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domingo, 27 de agosto de 2023

Quarta-feira, depois do almoço

Foi na Quarta-feira, depois do almoço, que morreu a K. aos 94 anos. Na Quinta-feira à noite recebi o e-mail da minha vizinha onde me dizia que decerto eu já tinha ouvido da sua morte, mas eu ainda não sabia. Eram melhores amigas não porque tivessem sido melhores amigas, mas porque as duas eram as últimas sobreviventes do seu círculo de amizades. Agora resta apenas a minha vizinha que está triste por ser a última, mas o plano é chegar aos 100 anos porque um vizinho lhe deu uma garrafa de vinho caro e ela quer bebê-la na celebração--falta ano e meio.

Os últimos meses foram difíceis. Costumavam telefornar-se diariamente, mas a K. já estava esquecida e contava à minha vizinha coisas que ambas sabiam porque as tinham vivido. A minha vizinha ficava frustrada e dizia não saber o que se passava, que estava preocupada com a amiga. Já para o fim, a K. queria falar com ela, mas ela não sabia se a devia ir ver porque, há muitos anos, alguém das relações delas estava a morrer e a K. não achava bem que fossem visitar a pessoa. Para tentar resolver o impasse, disse-lhe que obviamente que tinha de ir, dado que a K. a queria ver.

A última visita correu bem, falaram quase 45 minutos e a K. estava lúcida, mas com bastantes dores e durante o tempo inteiro não se tinha mexido. Inquiri do porquê de não a mudarem de posição, dado que estando deitada ia ficar com feridas no corpo. "Rita, não interessa se ela terá feridas ou não. Ela já não vai melhorar." respondeu-me. A K. estava pronta para morrer, dizia que queria paz. Quando se despediram, a minha vizinha agradeceu à K. a sua amizade, ao que ela retorquiu "You're welcome." Riram-se porque era uma resposta tipicamente à K. Qualquer outra pessoa teria reciprocado o sentimento, mas ela não estava para essas coisas.

Quando conheci a K. e ela soube que era de Portugal, declarou-se a fã número um do António Lobo Antunes. Adorava os seus livros e já os tinha lido várias vezes--era uma leitora voraz. Também gostava muito de José Saramago, especialmente do livro "All the Names" ("Todos os Nomes"), que a vi mencionar a várias pessoas. Por sugestão dos leitores da DdD, recomendei-lhe os livros do Gonçalo M. Tavares que comprou imediatamente e leu. O último livro que lhe sugeri foi "Empty Wardrobes" (Os Armários Vazios") da Maria Judite de Carvalho: assim que lhe falei dele foi à Amazon e encomendou.

Eu e ela partilhamos o mesmo dia de aniversário, mas com 43 anos de diferença. No ano em que nasci, calhou o nosso aniversário ser à Quarta-feira, e eu apareci depois do almoço.

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Leituras de verão, etc.

Em Junho, quando fui passar uma semana ao Texas, calhou ouvir na ida o podcast The Literary Life, que tinha uma entrevista com a Anne Berest acerca do seu livro novo, de título "The Postcard", dado que a tradução americana acabou de ser publicada nos EUA. Adorei a entrevista e, quando passei por Houston, aproveitei para ir à Livraria Brazos, uma livraria independente, comprar uma cópia. A Anne Berest é de ascendência judia e o livro relata muito do que aconteceu à sua família durante a Segunda-Grande Guerra Mundial e o período que a antecedeu, mas também tem coisas mais recentes.

Não sei se posso classificar isto de coincidência, mas na Segunda-feira de Juneteenth, uma das minhas amigas insistiu em passar pelo Museu do Holocausto e Direitos Civis de Dallas. Apesar de eu já ter visitado várias vezes o Museu dos Direitos Civis de Memphis, que fica no Motel Lorraine, onde o Martin Luther King, Jr. foi assassinado, nunca tinha ido a um Museu do Holocausto para ver uma colecção permanente porque sempre achei que iria ser demasiado triste. Tinha ido só ao Museu do Holocausto de Houston quando mostraram o filme sobre o Aristides Sousa Mendes, mas só para ver o filme e a palestra que se seguiu. (Valia bem a pena fazer uma versão nova deste filme. É um projecto que calharia bem na Netflix.) Reticentemente, acedi a ir com a minha amiga.

