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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

De marcha a ré

O principal problema que faz com que o trânsito nas cidades e nas estradas brasileiras seja um caos absoluto, cenário para estresses, acidentes, mortes e perigos diversos, vai muito além de questões estruturais. O principal problema não são os buracos e a má conservação das rodovias, ruas e estradas, apesar de esse quesito ser crucial e importante. O principal problema não é a infraestrutura antiquada e ineficiente. O principal problema não é a má sinalização e tampouco o excesso de veículos, a quase inexistência de meios de transporte alternativos (metrôs, trens, barcos, camelos...). Nada disso.
O principal problema são as gentes, as pessoas, os motoristas brasileiros que se sentam atrás dos volantes e ligam seus veículos prontos para a guerra. Armam os espíritos como se fossem enfrentar batalhas e, a partir dessa premissa, encaram todos os demais veículos ao redor como inimigos a serem destruídos, vencidos, batidos, subjugados, eliminados. O principal problema é a imaturidade psíquica do povo brasileiro como um todo, que transforma cada pseudocidadão pseudomotorista em um adolescente imaturo, impulsivo, inconsequente, agressivo, idiotizado, competitivo e inumano, a cada esquina, a cada cruzamento, a cada semáforo. Uma horda de bárbaros motorizados que fazem do trânsito uma selva canibalesca, burra e destrutiva. Em nome da pressa.
O problema é que nós, brasileirinhos, não conseguimos aceitar o trânsito que existe em nossas cidades e em nossas rodovias. Não conseguimos encarar de forma madura as deficiências estruturais que existem e que, por si só, tornam perigoso o transitar. A isso, agregamos nossa perigosa imaturidade, que prefere fazer de conta que o trânsito superpopulacionado simplesmente não deveria estar ali, daí a ansiedade, a pressa, a descortesia, a brucutice, a incivilidade. Falta percepção, falta lucidez, falta capacidade de lidar com o cenário de forma madura. Há problemas? Sim. Mas isso não nos credencia a sermos, cada um, um problema a mais.

Há muitos carros nas ruas. Muitos ônibus, muitos caminhões, motocicletas... Perceba, compreenda e aja de acordo. Deixe o nervosismo e a típica prepotência egoística subdesenvolvida e terceiro-mundista pra lá, e tente evocar um pingo de civilização dentro de você ao volante. O mundo ao seu redor pode ficar bem melhor a partir de seus próprios atos. Melhor para você mesmo, para começo de conversa.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de agosto de 2015) 

sábado, 11 de julho de 2015

Precisamos saber viver

“É preciso saber viver”, não é mesmo? Quem cantava esse refrão? Titãs? Não. Quer dizer, sim: os Titãs regravaram a música, mas a gravação original é do Roberto Carlos, aliás, autor da letra, singela e simples, direta e genial. “É preciso saber viver”, vamos cantarolando junto com a música enquanto o carro avança mais dois metros no engarrafamento pós-meio-dia. Eu, com minha voz desafinada de urso acordando na caverna após seis meses de hibernação, estrago a melodia e minha esposa discretamente aumenta o volume do aparelho, afinal, ela preza os ouvidos e, como diz a música, é preciso saber viver de verdade, agora sem as aspas.
O sinal abre, nenhum veículo à frente se mexe. Por quê? Vamos lá, vamos lá, já é quase uma da tarde e ainda estamos distantes vários quilômetros da meta. Apenas o primeiro carro da fila avança. Alguém buzina. Outro imita. O sinal fecha. Ficamos todos parados de novo. “Toda pedra no caminho/ Você deve retirar/ Numa flor que tem espinhos/ Você pode se arranhar”, segue a música. Aquele carro do início da fila era uma pedra no caminho, imóvel. Não era uma pedra rolante. Saco. Mas, calma, é preciso saber viver, porque “Se o bem e o mal existem/ Você pode escolher/ É preciso saber viver”.
Vem o refrão de novo e eu me entusiasmo: “É pre-eciso sa-bê vivê-êêê!/ É-é pre-e-cii-sô sa-bêê vi-vê-êê/ Sa-bê vi-vê/ Sa-bê vi-VÊÊ!”. Minha esposa me olha estranho e faz subirem as janelas do carro, por precaução. A motorista emparelhada ao lado no chiquérrimo Beetle amarelo me encara, espantada. Ora, mas que gente, parece que não sabem vi-vê! Eu me calo e foco no sinal, que abriu, de novo. “Vomo,vomo”, penso comigo, empurrando mentalmente a fila composta por veículos dirigidos por gente com pressa em um trânsito que não anda. De fato, não andamos sabendo viver. Aliás, nesse trânsito engarrafado, não andamos e não sabemos viver.

