sábado, 29 de agosto de 2009

Evidência #3.

T.: - Porque é que gosto sempre das coisas que me fazem mal?
M.: - Da mesma maneira que sabes que chocolate dá espinhas e comes na mesma.
T.: - Hm, és capaz de ter razão.


As nossas conversas são sempre simples. Já as nossas vidas...

Tendências #6.

O previsível também magoa.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

«Nunca percas a esperança, e se puderes, arranja coragem para voltar a amar.»
Danielle Steel in «Cinco Dias em Paris».

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Força da Natureza.

Pormenores: Não gosto que me trates como pacata doméstica quando me sinto selvagem, força da Natureza.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Tendências #5.

A disposição hoje é do tipo caseira.

O Rapaz do Pijama às Riscas.

«Se alguma vez encontrares um judeu bom, és o melhor explorador do mundo, Bruno.»


Bruno, com 8 anos, não percebia.
Tenho 20 e também não consigo compreender.

domingo, 23 de agosto de 2009

Jogo-moeda.

Contigo tive, durante meses, vida dupla. Habituei-me a pôr uma peruca e uma máscara e vivi uma vida contigo que não a mesma que comigo. Entende-me, esqueci-me de quem era e tornei-me quem querias que eu fosse. Se me querias loira, fui morena para com todos os outros. Quando me quiseste magra, engordei vergonha de ti e emagreci de auto-consideração. Se me querias bonita - porque foi requisito teu - fui-o mais para com todos os outros. Entrei num jogo doentio, beco sem saída, fui dois lados de uma só moeda. Fui pau de dois gumes, assassinei-me por um amor cego - o teu. «Cego», sim, porque nunca me viste realmente. «Amor» já não o sei tão seguramente. Querias-me coroa, vias-me rainha, e eu só te queria mostrar a cara. Deixar que me caísse a máscara e revelar-te os meus caracóis castanhos, o meu corpo a nu. O meu - e não o que vi transformado por ti. Para ti. Contigo. Hoje encaro o espelho e estaco assustada com o meu próprio reflexo. Entende-me, esqueci-me de quem sou.

sábado, 22 de agosto de 2009

So much for my happy ending.

- I.. hã...
- You're not ready for this.
- No.

- I asked for too much.
- I think so.
- So this is it?
- Yeah..
- We're breaking up.
- We're breaking up.
- We're broken up.
- It's done.
Grey's Anatomy - season 4, episode 1.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Um dia.

«Anda comigo ver os automóveis à avenida,
a rasgar as curvas, a queimar pneus.
Um dia vamos ver os foguetões levantar voo,
a rasgar as nuvens, rasgar o céu.
Um dia eu ganho o totobola,
ou pego na pistola,
mas que eu morra aqui,
- mulher tu sabes o quanto eu te amo, o quanto eu gosto de ti;
e que eu morra aqui se um dia eu não te levo à lua,
nem que eu roube a lua só para ti.»
Os Azeitonas - Anda comigo ver os Aviões.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Tendências #4.

Quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Queres saber como é?

Pois é de loucos e é doentio. É contar a toda a gente que o teu riso é cheio e o teu beijo é tudo. É não me importar que ninguém oiça, é bastar-me sabe-lo. É atirar-me de uma ponte e rezar para que não me aleije, sabendo que me vou aleijar. É sentir cá dentro um cancro a comer-me o coração e deixar, esperando que passe a quisto sebáceo com o tempo. É dar tempo ao tempo e o tempo dar-me saudade e saudade daquela sem fim. É falar de ti sem vírgulas porque me apresso nos teus gestos nos teus traços fortes e na tua lingua comprida. É sorrir sem razão e chorar no dia seguinte até perder forças. Chega até a ser patético, sentir que tenho de novo quinze anos e sentir-me ridicula. É ver a América em todos os lugares a que me levas, Paris no teu sorriso e às tuas mãos bonitas. É manter-me na calada, falando alto de ti. É dar-te a mão e tremerem-me os joelhos, como se fala nos livros. É tapar a boca quando penso que é amor, como se nunca tivesse ouvido essa palavra. Tivesse eu nunca sentido essa coisa, cancro do coração, e seria assim. Atirada da ponte, por ti. É pôr-me em bicos dos pés para te chegar ao nariz, sonhando beijar-te a testa um dia. Talvez quando for mais alta, penso então. É querer ser mais alta, contigo! É ver-te gigante, sendo formiga. É um rasgo de ousadia e de loucura, de incompreensão e de músicas alegres, tudo junto. É não fazer sentido e não ver mal nisso. É ter noção que mo tiras, o sentido, e mo ofereces em palavras doces, em abraços longos e certezas improváveis. É uma força superior à vida, ao entendimento dos mortais meus semelhantes, teus inferiores. É o peito a correr para o que não conhece, o que não apanha, o que não larga, o que não pode ter e não parar de correr de qualquer das formas. Correr ainda mais, sabendo tudo isso. Correr, galopar, cantar. É impossível e não é para que se compreenda, é para que o sintas. E é morrer aqui se me dizes que não. É prometer-te então levar-te à lua, ser lá a mulher da tua vida se não mo deixas ser aqui, na Terra onde nasci.