O museu de Dallas está mais focado para a parte do que aconteceu politicamente e militarmente na Europa, numa visão mais macro. Não há muitas histórias de pessoas específicas, mas há uma instalação em que podemos entrevistar um sobrevivente dos campos de concentração através de um holograma da pessoa. Isto porque entevistaram os sobreviventes e fizeram 1000 perguntas a cada um. Depois quando fazemos uma pergunta, há um algoritmo que selecciona a parte do seu testemunho que serve melhor de resposta.

A sobrevivente que nos calhou era uma senhora que foi violoncelista e tinha tocado na orquestra do campo de concentração -- foi isso que a salvou. Tinha uma disposição muito pragmática e era uma pessoa muito directa. Uma das perguntas que lhe fizeram foi o que ela diria a pessoas que negam o holocausto e ela responde que é preciso ser muito estúpido para negar uma coisa que está tão bem documentada. Depois quando visitei Houston decidi ir ao Museu do Holocausto sozinha. Esse museu tem uma perspectiva mais micro e é dedicado à história oral dos sobreviventes que foram para Houston. Também tem uma pequena cabine onde se pode entrevistar um sobrevivente vendo-se a pessoa por um écran.

Não foi planeado, mas tenho dedicado este verão a este tema e terminei o livro da Anne Berest, que tem mais de 400 páginas, muito rapidamente. Talvez agora esteja mentalmente preparada para a obra de Eli Wiesel. E como não vos posso oferecer um livro, deixo aqui a entrevista da Anne Berest. Vale bastante a pena.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

O bem e o mal

Li um livro inteiro a semana passada, o que é bastante surpreendente, dado que leio muito devagar. Era um romance de cordel, ou lá como se chama, e li porque uma amiga minha ficou tão perturbada com o final do livro, que eu fiquei curiosa. De tão entusiasmada que ela ficou, leu-o em cinco horas, de um dia para o outro. Não contabilizei as minhas, mas foram muitas mais. Por várias vezes, pensei em que raio estava a ler. Para quê tantas páginas para dizer tão pouco, um crime do qual também me podem acusar, mas perseverei para ver se acabava aquilo e matava a minha curiosidade. 

Agora constato que os outros que leio em paralelo e levo imensas semanas, até meses e anos, a ler vão lentamente porque não quero que acabem -- é como os sacos de bombons que o meu tio me trazia da Holanda e que eu auto-racionava disciplinàdamente: só podia comer um depois do almoço e outro depois do jantar. Isto durava até a minha irmã comer os dela e prosseguir com os meus, menos de 48 horas, portanto. 

Contrariamente aos bombons, os meus livros são de difícil digestão para os outros e até o meu preferido, uma coisita pequena (A Devil in Paradise de Henry Miller), a minha amiga não consegue ler, apesar de ter tentado. Não tem interesse para ela, confessa, e eu digo-lhe que alguns daqueles parágrafos são tão lindos que uma pessoa fica ali perdida especada a admirá-los. É por isso que eu sou lenta.

Nas mais de 370 páginas deste livro, encontrei apenas um excerto que achei memorável e prossegui a sublinhá-lo:

"I think about how sometimes, no matter how convinced you are that your life will turn out a certain way, all that certainty can be washed away with a simple change in tide."

~ Colleen Hoover, It Ends with Us  

O fim deste livro é, para mim, satisfatório e a história acaba por ser uma espécie de fábula de moralidade sobre pessoas sem-abrigo e violência doméstica. Não, não deixem os vossos preconceitos iludir-vos: o sem-abrigo é na realidade o cavaleiro da história e o príncipe acaba por se tornar em sapo, apesar dos muitos beijos da heroína e parece que até eram beijos bons, daqueles molhados, cheios de emoção. Um desperdício. 