Mas minha esposa sabe. Como o trajeto diário de casa até o local de trabalho é composto por cerca de dez quilômetros, ela está aproveitando os cerca de 20 minutos de deslocamento para fazer a maquiagem dentro do carro, já que o chofer sou eu. Assim, ganhamos tempo e qualidade de vida. O mundo muda, e, do início ao fim, temos de ir reaprendendo a viver.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de julho de 2015)

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Sai da frente

Paris e Londres, duas das principais capitais do mundo, são cidades centenárias, milenares, na verdade, opulentas em tradição, cultura, história, charme e civilização. Ricas em atrativos turísticos, têm suas calçadas, ruas, avenidas, bulevares e parques apinhados de gente vinda de todo o mundo, todos os dias, o tempo todo. Como também são o centro financeiro e político dos países e do continente aos quais pertencem, agregam ainda as atenções e a presença de seus próprios cidadãos, o que as transforma em áreas urbanas ultrapopulacionadas, os forasteiros acotovelando-se com os “locais”, a profusão das línguas, dos usos e dos costumes moldando Babeis modernas, vibrantes, pulsantes, repletas de vida: o sumo da civilização ocidental.
Isso tudo agregado a um trânsito de veículos proporcionalmente intenso. Na verdade, Londres e Paris, assim como todos os grandes centros urbanos do mundo moderno, são cidades cujas ruas estão atopetadas de automóveis, táxis, ônibus de linha e de turismo, trens, motocicletas, bicicletas, taxi-bikes e congêneres, disputando palmo a palmo o asfalto em busca de movimento, do ato de deslocar-se, tão representativo dessa Era dos Transportes que vivemos desde o início do século passado. E o que acontece nas ruas dessas duas capitais do mundo é o mesmo que se dá em um brete de fazenda ali nos Campos de Cima da Serra, quando a peonada enfileira a boiada toda, um boizinho atrás do outro no cabresto, a fim de vacinar ou marcar o gado: bicho demais para espaço de menos, e entrevero, na certa.

Sim, tem entrevero também no trânsito da elegante e luminosa Paris e na charmosa e vibrante Londres. Igualzinho ao que acontece aqui em Caxias em dias de chuva, em dias de neblina, em dias de sol e em dias de neve. Igual no entrevo, sim, mas diferente no comportamento dos motoristas, que acabam fazendo toda a diferença. Isso porque, lá, os motoristas transitam calma e maduramente no trânsito engarrafado. Vão indo conforme o fluxo permite, sem nervosisminho adolescente, sem cortar a frente do outro, sem forçar, respeitando as regras de trânsito. Já aqui, em uma sociedade formada por adultos com comportamento infantil, inconsequente e irresponsável, até mesmo estar parado no engarrafamento representa risco. Amadureceremos? Façam suas apostas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 28 de maio de 2015)

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Água em Marte

Lá vem a Nasa, de novo, com suas revelações bombásticas sobre as últimas descobertas da astronomia. A novidade desta semana vem de Marte, nosso planeta vizinho logo ali antes de Júpiter, por onde anda perambulando já faz algum tempo a sonda denominada curiosamente de “Curiosity”.
A engenhoca anda para lá e para cá sobre a superfície do “Planeta Vermelho”, obedecendo aos comando enviados da Terra pelos cientistas-pilotos da Nasa, livre, leve e solta, sem precisar respeitar regras de trânsito e nem temer colisões, uma vez que é o único veículo a transitar por todo o planeta. Já pensou você aí, proprietário de carrão, tendo um planeta inteirinho para rodar do jeito que bem entender, sem ter de parar nas esquinas, sem sinal vermelho, sem faixa de pedestres, sem outros veículos no meio do caminho, sem nadinha de nada para impedir suas aceleradas a mais de 200 por hora? Ah, um planeta para chamar de seu deve ser o sonho de consumo dos apressadinhos do trânsito engarrafado daqui da Terra!
Conforme andei pesquisando, há mais boas notícias aos velozes do volante, a respeito das condições de tráfego lá em Marte. Lá, não existe lei seca, tampouco blitze de balada segura com bafômetros engatilhados para flagrar os bebums que gostam de misturar álcool com direção. Lá em Marte não tem nada disso. Quem sabe vocês lotam uma espaçonave e se mudam todos para lá, hein, deixando o trânsito daqui da Terra restrito aos cumpridores das leis? Façam a festa lá em Marte!
Como é? Não querem ir porque lá não terão gelo para o uísque? Não, vocês estão enganados! Pois esta é a nova revelação da Nasa: Marte tem água! A Curiosity descobriu evidências de que há água em forma líquida perto da superfície do planeta. E como a temperatura ambiente média lá em Marte é de cerca de 70 graus Celsius negativos, a água já vem geladíssima. Para virar gelo, é um pulo. Então, o que estão esperando? Vão para lá, correr bastante, ignorar faixas de segurança, ultrapassar sinais fechados, fazer rachas pelas intermináveis areias marcianas. Divirtam-se, em Marte!

