por Rafael Moreno
Já é dia 24, Mari, e eu estou longe de vocês. É dia 24 e tenho o rosto enfiado na janela, espiando os edifícios à minha frente. São várias luzes acesas, onde vejo famílias reunidas ao redor de uma mesa. Nessas mesas, Mari, eu vejo muita comida, Coca-Cola, vinho, salgadinhos, sanduíches, queijos, presuntos. Atrás dessas mesas, Mari, vejo árvores de Natal. Com presentes, com luzes que piscam, com enfeites. Já é dia 24, Mari, e eu estou longe de vocês. Fecho os olhos e deixo de espiar por uns segundos as salas do outro lado da rua. Fecho os olhos, Mari, e olho para a nossa sala. A sala do nosso apartamento em Casa Forte. Estamos nós dois, estão mainha e Tuca. Estamos os quatro sentados na cozinha, beliscando coxinhas e melando torradas em algum patê. Bebemos cerveja, eu e Tuca. Bebem vinho, vocês duas. Nossa mãe está feliz como em todos os domingos em que junta os filhos, mas hoje está um pouco mais feliz, porque é uma noite especial. É dia 24, Mari. A gente janta, com cuidado para não encher demais a barriga, porque depois ainda tem a casa de vovô, com painho e os dois bilhões de tios e primos. Depois de comer, seguimos pra árvore de natal, que tem uma decoração nova a cada ano, com coisas do mundo inteiro. Anjinhos, bolinhas, Papais Noel em miniatura, bengalas e luzes que piscam o tempo inteiro, inclusive durante o dia. Fecha os olhos também, Mari, e tenta lembrar da música que tem as luzes da nossa árvore. Nossa mãe está feliz, Mari, entregando os presentes, recebendo os presentes, explicando os presentes. Tuca como sempre compra algo para cada um e, como sempre, abraça mainha como se ainda fosse criança, quase tão feliz quanto ela. Nossa mãe está sorrindo, Mari, tentando esquecer que é mais um natal que passa longe dos pais e dos irmãos, que estão em Fortaleza, São Paulo e Brasília. É o primeiro natal que passo longe dos meus pais e dos meus irmãos, Mari. Por isso tenho o rosto enfiado na janela.
Como seria esse natal? Será que Tuca compraria presente pros três? Será que mainha compraria o mesmo pra mim e pra ele, no eterno esforço de não causar ciúmes em dois filhos que têm a mesma idade? E tu, Mari, teria passado o dia fuçando as embalagens, tentando descobrir o que cada um vai ganhar? Agora, depois do jantar, vamos os filhos para a casa de vovô, onde tudo continua bem parecido também: os tios e primos gritam o nome de algum tio ou primo quando alguém começa o amigo secreto dizendo "A minha amiga secreta..."; a mesa redonda com um milhão de comidas me vai encher a barriga e me impedir de tomar muita cerveja, empachado; os presentes, depois de dados, ficarão em cima dos sofás da sala ou dentro dos carros que chegaram cedo e conseguiram vaga no jardim. Mas sabe de uma coisa? Eu não me divirto mais na casa de vovô desde que vovó não distribui mais os seus presentes, do lado da árvore, com as sete tias repetindo o que ela fala. Rudrigo! Cadê Rudrigo? Presente de vovó para Rudrigo! Rudrigô! Eu não me divirto mais. No último ano, empachado, voltei cedo pra casa. Saí em silêncio e me sentindo culpado. Acontece que simplesmente não conseguia mais me divertir com aquela árvore cheia de enfeites e presentes, mas vazia sem vovó. Voltei cedo pra casa e, por sorte, painho também. Ficamos os dois conversando na varanda. Com certeza ele sente mais a falta dela do que eu e também não quis esperar a noite terminar. Ficamos na varanda, pai e filho conversando sobre qualquer coisa.
Como eu não tenho mais varanda, Mari, tenho o rosto enfiado na janela.
18 comentários:
porra rafa. tá lindo.
André Muhle
coincidencia ou nao, tambem fiquei com o rosto enfiado na janela, imaginando cada um desses momentos que voce descreveu. saudades danada de voces.
Foda. Talvez seja assim comigo em 2011... apesar de que no natal desse ano eu tava na janela também, do avião, indo te visitar, e sem achar a menor graça no natal!
Texto lindo, mora...
Abraço!
Vixe, marejei os olhos. Já estive londe um ano e hoje em dia sinto uma falta feito essa da tua avó. Parabéns.
porra rafa. caralho.
Chorasse, Mari?
Tu me emociona até com natal fora de época, rafa.
saudade, luba-luba
Esse era o texto que tanto fiquei curiosa, o texto que tu descreveu direitinho no dia 1 no caminho pro parque, parado no posto esperando as meninas. Lindo rafa, fiquei td besta aqui...uma manteiga!
Manu Tosca
Assim não vale, não.
oxi...
amo tu.
Rafa, tira a cara da janela e vai tomar umas três talagadas de aguardente, ouvindo o velho Lua...esse lado mais dramático eu nao conhecia! parabéns pela incrível sensibilidade
Artur M.
As vezes é melhor dormir pra esperar o dia recomeçar e criar a falsa sensação de que tudo pode ser diferente, talvez será, quem sabe..
rafa, tu conseguisse fazer meu coração pular da boca. meu natal foi muito parecido com o teu. aliás, todos foram, os antigos e o último, inclusive.
Poxa Moreno fiquei pensando na tua mãe e imaginando o próximo Natal no Canário. Talvez, Deus queira que não, dois dos meus filhotes não estejam comigo.
É sempre bom passar por aqui. Beijo grande e sucesso.
Natal já me deixa triste... e esse fora de época então... mas me fez lembrar muito dos meus "Natais" em família... com minha voinha ainda, Graças a Deus!
Lindo texto!
Chorei, Mora! Lindo demais!
nossa, lembrei da minha infancia!
E mais, tambem nao tenho mais varanda.
Lindo mesmo!
tocou-me.
Rafa.. costumo ler teus textos, mas nunca deixo um comentário aqui. Sempre penso "esse ficou massa" ou coisa do tipo, mas agora tive que me pronunciar.
Ficou lindo, de verdade. Vovó faz uma falta danada, de verdade. Mas o Natal de lá continua mágico. Eu conto os dias p/ chegar aquela zona toda do amigo-secreto-roubado de 38 pessoas (devido às ausências atuais) e todo ano eu repito 1000x 'eu amo o natal da casa de vovó'. Pois é, da casa de vovó. Mesmo sem ela presente fisicamente é impossível não sentir a herança dela na casa, nas festas e em cada um da gente. E é por isso que no Natal, quando junta quase todo mundo, é uma explosão de vovó. Eu sinto isso. É bom que deixa menos saudades. ;)
Se cuida!! Beijos,
Carol Roichman
Eu chorei tanto ao ler seu post. E na hora que li só me veio a minha irmã na cabeça... que vontade de estar perto....
Postar um comentário