Perguntaste-me como era o meu amor. É isto.

domingo, 16 de agosto de 2009

Diz-me o que procuras, dir-te-ei quem és.

A bela e o monstro.

A manhã branca interrompe-lhe o sono sem pedir licença. Espreguiça-se nos seus braços longos, acorda-lhe as pestanas ainda pintadas de um negro-noite.
Quer levantar-se apenas quando tiver descoberto o sentido de ver, uma outra vez, o sol interrompendo o sono sem pedir licença. O mesmo sol que, não sei se amarelo se cor de lâmpada, não se detém nas persianas semi-abertas, semi-fechadas.
Ela adormecera com alguém e acordara sozinha, sabe-o. Não se assusta nem procura bilhetes. Não vai olhar o atendedor de chamadas e esperar ver piscando um número qualquer, um «1» que seja, ouvindo "Desculpa querida, volto para tomar pequeno almoço contigo". Não vai confirmar que levara tudo que lhe pertencia consigo, o blazer escuro, os boxers às riscas - e que deixara a carteira dela onde ela a pousara na noite passada, entre brindes e beijos frescos como a manhã que interrompe o seu sono sem pedir licença. Não iria chorar, como tantas outras vezes, a dor de um corpo solitário e um cheiro a perfume de homem pela casa, nem quando visse que o filho da mãe teve a lata de beber leite directamente do pacote e deixá-lo fora do frigorífico. Os homens são como bichos de hábito, não a iria surpreender.
Queria levantar-se só quando percebesse porque se deita tentando amar bichos, em vez de acordar amando-se a si própria.
Espreguiçou-se com o sol três anos depois.

Escrito a 18.3.09. Poderia ter sido hoje.

sábado, 15 de agosto de 2009

It's De-Lovely.

Apaixonei-me por ti como pelo Jazz: devagarinho e sem dar por ela.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Cor fundo de mar.

Quero muito amar-te. Quero muito apaixonar-me pelo teu cabelo claro, a tua barba curta. Queria poder beijar esse teu feitio, o jeito como gesticulas mais quando te atrapalhas e mentes. Sim, porque quando mentes puxas a gola e o colarinho para os lados, compões incessantemente as bainhas das t-shirts nos ombros, apesar de já estarem no sítio. Fazes sempre isso quando queres estacionar em sítios privados, jogas a carta de o-meu-tio-trabalha-aí ao segurança que nem te ouve, ou quando queres passear em parques depois de estarem fechados e aí dizes oh-aqui-a-minha-namorada-era-o-que-mais-queria-deixe-nos-lá, mas também ele te faz ouvidos de mercador. Talvez saiba que não sou tua namorada. Também houve aquela vez em que te meteste com a funcionária da Fnac, e uma outra com a menina do MacDrive, depois de um não-não-ela-não-quer-gelado-que-está-de-dieta e eu amuar um bom quarto de hora. Acabaste por pedir dois sundaes, com chocolate extra.
Se eu pudesse escolher, escolhia a tua barriga. O teu umbigo saído para fora, como um feijão teimoso. Os teus dedos de pianista, o teu mau humor quando te deixo à espera minuto que seja. Já nem me importo que abras janelas a queixares-te de como o meu perfume é letárgico. Vais dizer que estás cansado, a páginas tantas, para encostares a tua cabeça dura no meu ombro. Sei como demoras a destrancar o carro quando chego atrasada, resmungando que não pode ser sempre assim, eu a demorar e tu a esperar e a desesperar. Madame, chamas-me de troça. Beijas-me de fugida, finges-te amuado. Perguntas pela trigésima terceira vez porque não vamos no meu carro, resmungas que me habituaste mal, perguntas-me se sei o preço a que está a gasolina e vais esperar resposta olhando-me pelo espelho retrovisor, como se eu fosse no banco de trás. Como se existisse banco de trás no teu carro de dois lugares. Encaro o espelho com um sorriso, vejo os teus olhos cor de fundo de mar fecharem-se um pouco, de sorrires também. Ouvido contado assim, diriam que és bruto. És coração doce, bom.
Queria muito poder amar-te. Mas não há aquela força, que me falaste num dos nossos passeios. Aquela força que me levasse a dizer, a gritar!, que és o homem da minha vida e que me vejo contigo em vinte anos e muitos minutos que sei de cor. Mas se eu pudesse escolher - oh se eu pudesse escolher! -, escolhia-te a ti. A ti, ao teu coração bom e à tua alma cor de fundo de mar.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Lady Madonna.