A Terra, deixem-na para os terráqueos que se esforçam por fazer esse um planeta um pouquinho mais civilizado a cada dia que passa.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de abril de 2015)

quinta-feira, 19 de março de 2015

Um brinde à boa notícia

Quem diz que a imprensa só traz notícias ruins é porque ou não saber ler jornal e assistir aos telejornais ou viciou no uso de filtros que só relevam os fatos negativos. Mas as notícias boas existem, sim, e não só isso: elas são maioria. Digo e afirmo e desafio quem quiser a pagar para ver.
Ontem, por exemplo, fiquei surpreso e feliz ao ler, pela manhã, a principal notícia que encabeçava o site do jornal Pioneiro: “Nenhum condutor é flagrado sob efeito de álcool durante blitz em Caxias do Sul”. Dos 43 veículos abordados entre as 20h e as 23h na Avenida Rubem Bento Alves, segunda-feira, nenhum era conduzido por motorista que havia ingerido álcool. Quer notícia melhor do que essa? Notícia boa, e sob diversos aspectos. Primeiro, que as blitze de trânsito, realizadas em parceria entre Brigada Militar, Fiscalização Municipal de Trânsito, Guarda Municipal, Polícia Rodoviária Estadual, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Civil, se transformaram em uma ação constante no cenário urbano de Caxias do Sul. Segundo, e o melhor de tudo, parece que vem dando resultado e a conscientização dos motoristas começa a se consolidar.
Desde que foi instituída a Lei Seca no trânsito do país e as polícias foram aparelhadas com os medidores de graduação alcoólica, as autoridades de Caxias do Sul adotaram uma atitude firme e perene em relação ao tema, e não têm “frouxado a corda”,  transformando as blitze em ação corriqueira e continuada nas ruas e avenidas da segunda maior cidade do Rio Grande do Sul. Que bom. Sorte a nossa que está sendo assim, e espero que assim continue. Faço votos de que realmente a imprensa local continue, devido a ações como essa, sendo municiada de fatos positivos e vitais como a inexistência de motoristas dirigindo sob o efeito de álcool pelas vias de nossa cidade, preservando a vida, a saúde e a integridade física de toda uma comunidade.

Jornalista é cidadão e tem prazer em publicar notícia boa. Da mesma forma como os policiais e fiscais envolvidos na blitz de segunda-feira devem ter voltado para suas casas satisfeitos após uma ação em que não tiveram de flagrar nenhum bêbado inconsequente atrás do volante. Nem tudo está perdido.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 19 de março de 2015)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Os brucutus

Certo cronista norte-americano radicado há décadas no Brasil, que escreve seus textos em jornais do centro do país (não lembro o nome do dito cujo e nem da publicação, mas ao menos recordo a essência do comentário, feito recentemente por um amigo, e assim tenho o insumo necessário para o moldar desta crônica aqui, escrita por mim mesmo, cujo nome, ao menos por ora, ainda lembro), tenta compreender a essência da cultura brasileira a partir da observação dos atos cotidianos comuns à maioria da população. Tarefa árdua a que se impôs esse gringo, a de tentar compreender o incompreensível, mas, enfim, cada um carrega a cruz que lhe é destinada e ponto.
O tal do cronista, então, parece que andou tecendo uma relação entre civilização e trânsito, demonstrando que a cultura, ou a falta de cultura (no nosso óbvio caso) de um povo pode ser também medida, por exemplo, pela maneira como os motoristas se comportam dirigindo seus automóveis (ou suas máquinas de matar e de atropelar e de abalroar e de ultrapassar e de transgredir, no nosso óbvio caso) no trânsito. Aplicando esse tipo de aferição, nós, brasileiros, trogloditas brucutus dinossáuricos imbecilizados e brutamontes que somos no trânsito, ocupamos o fim da fila da civilização, quando comparados com o comportamento de motoristas norte-americanos e de outros locais do mundo em que a civilização e a civilidade já chegaram. Interessante.

Eu, de minha parte, que cronista também sou, mas não norte-americano, gosto de utilizar outra escala para medir e comprovar, com tristeza, nosso brasileiríssimo grau de constante involução civilizatória: o comportamento dentro dos elevadores. Para ficar só nos domínios da América Latina, já andei de elevador em países como Argentina, Uruguai, Colômbia, Panamá, Venezuela. Em todos, os nativos entram, olham nos olhos dos desconhecidos que com eles compartilham, durante apenas alguns instantes, aquele mesmo espaço claustrofóbico, e os cumprimentam tanto na entrada quanto na saída. Singelos, gentis e civilizados atos de convívio humano, que os brasileiros simplesmente desconhecem, dentro de sua escafândrica brutucuzisse aguda. Triste fim acena no horizonte para um povo que abandona “bom dia“, “boa tarde”, “até logo” com tanta facilidade.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 2 de fevereiro de 2015)

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Visão de carona

“Borracharia dia e noite”, dizia a placa à beira da estrada. “O que será que fazem ali? Enchem a cara de cerveja do raiar do sol até o avanço da madrugada, se emborrachando ininterruptamente?”, me questionava eu, em silêncio, sentado no banco do carona. Pensamentos assim (e alguns outros bem mais filosóficos, profundos e humanos, garanto) me visitam a mente quando tenho a (rara) oportunidade de passear no banco do carona. Como é bom estar no banco do carona.
Desobrigado a atentar para as armadilhas do trânsito frenético, a conduzir o veículo pelas quebradas corretas que desembocarão no destino almejado e a convergir todos os sentidos e esforços na materialização de um trajeto seguro, a chance de poder aninhar-se no banco do carona representa para mim um momento inegociável de relax mental capaz de proporcionar uma recarga de bateria psíquica única e inigualável. Se confio no (na) motorista, largo a alma a flanar pelas paisagens urbanas ou rurais que vão desenrolando seus flagrantes de humanidades à medida em que são tocadas fugazmente pelo crivo de meu olhar atento e descansado.
A moça que passeia com o cãozinho pela calçada; o casal maduro de abrigo, boné e óculos escuros, a fazer sua caminhada diária; o velhinho que não se desapega do hábito de levar a cadeira para a varanda no fim de tarde para testemunhar a vida sorvendo chimarrões silenciosos; a criança que fez arte e sai correndo marota porta afora, deixando para dentro da casa os gritos maternos; a silhueta do cavalo que pasta solitário no alto da campina; a casa de joão-de-barro que se equilibra no alto do poste de luz; a casinha centenária encolhida entre dois prédios no trajeto diário e que sempre me fugiu às vistas de motorista; as placas com dizeres esdrúxulos que são engraçadas justamente por terem sido elaboradas sem a intenção de provocarem graça alguma, como a “borracharia dia e noite” ou a “comida por a quilo”.