Quando cheguei à página 208, escrevi um SMS à minha amiga a dizer onde estava e o facto de não perceber que coisa estava a ler. Páginas antes, houve um incidente violento entre a princesa e o príncipe, que me pareceu um bocado forçado na história, mas não dava para perceber se tinha sido acidental ou ilustrativo de um comportamento endémico no príncipe. 

Umas páginas mais tarde, o tal príncipe disse à heroína "I'm so excited to be your husband, I could piss my damn pants." e isto, na minha cabeça, é um momento "Foda-se!" Enviei mais outra mensagem: "I could never marry anyone who spoke like that about marrying me. I would not even date them -- too vulgar..." Tenho de inserir uma declaração de interesses aqui: uma vez saí com uma pessoa que a primeira vez que falámos ao telefone atendeu com "Hey, babe!" e digamos que foi o princípio do fim. 

Bem, mas então qual a originalidade de tudo isto? A autora inseriu episódios de violência doméstica na história que tinham acontecido entre a mãe e o pai. O primeiro, o tal que achei forçado, foi um desses. Há uma certa duplicidade, mas a heroína começa logo a suspeitar que, se calhar, são o início de um ciclo, o que se veio a demonstrar. 

O final é o divórcio, decidido após o nascimento da filha, em que há uma conversa entre o casal e a esposa diz ao marido que quer o divórcio. Para justificar esta escolha,  ela pergunta ao marido o que faria se aquilo tivesse acontecido à filha. Ele admite que, um dia, se a filha lhe relatasse que tinha um marido que a tratasse assim, ele a aconselharia a separar-se. E foi esta conversa que incomodou a minha amiga porque ela achava que estes dois se amavam, logo deveriam ter ficado juntos -- o tal final feliz à americana. 

Do meu ponto de vista, o final representa uma reabilitação da imagem do pai da autora, o tal que era violento com a mãe e que chegou a ter conversas com a filha acerca do porquê da violência -- ele era alcoólico. Os episódios foram de tal forma traumáticos que, quando a autora se ia casar, disse ao pai que seria o padrasto a acompanhá-la ao altar, em vez do pai. O pai concordou e disse que achava que era justo, dado que o padrasto tinha verdadeiramente assumido o papel de pai, em todos os aspectos. 

Fica-nos então que estas pessoas que cometem actos maus podem também cometer actos bons e que os actos em si são mais o produto do contexto, do que da natureza das pessoas. Nesse caso, as vítimas têm de ter a coragem de se afastar dos agressores. É uma ideia provocadora, mas nem sempre exequível e nem sequer garantia de que possa haver final feliz. Muitas vítimas que se afastam não sobrevivem.



 

terça-feira, 6 de julho de 2021

685

Hoje terminei de ler The Portrait of a Lady, de Henry James. A versão que li tem 685 páginas e confesso que me assustou imenso começar a ler, pois achei que fosse demasiado maçudo ou que perdesse o interesse a meio. Surpreendentemente, agradou-me bastante. 

Não vou descrever a história, mas há dois pontos que achei muito interessantes e apropriados para os dias de hoje.  O primeiro é uma diatribe de Henrietta Stackpole, uma modernaça americana, acerca do carácter de Lord Walburton, um nobre inglês. Diz ela que o carácter dele é ser dono de metade de Inglaterra, um país que era considerado livre e no entanto ela descreve o contrato social vigente como "ownership of wretched human beings". Para ela, a única coisa de que se deve ser dono são objectos inanimados. 

O livro desenrola-se em finais de 1860 e foi publicado em 1880-81. Note-se que a escravatura foi abolida nos EUA em 1865 (Juneteenth), logo a visão que Henrietta tem dos EUA é muito mais avançada do que a realidade o era. Mas Inglaterra era muito retrógrada, achava ela.