Levantou-se cedo, vestiu uma justa bata preta, abotoava a fileira de botões com a mesma delicadeza de quem toca flauta. Dedos fluindo pela incorpórea linha que une o queixo e o umbigo. Deu um nó ao cabelo, perto do cocoruto da cabeça, dois ganchos segurando madeixas indomáveis. Fechou a porta sem fazer barulho, desceu as escadas sem qualquer ruído. Rimou o silêncio com o cuidado de o ter. Consigo levou apenas uma mala rectangular, de aspecto antigo e gasto, umas sabrinas escuras e um sorriso matreiro, as unhas pintadas de um vermelho vivo, um vermelho-escárnio. Misturou-se com a multidão da cidade, de quando em quando passeava a mão pelo cabelo muito apanhado no cima da cabeça, domado num nó firme e dois ganchos robustos. Dizem que numa noite dormira com o senhorio e lhe pagara a renda com o dinheiro que então lhe roubara, enquanto aquele ressonava sonhos pesados. Sem fazer ruído, todos amaldiçoavam aquelas matreiras sabrinas, escuras e silenciosas como uma noite leve. O senhorio roubado, a mulher do senhorio traída, os amigos do casal e familiares do maldizer. Do escárnio encarnado daquelas unhas desavergonhadas. Dizem que nunca se soube o seu verdadeiro nome, que o imitava de senhoras sérias que conhecia nas estações de caminho-de-ferro, a vadia! A ladra! A putéfia de bata preta...! Diz-se que nenhuma alma viva viu a sua mala aberta, a rectangular e velha, a única que consigo trazia. A única que consigo levou. Talvez lá guarde a vergonha que não tem na cara, ou na alma, pensava o senhorio, a ex-mulher e os amigos do mexerico.
Na cidade, ela sorria matreira entre a multidão. Abriu o primeiro botão da bata preta, não se podia com o calor. Entrou no primeiro comboio, sem comprar bilhete nem verificar destino. Cidades são apenas isso, nomes. Por falar nisso, precisava de um novo. Olhou uma senhora idosa que trazia um cão ao colo e um "bom dia menina" nos lábios. Sem fazer ruído, sugou-lhe a identidade com um brilho nos olhos escuros, escárnio vivo, e meia dúzia de perguntas discretas. Guardou-a na sua mala rectangular, já gasta, passou ao de leve a mão pelo cabelo preso. Tudo em ordem, confirmava.

Agosto é de raivas.

Se me dizes «Eu bem te avisei», Joana David, contrato capangas que façam o teu assassinato parecer suicídio.

sábado, 8 de agosto de 2009

Life's a b#tch.



But maybe that's okay.

Debaixo do teu tecto, o meu chão.

