Tuesday, April 20, 2010

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Com um salutar pedido de desculpas

Adorava o som de Kleiton e Kledir, a então jovem dupla gaúcha que enchia auditórios de todo o Brasil.
Era início dos anos oitenta e eu respirava música.
Eu os vi pela primeira vez abrindo um show do MPB4, no ginásio Arnóbio Pitanga, em Valadares. Eu devia ter uns 16 anos e fiquei encantado com a energia dos guris.
Saí de lá falando "bah"e "tchê", doidinho para beber chimarrão. Encantei-me.
Adotei um ritual - quando servia o exército em Juiz de Fora -, de todas as vezes que ia visitar meus pais em Valadares, deixar tocando na vitrola, no momento da saída, a música Deu Pra Ti.
Era como se dissesse aos meus pais que, assim que baixasse o astral na caserna, estaria de volta ao convívio familiar.
Curiosamente, deixei essa canção tocando na vitrola no dia 9 de abril de 1984, dia em que embarquei para a capital mineira e de lá para Nova York, definitivamente.
Lembro-me claramente de minha mãe enxugando os olhos com as costas da mão, enquanto os guris enchiam de som o ar da casa da Rua Topázio.
Desde então, essa canção ficou reverberando dentro de mim, como um daqueles tangos-fantasma, que nunca deixam de tocar dentro da cabeça e do coração da gente.
Passaram-se os anos, tornei-me um operário da notícia e eles construíram uma carreira sólida, interrompida por um hiato que nos deixou, fãs, muito decepcionados.
Eu não conseguia conceber o Kleiton sem o Kledir e vice-versa.
Sabe aquela coisa de quando dois são um?
Felizmente, soprou um minuano lá pelas bandas de Paris - onde Kleiton se exilou estudando música -, e ele resolveu voltar ao Brasil e retomaram a dupla.
Há algum tempo, juntamente com os empresários Kiko Salles e Fábio Portugal, criamos o MPB Club, projeto que trouxe aos palcos americanos muitos artistas brasileiros de primeira grandeza.
Kleiton e Kledir foram incorporados e, não apenas fizeram espetáculos inesquecíveis, como acabaram se tornando grandes amigos e parceiros.
Sim, parceiros, pois os guris musicaram Água e Vinho e A Outra Metade, dois poemas meus.
Hoje nos frequentamos, a gente dá sempre um jeitinho de se ver e o Kledir escreve (bem!) para o Brazilian Voice.
Paralelamente à música, ele editou dois livros que foram sucesso de publico e crítica no Brasil (Tipo Assim - um fenômeno na Internet - e O Pai Invisível).
Kledir costuma dizer que sou padrinho de sua carreira literária, o que me enche de orgulho, embora não seja verdade.
Kledir já era um escritor feito quando nos conhecemos.
Estava apenas esperando o momento certo de sair da casca.
Em julho passado estivemos juntos no Rio de Janeiro. Hospedei-me uns dias na bela casa na Joatinga.
Enquanto ele tentava me converter ao vegetarianismo, levei-o para a noite, tentando convencê-lo a freqüentar o meu mundo: o da esbórnia.
Durante um breve período, ele chegou mesmo a cheirar rapé, um hábito mineiro que ainda não abandonei, e que o seu médico desaconselhou peremptoriamente.
O doutor diz que dá taquicardia.
Não sei se é verdade.
Afinal, meu coração sempre desafinou.
Sempre bateu fora do tom.
Desnecessário dizer que ninguém convenceu ninguém.
Quando saí de sua casa para o aeroporto, parei numa churrascaria e ataquei um rodízio. Sem o menor remorso.
Sabe lá o que é ficar cinco dias numa casa onde jamais se fritou um bife?
E ele não deve estar com saudade da cerveja sem álcool, que praticamente o obriguei a beber enquanto me escoltava pela noite carioca. Não devo ser boa companhia.
E eu ainda o provocava, dizendo que beber cerveja sem álcool é o mesmo que dançar com a irmã.
Quando Julia (sua primogênita) veio fazer um intercâmbio nos EUA, tomou o primeiro porre da vida, e o Kledir entrou em desespero.
Ligou, todo aflito, pedindo conselhos ao cara que ele diz ser a "maior autoridade em pileques fora do Brasil". Não é bem assim. Bebo socialmente.
Mas o tranqüilizei.
Ressaca não mata ninguém.
E Julia sobreviveu lindamente.
Começo a falar dos guris e acabo me perdendo em recordações.
Esta crônica iniciou-se, na verdade, com o propósito de ser lida como um envergonhado pedido de desculpas.
Kledir aniversariou semana passada e esqueci completamente deste que, desde que nos tornamos amigos, é sempre um dos primeiros a ligar para os nem sempre merecidos parabéns.
Portanto, Kledir, que você seja muito feliz nessa nova idade.
E que continue sendo esse sujeito fantástico que é.
E que nunca se esqueça desse meu amor por você.
Aceite meus atrasados, mas sinceros parabéns. E uma pitada exagerada de carinho desse seu irmão, nascido estranhamente do ventre de uma outra mãe.


