Até pode ser que a receita
escolhida para o formato dos programas gere uma audiência astronômica, deixando
alegres os anunciantes e mais faceiras ainda as emissoras televisivas, porém,
não adianta, eu não consigo engolir e agradeço, passo batido. Até já tentei
assistir a alguns desses reality shows que giram em torno do universo da
gastronomia, com equipes competindo pelo posto de melhor chef da temporada,
porque aprecio a arte culinária, sou um cozinheiro amador que adora pilotar
panelas e frigideiras no aconchego de minha cozinha, mas não dá, não consigo
digerir o clima de terror que não sei por que cargas d´água é a tônica dessas
atrações.
O que vejo nesses programas é
uma turma de renomados chefs brasileiros e internacionais gritando impropérios
contra pseudocozinheiros de fundo de quintal, que vão enterrando os barretes
cabeça adentro, escondendo as orelhas e a vergonha quando recebem xingamentos
estratosféricos porque o ovo passou demais, a carne não ficou ao ponto, o molho
holandês ficou com cara de sueco, o caldo entornou e não adianta chorar sobre o
leite derramado. O que vejo é um acúmulo de tensão que vai crescendo ao ritmo
de deselegâncias, de grosserias, de berros. Lamento, mas gastronomia e cozinha
não têm nada a ver com isso, não há jeito de eu encontrar um ponto de
convergência pessoal que me faça permanecer mais do que 30 segundos em frente a
um programa desses, por mais que possam vir a me interessar as receitas e os
modos de fazê-las. Não dá.
Já participei de cursos de
gastronomia, nos quais o clima reinante é de alegria, de confraternização, de
compartilhamento de um prazer comum entre pessoas afins, que estão ali para
desvendar juntas as maravilhas e os segredos prazerosos da alquimia da
transformação dos alimentos em sabores, odores, texturas. Cozinhar é uma arte
e, como arte, é uma via de expressar humanidades. Até pode ser que haja no
mundo pessoas encarceradas em situações nas quais acabem cozinhando com raiva,
mas isso é uma exceção. Quando o assunto é gastronomia, a trilha sonora é a paixão,
o amor, a delicadeza que essa arte sutil e agregadora requer.
Competições gastronômicas
regadas ao molho da grosseria só podem gerar banquetes indigestos. Tô fora.
Aliás, ainda não pensei na janta...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de junho de 2015)