A segunda coisa é mais diáfana e tem a ver com o papel das mulheres na sociedade. A ideia é que uma mulher com dinheiro é livre de fazer o que lhe dá na telha e, no entanto, a personagem principal  que dizia desejar ser livre acaba por fazer escolhas que a limitam cada vez mais, apesar de ter uma situação abastada. O contraste entre o que devia ser e o é é muito interessante.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Contos

Enola Gay, a canção dos Orchestral Manoeuvres in the Dark, foi lançada em 1980 e, nesse ano, passei parte do verão em Lisboa e na Costa da Caparica, junto da minha tia, que se casou. Uma das amigas preparou rissóis e recordo-me de estar na cozinha da senhora e ver o vídeo na TV. Sempre achei que a canção era espectacular, mas na altura não fazia ideia que era sobre a bomba atómica de Hiroshima. Parecia-me feliz, mas não é.

O que foi feliz foi esse verão, em que a minha tia mandou fazer um vestido para mim e outro para a minha irmã, comi caracóis na Costa, e íamos à praia. Numa dessas tardes de praia, havia uma senhora já de idade, vestida de preto, que quando chegámos estava a contar uma história a várias crianças. Era um conto do qual já não me recordo, mas lembro-me de ter gostado e de querer ouvir mais. No dia seguinte, quando chegámos à praia pedi que me contassem uma história, mas ninguém me ligou e nesse dia fiquei sem uma história, o que deixou um certo sentimento de frustração que penso que dura até hoje. 

Talvez uma forma em que essa desilusão se tenha manifestado é o meu interesse pelo género literário "short stories", os tais contos em português. Numa das minhas últimas idas à livraria Burke's, a tal que é uma das mais antigas dos EUA, tendo sido fundada em 1875, e que vende livros novos e usados, encontrei uma preciosidade: uma selecção de "short stories" do Egipto, editada em 1982, pela secção de relações culturais internacionais do Ministério da Cultura do Egipto.

Durante as minhas férias comecei a lê-lo e, na introdução enquadra-se a importância de histórias, contos, fábulas, etc. na tradição árabe. O livro mais famoso de contos é talvez As Mil e Uma Noites, em que uma colecção de histórias é urdida numa história envelope, em que Shaherazade começa a contar uma história nova cada noite que deixa inacabada até à noite seguinte, para cativar o interesse do rei Shariar e assim evitar que ele tome uma noiva nova cada noite, que manda matar de manhã. É desta forma que Shaherazade salva as outras mulheres.

Uma das ideias fulcrais da cultura árabe era a crença de que as mulheres eram mais astutas do que os homens. O Jardim Perfumado, escrito como um manual de sexo e erotismo no século XV, incluía várias advertências e pequenas histórias acerca de como várias mulheres tinham enganado homens e, por isso, convinha aos homens aprender a satisfazer as mulheres, para que elas não sentissem necessidade de os trair. Parece-me bem.  


  

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Ciências da Educação?


FNAC Colombo, repleta de potenciais compradores nesta época natalícia – sendo eu um deles.  Deambulo na livraria, avaliando as ofertas que me são feitas nos expositores. A dada altura, deparo com o sector das “Ciências da Educação”. Isto interessa-me. Vejo os livros expostos. Atente-se nos títulos de apenas alguns (omito deliberadamente nomes de autores). Livro de Reclamações das Crianças, Educar com um Sorriso, Deixe-o Crescer ou o seu Filho será um Bonsai em vez de uma Árvore Forte, Adolescer é Fácil 3 # Só que não, Porque (sic) não Largas o Telemóvel e Aprendes Qualquer Coisa para Variar? No expositor ao lado encontrava-se, como por acaso, o livro Inteligência Emocional, de Daniel Goleman, numa edição da Bertrand de 2010.

Nada tenho contra os livros que referi – apenas me confrange que eles apareçam como sendo livros que caibam no sector reservado para as ciências da educação. Será que pessoas responsáveis pensam mesmo que as ciências da educação dão cobertura a tudo o que se escreve sobre educação? E mais não digo.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

As que irritam

“A seriedade intelectual de Natália [Correia] levava-a a não omitir erros (injustiças, desvarios) cometidos pelos que lhes eram próximos. Não hesitou, por isso, em distanciar-se, no ano de 1975, da (sua) esquerda, de demarcar-se do feminismo que, na Primeira República, levou as mulheres a apoiarem Afonso Costa na trágica decisão de atirar Portugal para o matadouro da Primeira Guerra Mundial.

