Pensa-se imediatamente naquilo a que hoje chamamos «variedades». Mas as variedades são um fenómeno do nosso século, que surge com as indústrias da música (gravação e radiodifusão).
A música de variedades é um caso particular da música ligeira do século XX (as coisas serão provavelmente diferentes no século XXI). Essa música reconhece-se por dois caracteres diferentes:
— um ritmo e uma harmonia elementares, uma escrita de há cem ou duzentos anos (ultra-simplificada) com pormenores de estilo em voga.
— o papel preponderante dos «arranjadores» (orquestradores... e dos intérpretes)
Existiria, em todas as épocas, uma música «ligeira», ao lado da «grande música», da música histórica (não deve dizer-se «música pesada»; é uma piada fácil e estafada)? Certamente. E as diferentes classes sociais tiveram sempre músicas diferentes.
Mas como a música ligeira era menos importante e não tinha ainda o valor comercial de um produto de consumo, não era impressa, nem muitas vezes notada, De resto, ela podia geralmente dispensar a notação: era simples e fácil de reter.
Nas classes populares, principalmente na camponesa, encontrava-se em toda a parte, até ao triunfo das indústrias musicais, uma música de criação popular, mais ou menos improvisada. Transmitida por tradição oral, esta música pertencia ao folclore. Apenas existe no momento em que é tocada. Não se pode, portanto, conhecer a música popular de origem popular, o folclore, antes da invenção do registo sonoro; as notações demasiado tardias são sempre aproximações ou traições. É um círculo vicioso: a gravação é o único meio de conservar o verdadeiro folclore, mas ao mesmo tempo a gravação acaba por destruir o folclore, substituindo-o por uma música comercial!
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O aparecimento de uma música ligeira escrita é um assunto sério. Pela primeira vez, ela vai entrar em concorrência com a «grande» música, servindo-se dos mesmos meios: a edição, o concerto («music-hall» ou «caf'conc'», (café-concerto)) e em breve a gravação e a rádio. Ao mesmo tempo, cava-se um fosso entre as duas músicas. Não só os seus compositores e os seus intérpretes são diferentes, como também não têm os mesmos locais de audição nem o mesmo publico... Serão dois mundos musicais, com duas maneiras de ser, que se compreenderão cada vez menos. Quanto mais a «grande música» se complica, tanto mais a música ligeira se simplifica. Elas atingirão o seu máximo de diferenciação por volta de 1960: «serialismo» generalizado, por um lado, «yé-yé», pelo outro. O fosso cavado tornar-se-á um abismo intransponível.
Voltemos à época de Wagner e de Offenbach. Já notaram que a música ligeira é a mais característica de um país e de uma época? Se se quiser evocar Paris em termos de música no tempo de Napoleão III, Viena no tempo de Francisco José, ou Londres na época da rainha Victória, não se pensará nos prestigiosos teatros de ópera de que estas três cidades se orgulham.
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em
O CONVITE À MÚSICARoland de Candé
1982 - Edições 70 (Lisboa) / Livraria Martins Fontes
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