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Saturday, April 2, 2011
A Lupa de Adolfo Bioy Casares
__«Não espero nada. O facto não é horrível. Desde que o
resolvi, ganhei tranquilidade.
__Mas essa mulher deu-me uma esperança. Tenho que
temer as esperanças.
__Ela olha os entardeceres todas as tardes; eu, escondido,
fico a olhá-la. Ontem, e hoje outra vez, descobri que as
minhas noites e dias estão à espera dessa hora. A mulher,
com a sua sensualidade de cigana e com o lenço colorido
grande demais, parece-me ridícula. No entanto, sinto,
talvez com um pouco de humor, que se pudesse ser olhado
um instante por ela, falar com ela um instante, receberia
ao mesmo tempo o socorro que o homem tem nos amigos,
nas noivas e nos que são do seu próprio sangue.»
(...)
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__«Não espero nada. O facto não é horrível. Desde que o
resolvi, ganhei tranquilidade.
__Mas essa mulher deu-me uma esperança. Tenho que
temer as esperanças.
__Ela olha os entardeceres todas as tardes; eu, escondido,
fico a olhá-la. Ontem, e hoje outra vez, descobri que as
minhas noites e dias estão à espera dessa hora. A mulher,
com a sua sensualidade de cigana e com o lenço colorido
grande demais, parece-me ridícula. No entanto, sinto,
talvez com um pouco de humor, que se pudesse ser olhado
um instante por ela, falar com ela um instante, receberia
ao mesmo tempo o socorro que o homem tem nos amigos,
nas noivas e nos que são do seu próprio sangue.»
(...)
«Quinta hipótese: os intrusos seriam um grupo de mortos amigos; eu, um viajante, como Dante ou Swedenborg, ou se não outro morto, de outra raça, num momento diferente da sua metamorfose; esta ilha, o purgatório ou céu daqueles mortos (fica enunciada a possibilidade de vários céus; se houvesse só um e todos para lá fôssemos e nos esperasse aí um casamento encantador com todas as suas quartas-feiras literárias, seríamos já muitos a ter deixado de morrer).
Compreendia agora que os romancistas nos proponham fantasmas que se lamentam. Os mortos continuam entre os vivos. Custa-lhes mudar de costumes, renunciar ao tabaco, ao prestígio de violadores de mulheres. Fiquei horrorizado (pensei com teatralidade interior) por ser invisível; horrorizado por Faustine, próxima, estar noutro planeta (o nome Faustine deixou-me melancólico); mas estou morto, estou fora de alcance (verei Faustine, vê-la-ei a ir-se e os meus sinais, as minhas súplicas, as minhas tentativas, não a poderão atingir); todas as soluções medonhas são apenas esperanças frustradas.
(…)
É assombroso o invento ter enganado o inventor. Também eu acreditei que as imagens tinham vida; mas a nossa situação não era a mesma: Morel tinha imaginado tudo; tinha presenciado e conduzido o desenvolvimento da sua obra; eu deparei com ela finalizada, a funcionar.
Esta cegueira do inventor a respeito do invento é surpreendente, e recomenda-nos circunspecção nos juízos… Talvez eu esteja a generalizar acerca dos abismos de um homem, a moralizar a partir de uma peculiaridade de Morel.
Aplaudo a orientação que, sem dúvida inconscientemente, ele imprimiu aos seus tacteios de perpetuação do homem: limitou-se a conservar as sensações; e, embora equivocando-se, predisse a verdade: o homem, só, há-de aparecer. Em tudo isto poderá ver-se o triunfo do meu velho axioma: não se deve tentar conservar vivo o corpo todo.»
Adolfo Bioy Casares
A Invenção de Morel
A Musica que Toca Sem parar:contribuição de Luiz Nassif, o Coral do Sadaic desfia lindamente a antológica Regreso a La Tonada, de Armando Tejada Gómez e Tito Francia.
Antígona, 2003
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