: «o projecto de investimentos verdes contribui para a justiça social na medida em que promove o pleno emprego com salários decentes». A acompanhar.