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***
A Música Que Toca Sem Parar
Kleiton e Kledir, Deu Pra Ti


Foto:
Roberto e Kledir em Fort Lauderdale, Flórida, no último sábado (17 de abril), pronunciando pescoço, em francês.

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27 comments:

Zélia Guardiano said...

Primeira Pessoa
Resvalo na tentação e caio[ ainda que envergonhada... :)))] no lugar comum: sou a segunda pessoa ... Refiro-me ao interesse que tenho pela carreira desses dois meninos. Enquanto lia seu texto, ia balançando a cabeça de forma afirmativa. Concordando com tudo.
Segui a dupla, desde que surgiu. Comprei discos. Ouvi bastante! Cantarolei muito: ... " e quando fico assim, meio down, vou pra Porto Alegre , tchau"... Tanto que transformei a expressão numa epécie de gíria. Personal gíria. Se estou chateada com alguma coisa e decido sair para espairecer, costumo cantarolar a frase enquanto me dispeço dos que estiverem próximos.
Bem, se me dá corda, escrevo um romance. Então, resumo: você me fez muito bem com o texto! Gostei de saber algumas particularidades da vida deles. Afinal, eles são tão gente e eu, fã de carteirinha...
Um abraço

Jorge Pimenta said...

Não conheço o duo, Roberto, mas sublinho duas notas que percorrem a tua crónica: a música não embala a vida; ela é a própria vida. Por mais que os passos se troquem e o que se é seja diferente do que se foi, o desfiar das memórias é sobretudo melódico e auditivo (sensitivo, nesse sentido); muito mais que cognitivo.

Um abraço, Amigo!

líria porto said...

antes de ler vim falar uma coisinha que me dá uma réiva - nós nos encontramos e não temos nenhum, nenhunzinho, retratim!

pronto, falei!

sem besossssssssss

Anonymous said...

Eu gosto deles...

Beijos.

Primeira Pessoa said...

J,
também gosto muito deles...rs
gosto mais que demais deles.

beijão,
R.

Primeira Pessoa said...

Lírica,
não tirou porque não quis...rs
naquele dia eu tava cobrando baratim pra tirar fotos ao lado das pessoas...

Faia nossa, né?

Prometo que na próxima ida a BH nós consertamos isto.

Já ganho o meu beijo?

Primeira Pessoa said...

Jorge,
Kleiton e Kledir são irmãos (o Kleiton viveu uns meses em Lisboa... vou te mandar umas canções por email) nascidos em Pelotas, Rio Grande do Sul, extremo sul do Brasil.

Vitor Ramil, o irmão caçula, é também músico de talento reconhecido. Também te presentearei com algumas canções dele.

A música embala tudo. Até a morte. Já percebeu, poeta de Braga?

Primeira Pessoa said...

zélia,
escreva um poema, um conto, uma crônica, um romande...

escreva uma enciclopédia com os seus sentimentos... eu leio tudo. de A a Z. prometo.

sim, eles são tão humanos... tão gente. e, tenha certeza, sem a máscara tão comum a tanto de nossos artistas, estes guris são fãs de seus fãs.

acredite. sei do que to falando.

sua presença neste blog me deixa feliz.

abração do
roberto.

Paulo Jorge Dumaresq said...

Bacana até demais a crônica, Roberto.
Você é um estilista da língua de mão cheia.
Ops, não me interprete mal. Rsrsrs.
Também admiro a carreira da dupla.
Rapaz, também gosto de cheirar um rapezinho e nunca tive taquicardia. Rsrsrs.
Irmão, forte abraço.
Agora irei ao teatro ver "Anatomia Frozen", peça de Sampa.
Bjs na alma.

Primeira Pessoa said...

estilista da língua?
ops!
rs...

eles estiveram há não muito tempo na sua cidade e estão para voltar (segundo o kledir, ja tocaram até em são luiz do maranhão...rs... até...). quando isto for acontecer, faço questão absoluta de que passe nos camarins e lhes entregar, em nosso nome (meu e seu), um abraço.

em nome da nossa (minha e sua) amizade.

pelo que me diz, a cidade está fervilhando, peças de sampa e até mia couto, no próximo mês...

curta muito, poeta!

natal e você merecem.

nina rizzi said...

boníssima crônica, meu caro. crônica e aguda.

a foto tá massa e a música é o ícone da dupla, né. sabe que toda vez que tô de saco cheio entoo: "vou pra porto alegre, tchau, quando eu ando assim meio down, vou pra porto e bah! trilegal!".. rsrs..

beijos.

Em@ said...

Ai, Roberto, adorei a sua crónica. não conheço o duo mas vou ver se encontro alguma coisa no youtube. amizades assim fazem até mal, eheheh, a quem não tem igual.
percebo, perfeitamente,a questão vegetarianismo versus esbórnia...vivo rodeada de vegetarianos (eu já fui macrobiótica, mas com a gravidez de meu filho enjoei eheheh (ele é vegetariano) e eu continuo no enjoo.

deixo-te um beijo

Fernando Campanella said...

