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20/07/2012

Como o xisto negro absorve o calor...

...também eu tenho essa estranha propriedade. Acumulo calor todo o dia; não preciso apanhar sol directamente na pele, basta-me a temperatura do ar. Aqueço e acumulo. A minha pele, muito branca, ganha um tom avermelhado. Mais cor-de-rosa do que avermelhado, para dizer a verdade. E à noite o vento sopra perto do rio como uma bênção que a cada 5 segundos, em ondas, em vagas, vem acalmar-me o calor que sinto na pele. E eu destilo esse calor acumulado. Muito depois dos que me acompanham vestirem casaquinhos para esconder a pele arrepiada, eu continuo a emanar calor.
Esta anomalia tem algum conforto se eu pensar que sou como o xisto do qual falo todos os dias, no trabalho...
Da janela onde estou vejo o céu negro, tão negro que não se percebe onde acaba o monte e começa o céu, excepto pelo pormenor de que no monte há luzes amarelas a pontuar os caminhos dos homens e no céu todas as luzes brancas parecem ter fundido. Hoje não há caminhos celestiais iluminados...
Vejo uma esplanada onde já me sentei milhões de vezes, há anos, há eternidades, quando eu ainda não era Eu. Não invejo os que lá estão neste momento, felizes ignorantes daquilo que eu sei, que já vi, que doí. Há vozes e sons mas não invejo nada nem ninguém. Estou à janela, com as dores musculares que ganhei à custa do meu esforço, a ouvir músicas que compreendo, e cheira-me que vou ficar assim até o rabiosque ficar dormente!
Estou tão zen, tão contemplativa, que o Alberto Caeiro havia de estourar de inveja porque ao menos eu não tenho o rebanho para me chagar a cabeça.

02/02/2012

Na terra onde moro...

Na terra onde moro não há semáforos. Há casas centenárias, degradadas como assombrações, e há prédios medonhos que vão surgindo para lhes fazer sombra. Há ruas de paralelo irregular que nos massacram os pés e a suspensão do carro, e onde escorregamos nos dias de chuva. Há pessoas iguais na rua. Todos os dias iguais. Todos os dias vestidas com a mesma cor. Pessoas que cumprimento e a quem dou os bons-dias sem saber, às vezes, como se chamam. Há senhoras idosas que ficam encostadas à porta, a ver quem passa... e eu sinto-me, às vezes, envergonhada por passar, em passo rápido, jovem e tresloucada, e fingir que não as vejo. Há homens idosos que caminham curvados e devagar. Há um senhor muito velhinho, que caminha lentamente, costuma andar de sobretudo, mãos atrás das costas e um cachimbo entalado entre os dentes, a soltar nuvens de fumo perfumado, que incomodam quem passa por ele. Eu acho-lhe graça.
Na terra onde moro, as ruas ainda ficam silenciosas e desertas nas noites de Inverno, e ruidosas e lotadas nas noites de Verão. Os cães vadios são alimentados por donas de casa aborrecidas ou por homens do talho simpáticos.
É uma terra rodeada de aldeias, de onde descem pessoas castiças nos dias de feira e mercado. Aldeias que são manchas coloridas no meio das encostas, com chaminés altas de onde se desprendem fios de fumo branco nos dias frios ou nos dias Santos, quando se faz carne assada nos fornos ancestrais.
Na terra onde moro, as estações têm a sua própria cor. A Primavera é verde. Verde-vivo, verde-luxuriante, verde tão verde que até cansa. O Verão é abafado, com o verde convertido numa tonalidade mais seca que se confunde com os amarelos crestados das ervas rasteiras. O Outono é castanho e dourado e vermelho e cor-de-rosa! O Inverno tem o negro da terra devastada e húmida, o castanho lamacento do rio na cheia e o amarelo das mimosas que começam a sorrir quando a Primavera está próxima.
A terra onde moro é a terra onde vivo. E acho que não saberia viver noutro sítio!

30/03/2010

Tudo por causa da luz da tarde

Os últimos dias têm sido singulares... Ora faço uma aula de combat no ginásio e me sinto eufórica e invencível, ora vou comer uma francesinha com a minha mãe e a minha irmã e o ambiente ruidoso do restaurante, com gente a entrar e a sair, faz-me ter um ataque de agorafobia como já não tinha há muito...
A mãe foi embora hoje. Ainda está fresco. Ainda como a comida que ela fez e as coisas permanecem no sítio onde ela as colocou, mas amanhã já não vai ser assim...
Saí do trabalho há pouco e, por a hora ter mudado há 2 dias, ainda sinto aquela novidade de sair e ainda estar sol. Aquele sol frio, mas claro e envolvente.
Esta é uma tarde de esperanças. Porque é em tardes de sol como este (com mais calor, certo, mas com uma luz igual) que eu gosto de sair, e toda a gente parece mais viva e mais bonita, e há actividade em todo o lado. Tardes de sol como esta lembram-me os bailes de verão, o cheiro do algodão doce, a música, a gente toda na rua, as festas da terra, as férias da gente que tem férias em Agosto (que não é o meu caso), o cheiro da água das piscinas, os gelados, os risos.
É uma tarde de esperanças por uma superação, uma alegria maior, uma realização e um sentimento de plenitude que nos faça sentir que vale a pena andar cá, que o mundo é um sítio bonito e que nós, pessoas, somos também seres maravilhosos.
Estas tardes não ficam contidas no seu tempo, elas projectam-se muito para a frente, porque eu tenho a certeza que, num futuro próximo, numa tarde como esta, eu estarei a ser feliz.