«Incompreensível essa atitude, sobretudo por parte de vultos como Ana de Castro Osório, que criou a Comissão Feminina pela Pátria, ou como Adelaide Cabete que lançou a Cruzada das Mulheres Portuguesas em apoio de tamanha infâmia! E isso depois de Afonso Costa ter impedido as mulheres de votar, uma vergonha! Elas comportaram-se, afinal, de maneira não muito diferente da das senhoras do Movimento Nacional Feminino, que actuaram nas guerras coloniais do fascismo».

A seu lado, o historiador Oliveira Marques sorria. Saltando sobre o tempo, logo Natália investia contra as mulheres que, em cargos de decisão, «se comportam hoje pior do que os homens», ultrapassando-os no que eles «têm de mais brutal».
Em vez de «praticarem a superioridade do feminino, como a afectuosidade, a sensibilidade, não, parecem travestis! Vejam-se, por exemplo, as atitudes implacáveis das que dirigem departamentos de recursos humanos em empresas com processos de despedimentos de trabalhadores. Grotescas!» As «carpideiras do vitimismo feminino» irritavam-na igualmente.”

Excerpt From: Fernando Dacosta. “O Botequim da Liberdade.” Apple Books. https://books.apple.com/us/book/o-botequim-da-liberdade/id703484323

sábado, 21 de julho de 2018

Four great motives

I think there are four great motives for writing, at any rate for writing prose. They exist in different degrees in every writer, and in any one writer the proportions will vary from time to time, according to the atmosphere in which he is living. They are:

(i) Sheer egoism. Desire to seem clever, to be talked about, to be remembered after death, to get your own back on the grown-ups who snubbed you in childhood, etc., etc. It is humbug to pretend this is not a motive, and a strong one. Writers share this characteristic with scientists, artists, politicians, lawyers, soldiers, successful businessmen — in short, with the whole top crust of humanity. The great mass of human beings are not acutely selfish. After the age of about thirty they almost abandon the sense of being individuals at all — and live chiefly for others, or are simply smothered under drudgery. But there is also the minority of gifted, willful people who are determined to live their own lives to the end, and writers belong in this class. Serious writers, I should say, are on the whole more vain and self-centered than journalists, though less interested in money.

(ii) Aesthetic enthusiasm. Perception of beauty in the external world, or, on the other hand, in words and their right arrangement. Pleasure in the impact of one sound on another, in the firmness of good prose or the rhythm of a good story. Desire to share an experience which one feels is valuable and ought not to be missed. The aesthetic motive is very feeble in a lot of writers, but even a pamphleteer or writer of textbooks will have pet words and phrases which appeal to him for non-utilitarian reasons; or he may feel strongly about typography, width of margins, etc. Above the level of a railway guide, no book is quite free from aesthetic considerations.

(iii) Historical impulse. Desire to see things as they are, to find out true facts and store them up for the use of posterity.

(iv) Political purpose. — Using the word ‘political’ in the widest possible sense. Desire to push the world in a certain direction, to alter other peoples’ idea of the kind of society that they should strive after. Once again, no book is genuinely free from political bias. The opinion that art should have nothing to do with politics is itself a political attitude.



~ George Orwell: ‘Why I Write’
First published: Gangrel. — GB, London. — summer 1946.
Reprinted:
— ‘Such, Such Were the Joys’. — 1953.
— ‘England Your England and Other Essays’. — 1953.
— ‘The Orwell Reader, Fiction, Essays, and Reportage’ — 1956.
— ‘Collected Essays’. — 1961.
— ‘Decline of the English Murder and Other Essays’. — 1965.
— ‘The Collected Essays, Journalism and Letters of George Orwell’. — 1968.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Conservação de livros