O escritor francês Marcel Proust, no início do século passado, temia, com a popularização dos automóveis, que a velocidade das viagens dizimasse nas pessoas a capacidade de observarem as paisagens do mundo com a mansidão necessária. Não proponho a volta das charretes, mas talvez eu devesse viajar mais de ônibus.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de dezembro de 2013)

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O abre-alas

Transitava por uma das estradas da Serra, dessas estreitas cheias de buracos, desprovidas de faixa dupla e de terceira pista, nas quais formam-se extensas fileiras de veículos penando a vinte por hora atrás de caminhões de carga. Paciente e zeloso, conduzia meu carrinho ensanduichado entre um ônibus que vinha atrás e uma jamanta uruguaia com “freno a aire” à frente. Alternava primeira com segunda, segunda com primeira, freio, embreagem, segura um pouco, olha só o louco que vem de trás querendo forçar espaço para ultrapassagem onde não há lugar para nem mais um mosquito.
De repente, pelo retrovisor, percebo uma movimentação diferente: todos os veículos atrás de mim saindo para o lado, ocupando parte do arremedo de acostamento, para dar passagem ao que vem subindo célere, determinado, convicto: um tanque de guerra. Isso mesmo, um verde-oliva tanque de guerra, com canhão na frente, esteiras e muito aço, abrindo alas. Surreal, onírico. Tão surreal e onírico que de fato acordo, sento-me no meio da cama, irritado com a consequência da liberdade artística total que andei delegando ao misterioso roteirista de meus sonhos. Ora essa, um tanque de guerra subindo a Serra! Só em sonho mesmo. Mas... será?
Sabemos, desde Freud e Jacó, que os sonhos contêm significados psíquicos que vão muito além da aparente insensatez gerada por roteiros malucos. Quem sabe não tenha eu recebido uma dica para a abertura de um lucrativo negócio, um filão de mercado que ninguém ainda atinou em explorar? Abrir uma revenda de tanques de guerra, por exemplo. Não faltariam clientes interessados em adquirir esse tipo de veículo justamente para enfrentarem melhor a guerra declarada do trânsito nas estradas brasileiras. Na verdade, para uma certa espécie de motoristas, só o que lhes está faltando mesmo são os tanques blindados e ameaçadores, porque o comportamento assassino, imprudente, arrogante e incivilizado, adequado para dirigir esse tipo de condução, eles já possuem, e de sobra.

Já que a ordem nas estradas e nas cidades ultimamente tem sido a do salve-se quem puder, e saiam da frente que eu estou chegando, e te escapa que a faixa é minha, e tira essa carroça que o meu é mais lindo e mais potente e maior e não quero nem saber, que tratem então de usar tanques de uma vez por todas. E mantenham os canhões apontados, que é para espalhar logo o terror, já que ninguém mais precisa fechar os olhos e deitar na cama para vivenciar pesadelos nesses dias de hoje.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 23 de dezembro de 2013)

domingo, 22 de dezembro de 2013

O ralho do carteiro


Dia desses recebi uma multa de trânsito. Para poder escrever esta crônica, sou obrigado a admitir, caro leitor, que cometi uma infração e que sou culpado. Não deveria, eu sei, mas aconteceu. Passei a 67 km/h em um trecho no qual só poderia trafegar a, no máximo, 60 km/h. Distraí-me, voei as tranças acima do permitido e a lombada eletrônica deu-me no lombo. Paciência. Paga-se e procura-se redobrar a atenção para não repetir a façanha. Até aí, tudo certo.
Problema mesmo é o carteiro que distribui a correspondência no meu bairro. Ele faz cara de brabo quando vem entregar multa. Para receber a notificação, é preciso assinar o nome num papelzinho na prancheta dele. Ele chega de moto, buzina na frente de casa, me espera sair porta afora e pergunta, inquisitivo, em tom de Torquemada: “Senhor Marcos Fernando?”. Pois sim, sou eu. Apresento-me já meio de orelha baixa, visualizo o logotipo do Detran numa das faces do envelope e entendo tudo. “Lá vem multa”, articulo, tentando estabelecer contato e empatia enquanto o carteiro, compenetrado e mudo, preenche números de protocolo no formulário, a moto com o motor ligado, barulhando defronte ao portão, fazendo questão, parece, de anunciar a toda a vizinhança que “o senhor Marcos Fernando aí andou levando multa”.
E pensa mais o carteiro, enquanto escreve, escreve, escreve com a caneta Bic na prancheta. Amuado do lado de cá da cerca, aguardo a entrega do papel enquanto escuto na alma os pensamentos irados do carteiro: “Brincadeira esses caras, aí. Ficam cometendo infração e depois eu é que tenho de carregar as multas deles pela cidade. Não me interessa se é infração leve, média, grave ou gravíssima. Multa é multa. Fez o que não devia. Não se comportou direito. Faz babada e depois eu é que tenho de ficar trazendo primeiro a notificação para defesa e, mais tarde, retornar aqui de novo para trazer a guia de recolhimento. Por que é que não anda na linha? Tudo bem ter de carregar o malote com correspondência, com conta do cartão de crédito, conta do telefone, da tevê a cabo, mala-direta, cartão de Natal, a revista Veja, a Playboy... ah, não, a Playboy é do vizinho da frente, mas pô... brincadeira esses caras”.

