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sexta-feira, 4 de março de 2011

O Quebra-cabeça da Vida | Martha Medeiros
















Tudo o que nos fez feliz ou infeliz,
serve pra montar o quebra-cabeça da nossa vida, 
um quebra-cabeça de cem mil peças.

Aquela noite que você não conseguiu parar de chorar, 
aquele dia que você ficou caminhando sem saber para onde ir, 
aquele beijo cinematográfico que você recebeu, 
aquela visita surpresa que ela lhe fez, o parto do seu filho, 
a bronca do seu pai, a demissão injusta, 
o acidente que lhe deixou cicatrizes, 
tudo isso vai, aos pouquinhos, formando quem você é.
Não há nenhuma peça que não se encaixe.
Todas são aproveitáveis.
Como são muitas, você pode esquecer de algumas, 
e a isso chamamos de "passou"...

Não passou!!  Está lá dentro, meio perdida, 
mas quando você menos esperar, 
ela será necessária para você completar o jogo e se enxergar por inteiro."

















(Martha Medeiros)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Os excluídos | Martha Medeiros


Ao contrário do que o título desta crônica possa sugerir, não vou falar sobre aqueles que vivem à margem da sociedade, sem trabalho, sem estudo e sem comida. Quero fazer uma homenagem aos excluídos emocionais, os que vivem sem alguém para dar as mãos no cinema, os que vivem sem alguém para telefonar no final do dia, os que vivem sem alguém com quem enroscar os pés embaixo do cobertor. São igualmente famintos, carentes de um toque no cabelo, de um olhar admirado, de um beijo longo, sem pressa pra acabar.
A maioria deles são solteiros, os sem-namorado. Os que não têm com quem dividir a conta, não têm com quem dividir os problemas, com quem viajar no final de semana. É impossível ser feliz sozinho? Não, é muito possível, se isso é um desejo genuíno, uma vontade real, uma escolha. Mas se é uma fatalidade ao avesso - o amor esqueceu de acontecer - aí não tem jeito: faz falta um ombro, faz falta um corpo.
E há aqueles que têm amante, marido, esposa, rolo, caso, ficante, namorado, e ainda assim é um excluído. Porque já ultrapassou a fronteira da excitação inicial, entrou pra zona de rebaixamento, onde todos os dias são iguais, todos os abraços, banais, todas as cenas, previsíveis. Não são infelizes e nem se sentem abandonados. Eles possuem um relacionamento constante, alguém para acompanhá-los nas reuniões familiares, alguém para apresentar para o patrão nas festas da empresa. Eles não estão sós, tecnicamente falando. Mas a expulsão do mundo dos apaixonados se deu há muito. Perderam a carteirinha de sócios. Não são mais bem-vindos ao clube.
Como é que se sabe que é um excluído? Vejamos: você passa por um casal que está se beijando na rua - não um beijinho qualquer, mas um beijo indecente como tem que ser, que torna tudo em volta irrelevante - você inclusive. Se lhe bate uma saudade de um tempo que parece ter sido vivido antes de Cristo, se você sente uma fisgada na virilha e tem a impressão que um beijo assim é algo que jamais se repetirá em sua vida, se de certa forma este beijo que você assistiu lhe parece um ato de violência - porque lhe dói - então você está fora de combate, é um excluído.
A boa notícia: você não é um sem trabalho, sem estudo e sem comida - é apenas um sem-paixão. Sua exclusão pode ser temporária, não precisa ser fatal. Menos ponderação, menos acomodação, e olha só você atualizando sua carteirinha. O clube segue de portas abertas.
(Martha Medeiros)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Feios porém lindos | Martha Medeiros


"As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental". 

Era um poeta maravilhoso, esse Vinicius de Moraes, mas deixou imortalizada uma frase que jamais sairia da boca de uma mulher. Aos feios, as mulheres dão boas vindas, desde que por trás do olho que não é azul e do corpo que não é atlético haja bom humor, inteligência e sex appeal.
Nunca veremos Brad Pitt e George Clooney namorando feinhas, mas já vimos Julia Roberts casar com Lyle Lovatt, um músico que tinha o rosto decorado com crateras, e a estonteante Sharon Stone desfilar com baixinhos barrigudos até contrair matrimônio com um senhor que mais parece um boneco de cêra. Há quem defenda a idéia de que mulheres casam com qualquer um, desde que tenha poder ou dinheiro. Poucas. Não foi o caso de Julia Roberts nem o de Sharon Stone, ricas e poderosas por si só, e também não é o caso de muitas Lucias, Andreas, Cristinas, Danielas, Fernandas e Jussaras anônimas. Mulheres preferem ser amadas do que invejadas.


Essa história de beleza tem a ver com atração, que tem a ver com "a primeira impressão é a que fica", que tem a ver com inícios de relações. Se a garota for um canhão, as chances de conquistar um deus são quase zero (é uma generalização, toda regra tem exceções). Já se o garoto for feio, porém espirituoso, talentoso e auto-confiante, pode descolar o número do telefone da Marisa Monte. Lembrem-se que ela já namorou o Nando Reis, dos Titãs. Alguma coisa ele tem de lindo.



