quinta-feira, maio 24, 2007

Retirada do Marechal Soult II


Retirada do Marechal Soult - Parte II
Da Ponte da Misarela até Paradela do Rio



Dando cumprimento ao seu calendário de actividades, o Grupo Portuense de Montanhismo - GPM levou a cabo mais uma etapa, denominada “ A retirada do Marechal Soult – Parte II “. Trata-se de um projecto constituído por quatro percursos, e que se visa dar a conhecer aos amantes da caminhada o trajecto que foi percorrido pelo II Corpo do Exército Francês no mês de Maio de 1809.


Na terça-feira de 16 de Maio de 1809, depois de ter assistido aos combates na ponte da Misarela, Soult, atravessa-a e detém-se a observar a passagem das suas tropas. Apesar do dia estar certamente muito chuvoso, como aliás todo o mês de Maio daquele ano, nada o faz esmorecer na sua trágica retirada. Era homem experimentado e hábil manobrador, habituado a tudo. Talvez pensasse, enquanto observava a trágica travessia, na forma como iria enfrentar o resto do caminho até Paradela do Rio. A sorte bafejou-o, pois a sua entrada no Baixo Barroso vai coincidir com o abrandamento da perseguição de portugueses e ingleses.



Porém, a passagem naquela ponte, traduziu-se em pesadas baixas para as suas tropas, conforme os relatos da época, embora sejam parcos relativamente aos acontecimentos, durante o percurso, entre a ponte e aquela aldeia barrosã.



A marcha que vai agora efectuar, apesar da esforçada subida nos lugares de Ferral, será feito a meia encosta, na estrada velha que conduzia até Montalegre, mas numa zona muito pobre, pouco povoada, onde o sustento diário, era obtido na luta sem tréguas contra a pobreza do solo e aspereza do clima. O povo, à passagem dos franceses, abandonou as suas casas de colmo, vestiu crossas e capuchas, calçou chancas de lavoura e fugiu para paragens mais altas da serra.

O cenário, porém, é belíssimo, com o rio Cávado bravio e rabugento de tanto lutar com o seu leito rochoso, separando as duas serras que o aprisionaram para sempre. Só a pena de Miguel Torga, seria capaz de nos descrever, este quadro natural de rara beleza. Ficará a dúvida para sempre, se os franceses tiveram tempo para o observar, na ânsia de fugir. Esfomeados, rotos, cansados de tanto andar e frequentemente fustigados pelas milícias, tudo servia para matar a fome.



Pipo de morangueiro que ficasse esquecido, rasa de milho mal escondida no canastro, ou animal transviado, levava sumiço, mais rápido, que o um copo de aguardente na boca de cristão, com dor de dentes.
Depois deste enquadramento, que julgamos necessário, verificadas mochilas e demais armamento, partimos para o nosso destino. A expectativa era grande, pois além das “praças velhas”, havia “prontos” e muitos recrutas, ávidos de absorver todos os detalhes do percurso.



Partimos do miradouro sobranceiro à ponte da Misarela, e logo de seguida, enfrentamos uma longa subida que passa pelo interior dos casais de Vila Nova até à Chã das Quartas. Muitas das casas por onde passamos, cuja cobertura é bom lembrar, seria em colmo, foram rebuscadas na ânsia de encontrar comida e posteriormente queimadas. Passado este lugar da freguesia de Ferral, o caminho começa a abrir-se, deixando ver os corutos mais ásperos do Gerês, adivinhando-se ao longe um Cávado mais selvagem e menos caudaloso. Como seria naquela época, esta paisagem sem as barragens? Aparece então o caminho velho, onde a antiga calçada disputa terreno, palmo a palmo com a urze e o mato rasteiro. Para comprovar, a sua proveta idade, observa-se aqui e ali, os sulcos provocados, pela passagem dos carros.



Na encosta da Cabreira, alternam os prados de lima, as courelas de cultivo com grandes zonas de terreno mais pobre, onde predomina a urze e o mato, sulcados por pequenos ribeirinhos que correm lestos pelas corgas. Seguindo sempre a meia encosta, observa-se o que resta de um curioso fenómeno geológico, em que a derrocada de parte da montanha atingiu algumas casas de Covelo do Gerês, e também o próprio caminho.




Após o Outeiro Redondo, a paisagem começa a mostrar o verdadeiro Barroso, cenário que continuará a mudar até S. Bento da Sexta Freita, onde se ergue um rústico e cuidado santuário, dedicado a S. Bento da Porta Aberta. Foi neste lugar de Covelo do Gerês, onde chegamos com parte do grupo a pedir descanso, que a ordem parar para almoçar, foi bem recebida.




Voltamos ao caminho, seguindo na direcção de Ponteira, contornando por poente o Alto do Monteselo, onde fomos despertados pela irreverente e geométrica magia de alguns cabeços, que a natureza moldou com o escoar do tempo, transformando a penedia, em verdadeiros “ legos graníticos “.



Inicia-se então, a desejada descida para Paradela do Rio, passando à ilharga do Coruco da Roca e de súbito, aí está, à nossa frente, a beleza selvagem do Gerês, bem como o lago imenso da barragem de Paradela. As paragens são frequentes, para identificar os seus corutos mais elevados.



Perguntas e respostas, que desfilam um sem número de recordações, a quem já os visitou no seu silêncio agreste, e uma ânsia de lá chegar, dos mais novatos nestas andanças. Mais umas passadas e vislumbramos Pitões com os Cotos a defenderem-na, os seus lameiros, hortas e nabais, criando um presépio natural, que potencia uma futura visita...



Paradela já está à vista, mas o caminho ainda tem algumas emoções, até encontrar o pequeno pontilhão por onde Soult passou, rodeando o Alto do Crasto. Os últimos passos, são para visitar a casa onde o marechal certamente terá pernoitado de 16 para 17 de Maio 1809.- A casa do Loureiro com o seu brasão e o ano gravado no portal de entrada que deve ser de 1795 (facto atestado por inscrição no interior da casa em números romanos DCCLXXXXV )




Finda a caminhada, interrogo-me. Por onde terá escapado o Duque da Dalmácia, a partir de Paradela? Que caminho tomou para chegar à vizinha Galiza? Teria continuado para Este na direcção de Fiães do Rio? É com grande expectativa que aguardo os próximos percursos, para ver se as minhas dúvidas ficam esclarecidas.
Cumprida a missão, ainda houve tempo, para confraternizar, e dar nota máxima ao GPM, que estudou este delicioso percurso. Fazem-se as últimas despedidas, e lança-se um derradeiro olhar para este quadro natural de rara beleza, onde ao longe, desponta a capelinha de S. João da Fraga.

Um agradecimento final, aos presidentes das juntas de freguesia de Ferral e Paradela, que foram inexcedíveis na sua colaboração, e que possibilitaram a aventura, de reviver esta marcha, quase dois séculos depois.


Texto: Fernando Fontinha
Fotos: Jorge Ribeiro
Bibliografia: Invasão do Norte – Carlos de Azeredo