Recebo o papel, assino na linha pontilhada e ele arranca, a moto martelando em meu ouvido as reprimendas surdas que só eu escutei. Tenho andado direitinho desde então. Que medo que tenho desse carteiro.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de dezembro de 2013)

sábado, 24 de agosto de 2013

Isto é o real

A realidade, às vezes, se desbarranca em nosso colo de maneira agressiva, como que para nos chacoalhar, fazer acordar, enxergar direito as coisas à nossa frente que, normalmente, parece que evitamos perceber ou aceitar. São os chamados choques de percepção, ou insights, como gostam de dizer os psicólogos. Eu já vou mais no raso e digo “soco no estômago”, mesmo.
Pois tive um clarão assim noite dessas, enquanto participava de um evento cultural realizado no anfiteatro da Câmara de Vereadores. A palestrante convidada para aquela data, professora renomada na cidade, ao iniciar sua fala, emendou um esclarecimento aos organizadores que lhe haviam feito o convite. Pediu desculpas por não ter acatado a sugestão de mobilizar seus alunos de ensino médio para comparecerem ao evento e explicou as razões, resumidas em dois tópicos: trânsito e segurança.
Lúcida e previdente, a palestrante julgou arriscado mobilizar pais e alunos para o evento, levando-se em conta que, para tanto, obrigaria as famílias a, primeiro, enfrentarem o estresse e a imprudência vigentes em nosso trânsito urbano especialmente no período do final da tarde e início da noite. Depois, avaliou a questão da segurança, ou melhor, da falta dela, ou mais explicitamente, da violência mesmo à qual estamos expostos à noite, na hora do encerramento da atividade. Quem se sente seguro? Melhor, portanto, poupar os alunos e suas famílias de terem de se submeter a esses riscos.
Refleti, ponderei, concordei e me preocupei. De fato, quantas vezes eu mesmo não tenho optado por recusar convites para eventos, ou evitado planejar idas a restaurantes, shows, atrações diversas, visitas e passeios, levando em conta exatamente esses dois fatores que têm tornado quase impeditiva a vida tranquila em sociedade hoje, o trânsito e a insegurança? Dirigir virou um caos. Encontrar vaga para estacionar, uma gincana. Agregam-se a isso os riscos de ser assaltado nas sinaleiras, ter o veículo roubado, enfrentar um revólver empunhado contra você e os seus por um assaltante visivelmente alterado.
Ficar em casa passa a ser, na maioria das vezes, a programação mais recomendável. E nem mesmo encastelados estamos cem por cento seguros. No entanto, por imposição legal, seguimos sendo obrigados a sazonalmente votar naqueles que ganham suas vidas prometendo melhorar uma situação que só piora a olhos vistos. Valeu, professora. Caiu a ficha.

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de agosto de 2013)

domingo, 23 de junho de 2013

Apressado come cru

Chega a ser engraçado. Não sei se é só comigo, mas a sinaleira sempre fecha na minha vez de passar. A impressão que dá é de que os veículos à minha frente trafegam com morosidade deliberada só para cruzarem no último segundinho do verde e deixarem a mim ali, estaqueado. Especialmente quando estou com pressa ou atrasado. Nesses casos, soma-se também o fato de o fluxo de veículos estar mais intenso do que o normal, os engarrafamentos mais frequentes e lentos, a tranqueira toda jogando contra.
Também percebi um fenômeno semelhante em relação às filas. Nas praças de pedágio, a fila que escolho é sempre a mais lerda. Não importa o tamanho, invariavelmente aquela que escolho é a que mais demora para solucionar-se. Minha tendência é a de optar pela mais curta, e nem sempre (quase nunca, no meu caso) ela representa a mais ágil. O mesmo se aplica às filas de banco. Agora o padrão são as filas únicas, certo, é um procedimento mais lógico, mas a sensação que tenho é de que a fila trava a partir do momento em que me posiciono na rabeira dela, e os caixas demoram mais do que o usual para despachar os clientes e fazer a coisa andar. E isso tudo se dá sempre que estou morrendo de pressa.
O mesmo com o telefone celular. Ele fica ali no meu bolso o dia inteiro, me fazendo uma até simpática companhia muda. Só começa a tocar insistentemente justamente naqueles quinze minutos em que estou dirigindo e não posso atendê-lo, ou quando dei aquela fugidinha rápida ao banheiro ou quando estou em outra ligação no telefone convencional ou quando estou em reunião ou...
Mas o inverso também se dá, com frequência assustadora. Quando preciso falar com urgência com alguém, seu telefone está ocupado, ou fora de área, ou desligado, ou cai na caixa de mensagem. A internet demora demais para abrir o site de que necessito com urgência. O estacionamento dos locais em que preciso chegar está lotado. O frentista demora para perceber que estou ali precisando que abasteça meu carro.
O que há de errado comigo?
Nada, exceto a ansiedade gerada pela pressa e pelo estresse. Nada disso deixará de me acontecer, mas seguramente tudo isso deixará de me incomodar se eu exorcizar de dentro de mim a pressa. Um mundo melhor é mais fácil de ser alcançado quando começamos a construí-lo dentro de nós. Tô nessa.
 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de junho de 2013)