Estou chateadíssima. Caminho apressada e determinadamente. Apanho um autocarro, cheguei ainda a tempo. Vai cheio, lotado até à última, mas nem ligo. Não estou com paciência para descrições, ou explicaria como estão duas senhoras de idade a discutir o perigo da gripe, um grupo de jovens que parece vir da escola, falando alto e alegremente sobre alunas novas, e outros dois senhores a debater tabaco, cachimbos e cigarrilhas. Não me desloco para o fundo do autocarro, furando o turbilhão de rostos que povoa o autocarro de fim de tarde, como de costume. Perto da minha paragem, peço ao condutor que me abra a porta da frente, por favor. Bufa-me um barafusto qualquer, porque ninguém lá está para entrar e já devia saber que sair é pela de trás, mas mal o oiço. Aceno afirmativamente e espero até ver a porta da frente abrir-se. Estou chateadíssima e hei-de sair do autocarro apressada e determinadamente. Subo a rua da paragem e avanço o portão do prédio cor de cinza, não estou com paciência para cerimónias nem esperas. Estivesse eu num dia sim e repararia como esta cor mesclada, cimento fresco, cobre de sobriedade as varandas apenas nos andares ímpares. Mas é um dia não e nem dou conta que há varandins neste prédio. Abro a porta de entrada, depois de subir os degraus dos três primeiros andares aos lanços de dois degraus de cada vez. Continuo chateadíssima, bolas! Rodo a chave para a direita, uma só vez, sei então que estás em casa. Foi a melhor coisa que fizeste, teres-me dado uma cópia da tua chave pelo Natal. Também tenho uma do portão, mas esse dá para avançar e esta não, é pena demorar-me em cerimónias. Levantas-te da secretária, não fechas as páginas de internet do computador para me vires cumprimentar. Dirijo-me para a cozinha, passos longos, apressados, determinados. Encontro sem procurar taças largas, género bacias, tiro do armário um pacote de esparguete. Esperas na ombreira da porta, percebes que algo correu mal mas não perguntas nada, só me iria arreliar mais. Cozo massa em dois tempos, sirvo-a em dois pratos, um garfo em cada um. Vamos para a sala, estou mais calma agora. Sabes como cozinhar me acalma, particularmente coisas sem sentido como um prato de massa. Atiro-me para o puff que escolhemos juntos, o que dissemos que seria sempre o meu, quando cá viesse. Às vezes deixo que te sentes lá, para que sintas a partilha que me vai no peito, quando cá venho. Tens uma foto nossa numa prateleira algures, ofereci-ta eu num Natal anterior à cópia de chave. Não repeti mais a peripécia para que não parecesse que me tens aqui um altar, um santuário que afugentasse as tuas pequenas. Foi na semana passada que veio cá aquela loirinha da tua faculdade? Lembro-me que me preparava para avançar o portão quando te vi de braço sobre o ombro magro dela, um sorriso matreiro no teu rosto, um tímido no dela, na entrada comum. Sim, perto das caixas de correio, meu safado. Vamos já falar disso, primeiro comemos a massa sem grandes conversas. Como me acalma estar aqui contigo, penso. Lembro-me de quando me fizeste passar por tua irmã a uma rapariga ciumenta com quem andaste umas semanitas, e das vezes em que me disseste tua namorada para que rapazes ciumentos não te fizessem frente quando babasses as suas miúdas. Sorrio, espetando uma garfada no esparguete. Olho-te demoradamente, questiono-me como aturas as minhas manias e as admites debaixo do teu tecto. Teu também, haverias de me corrigir se ouvisses os meus pensamentos. E, se os ouvisses, saberias que esta é mais minha casa que a minha própria. Já não estou minimamente chateada, acalma-me a tua presença. Até quando me arrelia - porque tem vezes que me arrelias - faz-me bem. A tua amizade. O teu amor.

Onde pára a imaginação? E o interesse?

Alexandria partiu um braço. Diz que caiu. Eu tive o mesmo aparelho nas pernas. Diz que nasceu torta.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Emprego precisa-se.

Menina bem-comportada, na casa dos 20, sai hoje à rua de currículo na mão.




Off the record? É uma porcaria ser-se adulta.

Fim do terceiro acto.

