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segunda-feira, 30 de junho de 2014

Livraria do Desassossego (2)



O escritor e editor norueguês Christian Kjelstrup, à semelhança do que fez em Oslo, e de que dei conta aqui, vai ter um espaço cedido pela loja A Vida Portuguesa, de Catarina Portas, na Rua Anchieta, 11, em Lisboa, entre os dias 2 e 6 de Julho, onde venderá exclusivamente o Livro do Desassossego de Fernando Pessoa/ Bernardo Soares. No último dia desta iniciativa, a Casa Fernando Pessoa promoverá um serão de festa, poesia, cinema e música, com entrada gratuita, e actuações de Maria do Céu Guerra, Diogo Infante, Rogério Godinho, Mafalda Arnauth e João Afonso. Mas o ideal para ler tudo o que Christian Kjelstrup nos tem a dizer sobre o sucesso desta sua iniciativa, tanto na Noruega como a que agora espera para Lisboa, será seguir a página que abriu há poucos dias no Facebook – Livraria do Desassossego.

Aproveito para informar que Christian Kjelstrup é um dos convidados para o Colóquio "Fernando Pessoa's English Poetry", que se realiza no dia 3 de Julho no auditório da Casa Fernando Pessoa.  Entrada livre.




© Maria Paias

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Fernando Pessoa/ Bernardo Soares, "Viver..."



Viver uma vida desapaixonada e culta, ao relento das ideias, lendo, sonhando, e pensando em escrever, uma vida suficientemente lenta para estar sempre à beira do tédio, bastante meditada para se nunca encontrar nele. Viver essa vida longe das emoções e dos pensamentos, só no pensamento das emoções e na emoção dos pensamentos. Estagnar ao sol, douradamente, como um lago obscuro rodeado de flores. Ter, na sombra, aquela fidalguia da individualidade que consiste em não insistir para nada com a vida. Ser no volteio dos mundos como uma poeira de flores, que um vento incógnito ergue pelo ar da tarde, e o torpor do anoitecer deixa baixar no lugar de acaso, indistinta entre coisas maiores. Ser isto com um conhecimento seguro, nem alegre nem triste, reconhecido ao sol do seu brilho e às estrelas do seu afastamento. Não ser mais, não ter mais, não querer mais… A música do faminto, a canção do cego, a relíquia do viandante incógnito, as passadas no deserto do camelo vazio sem destino…

Fernando Pessoa/ Bernardo Soares, in Livro do Desassossego

(13/6/1888 – 30/11/1935)

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Rainer Maria Rilke, Day in Autumn



After the summer's yield, Lord, it is time
to let your shadow lengthen on the sundials
and in the pastures let the rough winds fly.

As for the final fruits, coax them to roundness.
Direct on them two days of warmer light
to hale them golden toward their term, and harry
the last few drops of sweetness through the wine.

Whoever's homeless now, will build no shelter;
who lives alone will live indefinitely so,
waking up to read a little, draft long letters,
and, along the city's avenues,
fitfully wander, when the wild leaves loosen.
Rainer Maria Rilke
(tradução de Mary Kinzie)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Natália Correia, Da clara à negra ciência



Uma laranja cai
E o chão impede
Que ela infinitamente caia.
Impedimento
Ou o invento
De uma ciência
Que já foi gaya
E agora é triste-
mente astronómica.
Raios a partam
A bomba atómica!

Natália Correia, in Poesia Completa, Dom Quixote, Lisboa, 1999

Nota: lembrei-me deste poema para assinalar os 68 anos que decorreram desde o lançamento da bomba atómica sobre Hiroshima (6/08/1945)

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Fernando Pessoa/ Ricardo Reis, "Não só quem nos odeia ou nos inveja"



Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.

Que os deuses me concedam que, despido
De afectos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.

Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.

Fernando Pessoa/ Ricardo Reis, Odes

(13/06/1888 – 30/11/1935)

sábado, 27 de abril de 2013

Fernando Pessoa/ Alberto Caeiro, "Quem me dera..."



Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando…

Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E as lavadeiras estivessem à minha beira…

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo…

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse…

Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena…


Poema XVIII de O Guardador de Rebanhos 




terça-feira, 19 de março de 2013

Rameau, Rondeau des Indes Galantes


Fernando Pessoa/ Alberto Caeiro, "Se eu pudesse..."



Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma cousa para trincar
Seria mais feliz um momento…
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural…
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva…

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
Assim é e assim seja…

(Poema XXI de O Guardador de Rebanhos)

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Fernando Pessoa, "A ciência de vencer"


Estão cheias as livrarias de todo o mundo de livros que ensinam a vencer. Muitos deles contêm indicações interessantes, por vezes aproveitáveis. Quase todos se reportam particularmente ao êxito material, o que é explicável, pois é esse o que supremamente interessa à grande maioria dos homens.
A ciência de vencer é, contudo, facílima de expor; em aplicá-la, ou não, é que está o segredo do êxito ou a explicação da falta dele. Para vencer – material ou imaterialmente – três coisas definíveis são precisas: saber trabalhar, aproveitar oportunidades e criar relações. O resto pertence ao elemento indefinível, mas real, a que, à falta de melhor nome, se chama sorte.
Não é o trabalho, mas o saber trabalhar, que é o segredo do êxito no trabalho. Saber trabalhar quer dizer: não fazer um esforço inútil, persistir no esforço até ao fim, e saber reconstruir uma orientação quando se verificou que ela era, ou se tornou, errada.
Aproveitar oportunidades quer dizer não só não as perder, mas também achá-las. Criar relações tem dois sentidos – um para a vida material, outro para a vida mental. Na vida material, a expressão tem o seu sentido directo. Na vida mental, significa criar cultura. A história não regista um grande triunfador material isolado, nem um grande triunfador mental inculto. Da simples “vontade” vivem só os pequenos comerciantes; da simples “inspiração” vivem só os pequenos poetas. A lei é uma para todos.

Fernando Pessoa in Teoria e Prática do Comércio