Em 1999, o meu orientador decidiu que eu devia fazer uma cadeira de Conservação de Solo e Água e foi com essa cadeira que completei o mestrado de Economia Agrária na Primavera de 2000. Era a terceira cadeira esquisita que ele me mandava fazer: primeiro foi Ecologia e quando ele me mandou matricular-me na dita fiquei horrorizada porque eu já não tinha Fisico-Química desde o oitavo ano. Ainda por cima, eu fui para Economia porque não dava mesmo nada para Fisico-Química e agora saia-me o tiro pela culatra.

domingo, 8 de julho de 2018

Até Deus

Arthur Miller escreveu uma peça de teatro, "The Crucible", sobre os julgamentos por bruxaria que ocorreram em Salem, Massachussetts, em 1692 e 1693. O objectivo da obra era fazer um paralelo entre esse episódio trágico da história dos EUA (note-se que os julgamentos precedem a fundação do país) e a perseguição de comunistas levada a efeito pelo governo americano (finais da década de 40 e década de 50). Apesar da natureza cíclica da história, há sempre o mesmo desfecho: as coisas más pertencem ao passado e há quem acredite que não são passíveis de se repetirem.

Há uma frase na peça de Miller da qual eu gosto muito: "Until an hour before the Devil fell, God thought him beautiful in Heaven." (Uma hora antes do Diabo sucumbir, no Céu, Deus achava-o belo.) Não é só que as coisas corram mal de um momento para o outro, quando antes corriam tão bem que nada nos levava a crer que a mudança estivesse prestes a acontecer, é também que até Deus, com a sua capacidade de omnisciência, é incapaz de adivinhar a tragédia. E se ele não consegue, que esperança podemos ter nós, comuns mortais?

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Permanência

"Reflect what you are, in case you don't know"

Estava a ler um livro onde se cita este verso do Lou Reed. Acho muito limitativo saber o que se é. O que não somos é infinito, o que somos tem um caracter finito. Toda a minha vida se reduz a descobrir o que não sou e a fugir de um estado de permanência do ser.

sábado, 2 de junho de 2018

Na Floresta

Recordo-me frequentemente de uma aula de Microeconomia avançada, durante o doutoramento, em que o nosso professor, um homem intelectualmente muito elegante e que gostava de análise comparativa estática, tendo até publicado um livro pequenino sobre o assunto, nos dizer uma coisa que parecia tão óbvia e, no entanto, acho tão profunda. Discutíamos o pressuposto de os agentes maximizarem o lucro e ele disse-nos que muitas vezes era impossível verificar os pressupostos directamente, mas que podíamos avaliar se estavam correctos estudando as implicações da teoria. Se as implicações do pressuposto da maximização do lucro estão ausentes da realidade, então não encontramos suporte para esse pressuposto. Isto é tão óbvio, mas tão óbvio, e, mais grave ainda, foi-me ensinado em Matemática no décimo ano, quando aprendi lógica: se A implica B, não-B implica não-A, que me sinto um bocado pateta por ter demorado tanto tempo para interiorizar o conceito e ligar os pontos, como dizia o Steve Jobs.

Conto-vos isto porque, no mês passado, a equipa do Jimmy Kimmel Live fez um pequeno inquérito de rua a perguntar às pessoas se podiam nomear o título de um livro e depois seleccionou os que não conseguiam e fez uma pequena montagem com o intuito de mostrar o quão ignorante os americanos são. O vídeo tornou-se viral e tomei conhecimento quando o vi partilhado por uma portuguesa no Facebook, que dizia que, "ao menos, nós [portugueses] lemos". Talvez eu tenha amigos estranhos, mas os meus amigos americanos quando partilham alguma coisa deste tipo é normalmente coisas que dão uma má impressão dos americanos: coisas que os americanos fazem mal ou coisas que os estrangeiros fazem bem e com a qual os americanos deviam aprender. Os americanos têm um sentido de auto-crítica muito apurado, basta ver o sucesso de Jimmy Kimmel, Stephen Colbert, etc.