sábado, 1 de dezembro de 2012

O motobom e o motomau


Nove e meia da noite de uma terça-feira. Minha mulher está em casa, virada do avesso, acometida por forte gripe de verão. Decido tirar o carro da garagem e ir até uma farmácia no centro, buscar remédio que lhe possa aliviar os sintomas e permitir uma noite de sono menos conturbada. “Vou num pé e volto noutro”, digo, chave na mão, já saindo porta afora. Pois fui de carro e voltei de guincho, isso sim.
Adquirida a panacéia na farmácia que eu sabia aberta àquela hora da noite, retornei ao automóvel e ele decidiu não mais sair dali por algum motivo que ultrapassa meus vãos conhecimentos mecânicos. No alto de minha soberba, ainda tentei fazer aquela coisa “pegar no tranco” e andei duas quadras apagado, dando solavancos que resultaram em nada. Na verdade, piorei um pouco mais minha situação, já que parei em um cruzamento, no meio da via, atrapalhando o tráfego. Liguei o pisca-alerta e telefonei para minha corretora de seguros, que encaminhou a solicitação do guincho que meia hora depois nos despejaria (a mim e ao meu moribundo veículo) em casa.
Restava-me a paciência de esperar. Paciência que, logo vi, inexistia em um motoqueiro, que indignou-se com minha posição dentro do carro morto (com pisca-alerta ligado, repito), ao celular (falava com a corretora), e resolveu me xingar, como se eu estivesse deliberadamente determinado a lhe atazanar a vida, eu, que seguramente tenho como esporte encalacrar meu carro no meio da rua no meio da noite, claro. Abriu o sinal e ele foi-se, equilibrando a moto numa mão e desenhando gestos mal-educados com a outra, dirigidos a mim.
Para minha surpresa, não demorou mais do que dois minutos para que a categoria fosse redimida pela ação solidária espontânea de outro motoqueiro, que parou e me veio oferecer ajuda para manobrar dali o carro, encostando-o no meio-fio, de onde pude aguardar pelo guincho em segurança. Costumo pensar que, normalmente, tenho sorte no azar. Esse foi um desses casos. Ainda por cima, rendeu-me crônica e motivo para refletir sobre as motivações humanas. De qual dos dois motoqueiros meu perfil pessoal mais se aproxima frente aos episódios do cotidiano? Bom tema para pensar dentro de uma cabine de guincho...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de novembro de 2012)


sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Rumo à civilização

A gente só muda maus hábitos quando se conscientiza internamente de que de fato aquela postura não condiz mais com o perfil que você pretende ver em si mesmo. Você é inteligente, você se alfabetizou, você tem acesso à informação e você sabe que, por exemplo, fumar faz mal à saúde. As próprias embalagens trazem impresso o alerta, o que se configura em um quase surreal tiro no pé em termos de marketing. Em um mundo lógico, deveria bastar para afastar do produto todo consumidor que saiba extrair sentido do ajuntamento de letrinhas.
Mas apenas saber não basta para mudarmos. É preciso ocorrer aquele momento de iluminação interior que a psicologia gosta de chamar de “insight”, para que a mudança comece realmente a tomar forma. Sem isso, nenhuma campanha faz efeito, qualquer conselho sensato aterrissa de imediato no cesto de lixo de nossas raras boas intenções. E não significa que basta acontecer esse instante de compreensão para que a mudança se efetive de imediato. Largar um vício, abrandar um traço ruim de personalidade, adotar um novo hábito saudável são caminhos que exigirão esforço e perseverança e, como tudo, independem de mágica para virar realidade. Haverá suor, e sabemos disso.
Se é assim em se tratando de adotar uma nova postura individual, a equação fica ainda mais complexa quando se deseja empreender uma mudança profunda de comportamento na coletividade. Nesse quesito, a sociedade brasileira vivencia hoje um momento histórico e crucial que, vindo a bom termo, é capaz de elevá-la em alguns degraus importantes na escala da civilização. Promover o divórcio total entre álcool e direção é uma bandeira que começa aos poucos a ser empunhada pela sociedade, e só vai virar realidade quando a conscientização proposta pelo poder público, pelas leis e pela mídia passar a ser uma verdade viva no íntimo de cada cidadão.
Esta semana, um motorista alcoolizado, que dirigia em ziguezague pela BR-116, foi dedurado à Polícia Rodoviária via celular por outro condutor que seguia atrás. O ato de cidadania do motorista “dedo-duro” pode ter ajudado a salvar vidas e tirou um inconsequente das estradas. É o cidadão comum ajudando, no dia-a-dia, a que uma nova postura crie raízes. Só assim o quadro vai mudar.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de novembro de 2011)

