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sábado, 29 de outubro de 2011

Canal Casiquiare




Como todos sabemos, rios são drenos naturais das terras do Planeta, eles escoam a água excedente de uma região em direção a outro rio, lago ou em direção ao mar. Um sistema de rios, com uma corrente principal e seus afluentes chama-se bacia hidrográfica. Por que bacia? Porque o formato geral do relevo aprofundado no meio e mais elevado nas “beiradas” lembra uma bacia. Nada muito estranho, portanto. Grandes rios como o Amazonas formam grandes bacias, aliás, a bacia Amazônica é a maior do Planeta, escoando para o oceano Atlântico algo em torno de até 300 mil metros cúbicos por segundo na estação chuvosa, com uma média de 209 mil metros cúbicos por segundo durante o ano. Pois é, além da bacia do rio Amazonas, aqui na América do Sul temos, mais ao norte, a bacia do Orinoco, segunda maior do continente e terceira do mundo. Então, além desses sistemas se situarem no mesmo continente, o que mais têm em comum? A resposta é: o mais surpreendente e estranho canal do Planeta, o canal Casiquiare.
Desde a descoberta do chamado Novo Mundo esses sistemas hidrográficos extraordinários exerciam um enorme fascínio sobre a mente de curiosos, botânicos, exploradores, aventureiros, catequistas e colonizadores europeus e eram objeto de suas incursões “científicas” ou meramente especulativas, de modo que já em 1639, o padre jesuíta Acuna relatou rumores acerca de um misterioso canal que ligaria o Orinoco ao Amazonas; e em 1744, outro jesuíta, o padre Roman, acompanhou alguns comerciantes de escravos portugueses que vieram da Venezuela para o Brasil por via fluvial através de um canal. Mas, somente em fevereiro 1800, o explorador Alexander Von Humboldt partiu da nascente do Orinoco navegou até o rio Negro, adentrou o Amazonas e chegou até sua foz. Estava formalmente descoberto o canal Casiquiare.
O canal Casiquiare de 320 quilômetros é o maior canal natural da Terra que liga dois grandes sistemas fluviais, e é possivelmente o melhor exemplo de bifurcação de um rio que pode ser visto em qualquer lugar. O rio Orinoco divide suas águas de forma que um terço do fluxo diverge de sua margem esquerda e dirige-se para a margem esquerda do rio Negro, tributário do Amazonas. Mas, o que é tão surpreendente sobre isso? Bem, sendo o rio Negro um afluente do rio Amazonas, o canal Casiquiare de fato forma uma ligação natural inusitada entre dois sistemas hidrográficos que, por natureza, formam e pertencem a geografias separadas e próprias. Bacias hidrográficas dessas magnitudes têm até climas próprios e regimes pluviais independentes, funcionam como se fossem dois mundos distintos e separados e em nenhum lugar do Planeta se unem de qualquer forma. E um elo entre esses sistemas é comparável à ligação de duas árvores em terrenos separados por muro alto que, unidas por um galho comum, fusão de galhos de ambas, trocando fluindo de seiva de uma para outra. Evento extremamente improvável, para não dizer totalmente em desacordo com a natureza.
Surpreendente? Sim, muito, mas nem tanto se atentarmos para mais uma excentricidade: o fluxo das águas do Casiquiare muda de direção de acordo com o regime de chuvas das bacias. Funciona assim: quando chove mais na bacia do Orinoco, suas águas sobem e o fluxo do Casiquiare dirige-se ao Negro. Mas quando as chuvas são maiores na bacia Amazônica e o rio Negro sobe, o Casiquiare reflui para o Orinoco, torna-se um afluente dele quando antes fora uma bifurcação. É o único rio (um canal de 320 quilômetros pode ser chamado de rio, sim) que se conhece que suas águas não descem apenas, elas fluem para lá e para cá de acordo com o regime pluvial, de forma que a margem direita e a esquerda permutam de nome entre si ao longo do ano.
O Casiquiare é uma curiosidade geográfica extraordinária, digna de ser registrada no “Blue Book of Curiosities”, um capricho especialíssimo da natureza e que não se encontra em outra parte do Globo. JAIR, Floripa, 07/10/11.