Mas não, nós não lemos todos porque a taxa de literacia em Portugal, em 2015, era de 95,7%. No sítio onde eu cresci, todas as mulheres mais velhas do que a minha mãe eram analfabetas, mas mesmo mulheres da idade da minha mãe não sabiam ler. Uma das minhas amigas de infância, um ano mais nova do que eu, foi retirada da escola porque reprovou no sétimo ano e foi para aprendiz de cabeleireira. Não sei se ela lê, mas duvido que leia algo sofisticado. Ela até se interessava mais por maquilhagem e saltos altos desde sempre; mas ao menos sabia meter os sapatos corretamente nos pés e ajudava-me a meter os meus sapatos porque eu, aos 6 anos, ainda não sabia, nem sabia fazer os laços aos atacadores, nem sabia dizer a palavra frigorífico e ainda hoje confundo direita e esquerda. Com estas dificuldades todas, o melhor era mesmo emigrar para um país onde não se lê para ficar em boa companhia.

Há situações que se encontram nos EUA que são extremas, como aquele professor do secundário que confessou mal saber ler e escrever; ou as histórias de atletas das universidades americanas serem praticamente analfabetos. No entanto, devem ser contrastadas com o outro extremo: os EUA são um país onde se faz investigação de ponta e que consegue atrair as pessoas mais capazes de todo o mundo para estudar e trabalhar nas suas universidades. Algum do melhor jornalismo do mundo é feito nos EUA e os americanos compram livros suficientes para a Amazon ter tido o sucesso que tem, desde que começou com um Jeff Bezos a vender livros numa garagem.

De que vale a alguém saber ler se, ao ver um vídeo partilhado no Facebook, é incapaz de reconhecer que o vídeo foi montado de forma a dar uma ideia enviesada da situação? Não mostraram todas as entrevistas, apenas as que apoiavam a tese inicial -- é o chamado enviesamento de selecção que, por sua vez, alimenta o enviesamento de confirmação de quem vê este tipo de coisas sem sequer o questionar.

Por falar em questionar, quando eu andava no décimo-primeiro ano, na cadeira de Filosofia, de que eu não percebia nada, passámos algum tempo a estudar o Discurso do Método, de Descartes, no qual um dos conceitos fundamentais é o da dúvida, o de questionar o que vemos antes de formarmos uma opinião. Depois da barraca que foram as eleições americanas, do papel das redes sociais na propagação de notícias falsas, de sabermos recentemente das acções da Cambridge Analytica, parece que não aprendemos nada.

Há um estudo do Pew Research Center acerca dos hábitos de leitura dos americanos e os resultados indicam que um americano médio lê cerca de 12 livros por ano e que esta média se tem mantido estável desde 2012. Um outro estudo do National Endowment for the Arts, que começou a recolher dados há mais de 30 anos, mostra que os americanos estão menos interessados em literatura (ficção, peças de teatro, e poesia) do que antes. Note-se que não-ficção não é considerada literatura pelo NEA, logo não contariam espólios de cartas, diários, biografias, ensaios, etc. Adeus Anais Nïn, Joan Didion, diários de Miguel Torga, ensaios biográficos do Pedro Mexia... Não leio nada de jeito, está visto!

Se eu fosse interpelada numa rua e me pedissem um título de um livro, não sei se teria uma resposta inteligente. Não sou uma leitora voraz porque leio muito lentamente, aliás, sou lenta em quase tudo. Um dos meus colegas de trabalho disse-me esta semana que eu presto muita atenção a detalhes: concentro-me nas árvores e esqueço-me da floresta. Ah, podia tentar lembrar-me do título "Na Floresta"...

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Ouro puro

O Gregory Dunne, aquele rapaz que entrou no filme "Who's That Girl?" com a Madonna, fez um documentário sobre a sua tia, a Joan Didion, que é tão bom, tão bom! Está no Netflix e chama-se "The Center Will Not Hold". Há uma parte que é descrita em baixo, nesta peça da The New Yorker, da qual me lembro nitidamente porque quando ouvi a resposta de Joan Didion fiquei estupefacta com a franqueza, mas também fiquei cheia de curiosidade de ler a senhora.