domingo, 12 de junho de 2011

Compre um tanque

Vamos conversar sobre algumas obviedades que, apesar de serem óbvias, parecem às vezes esquecidas pelos (pseudo) cidadãos que infestam as ruas e estradas de nossas cidades serranas. Uma obviedade, quando esquecida, na verdade está sendo é deliberadamente negligenciada, porque obviedades não se esquece, é óbvio. Aí, quando se faz de conta que foram esquecidas, não se trata de esquecimento real, mas sim de sem-vergonhice mesmo.
A obviedade da civilidade no trânsito, por exemplo. Foi-se para as cucuias, junto com o espaço para transitar. É verdade que o tráfego está caótico nas cidades e nas estradas; que há veículos demais e alternativas viárias de menos; que o engarrafamento é uma constante; que não há vagas para estacionar apesar dos estacionamentos rotativos e das garagens pagas; que isso tudo gera ansiedade e estresse nos motoristas que, por isso mesmo, acabam dirigindo ainda pior. Tudo isso é verdade. Porém, nada disso justifica incivilizar-se ainda mais, assumir deliberadamente a barbárie e intensificá-la.
Tenho percebido que alguns (pseudo) cidadãos estão optando por adquirir caminhonetes enormes como se elas fossem a alternativa individual para se blindarem contra os estresses do trânsito. Pior do que isso: ao ligarem os motores e saírem às ruas, dirigem como se fossem os donos do pedaço, como se as regras de trânsito não mais se aplicassem a eles e seus bólidos. Como se tamanho passasse a ser documento, e não mais a carteira de motorista, que ainda suponho que possuem. Enfiar a carcaça motorizada por cima dos demais, abrir espaço a força, ignorar as leis da preferência é o que passa a ser a preferência de muitos desses condutores, que se julgam protegidos pela altura e pelas dimensões reforçadas do veículo que (mal) conduzem.
Não são todos, eu sei, e a culpa da guerra no trânsito não é só deles. Mas são muitos, o suficiente para gerarem um comportamento padrão e facilmente detectável. Calma, gente. Lamento informar e ter de dizer o óbvio, mas a solução para o problema comum e geral não é a aquisição de brucutus sobre rodas para enfiá-los por cima dos outros, abrindo alas à força. Isso, no final das contas, só reflete o perfil brucutu de quem os dirige.
Porém, se a ideia é mesmo essa e vingar, não vou ficar aqui chorando as pitangas. Vou abrir uma revenda de patrolas com ar-condicionado e de tanques de guerra com air-bag para circulação urbana, antes que outro empreendedor o faça e roube minha pioneira iniciativa.
(Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 10 de junho de 2011)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A fúria transgressora

Vou fazer uma confissão. Sou a favor das multas no trânsito. Transgrediu, tome-lhe multa. É educativo, e é a maneira mais eficaz de aplicar diretamente a consequência da lei ao transgressor. Não deseja ser multado? Simples: não transgrida, dirija dentro da lei, obedeça a sinalização. E ponto final. Não existe “fúria arrecadatória” por parte dos governos ou dos órgãos autuadores. O que existe, isso sim, é a “fúria transgressora” dos motoristas, que gostam de voar a 120 quilômetros por hora em pistas cuja velocidade máxima permitida é 80. Multa neles e pronto.
E não adianta ficar brabinho e reclamar. Não é nada injusto. As leis de trânsito existem com um único fim específico: proteger as vidas das pessoas e civilizar o trânsito. Não deve ser assim tão difícil de compreender. E quem transgride as leis estipuladas, coloca-se na posição de ameaça direta à segurança, à vida e à civilização do trânsito. O que fazer com essas pessoas? Multá-las, no mínimo dos mínimos. E dou de graça ainda um conselho: não adianta se queixar para o bispo. Aliás, não adianta se queixar. Reclame de si mesmo, de suas próprias atitudes, de sua própria incapacidade de transformar-se em cidadão civilizado. Passe a dirigir legal e as multas desaparecerão, como num passe de mágica. Deixe de ser uma besta quadrada, se nesses termos fica mais fácil de compreender a coisa.
Porque é ruim quando dói no bolso, né. Infelizmente, é só assim que se aprende. Foi assim que eu aprendi, muitos anos atrás. Fui multado. Pesou no bolso. Não gostei. Passei a observar as regras e isso acabou se tornando hábito. Igual à questão do uso obrigatório do cinto de segurança. Não o uso por medo de levar multa. Uso-o por questão de segurança, mesmo. Temo possíveis batidas, especialmente provocadas por terceiros imprevisíveis. E uso-o para ir daqui até ali na esquina. Uso-o sempre. Para minha própria segurança. Assim como não voo mais nas estradas, não para evitar as multas, mas para preservar-me da punição maior, que seria o estraçalhar-me numa árvore e engrossar as estatísticas cruéis da chacina no trânsito.
Nesse último feriadão de Páscoa, 11 mil veículos foram multados nas rodovias do Rio Grande do Sul. Há várias leituras a se fazer a partir da informação. Uma delas é calcular o valor astronômico arrecadado pelos órgãos autuadores. Outra, é detectar a existência de no mínimo 11 mil infratores atrás dos volantes gaúchos, sem falar em todos aqueles que não foram flagrados. Que perigo! Só espero que os valores arrecadados não sirvam para engrossar as denúncias de corrupção e malversação de dinheiro público que temos também lido na imprensa ultimamente. É preciso frear a fúria transgressora dos motoristas, mas também a fúria da rapinagem de quem se aproveita do aparato público. A paz nas estradas apresenta variados fronts onde as batalhas precisam ser travadas. Eu, de minha parte, vou tirando o pé...
(Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 29 de abril de 2011)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Ás no volante ou asno volante?


