Diz-se muito do amor. Há sempre mais qualquer coisa a dizer dele. Acrescenta-se, porque não é novidade nenhuma. Nascemos porque amamos. Ou porque alguém quis que viessemos a poder amar. Viver, amando. Diz-se muito do amor. Mas é do desamor que não me canso de falar. Da sensação de sucção que fica depois do amor. A vida a escapar-se dele, de nós. Aquele vento de dentro para fora, o buraco negro centrado no peito e voltado para toda a gente. E de toda a gente nunca há uma que nos perceba. Porque o desamor não se percebe. Não se percebe como apareceu, como não vai embora. Num povo de fadistas, parece-nos coisa eterna. Começa torrencial e nunca termina, ameniza naquele dormente estado de chove e não molha. Falar-vos do desamor depois de me assumir voz do amor, é como enunciar-vos a morte depois de vos prometer vida. Mas o amor peca aí, pelas promessas. O desamor tem a tarefa facilitada, então. Tem muito por onde pegar, pano para mangas para pontos finais. Habituados a vírgulas, a pontos de exclamação, olhamos para o ponto final e não percebemos. Alguém na impressão se enganou, alguém dactilografou aquilo mal. Era uma vírgula com certeza, porque não há mais? Espreitamos para lá do ponto e a página em branco presenteia-se como um abismo claro e evidente. Não há mais nada. A história bonita ficou escrita para trás, e uma longa história, porque do amor muito se diz. E não se percebe. Quer-se saber quem decidiu aquele fim de frase, fim de sentença, a pior delas todas. Ditada assim "ponto". Sempre me ensinaram que nas vírgulas se respira e nos pontos finais se pausa. Gabava-me da minha leitura exímia e exagerava na pontuação. Expirava nas vírgulas, entoava as exclamações e lia "ponto" para mim quando chegava a fim de frase. Fim de linha. Ponto. Pausava. Mas no desamor não se pausa. Depois do amor, não se chega a fim de linha. Empurram-nos do abismo. E não se respira porque não há vírgulas, nem se exclama porque a página é de um branco solitário e desansabido. A vida sem cor, depois do amor. E não há muito que gabar porque não há que ler. A história escrita até ao fim, e o fim sempre desolador. Eterno, fadista. Ponto.