Mick Jagger é raquítico e branquela. Gerald Thomas é raquítico, branquela e usa óculos. Woody Allen é raquítico, branquela, usa óculos e está quase careca. Apesar desse quadro de horror, sei de muita mulher que não os expulsariam da sua cama. Será que elas nunca ouviram falar em Mel Gibson, Antonio Banderas, Pedro Bial? Elas nunca ouviram falar é que beleza garanta o conteúdo.

Mulher tem faro, não se contenta com a embalagem. É bem mais comum ver uma mulher linda acompanhada de um homem aparentemente sem graça do que o contrário. Não é (só) porque a concorrência é implacável e nos contentamos com o que sobra. É porque mulher tem raio-x: consegue olhar o que se esconde lá dentro. Se além de um belo coração e um cérebro em atividade ele ainda for apetecível, é lucro. Pena que a recíproca raramente seja verdadeira. Economizaríamos fortunas em cabeleireiros e academias se os homens fossem direto ao que interessa, na alma e no espírito, para os quais não adianta maquiagem.



Martha Medeiros

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Fora de mim | Martha Medeiros

“Passei a ocupar meus dias pensando sobre o que, afinal, é isso que todo mundo enche a boca para chamar de amor, como se fosse algo simplificado: defina em meia dúzia de frases, é fácil querida.
É fácil? Pois a querida não entende como uma palavrinha tão simples formada por apenas duas vogais e duas consoantes pode absorver um universo de sensações contraditórias, diabólicas, insensatas, incandescentes e intraduzíveis. O que é amor? Já tentei explicar a mim mesma e, por mais que tente, jamais conseguirei atingir e essência dessa anarquia que dispensa palavras.”

Esse é um dos muitos trechos marcantes do livro que venho apresentar hoje para vocês. Trata-se do “Fora de mim”, de autoria da renomada escritora gaúcha Martha Medeiros. Ela, que se revelou como expoente da poesia brasileira no final dos anos 80, ganhou popularidade nacional como cronista dos jornais Zero Hora e O Globo, e recentemente com o sucesso estrondoso do romance Divã, adaptado para o teatro e para o cinema.
Fora de Mim foi lançado durante a 56ª Feira do Livro de Porto Alegre, a maior feira do livro a céu aberto da América Latina, e de cara, foi o segundo livro mais vendido de todo evento.
É uma história aparentemente simples, de uma mulher sem nome, que poderia muito bem ser qualquer uma, ou então ser somente mais uma em meio a tantas que sofrem por uma desilusão amorosa. Poderia, mas graças ao inconfundível jeito de narrar de Martha Medeiros, não é. A narradora-personagem o tempo todo tece uma carta ao seu grande amor, seu ex-marido, o seu verdadeiro carrasco nessa guerra de sentimentos que foi o relacionamento entre os dois. Através dessa personagem, Martha Medeiros mais uma vez consegue adentrar profundamente na alma feminina, revelando-a cheia de contradições, de pontos fortes, fracos, incoerentes e intensamente sentimentais; ela lê de forma surpreendente tudo o que uma decepção amorosa pode ocasionar em uma mulher. Aos poucos, a narradora-personagem vai introduzindo elementos que norteiam a visão dos leitores em relação à sua conturbada vida, e esta vai tomando rumos muito surpreendentes. Irão fazer parte também de toda essa trama o simpático homem que ela cumprimentava todas as manhãs no parque, mas que sequer sabia seu nome, e também a atual esposa do seu ex, que, contrariando o óbvio, não se tornará sua inimiga.
Fora de mim sem dúvida vai te deixar fora de si.

Fora de mim / Martha Medeiros. – Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2010. 131 páginas.



Resenha de Vinícius Dill Soares.



terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Pedaços de Mim | Martha Medeiros

Eu sou feito de
Sonhos interrompidos
detalhes despercebidos
amores mal resolvidos

Sou feito de
Choros sem ter razão
pessoas no coração
atos por impulsão

Sinto falta de
Lugares que não conheci
experiências que não vivi
momentos que já esqueci

Eu sou
Amor e carinho constante
distraída até o bastante
não paro por instante


Tive noites mal dormidas
perdi pessoas muito queridas
cumpri coisas não-prometidas

Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
pensei em fugir,para não enfrentar
sorri para não chorar

Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
amizades que não cultivei
aqueles que eu julguei
coisas que eu falei

Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
lembranças que fui esquecendo
amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo. 

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Strip-Tease | Martha Medeiros



Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum. Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer. Seria sua primeira vez. Já havia roído as unhas de ambas as mãos. Não podia mais voltar atrás. Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta, não levou mais do que dois segundos para atender.
Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis. Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou. Ele perguntou o que poderia fazer por ela. A resposta: sem preliminares. Quero que você me escute, simplesmente.
Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.
Primeiro tirou a máscara: 'Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto'.
Então ela desfez-se da arrogância: 'Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história.'
Era o pudor sendo desabotoado: 'Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou'.
Retirava o medo: 'Eu não sou melhor ou pior do que 
ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei'.
Por fim, a última peça caía, deixando-a nua
'Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui'.
E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca."























P.S. Se passar por uma situação parecidadeclare-se! Não tenha medo de expor seus sentimentos. O amor não pode ser vencido pelo medo. E, se a pessoa não corresponder, tenha paciência. A vida vai trazer para sua vida o que for melhor para você.

"Os ventos que às vezes tiram algo que amamos, são os mesmos que trazem algo que aprendemos a amar…"


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