Dia desses, neste janeiro que nos revisita a cada início de ano, tive um novo insight atrás do volante do meu automóvel, transitando pelas ruas dessa Pérola das Colônias. Meses atrás escrevi uma crônica em que expressava minha indignação com a situação caótica do trânsito na cidade, engarrafada por um volume crescente de veículos enquanto vê-se impotente com uma infraestrutura incapaz de dar vazão ao fluxo necessário para que a coisa, em resumo, ande. Vituperei contra a lei da Física que impede a ocupação de um mesmo espaço por mais de um corpo ao mesmo tempo e estive a ponto de propor uma emenda que a revogasse, mas resignei-me a imaginar que conseguiria abrir alas em meio à estagnação transital por meio do uso de um chicotinho.
Pois, tudo errado! Esqueçam o que eu escrevi, porque constatei que o furo é bem mais em cima, ali no banco do motorista mesmo. Motivado a trafegar mais amiúde pelas ruas centrais de Caxias neste período veranil em que as férias escolares e as férias coletivas de parte das empresas locais resultam na diminuição da população circulante pela urbe, tirei o carro da garagem e fui-me faceiro às ruas, imaginando que, pelo menos durante algumas semanas, transitaria com paz. Ledíssimo engano, esse meu!
Apesar da óbvia redução do número de veículos em trânsito, fui fechado por bólidos costurantes, freei abruptamente devido a veículos que param em fila dupla, quase fui alvejado por carros que queimam o sinal vermelho, escapei de colidir contra imprudentes que saem do meio-fio onde estavam estacionados e lançam-se sem olhar à pista de rodagem, enfim, a selvageria em nada mudou.
Qual a conclusão óbvia disso tudo? Ora, uma só: o motorista caxiense é um troglodita. O problema não é o volume crescente de veículos em circulação. O problema é a incivilidade, a deseducação, o egocentrismo, o bestialismo, o terceiro-mundismo cultural de nossos (pseudo) motoristas. Não se trata de leis de trânsito ou de investimento em infraestrutura. Trata-se de mudança pessoal de atitude mesmo. E aí, não há buzina capaz de solucionar a situação. Por mais que o pisca-alerta esteja dado...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de janeiro de 2010)

sábado, 27 de novembro de 2010

A coisa não anda


Esqueceram de fabricar mais ruas, esqueceram de plantar mais vagas de estacionamento, não sabemos o que fazer com os automóveis que finalmente realizamos o sonho de adquirir! O trânsito pelas principais vias da cidade não flui mais; ele tosse, sacode a espasmos. Primeira, segunda, debriagem, freio, pausa, espera, espera, espera, primeira, segunda, freio, pausa, espera, espera, espera, primeira, pausa, freio... isso não é fluxo de tráfego, isso é estertor terminal.
A superpopulação de veículos que infesta nossas vias urbanas e também as estradas assemelha-se ao desequilíbrio natural decorrente do descontrole populacional de pragas silvestres como o javali, por exemplo. Com a diferença de que, no caso dos javalis, o Ibama libera sazonalmente a caça como medida para tentar controlar o recrudescimento do problema. Não estou defendendo aqui que o Daer promova a abertura de uma temporada de abate de veículos, cruz-credo, longe disso! Mas que as tripas infindáveis de automóveis, caminhões e ônibus atravancados pela urbe se assemelham a manadas estáticas de búfalos e elefantes disputando uma beiradinha na lagoa para saciar uma necessidade vital, como a gente vê no Discovery Channel, ah, isso se assemelha.
Ponto positivo nisso tudo (tem de haver sempre um ponto positivo, para que não reine a desesperança), que ninguém ainda percebeu, é a economia que se fará com a suspensão do fabrico de placas indicativas de limite de velocidade a 40 km/h. Com a oficialização do caos no trânsito, atingir os 40 km/h em uma via urbana está se transformando no segundo sonho de consumo dos motoristas brasileiros, após a realização do primeiro, que era o de adquirir um carro.
Eu, de minha parte, ando vasculhando as seções de classificados dos jornais em busca de uma alternativa. Desequilibrado como sou, nem cogito a opção das bicicletas, e fico de olho mesmo é nas ofertas de cavalos. Procuro um bem equipado, de baixo consumo e fácil manutenção (de preferência, flex, movido a milho e aveia). A cor pode ser básica mesmo (malhado, baio, branco) e não exijo air-bag, mas sim um pelego de primeira. Sem falar no chicote, que será de serventia para abrir caminho...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26/11/2010)