Consigo imaginar a cena como se se passasse na minha frente.
Sobe o pano, estás debruçada na cama pequena. Abres uma mala grande, de rodinhas, embrulhas roupa com o cuidado que sempre me faltou. Vais berrar com a tua irmã, porque não sabes onde ela deixou o casaco preto que tanto gostas e que tantas vezes lhe emprestas - o jeito que não te vai fazer e logo agora não dás com ele! Vais atirar as mãos para a roupa embalada, socos em algodão dobrado com o cuidado de que sempre careci e em jeito do dramatismo que tanto nos caracteriza. Podia jurar ter ouvido um rugido, ou um parente pobre de um, enquanto soqueias a roupa para levar. Pensas como é possível que ninguém se dê conta como é importante o casaco - até nem sendo. Na verdade estás irritada só porque ninguém te deu um abraço e te disse que vão sentir a tua falta, tens outro casaco que serve perfeitamente. A tua irmã vai aparecer vinda da cozinha, as mãos ainda besuntadas de manteiga espessa, diz que te estava a preparar um bolo mas agora, arreliada com a tua barafunda, diz que nem mereces e que ainda bem que te vais embora. Continuas a dobrar roupa zangada, pegas no telemóvel e escreves-me uma mensagem à pressa para me contares como «esta gente não existe, M!». Vou sorrir, dizer que te mando um abraço e que estou, como tu, zangada. Perguntarás de quê, enquanto mentalmente revês que só te falta arrumar o fim-de-semana mas queres primeiro dar uma última escovadela aos dentes. «Estou zangada porque te vais embora e vou ter saudades tuas». Sorris, com a escova de dentes ao canto da boca. Uma lágrima passeia-se lá perto. O teu pai vai aparecer na porta, que te apresses. A tua mãe está sentada na sala, ainda não sabe se finja que não é nada, isto de te ires embora, se chore e te diga que estarás sempre ali, sentada à mesa e vidrada no ecrã da televisão - a telechata da família. Vão ligar as madrinhas, as avós e as primas. Querem todas dizer-te que podes sempre passar lá em casa, almoçar um Domingo, pedir dinheiro emprestado sempre que precises e que não te acanhes. Vais agradecer com simpatia, alongar-te em conversas de telefone enquanto te debates se terás agasalhos suficientes na mala. O Inverno não tardará e não sabes quando voltas para empacotar mais, vais perguntar ao teu pai se podem fazer as entregas na casa em duas idas, porque não cabe tudo numa só e a mala é pequena, parece grande mas não é, enquanto tens o telefone entre o ombro e o queixo, como quando seguras o violino à pressa, explicas à avó Milu porque não tiveste média para o Porto, apesar de teres do teu lado todas as santinhas dela e as suas sagradas velas e rezas. Fazes tudo ao mesmo tempo, consigo imaginar. Vais fechar a mala com uma só mão, seguras com a outra o tampo porque a desgraçada não quer ceder ao Ziiiip! que se ouve, por fim - a mala está feita. Dás um chuto nas sapatilhas que não queres levar já e não tiveste tempo, ou pachorra, para arrumar, empurra-las para debaixo da cama. Corres para a cozinha, ajudas a tua irmã a acabar-te o doce. Brincam e pedes-lhe desculpa, vais chama-la pelo diminutivo e saber que ela vai ficar louca de saudades tuas. Estão todos zangados, sabes? Vais embora e deixas toda a gente louca de saudades tuas. Olhas o telemóvel de tempos a tempos. Não vou mandar mensagem. Ainda não me decidi se faça contigo a viagem para a tua nova casa, a tua nova vida. Não me decidi ainda se tenho força que chegue para lá entrar e sorrir, lágrima passeando-se perto, denunciando o medo que tenho de te perder. Vais embora e não sei se te quero dar as boas vindas na nova casa, na nova vida, onde vou pensar, logo à entrada, logo à partida, que não vou pertencer ou fazer parte. Fosse e sorriria um sorriso muito grande, dir-te-ia como é bonita e abriria contigo todas as janelas. Ajudar-te-ia, então, a arrumar as tuas trouxas, talvez lanchássemos lá perto para conhecer a zona. Regressaria com o teu pai, chorosa o caminho todo. É muito quilómetro para chorar, é muito medo para enfrentar - não vou mandar mensagem. Consigo imaginar a cena como se se passasse na minha frente. Vais falar com a mãe na sala, uma conversa longa e bonita, confirmar com o pai pela enésima vez que está tudo no carro, perguntar pela enésima terceira porque é que a Joana Mendes não vai connosco. «Numa próxima, tenho a certeza».
Cai o pano. Bem-vinda à tua nova casa, D. À tua nova vida.


Um sorriso muito, muito grande, de janela aberta.
De peito em ferida, também,
M.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A mulher no eléctrico.