"In one of several genial interviews, Dunne asks Didion about an indelible scene toward the end of her Haight-Ashbury essay—which, as any student who has ever taken a course in literary nonfiction knows, culminates with the writer’s encounter with a five-year-old girl, Susan, whose mother has given her LSD. Didion finds Susan sitting on a living-room floor, reading a comic book and dressed in a peacoat. “She keeps licking her lips in concentration and the only off thing about her is that she’s wearing white lipstick,” Didion writes. Dunne asks Didion what it was like, as a journalist, to be faced with a small child who was tripping. Didion, who is sitting on the couch in her living room, dressed in a gray cashmere sweater with a fine gold chain around her neck and fine gold hair framing her face, begins. “Well, it was . . .” She pauses, casts her eyes down, thinking, blinking, and a viewer mentally answers the question on her behalf: Well, it was appalling. I wanted to call an ambulance. I wanted to call the police. I wanted to help. I wanted to weep. I wanted to get the hell out of there and get home to my own two-year-old daughter, and protect her from the present and the future. After seven long seconds, Didion raises her chin and meets Dunne’s eye. “Let me tell you, it was gold,” she says. The ghost of a smile creeps across her face, and her eyes gleam. “You live for moments like that, if you’re doing a piece. Good or bad.”

Fonte: The New Yorker, 27/10/2017

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Guia de Natal

1. O que comprar
Chegámos ao Natal, a época de fazer compras. Como sou vossa amiguinha, vou-vos dar um conselho: não comprem porcaria. O mundo já está cheio de lixo, logo não sejam parte do problema; sejam parte da solução. Sejam selectivos nos materiais das coisas que compram e não comprem coisas que se acumulam em casa das pessoas. Eu gosto de dar livros, roupa, ou comida e tento limitar as minhas compras de coisas em plástico.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Commonplace books

Talvez o meu último post, com a citação de um dos aforismos de Richard Duppa, de um livro de 1830, vos tenha suscitado a pergunta de como o encontrei. A resposta é simples, mas tem uma história interessante: foi através de um "commonplace book", que comprei na minha última visita a Washington, D.C., quase há um ano. É verdade, já ando para vos falar disto há bastante tempo. 

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Spots in the sun

“When a bad man, high in authority and power, is less mischievous than he has been, he is accounted good. When he has been atrociously unjust and becomes successful, men have a happy way of reasoning about the compound character of man, and of comparing his vices to spots in the sun.”

~ Richard Duppa, “Maxims, Reflections, etc.”, p. 35, 1830

P.S. Este livro está disponível no Google Books e, para além de ser fácil de ler, vale a pena...

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Self-respect

"In brief, people with self-respect exhibit a certain toughness, a kind of moral nerve; they display what was once called character, a quality which, although approved in the abstract, sometimes loses ground to other, more instantly negotiable virtues. The measure of its slipping prestige is that one tends to think of it only in connection with homely children and with United States senators who have been defeated, preferably in the primary, for re-election. Nonetheless, character — the willingness to accept responsibility for one's own life — is the source from which self-respect springs."

~ Joan Didion, "Self-Respect: Its Source, Its Power", in Vogue (1961), reprinted in Slouching Toward Bethlehem (1968)

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Tocante

Um dos livros que trouxe de Portugal foi "O Poeta Nu", que reúne a poesia de Jorge Sousa Braga. Comprei-o na Centésima Página, em Braga, uma livraria muito gira, que recomendo. Foi por falar neste livro que tive de ir ao Priberam para ver o significado a palavra "tocante" -- eu queria dizer que alguns dos poemas eram "tocantes", mas o meu "tocantes" é "touching" e depois acontece-me aportuguesar o inglês e sair disparates. Então, lá fui eu ao dicionário porque não custa nada, não é? Estava certa, "tocante" dava, apesar de "comovente" ter um uso provavelmente mais comum.

Na página de "tocante" da Priberam, reparo no gráfico-núvem das palavras mais procuradas de hoje, do qual consta "pornografia". Hã, penso eu, há pessoal que usa a Internet, mas não sabe o que é pornografia?!? É uma ignorância tocante, esta! Ou, se calhar, não...

sábado, 26 de agosto de 2017