A oeste do litoral e, no entanto, bem a leste do outro extremo do estado, sobre o segundo planalto, estende-se a Cidade Clima, vinda das sombras do passado, de olho nas luzes do futuro, esta era a Palmeira de minha infância. Eu a via de manhã, quando os primeiros rubores do dia começavam a despertá-la; lá estava ela, verde com tons de cinza e pincelada de mil cores por suas casinhas de madeira, plantadas no solo marrom. Naquela hora, nos arredores pobres, a fumaça azulada já subia em espirais das chaminés das modestas moradas, acusando vida no interior humilde de suas paredes. Os zunidos dos apitos das madeireiras cresciam e fundiam-se em uníssono de tal forma a despertar de seus sonhos honestos, aqueles que daí a momentos iam fervilhar, sonolentos, as ruas, apressados, rumo a seus trabalhos insalubres que lhes proporcionavam, o mais das vezes, salário de fome.
Uma vez, conta-se, Palmeira dormia o justo sono, lerda e modorrenta, no berço dos campos gerais, quando subitamente o batismo do ferro e vapor d’água acordou-a com sua fúria barulhenta de comboio apressado em busca de seu destino além. Acordou-a e ela, feliz, sentiu-se integrada ao mundo: Havia uma linha férrea a partir de então. E as colinas verdes gritaram para as araucárias e estas gritaram para os campos, capões de mato e riachos de águas límpidas, talvez já antecipando saudade do silêncio que não mais existiria, talvez sentindo que o trem haveria de trazer o “progresso” seguido da degradação ambiental, tão zelosamente guardado naquelas paragens e quadra da história. O povo feliz, entorpecido pelo inusitado evento, de nada suspeitava. No rastro do mecanismo barulhento de rodas de ferro viria a maldição do “progresso”.
A bela Cidade não era a primeira nem seria a última donzela a quem a sede de “progresso” levou a entregar seu corpo imaculado e conspurcar o belo templo que a natureza levou milhões de anos para consolidar. Também outras, além das donzelas, obsedadas pelo brilho do ouro, na corrida do lucro, deixam para trás os ideais elevados e se adornam com os atavios da impostura e adotam o jogo sujo do avilte do ambiente em troca de trinta dinheiros nas algibeiras. A cidade doou suas carnes, e as inocentes matas milenares pagaram o elevado preço do “progresso” que alguns ilustres empresários elegeram como o futuro do castíssimo feudo. Pobre Palmeira, empobrecida de suas matas ombrófilas devoradas pelos gafanhotos carcamanos que, depois de saciados, arribaram para outras plagas onde, diante de outras cidades inocentes, trarão novas devastações. Pobre Palmeira! Tão comum é esse desvio que quase todos o acham normal. Tão indiscutível parece o “progresso”, que receia-se questionar se a meta da vida não é exatamente essa; se o fim último do homem não será apenas alcançar a riqueza em detrimento da natureza. E se esse for o erro comum da civilização, que perigo terrível estende-se diante da espécie humana. O homem, em busca do ouro, vende sua alma e talvez se torne maldito para sempre.