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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

 
Mas já não me importo com o que pensa, opinião alheia é este tapete, este lustre, aquele retrato. Mas antes eu me importava e como. Por causa dessa opinião tenho hoje um piano de cauda, tenho um gato siamês com uma argola na orelha, tenho uma chácara com piscina e nos banheiro, papel higiênico com florinhas douradas que o velho trouxe de Nova York junto com o estojo plástico que toca uma musiquinha enquanto a gente vai desenrolando o papel . Tenho sapato com fivela de diamante e um aquário com uma floresta de coral no fundo. Trocaria o diamante, o sapato de fivela, o iate- trocaria tudo, anéis e dedos, para poder ouvir um pouco que fosse a música do saxofone. Nem seria preciso vê-lo, juro que nem pediria tanto, eu me contentaria em saber que ele estava vivo em algum lugar, tocando seu saxofone.

Lygia Fagundes Telles

sábado, 13 de fevereiro de 2010

 Ele me olhou. Então vi minha beleza refletida nos olhos dele. Havia na festa tanta gente, tanto espelho, tanto lustre! Mas só nós dois vivos, tudo o mais era tão falso, tão vazio, sem sentido, como papelão pintado... Só nós dois vivendo. Nos espelho, nos lustres, em toda parte eu via o reflexo dos meus cabelos brilhando, como eles estavam brilhantes... Não nos separamos mais. Amanhecia quando ele apertou minha mão e antes mesmo de ouvir sua voz já sabia o que ele ia dizer: Laura, eu te amo. Às vezes penso que ele nem me disse nada, Laura eu te amo, eu te amo, eu te amo...

Lygia Fagundes Telles
 Quando me lembro dessa noite (e estou sempre lembrando) me vejo repartida em dois momentos: antes e depois. Antes, as pequenas palavras, os pequenos gestos, os pequenos amores culminando nesse Fernando, aven­tura medíocre de gozo breve e convivência comprida. Se ao menos ele não fizesse aquela voz para perguntar se por acaso alguém tinha levado a sua caneta. Se por acaso alguém tinha pensado em comprar um novo fio dental, este estava no fim. Não está, respondi, é que ele se enredou lá dentro, se a gente tirar esta plaqueta (tentei levantar a plaqueta) a gente vê que o rolo está inteiro mas enredado e quando o fio se enreda desse jeito, nunca mais!, melhor jogar fora e começar outro rolo. Não joguei. Anos e anos tentando desenredar o fio impossível, medo da solidão? Medo de me encontrar quando tão ardentemente me buscava?

Lygia Fagundes Telles

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010


Abro a janela e sinto na cara o ar gelado da noite. A lua, não, a lua já tinha sido quase tocada, talvez nesse instante mesmo em que a olhava algum abelhudo já rondava por lá. Solidão era solidão de estrela. “Sei que a solidão é dura às vezes de agüentar” – disse Jacó no dia que soube do meu casamento. – “Mas, se é difícil carregar a solidão, mais difícil ainda é carregar uma companhia. A companhia resiste, a companhia tem uma saúde de ferro! Tudo pode acabar em redor e a companhia continua firme, pronta a virar qualquer coisa para não ir embora, mãe, irmã, enfermeira, amigo… Escolher para mulher aquela que seria nosso amigo se fosse homem, esse negócio então é o pior de todos. Abominável. 

Lygia Fagundes Telles

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009


"Aprendi desde cedo que fazer higiene mental era não fazer nada por aqueles que despencam no abismo. Se despencou, paciência, a gente olha assim com o rabo do olho e segue em frente. Imaginava uma cratera negra dentro da qual os pecadores mergulhavam sem socorro. Contudo, não conseguia visualizar os corpos lá no fundo e isso me apaziguava. E quem sabe um ou outro podia se salvar no último instante, agarrado a uma pedra, a um arbusto?... Bois e homens podiam ser salvos porque o milagre fazia parte da higiene mental. Bastava merecer esse milagre"


Lygia Fagundes Telles


"Quero deixar bem claro que a única coisa que existe para mim é a juventude, tudo o mais é besteira, lantejoulas, vidrilho. Posso fazer duas mil plásticas e não resolve, no fundo é a mesma bosta, só existe a juventude. Ele era a minha juventude mas naquele tempo eu não sabia, na hora a gente nunca sabe nem pode mesmo saber, fica tudo natural como o dia que sucede à noite, como o sol, a lua, eu era jovem e não pensava nisso como não pensava em respirar. Alguém por acaso fica atento ao ato de respirar? Fica, sim, mas quando a respiração se esculhamba. Então dá aquela tristeza, puxa, eu respirava tão bem..."

Lygia Fagundes Telles



(...) Confesso que não sei, até hoje não sei por que de repente, sem alterar a voz, comecei a falar com tamanha fúria que não consegui segurar as palavras que vieram com a força de um vômito (...) e tive que cerrar as mãos contra o peito, com medo de que ela ouvisse o meu coração.

Lygia Fagundes Telles

sábado, 28 de novembro de 2009


Escrevi que toda minha vida convergia para ele e que era só dele que iria se irradiar de hoje em diante. Quero te dizer também que nós, as criaturas humanas, vivemos muito (ou deixamos de viver) em função das imaginações geradas pelo nosso medo. Imaginamos conseqüências, censuras, sofrimentos que talvez não venham nunca e assim fugimos ao que é mais vital, mais profundo, mais vivo. A verdade, meu querido, é que a vida, o mundo dobra-se sempre às nossas decisões. Não nos esqueçamos das cicatrizes feitas pela morte. Nossa plenitude, eis o que importa. Elaboremos em nós as forças que nos farão plenos e verdadeiros.

Lygia Fagundes Telles

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Vida de borboleta



- E agora? O que acontece quando não se tem mais nada com o amor?

- Sopra o vento e a gente vira outra coisa.

- Que coisa?

- Sei lá. Não quero é voltar a ser gente, eu teria que conviver com as pessoas - ele murmurou. - Queria ser um passarinho, vi um dia um passarinho bem de perto e achei que devia ser simples a vida de um passarinho de penas azuis, os olhinhos lustrosos. Acho que queria ser aquele passarinho.

- Nunca me teria como companheira, nunca. Gosto de mel, acho que quero ser borboleta. É fácil a vida de borboleta?

- E curta.


Lygia Fagundes Telles



"-Você sabia, Ana? Algumas estrelas são leves assim como o ar, a gente pode carrega-las numa maleta. Uma bagagem de estrelas. Já pensou no espanto do homem que fosse roubar essa maleta? Ficaria para sempre com as mãos cintilantes, mas tão cintilantes que não poderia mais tirar as luvas."


Lygia Fagundes Telles