Vejo-te passar na rua, pela janela do eléctrico, e há qualquer coisa em ti que me intriga. Não sei se a tua postura, caminhas mais direito, se o teu ar concentrado até quando distraído. Diria que vais sempre a pensar na tua política, na tua música, numa qualquer decisão vitalícia. Talvez vás comprar casa ou casar. Na volta queres deixar a tua mulher e não sabes como lho dizer. Daí que não, não deves ter uma mulher que digas tua. Que se diga, ela própria, tua. Sorrio com malícia, há coisas que nunca mudam. Mas há qualquer coisa em ti que me intriga, brinco com o cabelo, indagando. Tens o teu mais curto, vê-se melhor a tua cara hexagonal e os teus lábios finos, muito fechados e franzidos como rugas de testa.
Quando passares e me lembrar de há quanto não te via, como agora caminhas mais direito e tens o cabelo mais curto, vou reparar que estás mais crescido. É isso, névoa de ti, agora que passaste: estás muito mais crescido desde a última vez que te vi.
Seguro a boina que teima em fugir nas curvas, os caracóis rebelam-se e brinco com eles, ainda pensativa: nunca passarás de um menino para mim, um garoto de ar sempre sério que me intriga ao passar.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

E quando o ciúme toma conta das nossas palavras?

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Desabafo do coração.

Tenho uma grande amiga que vai ser famosa para uma das mais cosmopolitas cidades do mundo. Vai brilhar onde multidões se perdem, turistas se encontram e londrinos se sentem em casa. Porque o estão, de facto.

Uma grande amiga minha vai comigo ao cinema, dá-me a mão nas partes mais assustadoras. Chora nos momentos trágicos, choro com ela. Não vamos dizer que ela lamenta a morte do Dumbledore porque, se o disséssemos, admitiríamos que estávamos, de facto, a ver o Harry Potter. Não perguntem quais são as partes mais assustadoras ou cadê os momentos trágicos que não vos conto, nem eu estava a ver o Harry Potter. Como não estava a chorar a distância dela, claro que não! Essa que vou sentir, como agulhas no peito, quando ela partir para uma das mais cosmopolitas cidades do mundo. Tenho uma grande amiga que vai ser famosa e vou ver o seu brilho pelos e-mails que espero dela receber, então. Mas para já estamos só a ver um filme no grande ecrã, que não vos conto qual.

Tenho pensado muito numa grande amiga minha. No seu cabelo loiro comprido, os seus olhos grandes e a sua bondade ainda maior. Às vezes penso que ela tem um coração demasiado bom para o meio em que se vai meter. Reconheço-lhe a força, e que tamanha força, que sei que a vai fazer soerguer-se, até no meio do espectáculo londrino. Onde povos se sentem em casa, multidões se perdem e turistas se encontram, ela vai brilhar. E, do outro lado do oceano, vou chorar um misto de orgulho e saudade. Para já choro de receio, lágrimas que ela julga serem pelo filme e a morte do feiticeiro mestre.

Não quero vir a dizer que tinha uma grande amiga que partiu para Londres e foi famosa, pouco depois de vermos o Harry Potter no grande ecrã.

Memória de ti.

Não pensei uma única vez em ti, estes dias. Não houve vez que me lembrasse dos teus olhos claros, dos teus dedos longos, deles nas minhas costas altas. Não senhor, nope. Se me perguntarem por ti, disserem o teu nome, o que não digo alto faz dias, vou abrir muito a boca, ter um espanto muito grande. Porque já quase nem lembro de ti, faz dias, longos dias, que não penso no teu sorriso grande. Esqueço-me de como tens uma voz feia para cantar ou de como tens o péssimo hábito de me imitar os tiques. Surpreende-me voltar a ver as tuas coisas, espalhadas pela minha secretária, no regresso a casa. Diria que cá nunca estiveste, a memória de ti está fraca como o sol tímido lá fora. Perguntem-me se me atiraste para a cama, para me ver rir alto, que eu nego. Questionem as nossas danças, e as do peito, que eu não sei do que falam. Apontem os passeios perto da praia, o vento ensurdecedor e as músicas aos berros - lembrem-me. Sei lá eu como beijas pescoços como a bocas, barrigas como a pescoços. Desconheço que feches os olhos enquanto toques piano e que te irrites quando te enganas, que nem é tantas vezes quanto isso. Não posso dizer o quão bonito és, porque mal me lembro de ti. Clichés de "por dentro e por fora" resultam contigo? Não sei, algo me diz que sim - mas não penso muito nisso.


Merda, pensei sempre em ti. Foste sempre tu.