Eita beleza de amizade, hein, Roberto, diferenças à parte, entendimento e satisfação adentro. Muito bonito, e a música me traz um agradável gosto de nostalgia dos oitenta, tipo eu ouvindo a música na rádio Jornal do Brasil, ou Mundial...muito bom, é como se diz por aqui, todo um filme vem à minha cabeça.
Grande abraço, irmão.

Primeira Pessoa said...

fernando,
eu escutava o programa Noturno, da rádio jornal do brasil... 23 horas... levava o radio de pilha pra cama...rs
passou um filme também aqui...
olha, esse lance de diferenças é engraçado, porque na amizade dá lugar a tolerância, ao entendimento.
meu amigo ja desitiu de me fazer (acho) virar vegetariano, mas vive dando toques pra eu parar de fumar, manerar na birita... essas coisas...
engraçado é que estávamos conversando no carro, sexta-feira e la veio ele:
- e depois tu ainda diz que colocava minha música pra tocar quando saía de casa...rs
cê acredita que eu jurei que colocava pra tocar, sim?
e ele se derreteu de tanto rir.

coisa boa é viver, né?
abração, poeta!

Primeira Pessoa said...

em@,
tem muita coisa deles no youtube.
muuuuita coisa...
se der, veja Fonte da Saudade, Vira Virou (essa fala de Lisboa, na letra),Paixão, Deu Pra Ti (essa que toc hoje aqui no blog), Bry (uma de minhas favoritas)...

ah, tem um tantão de canções que se eternizaram, marcaram uma época e ainda hoje fazem sucesso.
o grande barato é que continuam compondo, escrevendo belíssimas canções.

curta muito!

Primeira Pessoa said...

nina,
cê já é a terceira pessoa aqui (comigo incluído)que usa a expressão da canção.

e olha que nunca fui a porto alegre.
o mais ao sul que cheguei foi florianópolis, umas duas vezes.

bom te ter por aqui.

beijão do
roberto.

Jorge Pimenta said...

Sabes que os Trovante estão confirmadíssimos no Rock in Rio, LIsboa, a 22 de Maio, Roberto?
Abraço!

líria porto said...

tens cada amigo porreta (eu incluída) - arrá!!

cem besos - pra com_pensar!

Primeira Pessoa said...

jorge,
eu queria muito estar nessa reunião dos Trovante.
o problema é que tô todo enrolado com minhas coisas e com visitas em casa, exatamente nesta altura.

cheguei a perguntar preço de bilhetes, estas coisas...

tocarão na mesma noite que elton john, né?

putz... quero ir... ainda tenho esperança.

Primeira Pessoa said...

lírica,
tá miorando...
despedida sem beijos não dá nem pra começar a conversar...rs
porreta és tu, muié! costumo dizer que tenho os melhores amigos que o afeto pode comprar.

saudade, viu!?

Unknown said...

Cronica com postal, bah tri legal. Vc falou dos dois e o terceiro o Vitor, que é muito bom também. Mpb Shell, início dos oitenta, e os caras de Maria Fumaça e com o Fogaça. Tô forgando hoje que sô. Abraço.

Primeira Pessoa said...

assis,
to com o novo cd do vitor em mãos... escutei hoje... e ele musicou poemas de borges... um cd só de milongas... e caetano gravou com ele uma faixa (milonga de los morenos).
ficou ducaralho.

ó, a maria fumaça foi no festival da tupi. eu vi essa apresentação, meninote. fagner levou o caneco, com Quem Me Levará Sou Eu, de dominguinhos e manduka.

putz, aquele festival foi demais...
passou um filme aqui, agora...

hoje, cê tá mais forgado que pirulito em boca de banguela?

uai... bão dimais...

beijão,
roberto.

Léo Santos said...

Bah! Que tri! Fiquei com ciúmes agora, pois, sou daqui de Porto Alegre e nunca os vi pessoalmente! Parabéns por essa amizade bacana! Esses dois são gênios!

Um abraço!

Primeira Pessoa said...

Léo,
não fique com ciúmes. Eles são muito feios...rs
Mas são muito talentosos, sim. E, mais importantes, são duas pessoas fantásticas.

E isso conta um tantão.

Bem vindo ao blog!
Abração do
Roberto.

líria porto said...

o pedro ramúcio - obrigada, betinho, por ter-nos aproximado - o menino é d'ouro - talvez por fabricar sapatos, não nos deixa pisar em cacos - forra com pétalas nossos caminhos...
besos

Primeira Pessoa said...

conhece ele desde menininho (ele).
eu ja bebia cerveja, lírica...rs

menino especial, sim.
dócil.

bom.

adoro ele (e seus irmãos... e ele tem uma penca deles).

ainda bem que o tempo passou tbm pra ele...

é ótimo menino.
adoro ele.

Bípede Falante said...

Fabulosa ternura codificada em palavras!
Adorei :)