26/03/2010

Sangue Plebeu, de Pina de Morais

Acerca das vinhas e dos homens do Douro:
"Tão bem granjeada é (a videira), que se costuma dizer:
- Só falta dar-lhe galinha...
As bagadas de suor são tantas como as gotas de vinho colhido. A videira sustenta-se, metade da terra, metade da vida do cavador.
O mar, esse, mata por uma vez; a terra vai sugando dia a dia a vida dos que a granjeiam. O duriense é um abismo insondável de resignação. Nunca ouvi pragejar à terra. Ao mar vai-se num desafio, à terra para uma expiação."
Estes textos lembram-me do avô...

10/03/2010

Visita à Invicta

Mal entrei no comboio, deu-me vontade de escrever. Não tinha o computador comigo. Nem sequer um mísero bloco... Então agarrei em alguns talões do multibanco que, dadas as circunstâncias, teriam que servir...


"Estações de Comboio são lugares admiráveis. É sempre comovente ver os que partem serem acompanhados pelos que ficam. Tristeza de uns, saudade de outros. Ou então alegria e inveja, respectivamente. Os momentos antes da chegado do comboio, de excitação. O ar que se respira frio e novo. Depois, o embarque, a confusão. Tomados os lugares, o clímax: o acenar, os últimos sorrisos atirados. Mulheres que acenam aos maridos, jovens militares que se despedem das namoradas como se estivessem prestes a embarcar para África, novamente. E, depois, o momento em que a carruagem arranca, invertendo tudo: um momento de protagonismo na linha central da estação, por um comboio anónimo a circular num linha perdida no meio de nenhures. E as pessoas, amadas e olhadas com olhares amantes lá de fora, de repente convertem-se em estranhos partilhando a mesma carruagem e o mesmo ar.

Era aquele o momento que mais me doía e prolongava-se um pouco, enquanto o comboio percorria a cidade. E depois afastava-se. Até que, numa curva do monte, deixava de se ver completamente. Aí era o vazio. Só o rio permanecia visível. O rio que era como um fio que eu sabia que ia dar à minha terra. À minha casa."

Este post é para a Quelinha; motivo da minha visita e companhia em tantas viagens iguais.

25/02/2010

Manhã chuvosa no Douro


Hoje o dia foi cinzento... Chuviscou um bocado e, em geral, esteve bastante nublado o dia todo...
E eu fiquei durante uns bons minutos parada a contemplar o efeito do sol por entre as abertas das nuvens... De espaço a espaço, o algodão espesso abria-se, deixando entrever uma nesga de céu um pouco mais limpo, por onde o sol espreitava. E, olhando para os socalcos verdes e castanhos, via-se claramente aquela mancha irregular de luz forte. Como se tudo à volta fosse cinzento e pesado e apenas aquele ponto tivesse sido poupado à escuridão, por uma qualquer piedade divina.
Mas havia vento, e as nuvens deslocavam-se. E, com elas, essas manchas luminosas. Então detive-me longo tempo a observar como aqueles pedaços de sol-e-luz-e-calor viajavam do alto do monte, e desciam atravessando vinhas, oliveiras, casas... E continuavam a descer, chegando finalmente ao rio, castanho e lamacento, das cheias. A cor castanha desaparecia então, e assumia um tom verde musgo. Apenas um pedaço, apenas o tamanho da janela aberta no céu. E a mancha luminosa continuava a viajar. Aproximou-se de mim. E envolveu-me também. Fiquei ofuscada por momentos. Quis olhar para cima, para ver o sol, tão tímido, tão resguardado, mas cegou-me. Em menos de nada, a mancha passou e ficou frio outra vez e fiquei novamente rodeada de cinzento. Mas já outra mancha descia o monte e o ciclo repetiu-se. Foi uma manhã linda.

20/09/2009

A morte de uma cepa

Esta semana fui ajudar na micro-vindima da minha avó. Micro porque, desde que a auto-estrada foi construída, a vinha, que até era razoável, ficou dividida em duas pequenas migalhas de terra...
Andávamos na faina quando a minha tia tropeça numa cepa que crescia solitária, num cantinho junto do muro...Tinha ar quase de ter brotado espontaneamente, afinal quem haveria de se lembrar de plantar uma cepa junto ao muro, que é caminho por onde passamos?? Além disso, pela falta de condução, em vez de se erguer direita do chão, ela arrastava-se pela terra, rasteira... Passei por ela, tropecei mas nem fiz caso... A minha tia, quando tropeçou, soltou uma imprecação, resmungou que aquela cepa já há muito deveria ter sido arrancada e, baixando-se, agarrou-a com força e partiu-a à altura do solo.
Aquele som estalado da lenha seca a quebrar, arrepiou-me. E ver aquele buraquinho no chão, com o pé e a raíz ainda enterrados no solo, sem nada mais para alimentar, partiu-me o coração.
Talvez, por ser do Douro, tenha uma veneração especial pelas cepas e as videiras... Talvez, se tivesse sido um pessegueiro (porque eu nem gosto muito de pêssegos) não me fizesse tanta aflição. Mas ver aquela cepa ser decepada (aliteração interessante...) chocou-me profundamente.