Introdução
Na investigação histórica, em especial a ligada à história local, encontramos
muitas vezes testemunhos, histórias e documentos que nos remetem para diferentes
áreas do conhecimento histórico, desde a história militar, social, industrial,
e outras, sendo contudo uma das áreas que mais me fascina a da história da
arte.
Neste particular, a história da arte não deve cingir-se apenas às
obras que conhecemos e que nos chegaram até aos dias de hoje, como parece
sugerir o Professor Reynaldo dos Santos, na sua obra-magna “Oito Séculos de
Arte Portuguesa. História e Espírito”, ao afirmar:
“Nisto se distingue a crítica de
arte dos juízos sobre os acontecimentos históricos aos quais o historiador não assistiu,
tendo de os julgar sobre interpretações e controvérsias; enquanto a arte,
julga-se através das próprias obras que constituem a essência da sua história”
(SANTOS, 1963, pp. 19-20)
Acreditamos que a compreensão integral da história da arte não se deve
fazer apenas por uma “mera análise das obras existentes”, antes se deve
analisar o artista e a obra como um sistema onde cabem várias problemáticas de múltiplos factores como por exemplo: Quantas obras fez um artista antes de chegar às suas
obras de maior valor artístico? Que circuitos artísticos e escolas frequentou? Que
outros autores e artistas conheceu e que influência podem estes ter tido sobre
a sua obra e a sua obra sobre estes? Existem outras obras que não chegaram até ao
conhecimento público? Porque é que não chegaram? E o contexto onde a obra está actualmente é o mesmo para o qual ela foi produzida?
Enfim, uma série de perguntas que uma simples análise da obra ou obras
de um artista não ajuda a responder, só a investigação documental, o estudo das
fontes, a pesquisa exaustiva podem dar alguma luz sobre as mesmas. E é aqui que
cabe aos investigadores, historiadores e historiadores da arte, entre outros, trabalharem
em equipa, partilhando conhecimento e criando o “corpus documental” que em
último caso irá beneficiar toda a comunidade, pois trata-se de conhecer melhor
e preservar o nosso património artístico e histórico.
Palácio do Duque de Lafões
Continuando com o que já fiz com alguns posts anteriores, vou divulgar
aqui notícias históricas sobre arte e património dos séculos XVI, XVII, XVIII e
XIX, em particular as Colecções de Arte das grandes casas particulares, temática
talvez menos conhecida pela dificuldade em aceder quer às colecções ainda
existentes, quer a inventários e outros documentos que nos permitam atestar a
sua história.
Neste primeiro post divulgo uma breve notícia sobre o leilão do acervo da Galeria do Palácio Lafões, ao Grilo, sucedido em 1866. É interessante
verificar a elevada dimensão do mesmo, 225 quadros, e ainda a diversidade de
autores:
«LEILÃO DE QUADROS A OLEO, ANTIGOS
PELO JUIZO DE DIREITO E ORPHANOLOGICO DA VARA ESCRIVÃO COIMBRA
14 NA QUINTA FEIRA, 1 DO PROXIMO MEZ DE MARÇO, e dias seguintes, ás
onze horas, no palácio da ex. ma casa ducal de Lafões (ao Grillo, próximo do
Beato] se procederá á venda em leilão judicial de toda a antiga galeria
pertencente á mesma. ex.ma casa de Lafões, e a cuja venda ora se procede em
virtude do inventário da fallecida ex.ma sr.a D. Maria Carlota de Bragança;
compondo-se a dita galeria de 225 quadros, sendo alguns dos seguintes auctores:
Wan Dyck, Rubens, Baseano, Tintureto, Mignard, Carracci, Luccas Jeordani,
Dominichino, Fravisane, André del Sarto, Giaccomo Brandi, Carlos Lorraine, e de
muitos outros auctores, das escolas italiana, hollandeza e hespanhola.
O catálogo dos ditos quadros póde-se ver no inventario, do cartório do
escrivão Coimbra, no tribunal da Boa. Hora, no escriptorio na rua dos
Fanqueiros n. 235, 1.º andar, e no mesmo local aonde está a galeria no palácio do
Grilo».
(Diário de Lisboa. Folha Official do Governo Portuguez, 23-2-1866)
O Palácio dos Duques de Lafões, ao Grilo, cujo risco, da segunda metade do século XVIII, se atribui a Eugénio
dos Santos, ainda hoje é conhecido pelo excelente programa pictórico, nele se
destacando, na chamada Sala da Academia, as pinturas murais de Cirilo Volkmar
Machado.
Finalizando é preciso ter atenção que pode acontecer que nem todas as obras
do referido espólio fossem quadros originais, sendo possível que alguns
fossem cópias, as quais eram bem comuns no século XVII e XVIII, em especial de
obras dos grandes mestres, contudo, pelo anúncio que publicamos, vimos que no período barroco, à semelhança da Casa Real, também noutras casas da nobreza vamos encontrar significativo património artístico ao nível da pintura.
RUI M. MENDES
Monte de Caparica, 13 de Maio de 2013
Imagens:
Bibliografia:
Reynaldo dos SANTOS – Oito Séculos de Arte Portuguesa. História e
Espírito, Lisboa : Empresa Nacional de Publicidade, 1963-1965.
José Sarmento de MATOS – "Grilo, Palácio do", in Dicionário da Arte Barroca em Portugal, Lisboa
: Editorial Presença, 1989.