Eram dez da manhã de um sábado de aspecto ranhoso, e eu, a pé desde as seis e meia, já tinha ido e voltado de Lisboa, passeado os dois cães, e dado um jeitinho à casa(=tirar a tralha do caminho para a D. Rita poder trabalhar). Faltava-me só comprar comida para os gatos -que, chatos como sabemos que são, se não tiverem Purina não comem-, pelo que passei num instante na Cooperativa Agrícola, o único sítio onde se encontra ração Purina no estúpido concelho. Infelizmente, também se encontram os agricultores, com uma média de idades de 83 anos, meio esclerozados e ainda com uma mentalidade pré-salazarista sobre o papel da mulher e dos mais jovens na sociedade actual.
E porque é que eu estou a atacar os velhinhos indefesos tão virulentamente? pois porque, como em tudo na vida, uma pessoa estúpida não melhora com a idade. Au contraire, eu diria até que se apura.
O caso não foi grave, mas a verdade é que ando farta do chico espertismo e da falta de civilidade.
Estacionei o meu carrinho e dirigi-me à porte de ENTRADA, embora se possa igualmente entrar pela porta de SAÍDA, que é o que toda a gente faz porque:
a) é mais perto do estacionamento, e
b) passa-se à frente de quem respeita a sinalética.
Para não pensarem que eu sou:
a) freak das regras, ou
b) incrivelmente estúpida,
deixem-me acrescentar que a purina se encontra logo à porta da Entrada, pelo que entrar pela porta da Saída seria redundantemente idiota.
Pois que entro, pego na minha Purina e vou para as caixas onde estão três pessoas: duas a ser atendidas e duas a aguardar serenamente que as duas mongas de empregadas se despachassem.
Ah, sim, pormenor, a fila é única. E eu coloquei-me atrás da última pessoa, óbvio, na fila para as duas caixas.
Resigno-me a esperar no mínimo um quarto de hora e vou olhando para os frascos de
Entretanto, vejo um velhinho assomar-se a apostar-se logo quase em cima da senhora que estava à minha frente, que por essa hora já estava na caixa, quase despachada. Começo a antever sarilhos e por isso, quando a monga da caixa pergunta 'quem está a seguir', eu dou o passinho à frente e abro a boca para verbalizar o meu direito ao atendimento.
Mas, de lá de trás o velhinho faz o mesmo e atira com o seu miserável pacote de sementes para o balcão e diz 'SOU EU!' Contenho-me para não lhe atirar com os 1,5 Kgs de ração acima e dizer 'és tu, o cacete ó atrasado mental!', mas digo cortesmente ' tenho a certeza que não é, porque eu vi-o chegar' e pouso a minha ração na caixa.
(dir-me-ão: ai que má, só por um pacote de sementes. Não me interessa. Eu tb só tinha um pacote de ração e pesava mais.)
E o velhinho diz-me: ' o meu carro é aquele azul, o primeiro que está lá fora'. Se calhar entrou lá por trás (pela ENTRADA, portanto) e não me viu.
Shocking!!!
O argumento do século!
(Nota mental: estacionar no centro comercial com três horas de antecedência, ir ao cinema e depois passar à frente na caixa do continente porque estacionei no parque primeiro.)
E eu olho para o velhinho, olho para a monga da caixa que sabe perfeitamente quem tem de atender, mas não se quer meter (CABRA!!!) e digo magnânime (mas firme) 'ouça, tá bem, passe lá à frente se só tem as sementes, para não perdemos mais tempo'
Mas o velhinho é chico esperto, mas orgulhoso. Não quer. Arranca as sementes de cima do balcão e vai para trás, a bichanar mais outro velhinho, que 'ainda se fosse dia de trabalho, agora que tanta pressa ao sábado, há gente assim e assado'
Bom, o que eu queria mesmo era pagar e ir à minha vida, já que, e isto os velhinhos não sabiam, eu tenho aulas ao sábado e já estava atrasada. Não sabiam, nem ficaram a saber que eu digo o que tenho a dizer e não mais do que isso, e não tenho de dar satisfações a quem me quer passar à frente. Só tenho pena é que a deferência que devemos mostrar aos cidadãos sénior, e que eu tento sempre aplicar, não tenha o devido retorno. A civilidade é uma estrada de dois sentidos, certo? Há muita gente que entende que a senioridade é posto. Eu discordo. Sou a primeira a ceder lugar no comboio, a deixar passar nas filas, mas sou eu que ofereço. Agora ficar calada quando me passam à frente, velhinho ou não, era o que mais faltava. Há velhinhos detestáveis, e eu não os apaparico como se nada fosse. Uma pessoa detestável em velho foi seguramente detestável em novo, e deve ter tido tanto respeito pelos velhinhos no seu tempo como têm os automobilistas pelas peões na Avenida da Liberdade.
Por isso, amigo velhinho, pateta e resmungão, temos pena! Entra com o carro directamente para cima da caixa se achares que sim, mas se eu estiver na fila (e sobreviver ao embate), pagas na tua vez!